PROVADO POR DEUS
“Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” (Tg 1.2).
INTRODUÇÃO
As fontes que promovem as provações são muitas e variadas. As provações podem vir diretamente de Deus, a exemplo do que ocorreu com Abraão em Gênesis 22; de Satanás, no caso de Jó (Jó 1.6-12); do nosso semelhante, como no episódio em que os irmãos de José lhe intentaram o mal (Gn37.14-28; 50.20); e das mais diversas circunstâncias desencadeadas nos planos religiosos, políticos, sociais e econômicos, dentre tantos outros. Não obstante, uma coisa é absolutamente certa, Deus está monitorando cada uma delas visando nossa edificação.
A seguir, apresentaremos três itens relacionados ao ensino de Tiago que dizem respeito ao valor das provações às quais, necessariamente, temos que responder.
I – O imperativo nas provações (Tg 1.5)
Até o presente momento, ainda não me chegou nenhum irmão pulando de contentamento e em brados de alegria, confessando: “Pastor, estou muito feliz porque a minha vida está cheia de provações!” Imagine alguém chegando a você e dizendo: “À medida que os meus problemas aumentam, a minha alegria transborda.” Talvez ficássemos assustados; acharíamos estranho, por uma razão muito simples: não estamos observando nem obedecendo o imperativo do “tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações” (Tg 1.2). Pulamos, sim, de contentamento quando recebemos as “bênçãos”. Entenda-se por “bênçãos” tudo aquilo que sacia o nosso desejo de ter e possuir, além do que proporciona bem-estar. As bênçãos de Deus na nossa vida incluem tanto aquelas que produzem prazer, como aquelas que causam dor. Quando Paulo recebeu o “espinho na carne”, este causava-lhe dor e sofrimento, mas era bênção de Deus na vida do apóstolo. Sem a bênção do espinho ele poderia se ensoberbecer e, consequentemente, envergonhar o evangelho. O desafio de encarar com alegria as provações foi vivenciado por alguns personagens da Bíblia. Destes, destacaremos três exemplos.
1. Habacuque
A disposição do coração do profeta era louvar ao Senhor a todo custo (Hc 3.17-19). Ainda que a esterilidade prevalecesse, paralisando toda a fonte produtiva, Habacuque louvaria o Deus da sua salvação. Especialmente o versículo 18 nos revela o segredo do profeta: o motivo da sua alegria estava fixado em Deus. Quando a fonte da nossa alegria consiste nas bênçãos que Deus oferece e não no Deus que oferece as bênçãos, a nossa alegria está fadada à instabilidade; a nossa fé, à fraqueza; e o nosso relacionamento com Deus à confusão. Infelizmente, em nossos dias, muitas pessoas vão aos templos com um único objetivo: receber bênçãos de Deus.
Desejam a cura de uma enfermidade, um emprego, a restauração da empresa que está às portas da falência, um livramento, enfim, a solução de problemas que atingem a todos os mortais. Não constitui pecado buscar as bênçãos de Deus. Jesus mesmo nos incitou a pedir. Porém erramos o alvo quando fazemos da dádiva divina o nosso deus. Erramos, também, quando a busca da bênção é o fator que motiva nossa ida aos cultos. Deus deve ser a razão do nosso culto, a finalidade exclusiva do nosso serviço, o motivo supremo da nossa alegria.
2. Paulo
Paulo, que entusiasticamente fez a seguinte confissão: “Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para conseguir Cristo” (Fp 3.8), demonstrou em seu ministério que realizava a missão para a qual foi chamado com muita alegria, como um presente que recebera do Senhor, e não como um fardo a ser suportado, apesar das provações que lhe sobrevinham. Ainda em Filipenses, encontramos a razão por que Paulo transmite tanto entusiasmo e contentamento: “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação” (Fp 4.11). Tiago nos deixa o mandamento da alegria diante das provações e Paulo nos ensina o caminho para vivermos este princípio. O caminho é o aprendizado. Paulo aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação. Este deve ser o nosso alvo, o nosso desafio em meio às provações.
