GÓLGOTA...
Os quatro evangelistas individuam concordemente o lugar da
crucifixão de Jesus. Mateus escreve: "Ao saírem, encontraram um homem de
Cirene, de nome Simão. E o requisitaram para que carregasse a cruz. Chegando ao
lugar chamado Gólgota, isto é, lugar que chamavam de Caveira, deram-lhe de
beber vinho misturado com fel" (Mt 27,34a). Marcos conta: "E
levaram-no fora para que o crucificassem. Requisitaram um certo Simão Cirineu,
que passava por ali vindo do campo, para que carregasse a cruz. Era o pai de
Alexandre e de Rufo. Levaram Jesus ao lugar chamado Gólgota, que, traduzindo,
quer dizer o lugar da Caveira" (Mc 15, 20b-22). Lucas dá mais detalhes:
"Enquanto o levaram, tomaram um certo Simão de Cirene, que vinha do campo,
e impuseram-lhe a cruz para levá-la atrás de Jesus. Grande multidão do povo o
seguia, como também mulheres que batiam no peito e se lamentavam por causa
dele. ... Eram conduzidos também dois malfeitores para serem executados com
ele. Chegando ao lugar chamado Caveira, lá o crucificaram, bem como aos
malfeitores, um à direita e outro à esquerda" (Lc 23, 26-33). O quarto
evangelista relata sinteticamente: "Então eles tomaram a Jesus. E ele
saiu, carregando a sua cruz, e chegou ao chamado 'Lugar da Caveira' - em
hebraico chamado Gólgota - onde o crucificaram; e, com ele, dois outros: um de
cada lado e Jesus no meio." (Jo 19,17). Os evangelistas precisam que Jesus
saiu a um lugar fora da cidade, em hebraico (aramaico!) chamado Gulgoltha (em
latim "Calvaria", de onde Calvário).
Se Jesus foi crucificado fora da cidade, como se explica que o
Calvário e seu sepulcro estejam dentro de seus muros? A cidade cresceu, ora! A
arqueologia, além da realidade, o confirmou! Ademais, existe a sagrada
tradição. Não a que vem do ocidente, mas a judeu-cristã, especialmente no que
se refere ao lugar da sepultura de Adão, cuja caveira foi lavada pelo sangue de
Cristo para que todos os filhos de Adão fossem nele pelo "segundo
Adão" remidos...
Orígenes refere que a tradição relativa ao sepulcro de Adão no
mesmo lugar da crucifixão de Cristo é de origem hebraica. Esse padre da Igreja,
nascido em Alexandria do Egito no ano 185, argumenta: "De modo que, como
todos morrem em Adão, todos possam ressurgir no Cristo". A pequena abside
aos pés do Calvário (Capela de Adão) perpetua esse antiqüíssimo vestígio de
natureza simbólica. Eusébio de Cesaréia, antes dos trabalhos (327-335)
empreendidos por ordem do imperador Constantino, testemunha: "O lugar da
caveira, onde Cristo foi crucificado, ainda hoje é mostrado em Élia, ao norte
do monte Sião", embora o culto idolátrico da deusa Vênus/Afrodite se tenha
apoderado do lugar, há muito tempo. Uma preciosa cruz, que se perdeu nos saques
posteriores, não tardou a ser colocada no topo da elevação rochosa, considerada
pelos cristãos como o umbigo, centro espiritual, do mundo (S. Cirilo de
Jerusalém, IV séc.).
Eusébio de Cesaréia (pelo ano 340) refere detalhadamente as
circunstâncias que levaram à descoberta do sepulcro de Cristo, encoberto por
imensa terraplenagem desde o tempo do imperador Adriano (135 d. C.). Narra ele
que o imperador Constantino, pouco depois de 325, ordenara derrubar o templo
pagão e desentulhar em profundidade o terreno "e, então, contra toda a
esperança, apareceu... o venerando e santíssimo testemunho da ressurreição
salvífica". Desde então a tumba reencontrada foi sempre venerada, até ser
destruída por ordem do califa Hakem (1009) e era possível observá-la
completamente escavada na rocha, por estar revestida de mármore só
externamente, relata o peregrino Arculfo, do VII séc.
Apesar das numerosas restaurações, da tripartida basílica
constantiniana (Martyrion, Tripórtico e Anástasis) sobra apenas a rotunda da
Anástasis, qual grandioso mausoléu sobre o túmulo vazio de Cristo. O resto da
construção, a saber, o ingresso a sul, o Cathólicon ao centro, o deambulatório
e a capela subterrânea de Sta. Helena é obra dos cruzados (1141). O terremoto
de 1927 causou graves rachaduras no monumento; as restaurações, iniciadas em
1960, oportunizaram um conhecimento mais aprofundado sobre a história e a
topografia do lugar ao tempo de Cristo.
Desde o século 14, os franciscanos usufruem dos direitos de
celebrar na Basílica juntamente com os demais diversos ritos cristãos, direitos
esses concedidos inicialmente, a seu bel-prazer, pelo paxá do Cairo e, desde
1517, pelo sultão de Constantinopla, chegando em 1757 e 1852 a estabelecer o
"Statu quo", um férreo ordenamento que até hoje regula a convivência
das diversas comunidades.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião
Dr. Edson Cavalcante
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