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terça-feira, 17 de março de 2020

OS MILAGRES DE CURAS DO SENHOR JESUS CRISTO


                                      OS MILAGRES DE CURAS DO SENHOR JESUS
João 2.1-12
Introdução
É muito comum, em nossos dias, nos depararmos com doutrinas e práticas evangélicas que se baseiam quase exclusivamente na realização de milagres e na expulsão de demônios de todas as espécies, até mesmo os mais esdrúxulos (demônio da aspirina, demônio do ventilador e demônio da porta, por exemplo). O Senhor Jesus também realizou milagres e expulsou demônios. Será que podemos encontrar semelhanças entre as doutrinas e práticas de nossos dias e a ação de Jesus? E diferenças? Isso é o que veremos na lição de hoje.

I. Os milagres na Bíblia

No Antigo Testamento, encontramos um conceito de milagre que é muito mais amplo que o conceito moderno. Nele, estava incluído não apenas o que acontecia fora da ordem natural (a ressurreição do filho da viúva de Sarepta, por exemplo, 1Rs 17.8-24), mas também tudo aqui­lo que, de um modo extraordinário, mostrava a intervenção de Deus na esfera da criação ou nos acontecimentos da história (Sl 136.1-26). Tudo o que se enquadrava nisso era manifestação de poder, um feito grandioso ou maravilhoso (2Rs 8.4; Jó 5.9; Sl 71.19), (Êx 34.10; 2Sm 7.23), prodígio (Êx 7.9; Dt 29.3; Sl 78.43; 105.5) ou sinal (Êx 7.3; Dt 11.3). Até mesmo fenômenos naturais, como a chuva e o trovão, em determi­nadas circunstâncias, podiam ser incluídos entre os milagres (Jó 5.9; 37.5). No entanto, Deus também podia realizar os feitos mais inusitados, os mais “sobrenaturais”. Para o israelita, não ha­via diferença entre natural e sobrenatural: tudo era governado soberanamente por Deus. A ação de Deus é uma ação cujo poder não tem limites e cuja liberdade é soberana e absoluta. Entretanto, sempre o ato milagroso tem uma finalidade muito específica: mostrar a grandeza de Deus e dar crédito à sua palavra, ainda que, de acordo com o que o próprio Deus diz, o milagre em si não seja suficiente se não estiver em harmonia com a revelação divina (Dt 13).
No Novo Testamento, é mantido o mesmo conceito de milagre com algumas pequenas diferenças. Os termos mais frequentemente usados no Novo Testamento para designar o milagre são “prodígio” (Mt 24.24; Jo 4.48; At 2.22), “obra reveladora de grande poder” (Mt 11.54; Mc 6.14) e “sinal” (Mt 12.38; 16.1; Jo 2.11; 3.2; 4.48). Cada uma destas palavras tem um significado especial: prodígio indica a finalidade do milagre: chamar a atenção, produzir uma reação de assombro e temor reverente (Mc 2.12; 4.41; 5.42; 6.51; 7.37); poder ou obra poderosa destaca o poder com o qual o milagre é realizado; sinal destaca o caráter de crédito do milagre, isto é, sua capacidade de confirmar a palavra dita ou sua natureza ilustrativa. Os milagres de Jesus não apenas provam a legitimidade de suas afirmações (Mt 11.2-6; Jo 2.11; 3.2; 5.36; 10.25,38; 14.10-11), mas também iluminam aspectos essenciais de sua obra redentora. A cura do cego de nascença é a melhor ilustração da ação iluminadora de Cristo, que é a luz do mundo; a multiplicação dos pães, de sua ação vivificadora, como o pão da vida, o pão vivo que desceu do céu; a purificação do leproso, da ação que livra o ser humano de sua contaminação moral.
Observa-se que os milagres realizados por Jesus não tinham o objetivo de satisfazer o desejo especulativo das pessoas, nem criar uma onda de popularidade. Os milagres de Jesus eram demonstrações de que as forças salvadoras do reino de Deus estavam em ação (Mt 12.28). Eles revelam o domínio completo de Jesus sobre todos os seres e poderes do universo, visíveis e invisíveis, físicos e espiri­tuais. Os elementos da natureza, os demônios, a enfermidades e a morte se curvam diante da palavra de Jesus. O propósito final dos mila­gres não é entreter os seres humanos, como se Jesus fosse um mágico, mas confrontá-los com as realidades do reino de Deus e levá-los a uma decisão de fé. No milagre, aparece tanto o dedo de Deus, que realiza o milagre, quanto o dedo de quem é utilizado para que o milagre seja realizado, que aponta para Deus e o glorifica.