3. Jesus
“Homem de dores e que sabe o que é padecer”, assim era Jesus de Nazaré. Sofreu rejeição. Padeceu por fazer a vontade de Deus. Foi perseguido e desprezado. Mas não perdeu a doçura em meio às lutas. As provações não deixaram Jesus amargurado. Continuava sereno. Mesmo tendo uma “agenda apertada”, atraía as crianças e lhes dispensava atenção. Apesar das dificuldades, contemplava e ensinou os Seus discípulos a contemplar os lírios do campo e as aves do céu. Instruiu-os a cultivar a arte da contemplação. Ensinou-lhes a vencer as inquietações do cotidiano tirando lições da natureza. Jesus tinha motivos para a amargura, para o ódio. Foi traído pelo preço de um escravo, trocado por um homicida e crucificado como um malfeitor. Senhor das Suas emoções e fiel guerreiro contra o ódio e a amargura, Jesus optou pelo amor. Mesmo crucificado, sofrendo as mais terríveis dores, não Lhe faltou ternura para transmitir graça e perdão àqueles que só lhe causaram males. Seguimos os passos do nosso Mestre quando temos alegria, serenidade e ternura nas provações.
II – O PROPÓSITO DAS PROVAÇÕES (Tg 1.3-4)
É muito comum, quando estão em meio às aflições, as pessoas dizerem que não sabem o porquê de tudo isso que lhes está acontecendo. É verdade que nem sempre sabemos o motivo das experiências desagradáveis pelas quais passamos. A dor e o sofrimento quase sempre nos tiram a capacidade de perceber a razão dos fatos. Não sabermos o porquê da provação não a invalida. Ela continua sendo genuína e tem propósito. Às vezes, eu não sei a razão, mas Deus sabe. Isso basta. Jó não tinha a menor ideia por que estava passando por tamanho sofrimento; por que ele estava sendo tão provado. Não obstante, Deus sabia. E Jó, no devido tempo, saberia também. A palavra de Deus, a nossa experiência com Ele e o futuro se encarregarão de nos confirmar que as provações na vida do cristão têm propósitos definidos. Nada acontece por acaso. Não estamos à mercê da História. Somos servos do Todo-Poderoso, Aquele que age em todas as coisas parao bem daqueles que O amam, dos que foram chamados de acordo com o Seu propósito (cf. Rm 8.28). As provações visam produzir dois resultados, como veremos a seguir.
1. Fé aprovada
Abraão é considerado o pai dos que têm fé. Para que ele recebesse esse honroso título, sua fé foi provada até as últimas consequências. Quando chamado, obedeceu (Hb 11.8); quando posto à prova, ofereceu Isaque (Hb 11.17). Sua fé esteve sobre o altar da provação.
Fé aprovada é aquela que produz perseverança. A fé genuína, resultado direto dos testes de que Deus faz uso para promovê-la, induz o crente a continuar caminhando mesmo quando as circunstâncias não lhe são favoráveis. Ela induz o crente a continuar crendo em Deus e em Sua Palavra mesmo quando a dor não passa, quando a doença prevalece sobre a saúde, quando o emprego não vem; embora haja perdas e danos, sua fé permanece inabalável.
2. Caráter aprovado
A nossa experiência vai comprovar que a maioria das grandes mudanças que ocorreram em nosso caráter se deram em meio às provações. O sofrimento, muitas vezes, age como um verdadeiro instrumento da graça para reduzir a nada o orgulho do soberbo e a autosuficiência do arrogante. Quanta gente que se achava o dono da situação, supremo e intocável, só se aproximou da cruz devido ao rigor das provações a que foi submetido? As provações têm como objetivo, também, polir o caráter, ainda que seja a ferro e fogo. Evidentemente o poder transformador não está na dureza das tribulações, mas no Espírito Santo que age. Este, sabiamente, faz uso das circunstâncias e dos acontecimentos para nos instruir e nos moldar.
Devido ao estado caído em que o homem se encontra e a dureza de coração provocada pelo pecado após a queda, nem sempre nos é fácil ouvir a voz de Deus em situações normais. Às vezes, o leito de enfermidade, o luto pela perda de alguém que nos era importantíssimo, a dor e o sofrimento de uma crise existencial, entre outras, constituem oportunidades onde a voz de Deus é ouvida com mais clareza e os nossos valores e conceitos são mais bem avaliados. Não devemos subestimar o valor que as provações exercem na vida do crente no que diz respeito à construção de um caráter aprovado por Deus.
