CRISTÃO
E SUAS ARMAS DE GUERRA...
O
Salmo 149 também oferece armas espirituais aos servos do Senhor. É difícil
definir a data ou o período de composição do salmo, apesar de haver quem,
analisando a linguagem do texto, sugira ser ele da época pré-monárquica de
Israel — há, também, quem sugira a ocasião da rededicação do Templo, nos dias
dos macabeus (165 a.C.). O que se sabe é que os israelitas estavam para
enfrentar um povo inimigo, ou um conglomerado de países que buscavam
destruí-los. Em lugar de ficarem tristes e desesperados, o salmo convida os
israelitas a se alegrarem em Deus e manterem a confiança no seu Senhor a
respeito da vitória. A convicção do sucesso era tão grande que o escritor
propõe que o povo lute armado com espadas e com o louvor, como se a alegre
adoração ao Senhor fosse uma arma de guerra. Se alguém achar tal proposta um
disparate, deve saber que Judá, nos dias de Josafá, já partiu em batalha armado
praticamente só com o louvor a Deus, ocasião em que o Senhor abateu três
exércitos sem que os israelitas disparassem uma flecha ou levantassem uma
espada (2Cr 20.18-25). Seguindo uma ideia semelhante, porém prevendo uma
batalha a ser travada, o salmista propõe que os israelitas se armem não apenas
de seus equipamentos convencionais, mas também de quatro armas exclusivas dos verdadeiros
servos de Deus.
A
primeira arma dos servos de Deus que atravessam problemas sérios como o dos
israelitas é a disposição renovada (v.1). Apesar das preocupações e
preparativos militares necessários a um momento de crise como esse, o escritor
chama o povo à adoração musical (v.1a): “Exaltai ao Senhor! Cantai ao Senhor um
cântico novo” (hallû yah shîrû layhwh shîr hadash). A pergunta é: “Porque um
cântico novo? Os cânticos que eles possuíam não serviam?”. Claro que serviam!
Entretanto, o salmista não está preocupado só com a música a ser cantada, mas
também com a disposição do coração dos israelitas. O cântico novo é um modo de
sugerir a revigoração religiosa e o fortalecimento da comunhão com Deus. Assim,
o preparo para a batalha começaria pelo retorno à dedicação e compromisso para
com o Senhor.
O
resultado seria surpreendente, pois, em vez de o povo ficar cabisbaixo e
inerte, eles renovam sua disposição de louvar e servir a Deus. Isso é
extremamente positivo se notarmos como é comum ver pessoas em momentos de crise
abandonarem todos os trabalhos de devoção alegando “não terem cabeça” para
orar, ler a Bíblia ou frequentar os cultos naquele momento. Outro modo como a
disposição renovada se mostraria seria que o particular passaria ao coletivo e
toda a comunidade se dedicaria junto a exaltar a Deus, ainda que estivessem
passando por um momento delicado (v.1b): “Que o seu louvor esteja no
ajuntamento dos fiéis” (tehillatô biqhal hasîdîm). Seja pela comunhão com Deus,
seja pelo encorajamento e edificação mútuos, essa disposição renovada é uma
arma que não se pode desprezar no meio das crises.
A
segunda arma é o louvor grato (vv.2-4). Essa seção parece destoar das
circunstâncias bélicas que o povo tinha diante de si, pois a tristeza e a
preocupação cedem lugar a uma alegria transbordante diante de Deus (v.2): “Que
Israel se alegre em seu criador. Que os filhos de Sião se regozijem no seu rei”
(yismah yisra’el be‘osayw benê-tsîyôn yagîlû bemalkam). Independente das
circunstâncias, isso sugere que Deus deve bastar aos seus servos,
completando-lhes a alegria independente dos acontecimentos. Entretanto, essa
alegria deve gerar — ou ser fruto — da adoração a Deus. Por isso, o escritor
coloca tal alegria como moldura da atividade cultual de exaltar o Senhor (v.3):
“Eles devem exaltar o seu nome com dança e cantar a ele com tamborim e harpa”
(yehallû shemô bemahôl betof wekinnôr yezammerû-lô). A presença de danças,
tamborins e harpas quase obrigatoriamente nos lembram da entrada exultante da
arca da aliança em Jerusalém, quando o próprio rei Davi, misturado à multidão,
se alegrava e dava graças a Deus pela grande bênção (2Sm 6.12-19).