II. Peculiaridades dos milagres de Jesus

Os milagres de Jesus possuem algumas peculiaridades que, bem compreendidas, nos ajudam a entendê-los e a encaixá-los no res­tante de tudo aquilo que, neste trimestre e no trimestre anterior, estudamos sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo.
1. Ausência de artes mágicas. Nada há, nos milagres de Jesus, que seja semelhante às práticas mágicas de qualquer época. Não há palavras mágicas ou imprecações de magos ou mágicos, nem rituais de qualquer espécie. Geralmente sua palavra é suficiente para que o milagre seja realizado. Quando, em certos casos, suas palavras são acompanhadas por al­guma ação, essa ação não é um ritual e parece destinada a estimular a fé na pessoa que vai receber o milagre. Por exemplo, ele tocou no leproso (Mt 8.2-3), nos olhos dos dois cegos (Mt 9.29) e no homem que era surdo e gago (Mc 7.31-37) ao curá-los.
2. Ausência de ações punitivas. É muito significativa a resposta dada por Jesus aos discípulos que lhe pediram que mandasse fogo do céu para consumir os samaritanos que não quiseram recebê-lo: “… O Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las…” (Lc 9.56). O único milagre de juízo realizado por Jesus teve como objeto uma figueira estéril (Mt 21.18-22) e este milagre teve uma finalidade eminentemente didática.
3. Ausência de realizações em benefício pró­prio. Embora, em mais de uma ocasião, tenha sido tentado a fazer isso, Jesus sempre recusou utilizar seu poder para se livrar do sofrimento e da morte (Lc 4.1-4; 23.35, 37), mesmo sabendo que tinha poder para isso (Mt 26.53), nem para exibir sua grandeza (Mt 4.5,7; Mc 8.11-12). Mesmo quando realiza milagres em benefício de outras pessoas, várias vezes Jesus recomen­dou que elas mantivessem silêncio sobre o que havia acontecido.
4. Dignidade e coerência com o caráter de Jesus. Não encontramos nos Evangelhos nenhum relato de milagres ridículos e sem sentido, como os que se encontram nos evangelhos apócrifos. As narrativas dos Evangelhos canônicos se caracterizam por uma sobriedade inquestionável. Em todas elas, o milagre está em completa harmonia com a pessoa de Jesus e com a natureza de seu ministério redentor.
5. Manifestação da compaixão divina. Todos os milagres de Cristo manifestam não apenas o seu poder, mas também a sua graça e a sua misericórdia. Eles nascem em seu cora­ção misericordioso, que se comove diante do sofrimento, da miséria moral e da morte dos seres humanos e são a expressão do amor de Deus por uma humanidade miserável, imersa em pecado e em suas terríveis consequências. Nos milagres de Jesus resplandece a miseri­córdia de Deus.
6. Caráter significativo. Como vimos, os mi­lagres registrados nos Evangelhos têm um valor ilustrativo, isto é, eles são sinais de realidades espirituais que correspondem ao plano da salva­ção. As curas físicas são apenas uma parte da ação restauradora de Cristo (Mc 2.1-12). Ao paralítico, Cristo não disse apenas “… levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (v.11), mas assegurou que seus pecados tinham sido perdoados: “… Os teus pecados estão perdoa­dos” (v.5). A abundância dos pães multiplicados devia levar as pessoas que se alimentaram com eles a trabalhar “… não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna…” (Jo 6.27). A cura dos endemoninhados é um sinal da autoridade soberana de Jesus sobre satanás (Mt 12.29; Lc 10.17-18) e sobre todas as forças do mal que afligem os seres humanos. Todos os milagres de Jesus apontam para o fato de que começou a plenitude do tempo da salvação.
No entanto, as realizações no plano espiritual não são completas. O crente que sabe que está perdoado ainda não está livre do pecado ou das tentações do diabo, mas estará quando o reino de Deus estiver totalmente estabelecido. Por isso, o milagre tem, também, um componente escatológico. Ele dirige nosso olhar para o dia em que a redenção será perfeita, e isso nos ajuda a entender melhor a obra de salvação no tempo presente. Assim como o cego de Betsaida, a quem Jesus restaurou a visão progressivamente (Mc 8.22-25), o crente tem, hoje, experiências inacabadas, mais ou menos “borradas”, mas, um dia, sua visão e seu desfrute da salvação serão perfeitos. Agora, embora não faltem si­nais evidentes dos poderes presentes do reino, há situações que causam tensão, perplexidade, dúvida e medo. Lembre-se do momento de dúvida de João Batista (Mt 11.1-6; Lc 7.18-23). No entanto, da mesma forma que os milagres de Jesus sempre foram totais e perfeitos, assim também será sua obra de salvação. Na consumação de sua obra, satanás será definiti­vamente vencido (Ap 20.1-10) e os redimidos, em perfeita comunhão com Deus, serão livres de todo sofrimento, triunfarão sobre a morte (Ap 21.4) e serão transformados à semelhança de Cristo pelo poder de sua ressurreição (1Co 15.22; Fp 2.21).

