Fazer um paralelo entre a história de Jó e as literaturas antigas produzidas na Grécia, com base nas queixas dos personagens, em decorrência do sofrimento, é temerário, pois, a dor, o sofrimento e a angústia são sensações físicas ou psíquicas iguais em todos os homens, portanto, quando descritas, as perspectivas são equivalentes.
Considerações sobre o sofrimento de Jó
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Considerações sobre o sofrimento de Jó
A história de Jó e outros textos do Oriente Antigo
Parte III
As riquezas, a família e a saúde foram arrancadas abruptamente de Jó sem um motivo aparente. E o que relata a Bíblia? Em tudo isso Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.
O sofrimento afetou o equilíbrio emocional de Jó, mas não tirou a sua confiança em Deus.
A compreensão que Jó tinha a respeito da existência do homem neste mundo e das dádivas que Deus concede pelo fruto do trabalho, era firme. Para Jó, tudo pertence a Deus e, se alguém tem alguma coisa, é porque recebeu de Deus.
“O Senhor o deu e o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor!” (Jó 1. 21).
Jó se posiciona como servo diante do senhorio de Deus, quando diz que o Senhor deu e o Senhor tomou, e o louva por tudo.
O sofrimento e a perda de bens materiais não afetou a confiança de Jó em Deus, porém, o mal que sobreveio sobre ele, afetou sobremaneira os seus amigos. Quando avistaram a condição de Jó, lamentaram e choraram, em alta voz, e permaneceram sete dias, sem dizer uma palavra sequer, sentados em cinzas e com os mantos rasgados (Jó 2:12). Era evidente a má sorte de Jó, entretanto, os consoladores não conseguiram segurar a emoção que a tristeza provocou.
Satanás vive observando, diuturnamente, os homens e identificou o bem mais precioso na vida de Jó. O sofrimento foi somente uma distração, enquanto o ponto principal seria atacado com todas as forças pelo adversário.
O sofrimento impressionou muito mais os amigos de Jó, do que o próprio Jó. Por quê? Porque o sofrimento de Jó foi um quadro meticulosamente arranjado por Satanás, para a contemplação e a estupefação dos amigos de Jó. Eles avistaram Jó, de longe, e não o reconheceram. Eles viram que a dor de Jó era muito grande e isso os tocou, profundamente.
O quadro aflitivo de Jó foi delineado para estabelecer uma cilada, que tragou primeiro os amigos de Jó pela estupefação e, posteriormente, se voltaram contra Jó para justificar a Deus. O sofrimento foi uma cilada que enlaçou, sentimentalmente, os amigos de Jó e, assim, guiados pelos sentimentos e emoções, foram conduzidos a fazer julgamentos segundo padrões humanos.
Satanás já aguardava um julgamento precipitado dos três amigos, ao exibir um justo sofrendo. Diante daquele quadro aflitivo, os amigos de Jó só tinham duas opções viáveis a considerar:
a) Deus é justo e Jó está em pecado;
b) Jó não está em pecado e Deus não estava sendo justo.
Ora, sem mais delongas, os amigos de Jó se posicionaram em defesa de Deus e emitiram um juízo, segundo o que era aparente. Eles julgaram, precipitadamente, a condição de Jó e foram unânimes ao concluir que Jó estava em pecado.
A conclusão equivocada dos amigos de Jó era o elemento que Satanás precisava para iniciar um ataque à integridade de Jó. Após Jó manifestar a intensidade da sua dor, o primeiro amigo dele deixa de considerar a aflição de Jó e passa a fazer considerações acerca da justiça de Deus.
É admirável como a grande maioria dos leitores do Livro de Jó se identifica com os sofrimentos desse homem, mesmo não tendo passado por nada parecido. Muitos questionam: – Como um homem pode suportar tanto sofrimento e continuar integro diante de seu Deus?
É próprio dos homens se identificarem com os problemas alheios, principalmente diante de alguém que mantém um comportamento altruísta. O sentimento de empatia leva os homens a analisarem e se compararem com o outro, imaginando qual seria o seu comportamento, frente aos mesmos sofrimentos.
O sofrimento toca profundamente os homens e causa uma espécie de fixação. O homem se detém, geralmente, no que pode ver, ouvir e sentir pela empatia e deixa de considerar a questão segundo a revelação das Escrituras.