III – O ESSENCIAL NAS PROVAÇÕES (Tg 1.5-8)
Todos os frutos que as provações visam produzir podem se tornar nulos se nos faltar o essencial – a sabedoria para passar por elas. A sabedoria é o ingrediente que, quando não nos faz compreender o porquê da dor, por exemplo, nos ensina a aceitá-la com paciência. A sabedoria nos faz perceber que, apesar da provação, Deus é nosso aliado.
A falta de sabedoria, que seria a falta de compreensão das realidades eternas e do governo de Deus em todas as coisas, nos impele a não aceitar a provação e a duvidar da bondade de Deus. A instrução é clara: aquele que tem sabedoria deve aplicá-la; e quem não tem deve pedir com fé, resistindo a toda dúvida.
E quanto a você, cuja fé está sendo severamente provada, pergunto-lhe: como está sendo sua reação? Como você está se comportando enquanto sua fé está sendo testada? Em meio às suas lágrimas é possível perceber alegria, ou apenas murmuração? Atos 16.19-26 relata um interessante episódio. Paulo e Silas já estavam presos, depois de terem sido açoitados, com os pés no tronco. Por volta da meianoite, começaram a orar e cantar louvores a Deus. Orar em uma ocasião como essa não é tão difícil; cantar louvores, sim, soa estranho ao nosso entendimento. Numa situação semelhante normalmente choramos. Paulo e Silas cantaram. Aí eu vejo sabedoria. Deus, para eles, era tão real quanto o sofrimento. Eles tinham o sofrimento como razão para murmurar e abandonar a fé. Em contrapartida, tinham Deus para render louvores. Deus é maior que o sofrimento. É assim que a sabedoria faz seus cálculos. Se Deus é maior que o sofrimento, então rendamos a Ele o que Lhe é devido, e quanto ao sofrimento, paciência.
Veja três momentos na vida de Jesus, onde Ele age com profunda sabedoria ao ser provado.
1. Diante do príncipe das trevas
Depois de jejuar 40 dias, Jesus teve fome. Foi tentado pelo Diabo, e em todas as três investidas registradas em Mateus 4.1-11, Jesus rebateu com “está escrito”. O Mestre poderia ter usado os mais impressionantes discursos para combater o príncipe das trevas, no entanto, recorreu às Sagradas Escrituras. Desta forma, demonstrou que contra o Diabo, nossa arma mais eficaz é a espada do Espírito, a Bíblia. Contra o mal, age sabiamente quem age baseado na palavra de Deus.
2. Diante das autoridades judaicas
Os principais sacerdotes e os anciãos do povo, movidos pela inveja, não tardaram a perguntar com que autoridade Jesus estava a realizar o Seu trabalho, além de ensinar. Jesus Cristo os calou com a pergunta: donde era o batismo de João, do céu ou dos homens (Mt 21.23-27)? Quanta sabedoria! Evidentemente eles tinham uma resposta. Em momento algum deram crédito ao ministério de João. Mas, devido ao ambiente composto por uma multidão que acreditava ser João Batista um profeta, foram obrigados a se calar.
3. Diante das autoridades romanas
Em virtude da fama de Jesus, Herodes desejava vê-Lo. Queria ver milagres. Nada viu e desprezou o Rei dos reis. Em relação a Antipas, Jesus manteve silêncio absoluto (Lc 23.8-12) . Não quis lançar pérola aos porcos. A sabedoria se manifestou sem palavras. Pilatos ficou grandemente admirado pelo fato de Jesus não responder às acusações dirigidas contra Ele pelos principais sacerdotes e pelos anciãos. O silêncio de Jesus impressionou o governador da Judeia (Mt 27.12-14). Não devemos esquecer que o silêncio de Jesus também aconteceu para cumprir as escrituras do AT quando dizem que não proferiu palavra quando levado ao matadouro.
CONCLUSÃO
Uma vez que as provações estão no plano que Deus arquitetou para o nosso benefício e crescimento espiritual, só nos resta encontrar o caminho da alegria, da sabedoria e da confiança de que Ele está usando todas as circunstâncias para imprimir na nossa vida, no nosso caráter, as indeléveis marcas de Cristo. Aceitemo-las com alegria!
Apóstolo.Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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