A
alegria era a mesma, conquanto a situação fosse exatamente contrária. Porém,
não se tratava de nenhum tipo de exercício mental como “sorrir enquanto dói”. O
próprio escritor oferece a razão de o povo se alegrar, adicionando o fator
“gratidão” por algo que ele sabia ser verdadeiro a respeito de Deus (v.4):
“Pois o Senhor se compraz com seu povo e enaltece os aflitos com o livramento”
(kî-rôtseh yhwh be‘ammô yefa’er ‘anawîm bîshû‘â). Assim, a alegria se devia à
gratidão expressa no louvor por Deus estar sempre ao lado do seu povo a fim de
livrá-lo e protegê-lo.
A
terceira arma é a confiança inabalável (v.5). Dado o fato de que o povo é chamado
a louvar alegremente a Deus pelo modo como ele cuida dos seus, a aplicação
dessa realidade às circunstâncias que estavam enfrentando acabava por
reverter-se em uma firme confiança de que Deus agiria como o fez no passado e
como havia previamente anunciado que faria. Por isso, a confiança devia ser
expressa em um louvor “abundante” (v.5a): “Que os fiéis exultem em abundância”
(ya‘lezû hasîdîm bekavôd).
Não
se tratava de uma atitude social e coletiva apenas. Essa confiança era sentida
por cada israelita a ponto de exultarem mesmo quando estavam sozinhos, até
mesmo na escuridão da noite, no interior das suas casas (v.5b): “Que deem
gritos de alegria em seus leitos” (yerannenû ‘al-mishkevôtam). Qualquer lugar
era propício para a demonstração alegre pelo cuidado de Deus, mas certamente a
cama é um local singular nesse sentido. A razão disso é que, diante de um
problema, as pessoas tendem a perder o sono e a se entristecer durante a noite.
Somente a confiança inabalável no Senhor pode transformar as horas de silêncio
e aflição em alegria e tranquilidade, assim como ocorria com Davi enquanto
fugia da morte: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me
fazes repousar seguro” (Sl 4.8).
Finalmente,
a última arma dos servos de Deus é a prontidão segura (vv.6-9). Não bastava
confiar em Deus e oferecer louvores alegres. Era necessário estar de prontidão
para cumprir seu papel dentro do plano e da causa do Senhor. Por isso, o
salmista ordena que haja louvor exultante e confiante, mas, também, preparo militar,
expresso pela figura da espada em punhos (v.6): “Que a exaltação de Deus esteja
em suas gargantas e uma espada de dois gumes em suas mãos” (rômemôt ’el
bigrônam weherev pîfîyôt beyadam). Essa é a mesma providência tomada pelo povo
de Jerusalém, nos dias de Neemias, enquanto reconstruíam a muralha da cidade,
pois, apesar de confiarem no auxílio divino, cada um deles trazia a espada
consigo (Ne 4.18). Isso porque Deus usa seu povo para fazer sua obra que, nesse
caso, seria abater os inimigos de Israel, trazendo sobre eles a punição divina
(v.7): “Para trazer vingança entre as nações e castigo sobre os povos” (la‘asôt
neqamâ baggôyim tôkehot bal-’ummîm).
Eles
deviam estar seguros de que Deus faria coisas grandiosas por meio das suas
mãos, inclusive abater reis e nobres das nações inimigas e não apenas se
defenderem precariamente de um inimigo mais poderoso (v.8): “Para prender seus
reis com grilhões e seus nobres com correntes de ferro” (le’esor malkêhem
beziqqîm wenikbedêhem bekavlê barzel). A confiança que tinham em Deus devia
lhes dar a prontidão segura para cumprirem sua vontade e, em resposta a isso,
serem por ele honrados vitoriosamente (v.9): “Para executar a sentença escrita
contra eles. Isso será uma honra para todos os seus fiéis. Exaltai ao Senhor!”
(la‘asôt bahem mishpat katûv hadar hû’ lekol-hasîdayw hallû-yah).
Não
há muitos lugares onde os crentes têm de se defender de inimigos que querem
matá-los. Mas certamente há muitas outras circunstâncias negativas que
preocupam e tiram a alegria dos servos do Senhor. Infelizmente, muitos têm
capitulado, buscado meios desonrosos de solucionar os problemas ou até mesmo
meios de tentar controlar o destino e o próprio Senhor para que se revertam as
dificuldades. Nenhum desses caminhos é o correto. Em vez disso, o caminho dado
pelo nosso salvador passa por uma renovada disposição de servi-lo e louvá-lo,
confiança na sua bondade e poder, gratidão por tudo que ele já fez e prometeu
fazer e também o devido preparo para fazer o que for necessário para honrar o nosso
Senhor. O bom é que não há, para isso, necessidade de porte de armas. Basta
portá-las.
Apóstolo.
Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.
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