A Grande Colheita
No  terceiro domingo de março de 1557, um pequeno grupo de crentes  franceses se reuniram no Forte Coligny, na Baia de Guanabara (RJ) para a  celebração da primeira santa ceia em território brasileiro. Coube ao  pastor Pierre Richier conduzir a celebração. Doutor em Teologia e dois  anos mais novo que João Calvino (seu professor em Genebra e mentor  intelectual), Richier foi enviado ao Brasil a pedido do navegador  francês Nicolas Durand de Villegaignon para auxiliar aos huguenotes  radicados no Brasil e evangelizar os silvícolas fluminenses. 
Embora  cristão de confissão católica, Villegaignon foi o primeiro a receber a  ministração da ceia. Ajoelhado num coxim de veludo, o governador do  Forte, em voz alta, proferiu longas orações, rendendo graças a Deus por  ter sido chamado dos negócios mundanos, entre os quais vivia por apetite  e ambição, para a obra de preparar um lugar e morada pacífica para  aqueles que estavam privados de invocar publicamente o nome de Deus em  espírito e verdade. Rogou a Deus para que o sítio de Coligny e país da  França Antártica se tornassem um inexpugnável refúgio daqueles que, com  boa consciência e sem hipocrisia, ali se abrigassem para se dedicar à  exaltação da glória de Deus. Ainda suplicou a Deus o afastamento do  espírito de vingança e que ficasse livre dos apóstatas da religião. [1]
Simonton - Missionário presbiteriano 
Por  questões teológicas e influenciado pelas guerras religiosas que varriam  a Europa, Villegaignon mandou estrangular e lançar na Baia de Guanabara  cinco signatários da Confissão Fluminense: Jean du Bourdel, Matthieu  Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques Le Balleur. Apenas dois  conseguiram escapar: André Lafon (por ser o único alfaiate da colônia) e  Jacques Le Balleur (que fugiu para a vila de São Vicente e disseminou  sua fé entre os nativos). Os demais entrariam para a História como os  três primeiros mártires evangélicos das Américas. 
Apesar da perseguição e do domínio católico nas três décadas seguintes, a semente estava lançada. 
Em  7 de setembro de 1822, às margens do Rio Ipiranga, D. Pedro I  proclamaria a Independência e dois anos depois daria liberdade de culto  ao promulgar a Constituição de 1824. 
No  mesmo ano, alemães fundariam a primeira comunidade luterana do Brasil. A  cidade escolhida foi Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e teve como  principal organizador o pastor Friedrich Osvald Sauerbronn. A próxima  cidade alcançada foi São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Depois da  Igreja Luterana, o Brasil viu o surgimento dos Congregacionais (1855),  os Presbiterianos (1859), os Metodistas (1867), os Batistas (1882) e os  Episcopais (1889). 
Fundadores da Assembleia de Deus no Brasil 
No  começo do século XX, entretanto, o Brasil seria palco do surgimento da  maior força evangélica nacional: os pentecostais. Após participarem de  uma reunião pentecostal na Rua Azuza, em Los Angeles, EUA, Daniel Berg e  Gunnar Vingren desembarcaram em Belém do Pará e fundaram a que seria a  maior igreja pentecostal brasileira – a Assembleia de Deus. 
Dos  quase 30 milhões de evangélicos existentes hoje no Brasil, pelo menos  18 milhões são membros das Assembleias de Deus. Paul Freston chama esse  período de “a primeira onda do pentecostalismo brasileiro”. Foi, de  fato, a primeira onda que daria origem a inúmeras outras, como a Igreja  de Cristo no Brasil (1932), O Brasil para Cristo (1950), Igreja  Pentecostal Deus é Amor (1962) Igreja Cristã Maranata (1968) etc. 
Ao  chegar à década de 70 um novo movimento toma conta do Brasil: o  Neopentecostalismo. Com denominações como a Igreja Universal do Reino de  Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) e a Igreja  Apostólica Renascer em Cristo (1986), a teologia da prosperidade e cura  divina passam a fazer parte do universo religioso brasileiro. Através do  uso maciço da mídia (principalmente da televisão) milhares de pessoas  são conduzidas todos os dias para os templos neopentecostais, onde  pastores treinados e pagos pelo ministério oferecem cura e prosperidade  em troca de dízimos e ofertas – são “sacrifícios de fé”, dizem eles para  multidões de almas carentes. 