O sofrimento de Cristo na cruz comove multidões, entretanto, as pessoas, na sua grande maioria, não conseguem visualizar o amor de Deus e a justiça que Deus proporcionou para a humanidade.
O elemento mais importante para a humanidade na cruz é a obediência de Cristo e o sofrimento, a maior provação para o Cristo, que teve que desprezar a afronta, pelo prémio que lhe estava proposto.
A visão humana só alcança o que é temporal, passageiro e efêmero, e o sofrimento é uma das principais impressões que fixa, privilegiadamente, uma ideia na mente do homem. Uma má leitura do livro de Jó deixa a impressão de que o livro trata do sofrimento de um homem que, em última análise, não era merecedor.
Entretanto, no Livro de Jó Deus revela algo grandioso, que diz respeito às coisas eternas, às quais o pensamento do homem não poderia alcançar, se Deus não o revelasse, pela sua palavra. O sofrimento de Jó serve a um propósito infinitamente superior!
Por mais que o homem seja diligente em suas realizações, Deus nada deve ao homem. A única exigência de Deus para com o homem é que confie, ou seja, descanse n’Ele.
A exigência de Deus para se alcançar a sua justiça está bem ilustrada em Abraão, que creu em Deus e isso foi lhe imputado por justiça.
Vale destacar, aqui, algumas considerações acerca do sofrimento, em vista do que contém o livro ‘Jó: O Problema do Sofrimento do Justo e o seu Propósito’[1], do Pr. Claudionor de Andrade, que cita outros autores.
O sofrimento que Satanás impingiu sobre Jó não pode ser considerado uma forma de Deus se ‘justificar’ frente às acuações de Satanás. Deus não se justifica com ninguém, pois todas as suas obras são, juntamente, justas e boas. Deus permitiu o sofrimento na vida de Jó para deixar uma lição valiosa para a humanidade, que é muito superior ao sofrimento de um homem. Jó estava à disposição de Deus na condição de servo.
O sofrimento na vida de Jó é detalhe, portanto, jamais o leitor do Livro de Jó pode se deixar levar pelo pensamento de que o sofrimento serve para purificar o homem. É uma ideia equivocada entender que a mente humana finita, frente ao propósito de Deus, torna impossível saber o motivo de um justo sofrer. O sofrimento não transforma e nem aperfeiçoa ninguém. Não há poder transformador ou regenerador no sofrimento, como alguns alegam. A redenção e purificação do homem estão no evangelho de Cristo, que é poder para salvação do que crê.
A grandeza do evangelho é infinitamente vasta, se comparado este com o sofrimento de um justo. Ora, se o homem está apto a compreender o evangelho, não estaria apto a entender o sofrimento de um justo? O sofrimento é plenamente compreensível!
Há quem diga que Deus confiou em Jó e que, por isso, submeteu Jó a uma prova. Sabemos que Deus requer dos homens, que confiem em sua palavra, que é fiel e justa, jamais o contrário. Porém, como alguém onisciente pode confiar num homem, se é sabedor de todas as coisas?
Deus não usou o sofrimento de Jó para derrotar Satanás, antes para deixar uma lição para a humanidade. O sofrimento que sobreveio sobre Jó não é resultado de um duelo entre Deus e Satanás. O Criador jamais se opõe às suas criaturas, mesmo contra Satanás. Em Cristo, a vitória da Igreja já estava estabelecida, pois Ele é o cordeiro de Deus morto, desde a fundação do mundo, antes da fundação do mundo.
A história de Jó e outros textos do Oriente Antigo
Para alguns estudiosos, o tema do Livro de Jó não é genuinamente israelita, mas uma reprodução de uma ideia comum a todo o Oriente.[2] [3] Esses eruditos partem da premissa de que outros textos antigos trabalharam, a seu modo, o problema do sofrimento humano, vez que Jó poderia ser um não israelita oriundo de Us.
Ora, Abrão não era israelita quando foi chamado por Deus, pois era um caldeu da cidade de Ur e tal fato não pode ser tomado como evidência de que as instruções que o gentio Abrão recebeu de Deus tem raízes ou paralelo com qualquer pensamento produzido na caldeia.
Atribuir ao Livro de Jó semelhanças, até mesmo com as tragédias gregas,[4] por entenderem que o tema do Livro de Jó é o sofrimento humano, só evidencia a gana dos estudiosos em estabelecer um paralelo entre o personagem bíblico Jó e alguns personagens das tragédias gregas, como exemplo: Prometeu, Ésquilo e Édipo rei, de Sófocles.
