PROSPERIDADE OU O REINO DE DEUS QUAL A
SUA META...
Tudo começou quando participei de um famoso congresso, no qual seu
preletor principal foi um pregador norte-americano, que veio a convite de um
renomado pastor brasileiro. Como eu admirava muito esse pastor, especialmente
por sua fidelidade às Escrituras, imaginei que qualquer pessoa indicada por ele
deveria ser digna de confiança. E assim, fui absorvendo os ensinamentos daquele
gringo, absolutamente desarmado de qualquer senso crítico. Ouvi coisas
fascinantes, que eu nunca antes havia aprendido, mas que hoje percebo serem, em
grande parte, distorções da Palavra de Deus. O pastor que eu tanto admirava
também ficou fascinado por essa mensagem, a ponto de tornar-se o maior defensor
dessa doutrina em nosso país. O problema é que, ao contrário do que aconteceu
comigo, ele não se arrependeu, mas continuou propagando esse mal, usando a
mídia para influenciar milhares de outros pastores, tanto no Brasil, quanto no
mundo.
Gostaria que tudo não passasse de um terrível pesadelo, pois é
angustiante testemunhar que isso está mesmo acontecendo! A teologia da
prosperidade está se disseminando como gangrena pelo corpo de Cristo, de tal
forma que é cada vez mais difícil se encontrar uma igreja que esteja livre dessa
contaminação. Sendo assim, sinto-me na obrigação de escrever esse alerta. Mas
devo esclarecer que meu combate não é contra pessoas e sim contra uma
gravíssima distorção da doutrina cristã. Aos que prosseguirem nessa leitura,
aconselho que peguem suas Bíblias e confiram se o que estou afirmando é mesmo
da maneira como estou dizendo. “Porque nada podemos contra a verdade, senão em
favor da própria verdade.” (2 Co 13:8)
Em primeiro lugar, precisamos definir o que é a teologia da
prosperidade. Em poucas palavras, a teologia da prosperidade é o conceito de
que Deus deseja riqueza para todos os seus filhos e de que, se algum filho de
Deus ainda não é rico, seria porque ele não está “semeando” corretamente.
Segundo essa teologia, o semear corretamente seria ofertar dinheiro no
ministério de alguém rico, ou em algum rico ministério, a fim de se colher da
mesma prosperidade que essa pessoa ou instituição usufrui “da parte de Deus”.
Basicamente, é isso.
Por considerar que a riqueza é prova da bênção de Deus, a teologia
da prosperidade deprecia os pobres, tratando-os como se eles fossem todos
miseráveis que estivessem a mendigar o pão. Mas isso não é verdade! Precisamos
ter em mente que “pobreza” não é o mesmo que “miséria”. Apesar de todo
miserável ser pobre, nem todo pobre é miserável. Uma pessoa que leva uma vida
simples pode até ser considerada “pobre” pela sociedade, mas isso não significa
que ela esteja na miséria. O problema é que a teologia da prosperidade não
aceita que o cristão tenha uma vida simples.
É importante se enfatizar isso: a teologia da prosperidade não
aceita que o cristão tenha uma vida simples. Para os defensores dessa teologia,
“Deus não quer que você se contente com o pouco que tem, mas que busque cada
vez mais e mais riquezas, pois desta forma Deus estará sendo glorificado na sua
vida”. Sendo assim, a teologia da prosperidade é preconceituosa em relação aos
pobres, chegando a dizer que pobreza é escravidão e que ser pobre é pecado! [1]
Os pregadores dessa doutrina procuram convencer as pessoas de que Deus espera
que elas o busquem com expectativas de uma recompensa, que seriam as riquezas
materiais. Um famoso pastor brasileiro chegou a chamar de “trouxa” quem oferta
a Deus somente por amor, sem esperar nada em troca.
Teólogos renomados, como John Piper [2], são diretos em denunciar
que a teologia da prosperidade é “outro evangelho”, diferente do evangelho
pregado por Jesus e pelos apóstolos. Isso é gravíssimo, pois Paulo declarou
serem malditos aqueles que pregam outro evangelho (Gálatas 1:8-9). Mas não é
difícil perceber porque se trata de outro evangelho. Basta considerarmos que a
teologia da prosperidade nada mais é do que a troca da mensagem “Deus quer que
você se arrependa” pela mensagem “Deus quer que você seja rico”. Obviamente,
essa última mensagem é uma boa nova que consegue atrair multidões, razão pela
qual tantos pregadores ficam fascinados por essa teologia. As pregações
bíblicas, que levavam ao arrependimento, estão agora sendo substituídas por
mensagens com títulos atraentes, tais como “Eu nasci pra ser feliz” ou “Uma
vida de prosperidade” e isso têm enchido rapidamente as igrejas. Algo
semelhante ocorre na maioria dos programas evangélicos da TV, nos quais a
mensagem precisa ser agradável aos ouvintes a fim de que se obtenha mais audiência
e, consequentemente, mais colaboradores para se pagar o programa.