A primeira ceia protestante no Brasil 
Em  resposta, a Igreja Católica aderiu ao movimento conhecido nos EUA como  Renovação Carismática e passou a copiar a liturgia e os cânticos  evangélicos. Merecem destaque os padres Fábio de Melo e Marcelo Rossi  que juntos reúnem multidões de católicos com letras como “Tem anjos  voando neste lugar” e “Faz um Milagre em Mim”, ambos de autoria  evangélica. 
Católicos  tradicionais temem que tal aproximação possa desestruturar ainda mais a  já fragilizada Igreja Católica, com a saída em massa de fieis para os  arrais evangélicos – algo que aconteceu nos EUA, quando até então os  católicos da Universidade de Duquesne eram conhecidos como “católicos  pentecostais” (termo abandonado em 1974, para se diferenciar das demais  igrejas evangélicas americanas). Insatisfeitos com a influência do Papa  no movimento e contrários a dogmas como a “virgindade perpétua de  Maria”, muitos deixaram o catolicismo e se converteram ao  pentecostalismo evangélico.
Outro  movimento que preocupa os católicos é o crescimento acelerado das  chamadas “igrejas em células” ou “igrejas na visão de Bogotá”. Criada em  1991, em Bogotá, Colômbia, pelo pastor César Castelhanos Dominguez, o  G12 (modelo dos 12) diz ter sido inspirado no trabalho desenvolvido pelo  pastor David Young Sho, cuja igreja – a Full Gospel Church, na Coreia  do Sul – é considerada a maior do mundo, reunindo perto de 600 mil  pessoas. Em seu livro “Sonhas e Ganharás o Mundo”, Castelhanos revela  detalhes da “revelação” profética que teria recebido diretamente de Deus  em 1991.
"Em  1991, sentimos que se aproximava um maior crescimento, mas algo impedia  que o mesmo ocorresse em todas as dimensões. Estando em um dos meus  prolongados períodos de oração, pedindo a direção de Deus para algumas  decisões, clamando por uma estratégia que ajudasse na frutificação das  setenta células que tínhamos até então, recebi a extraordinária  revelação do modelo dos doze. Deus me tirou o véu. Foi então que tive a  clareza do modelo que agora revoluciona o mundo quanto ao conceito mais  eficaz para a multiplicação da igreja: os doze. Nesta ocasião, ouvi o  Senhor dizendo-me: vais reproduzir a visão que tenho te dado em doze  homens, e estes devem fazê-lo em outros doze, e este, por sua vez, em  outros doze.” [2]
Convicto  de que o caminho estaria aberto, Castelhanos implantou o modelo dos 12  em sua igreja e, em pouco tempo, viu seus membros se multiplicarem com  rapidez e novas igrejas tiveram de ser abertas para abrigar os novos  crentes. Pelo menos mil pessoas se convertem toda semana na sede de  Bogotá e em reuniões que passam de vinte mil no estádio municipal. São  pelo menos 200.000 membros e 45.000 células em atividade em Bogotá,  fazendo com que a Igreja de Castelhanos seja a maior da América Latina.
No  modelo dos 12, cada membro da equipe é considerado um líder em  potencial. O trabalho desse líder será de fazer está célula se  multiplicar, através da escolha de outros doze. Estes outros doze  trabalham visando à multiplicação, e assim sucessivamente. Um membro de  uma célula pode ter uma segunda ou terceira célula, na escola ou no  trabalho, visando o alcance de novas pessoas. Também são comuns os  encontros. Para que um crente tenha êxito em sua vida, ele precisa  passar por encontros, que são retiros espirituais de três dias, durante  os quais são ministradas palestradas de cura interior, arrependimento e  maldição hereditária. 