Considerando que as tragédias gregas não possuem finalidade didática e que, apesar de poder causar a ‘catarse’[5] das emoções dos espectadores, este não era o seu objetivo; portanto, já temos um contra ponto à tentativa de se estabelecer semelhanças entre a história de Jó e as tragédias gregas.
A história de Jó possui viés didático, ou seja, introduz questionamentos acerca da justiça de Deus, para apresentar ao leitor um conhecimento impar, que somente Deus pode revelar, pois, o conhecimento que há no Livro de Jó, não tem paralelo com qualquer elucubração da mente humana.
Analisando a história de Jó, apesar do caráter irretocável do personagem, a mensagem do livro não é de cunho moralizante ou prescritivo de comportamento, como se observa na arte renascentista, pela má leitura que fizeram das tragédias gregas, malogro que se repete nas ‘tragédias’ shakespearianas[6].
Enquanto os artistas literários[7] da Grécia produziam as suas obras trágicas centradas na imitação, ou mímēsis[8], séria, completa e de certa magnitude, tendo a forma da composição artística a ação e não a narração, de modo a evocar emoções, como a piedade e o terror dos espectadores, os artistas Renascentistas, com destaque para os trabalhos de Shakespeare, tinham o viés de apresentar o protagonista da estória, confrontado com sua própria culpa.
Colocar Jó e Édipo, lado a lado, é um despautério, pois, apesar de, nas tragédias gregas, os heróis serem homens de elevada reputação ou, posição social, Jó é descrito como inigualável, pelo testemunho dado por Deus:
– “Porque ninguém há na terra semelhante a ele” (Jó 1:8).
Enquanto o personagem e a história de Édipo são fruto da imaginação do homem, Jó é um personagem histórico que habitou na terra de Uz. Este é um personagem histórico, aquele um personagem literário fictício que idealiza homens da vida real.
A prosa no Livro de Jó, que introduz o diálogo entre Jó e seus amigos, redigido em forma de poesia, não depõe contra a literalidade da história – embora há quem lance mão dessa peculiaridade, para dizer que sim – antes reveste de importância a história de Jó.
Os discursos em forma de poema são uma ferramenta de proteção e preservação das ideias que são apresentadas pois, as poesias hebraicas, através dos seus paralelismos, estabelecem travas lógicas que favorecem a preservação do texto.
O Livro de Jó tem, como pano de fundo, o sofrimento, assim como muitas outras estórias oriundas do imaginário humano. As estórias trazem no seu bojo o sofrimento, pelas emoções que evocam aos espectadores.
Já, o sofrimento de Jó, foi utilizado para fins didáticos e não para impingir o terror ou a piedade pois, tudo que as Escrituras contêm, para o nosso ensino foi escrito:
“Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Romanos 15:4).
Estabelecer um paralelo entre a história de Jó e as literaturas antigas produzidas na Grécia, com base nas queixas dos personagens, em decorrência do sofrimento, é temerário, pois, a dor, o sofrimento e a angústia são sensações físicas ou psíquicas iguais em todos os homens, portanto, quando descritas, as perspectivas são equivalentes.
No entanto, diferente de Édipo, a história de Jó não foi engendrada, tendo as Moiras como pano de fundo, e nem evoca os meandros do fatalismo. O Deus do Livro de Jó não se sujeita ao Destino, um dos deuses da mitologia grega que sobrepuja todos os outros deuses e perante o qual os outros se curvam. Diferentemente, dos deuses da mitologia Grega, o Deus de Jó não se compraz em fazer a humanidade sofrer.
Édipo, ao descobrir a trama que estava envolto, rende-se[9] diante da sua impotência e miserabilidade traçada pelo Destino[10]. Diferentemente, ao contemplar a grandeza de Deus e ser instruído, Jó se arrepende de ter tecido comentário desairoso sem o conhecimento necessário (Jó 42:3-4).
Deus, no Livro de Jó, é o mesmo Deus que se revela por todas as Escrituras, e nada tem a ver com os deuses da mitologia grega e o fatalismo, concepção tão cara àquela sociedade.
O Livro de Jó deve ser visto a partir da seguinte premissa:
“Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque, quando for provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam. Ninguém, sendo tentado, diga: de Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta. Mas, cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência” (Tiago 1:12-14).
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.
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