O DIA DO
SENHOR...
Sofonias foi um profeta que viveu no mesmo período de Jeremias,
e talvez tenha sido um membro da corte governamental, pois provavelmente era
descendente do rei Ezequias. Na introdução (1:1) ao livro são citadas quatro
gerações de sua família, talvez para ratificar o conhecimento que tinha sobre
os pecados de Judá e dar credibilidade à sua pregação, uma vez que era
descendente de um dos grandes reis de Jerusalém.
O século VII a.C. foi um período conturbado, pois a Babilônia
estava em plena ascensão mundial com a derrocada do Império Assírio. O trabalho
de Sofonias e Jeremias era testemunhar a favor de Deus na iminência da
destruição do Templo e de Jerusalém pela Babilônia.
Do ponto de vista cronológico Sofonias se situa entre o fim do
ministério de Isaías, no século VIII a.C., e o início de Jeremias. Sofonias
quebrou o período de cinquenta anos de silêncio profético do reinado agressivo
de Manassés e, junto com Jeremias, ajudou a fundamentar a reforma religiosa
promovida por Josias (628-622 a.C. – 2 Cr. 34). Sofonias usou os principais
temas teológicos dos profetas do século VIII para aplicá-los ao cenário
turbulento do século VII.
Manassés reinou por cinquenta e cinco anos. Seu reinado
reinstituiu o sincretismo religioso com a religião baalista, e embora tenha se
arrependido no cativeiro babilônico, Judá não se recuperou mais deste reinado
catastrófico. Uma geração inteira de hebreus só havia conhecido apenas um rei,
e em condições, social e religiosa, completamente desfavoráveis. A tímida
tentativa de reforma por Manassés (2 Cr. 33:12-19) não foi suficiente para
apagar as manchas deixadas pela apostasia de cinco décadas e influenciou
negativamente seu filho Amon, que herdou a apostasia do pai, arrematando o
julgamento de Judá.
Josias, filho de Amon, começou a reinar aos oito anos de idade,
e, entre seu 12º e 18º ano de reinado Josias instituiu a maior reforma
religiosa até então. As práticas cúlticas e litúrgicas foram mudadas e
eliminaram-se os elementos estrangeiros, contudo o coração do povo pareceu não
ter mudado. Por esta razão os profetas Sofonias e Jeremias, após ele,
denunciaram o pecado e anunciaram o juízo que já estava às portas de Judá.
Sofonias, tal qual Oséias e Amós, estava atento aos movimentos
da política internacional; ao enfraquecimento da Assíria como potência mundial
e à ascensão da Babilônia no Antigo Oriente Próximo. Alguns anos após a
profecia de Sofonias, Nínive, capital do Império Assírio, foi destruída; Josias
foi morto em Megido (2 Rs. 23:29); Nabucodonosor derrotou o Egito na batalha de
Carquemis e tomou o controle da Palestina e da Síria das mãos da Assíria. Judá
foi então destruída e o grande dia do sacrifício do Senhor havia chegado (Sf.
1:8).
Estrutura de Sofonias
O livro de Sofonias pode ser dividido da seguinte maneira:
O Julgamento
Aviso do julgamento universal (1:1-3)
O julgamento de Judá e Jerusalém (1:4-13)
O julgamento das nações (1:14 – 2:15)
A acusação de Judá e Jerusalém (3:1-7)
Aviso do julgamento universal (3:8)
A Restauração (3:9-20)
Além de Amós, Sofonias é o único profeta menor que proclama
oráculos contra as nações além de Judá. Portanto, esses julgamentos não devem
ser vistos isoladamente, mas parte de um programa de Javé para punir os crimes
contra a humanidade que essas nações cometiam.
Sofonias é o profeta que mais mencionou o “Dia do Senhor”. Sua
ênfase no julgamento divino dá a tônica do livro tanto em termos do julgamento
manifestado na história de cada nação como parte da completude escatológica na
preservação do remanescente (3:13).
A expressão “Naquele dia” evoca uma ideia de terror e angústia
onde Judá e todas as nações ao seu redor seriam julgadas. Esse julgamento é
descrito em termos universais e ecológicos (1:2-3), quando a humanidade seria
julgada por seus pecados. Mais uma vez a natureza sofre as consequências pela
transgressão da humanidade.
Em virtude do sincretismo religioso com seus sacrifícios
humanos, idolatria e astrologia Judá seria julgada. Esse julgamento alcançaria
todas as camadas da sociedade, que estavam contaminadas pelo pecado (1:4-13).