III. A expulsão de demônios

Há um tipo específico de milagre ao qual precisamos dar uma atenção especial. Trata-se da expulsão de demônios. A possessão demoníaca e as narrativas de libertação deste mal, contidas nos Evangelhos, têm tido uma interpretação muito variada. Alguns entendem que a possessão demoníaca é uma simples en­fermidade mental. Creem que os casos de pos­sessões demoníacas registrados na Escritura podem ser explicados como manifestações de psicose maníaco-depressiva, epilepsia e his­teria e que os relatos de exorcismos relatados nos Evangelhos encontram sua explicação no fato suposto de que Jesus acomodava sua ação às crenças de seu tempo para facilitar a fé dos enfermos, isto é, tentam explicar os exorcismos registrados nos Evangelhos como uma “mentira piedosa” de Jesus. Esta interpretação, além de ser arbitrária, atenta contra a dignidade de Jesus. Nenhuma forma de mentira piedosa é imaginável naquele que é a verdade personificada, no Cristo perfei­tamente santo, em quem não existe pecado. Um outro fato que deve ser levado em con­sideração é que os relatos, por seu modo de descrever os fatos, não deixam lugar a dúvidas quanto à sua verdade objetiva: se a Escritura afirma que os fatos relatados eram casos de possessão demoníaca, não temos motivo para duvidar dela. Os sintomas da possessão demoníaca podiam, de fato, coincidir com os sintomas de uma enfermidade psicológica. No entanto, os evangelistas tomam o cuidado de fazer uma distinção clara entre enfermidade psicológica os “lunáticos” (Mt 4.24), por exemplo e possessão demoníaca (Mc 1.32; 3.10-11; Mt 4.24; 8.16; Lc 4.40-41; 6.17-18; 7.21). Como dizem por aí, “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”.
Nos Evangelhos, a expulsão de espíritos malignos não é um acontecimento raro e sem importância. Pelo contrário, ela ocupa, no ministério de Jesus, um lugar profunda­mente significativo. A expulsão de demônios realizada por Jesus não tem nada em comum com as formas de exorcismo encontradas entre judeus e pagãos, com suas benzeduras, encantamentos e artes mágicas. Nas expulsões de demônios realizadas por Jesus, não há nada disso. Basta sua palavra, cheia de autoridade, para que os demônios saiam e os endemoni­nhados sejam restaurados à normalidade.
Nos relatos bíblicos das expulsões fica evidente a existência real de seres maléficos, invisíveis, mas presentes e ativos entre a humanidade (os demônios). Esses demônios reconhecem Jesus Cristo como o “Santo de Deus” e, no devido tempo, se curvarão, ven­cidos, à soberania absoluta do Rei (Fp 2.10). Além disso, a expulsão de demônios era um sinal de que o reino dos céus havia começado a se manifestar com o poder do Espírito de Deus, muito superior a satanás e seus exér­citos (Mt 12.28). A derrota total de satanás e seus anjos havia se tornado uma realidade (Lc 10.17-18). O diabo continuaria agindo como príncipe deste mundo, mas não apenas ele é um príncipe já vencido e condenado (Cl 2.15), mas também seu poder é limitado pelo poder de Cristo. Já agora, como dizia Lutero, Satana maior Christus, isto é, maior que satanás é Cristo.