Aliás, foi num desses programas evangélicos da TV que um conhecido
pastor desafiou que alguém apontasse o erro teológico em uma de suas mensagens
acerca de prosperidade. Aceitei o desafio e analisei biblicamente a mensagem.
Como eu já suspeitava, o “veneno” dessa teologia estava sutilmente espalhado
pela pregação, passando despercebido para quem não estiver atento, ou para os
que não conhecem o verdadeiro evangelho de Cristo. (Meu próximo artigo será uma
análise completa dessa mensagem, na qual já estou trabalhando)
Mas, dentre todos os erros, gostaria de destacar aquele que é
suficiente para se derrubar essa falsa doutrina:
A teologia da prosperidade é frontalmente contrária aos ensinos de
Cristo e dos apóstolos em relação a se acumular ou se desejar as riquezas deste
mundo.
O que estou afirmando pode ser facilmente comprovado, bastando que
se faça uma simples releitura do Novo Testamento. De fato, foi exatamente assim
que me dei conta do meu erro e de que precisava abandonar completamente esse
falso evangelho. Qualquer cristão que faça uma releitura dos evangelhos e das
epístolas poderá ter o mesmo despertamento para a verdade! O problema é que
muitos quase não leem o Novo Testamento e a maioria dos pastores só abrem suas
bíblias “profissionalmente”, a fim de procurar textos para pregar – textos que,
na maioria das vezes, estão no Antigo Testamento. [3]
Mas, consciente de que essa releitura bíblica demanda certo tempo,
relaciono a seguir alguns desses versículos, os quais são totalmente opostos à
teologia da prosperidade. Deixo também um pequeno comentário acerca de cada
trecho, mas estou certo de que a Palavra de Deus é poderosa, por si mesma, para
derrubar essa falsa doutrina.
Primeiramente, consideremos o que o Senhor Jesus nos ensinou –
considerando também que, se o chamamos de Senhor, deveríamos obedecê-lo (Lc
6:46), ao invés de ignorar ou distorcer suas ordens, que são tão claras e
diretas:
“Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a
traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para
vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não
escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu
coração.” (Mateus 6:19-21) “Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a
terra” é uma ordem direta. Não precisamos estudar teologia para compreender
algo tão evidente.
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se
de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis
servir a Deus e às riquezas. Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa
vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao
que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do
que as vestes?” (Mateus 6:24-25) O Senhor nos obriga escolher entre Deus e as
riquezas. Não é possível servir aos dois. Ou vivemos pelo “ser”, buscando a
Deus para sermos uma nova criatura que frutifique em amor para sua glória, ou
vivemos pelo “ter”, buscando acumular riquezas materiais na ilusão de que isso
glorifica a Deus.
“Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a
vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.” (Lucas
12:15) Confira também o restante desse capítulo, no qual o Senhor deixa claro
que a nossa vida consiste em sermos ricos “para com Deus”, o que nada tem a ver
com ter abundância de bens.
“Vendei os vossos bens e dai esmola; fazei para vós outros bolsas
que não desgastem, tesouro inextinguível nos céus, onde não chega o ladrão, nem
a traça consome, porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração.”(Lucas 12:33,34) Jesus ordenou esse desprendimento a todos, não
somente aos apóstolos. Juntar tesouros nos céus significa crescer em virtudes e
valores, tais como a compaixão e a humildade – devendo ser esse o foco da nossa
vida, o crescimento espiritual, e não o ganhar mais dinheiro.
“Assim, pois, todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo
quanto tem não pode ser meu discípulo.”(Lucas 14:33) Ao invés de ensinar a
renúncia, a teologia da prosperidade ensina a ganância.
“É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que
entrar um rico no reino de Deus.”(Marcos 10:25) Sendo as riquezas algo tão
perigoso, a ponto de colocar em risco a própria salvação, por que Jesus iria
querer que seus seguidores fossem ricos? Mas a teologia da prosperidade ensina
essa mentira, a de que Deus deseja que todos os seus filhos sejam ricos.