Embora Sofonias fizesse parte da família real, isso não o impediu de denunciar
o uso de roupas estrangeiras (1:8) pelos príncipes de Judá, isto é, a aceitação
dos valores éticos, morais e espirituais dos pagãos.
Depois de alistar as razões do castigo, Sofonias descreve as
características terríveis do julgamento do Senhor, com cataclismos e angústia
sem precedentes (1:14-18).Não obstante, este julgamento seria apenas um
vislumbre do grande julgamento dos fins dos tempos que ainda há de vir.
Os próximos trechos dos oráculos de Sofonias (2:4 – 3:8) atingem
as nações ao redor de Judá. O julgamento em geral acontece em razão do orgulho
e arrogância dessas nações que desprezaram Israel (2:8-11).
A parte final do livro trata sobre a restauração de Deus após
seu julgamento e enfatiza o amor por seu povo. Os gentios também serão
renovados e haverá a possibilidade de servirem ao Senhor com harmonia (3:9-10).
Israel será purificado e reunido (3:11) assim que buscar ao Senhor e fugir do
pecado (3:12-13). Jerusalém receberá o perdão de Deus e terá a presença do
Senhor em seu meio (3:14-17).
Israel, por fim, será restaurado de acordo com as bênçãos da
Aliança em Deuteronômio (Dt. 26:18-19).
Propósito e conteúdo
Sofonias aborda os seguintes temas:
O dia do Senhor vem aí
O juízo por vir será universal
Os humildes devem buscar o Senhor
Sofonias pretendeu causar mudanças profundas em Judá quando
declarou seus oráculos, pois o anúncio do juízo divino tinha a intenção de restaurar
o povo da Aliança. O teor de sua mensagem era o Dia do Senhor, que se
aproximava rapidamente, e incluía a denúncia contra os líderes religiosos e os
oficiais corruptos. Portanto, o julgamento não seria punitivo, mas corretivo.
Embora o julgamento tenha sido claramente exposto, Sofonias não
mencionou a forma que teria. A corrupção político-espiritual traria
consequências permanentes. Ao mesmo tempo, Sofonias insiste para que os justos
busquem ao Senhor, a fim de que fossem poupados pela misericórdia no dia da ira
de Deus.
A restauração mencionada em 3:9-20 foi de caráter
religioso-espiritual, onde o remanescente disporia da paz e segurança do Senhor
(3:15).
O dia do Senhor
O termo “dia do Senhor” foi usado pelos profetas para indicar o
dia quando Deus instalasse sua própria ordem no mundo e quase todas as
profecias que se utilizam deste termo apontam para movimentos rumo a essa
condição ideal. Entretanto, antes da concretização final, que será realizada
diretamente pelo Senhor, cumpre-se o processo de acabar com a iniquidade.
Logo, antes do dia do Senhor escatológico, isto é, o dia que
inaugurará a ordem estabelecida pelo próprio Deus, existem diversos “dia do
Senhor”. Por isso, a queda de Nínive, da Babilônia e a própria derrocada de
Jerusalém são consideradas como “dia do Senhor”. Neste caso, o julgamento
divino não é final, embora fosse bastante drástico. O resultado deste dia do
Senhor permitiria o surgimento de um remanescente purificado.
O dia do Senhor é um momento onde a justiça é feita e geralmente
é retratado com a inversão da ordem atual. Um exemplo é que o dia do Senhor é
descrito como um dia de trevas e não de luz; os pobres são exaltados acima dos
ricos e os senhores servirão os servos. Esta é uma característica da literatura
profética que se utiliza do conceito de Dia do Senhor.
O povo hebreu sempre imaginou um dia do Senhor como um dia de
alegria onde Javé destruiria para sempre seus inimigos e eles triunfariam. Mas
jamais esperaram que também fossem julgados nesse dia. Desde Amós, os profetas
desmistificaram essa ideia, dizendo que os israelitas também estariam entre os
inimigos de Deus, maduros para o dia do juízo (Am. 5:18-20).
Javé não podia tolerar o orgulho, que impedia que o povo
confiasse no Senhor para sua salvação. O orgulho era o mal enraizado no coração
do ser humano; Judá (2:3), Moabe (2:10) e Nínive (2:15) não estavam isentos
dessa doença. A declaração de independência de Deus era o terrível pecado. Os
únicos aptos a escapar da fúria da ira do Senhor era o humilde que confiaria em
seu nome (3:12).
No Novo Testamento, o próprio Deus, encarnado em Jesus
aprofundaria ainda mais todos esses conceitos, e daria ele mesmo o exemplo em
sua própria vida.
Apóstolo, Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião
Dr. Edson Cavalcante
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