Assim ficava assegurada a libertação para todo aquele que crê em Jesus como seu Se­nhor e Salvador (1Jo 5.18). Somente uma interpretação que se encaixe no panorama dos dados bíblicos apresentados aqui se harmoni­za com o testemunho dado pelos evangelistas e reflete o ensino bíblico sobre a soberania de Cristo sobre o diabo e seus anjos (repare que o relato bíblico em nenhum lugar menciona Cristo e satanás lutando em pé de igualdade, com ambos podendo ganhar ou perder, mas sempre apresenta Cristo como Senhor sobre todas as coisas, inclusive sobre o diabo e seus anjos). Falando sobre isso, um importante te­ólogo diz o seguinte: “O elemento demoníaco é absolutamente essencial para a compreensão da interpretação que Jesus faz a respeito do pecado e da necessidade que o homem possui com relação ao Reino de Deus. O homem encontra-se numa situação de escravidão a um poder pessoal maior que ele próprio. No próprio centro da missão do Senhor encontra-se a necessidade de resgatar os homens da escravidão ao poder satânico e de trazê-los para a esfera do Reino de Deus. Qualquer interpretação que deixe de enfatizar tais as­pectos implica numa reinterpretação essencial de alguns dos fatos básicos do Evangelho”.1 Cristo veio ao mundo para destruir as obras do diabo (1Jo 3.8), e a expulsão de demônios é uma boa demonstração disso.
Um fato é bem significativo. Em nenhum lugar da Escritura os escritores bíblicos demons­tram o menor sinal de interesse especulativo em satanás ou em seus demônios, ao contrário do que acontece em nossos dias, em muitos círculos evangélicos, nos quais grande parte do ensino e da prática a respeito de expulsão de demônios se baseia em “nomes de demônios”, “tipos de atividades inerentes a cada um deles” e coisas semelhantes, mas nada disso é encontrado na Escritura. O interesse dos escritores do Novo Testamento nos demônios e em satanás é sempre prático e redentor. Eles reconhecem o poder so­brenatural do mal, mas o foco bíblico é sempre na obra redentora de Deus em Cristo, que liberta os seres humanos das obras malignas e leva-os ao reino de Deus.

Conclusão

Jesus realizou muitos milagres e expulsou demônios em muitas ocasiões. Não há parâ­metro melhor para examinarmos as doutrinas e práticas de nossos dias. É claro que ele continua agindo hoje, em sua providência divina. No entanto, não podemos fechar os olhos para o ca­ráter especulativo de grande parte das doutrinas de nossos dias sobre milagres e exorcismos, nem para o comportamento destituído de fundamen­tação bíblica de parte dos evangélicos de nosso tempo. É preciso focar a vida e a obra de Jesus para que possamos separar o certo do errado, também nesta área do ensino bíblico.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante

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