Agora, consideremos como viviam os primeiros (e genuínos)
cristãos, segundo nos é revelado no livro de Atos dos Apóstolos:
“Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre
todos, à medida que alguém tinha necessidade.”(Atos 2:45) Isso nos mostra o
desapego que os discípulos tinham em relação aos bens materiais, porque eles
compreendiam que a verdadeira riqueza é Cristo.
“Da multidão dos que creram era um o coração e a alma. Ninguém
considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes
era comum.” (Atos 4:32) Havia um desejo por compartilhar, muito diferente da
cobiça e ganância que é gerada pelos pregadores da teologia da prosperidade.
“Pois nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que
possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e
depositavam aos pés dos apóstolos; então, se distribuía a qualquer um à medida
que alguém tinha necessidade.” (Atos 4:34-35) Será que os pregadores da
prosperidade, que chamam as ofertas de “sementes” e que pedem para “semear” em
seus ministérios, estariam dispostos a repartir o dinheiro que arrecadam com
quem tiver necessidade?
E, finalmente, consideremos o que ensinaram os verdadeiros
apóstolos:
“Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma pode
levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os
que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em muitas concupiscências
insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque
o amor do dinheiro é raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se
desviaram da fé e a si mesmos se atormentaram com muitas dores. Tu, porém, ó
homem de Deus, foge destas coisas; antes, segue a justiça, a piedade, a fé, o
amor, a constância, a mansidão.”(1Timóteo 6:7-11) “Tendo sustento e com que nos
vestir, estejamos contentes” é o contrário do que ensina a teologia da
prosperidade, que motiva o crente a querer ser rico, mesmo com a advertência de
Paulo, de que “os que querem ficar ricos caem em tentação, e cilada, e em
muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na
ruína e perdição” É difícil compreender como um crente pode ser tão cego e
continuar desejando riquezas, quando Paulo nos ordena fugir dessas coisas.
“Sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a
repartir”(1Timóteo 6:18) Foi isso que Paulo instruiu que Timóteo dissesse aos
ricos. Eis a verdadeira riqueza que Deus espera encontrar em nós: o amor ao
próximo, não somente de palavras, mas por obras e em verdade.
"Porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça,
e paz, e alegria no Espírito Santo."(Romanos 14:17) Para os pregadores da
teologia da prosperidade, no entanto, o reino de Deus é comer o melhor desta
terra.
“Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que
tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te
abandonarei.”(Hebreus 13:5) “Contentai-vos com as coisas que tendes”. Será
preciso dizer mais alguma coisa?
É tão claro e evidente que a teologia da prosperidade contraria o
ensino de Cristo e dos apóstolos que me sinto ridículo em mostrar esses
versículos. Todo cristão já deveria saber disso! Para que fique ainda mais
evidente o contraste, comparemos o ensino da doutrina cristã com aquilo que
ensinam os pregadores dessa teologia diabólica:
Sobre o acúmulo de bens materiais
Ensino de Jesus e dos apóstolos:
Não acumulem bens sobre a terra, a não ser para se repartir com os
necessitados.
Ensino da teologia da prosperidade:
“Quanto mais bens você acumular para si mesmo, maior será o sinal
da bênção de Deus sobre a sua vida”.
Sobre desejar as riquezas
Ensino de Jesus e dos apóstolos:
Não devemos desejar riquezas.
Ensino da teologia da prosperidade:
“Devemos desejar riquezas.”
Sobre o contentamento
Ensino de Jesus e dos apóstolos:
Devemos viver contentes com o que temos.
Ensino da teologia da prosperidade:
“Não devemos nos contentar com pouco.”
Sobre os pobres
Ensino de Jesus e dos apóstolos:
Os pobres são bem-aventurados. (Lc 6:20; Tg 2:5)
Ensino da teologia da prosperidade:
Pobreza é escravidão e ser pobre é pecado.
Antes de concluir, quero esclarecer que não faço apologia da
pobreza, como se ela fosse um fim em si mesma. Ser pobre não é sinônimo de
salvação, assim como ser rico não é sinônimo de perdição. Embora Jesus tenha
afirmado que um rico dificilmente consegue entrar no reino de Deus, ele mesmo
completou que "os impossíveis dos homens são possíveis para Deus."
(Lucas 18:25-27) No entanto, fazer dessa ressalva de Jesus uma norma é como
fazer da exceção a regra.
“Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo
e não somente de crerdes nele” (Filipenses 1:29).
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr.
Edson Cavalcante
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