No  Canadá, onde o G12 foi recebido com entusiasmo pelas igrejas  evangélicas, a unção de Toronto ficou conhecida no mundo inteiro pela  maneira nada dogmática como seus membros manifestam a virtude do  Espírito. Enquanto o dirigente ora e ministra a unção, as pessoas vão  tombando, sendo amparadas por obreiros que se posicionam previamente  atrás delas. Além da oração que provoca quedas, a Comunidade de Toronto  notabilizou-se por outras manifestações, como a unção do riso, pela qual  o fiel começa a rir descontroladamente durante as reuniões e o milagre  do dente de ouro – que fez muito sucesso no Brasil nos anos 80. [3] 
Trazida  para o Brasil pelos pastores Renê Terra Nova, da Primeira Igreja  Batista da Restauração de Manaus (AM) e posteriormente pela Sra. Valnice  Milhomens, dirigente da Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo, com  sede em São Paulo, a igreja em células ganhou guarida nos lares de  milhares de brasileiros e já é uma das maiores autoridades do mundo no  Modelo dos 12. Igrejas de pouco menos de 20 membros hoje contabilizam  uma média de cinco a seis mil crentes que frequentam os cultos  regularmente. Um exemplo de sucesso é a Igreja Presbiteriana  Independente de Londrina, que desde 1998 trabalha na visão de Bogotá e  conta hoje com cerca de três mil membros e pelo menos 85 células. Outra,  a Igreja Batista Água Viva de Mauá (SP) já conta com três igrejas e  centenas de multiplicadores que mensalmente formam novas células. Há  ainda outros exemplos, como a Igreja do Evangelho Quadrangular, cuja  adesão à visão de Bogotá se deu por intermédio do pastor Daniel Martins,  o Ministério Fonte da Vida e a Igreja Videira do Rio de Janeiro.
Uma grande colheita 
Destarte  toda polêmica em torno de movimentos como G12, Neopentecostalismo e até  mesmo de algumas igrejas pentecostais, os evangélicos são hoje uma  força em ascensão no Brasil. Apesar de nova – com apenas 150 anos de  existência – a igreja evangélica brasileira já possui cerca de 30  milhões de membros, espalhados pelas mais de 188 mil igrejas locais  (protestantes, pentecostais e neopentecostais). 
O  avanço dos evangélicos brasileiros têm sido foco de debates intensos na  TV e nos meios de comunicação em geral, como nas revistas Veja, Época e  Superinteressante que em matérias de capa e na Internet exploram o tema  ao máximo. Na matéria “Evangélicos”, a Superinteressante de fevereiro  de 2004 abre a discussão com o lead: “Não dá mais para fingir que não  vemos. Um a cada seis brasileiros já é evangélico – e o número continua  crescendo. Se você quer entender o Brasil e antever o futuro, precisa  antes saber como isso foi acontecer”. Em outra publicação, a revista  Veja revela: 
“O  país mais católico do mundo está ficando cada vez mais evangélico. O  resultado do censo demográfico no quesito religião, divulgado neste ano,  mostra que mais de 15% dos brasileiros – um rebanho de 26 milhões de  pessoas – são protestantes. É um porcentual cinco vezes maior que em  1940 e o dobro de 1980. Em estados como Rio de Janeiro e Goiás, o índice  supera 20% dos habitantes. No Espírito Santo e em Rondônia, os  evangélicos passam de um quarto da população. Esse ritmo indica que  metade dos brasileiros poderiam estar convertidos em cinco décadas – um  tempo mínimo quando se fala de avanço religioso”. [4]
Mais  recente, a matéria “Os Novos Evangélicos” (edição comemorativa de 25  anos da revista Época), o autor Ricardo Alexandre dá destaque a um novo  fenômeno que se alastra pelo Brasil: os crentes desigrejados. Trata-se  de um movimento que começou nos EUA e logo se alastrou para o mundo, com  livros como “Revolution” de George Barna (2005), Life After Church de  Brian Sanders (2007) e Pagan Christianity? Exploring the roots of our  church practices de Frank Viola (2008). Tais obras lançam a reflexão  sobre a necessidade dos crentes deixarem suas igrejas e experimentarem  um novo modelo de culto, em casas e em cafeterias onde todos os domingos  pela manhã amigos se reúnem nos EUA para orar e meditar nas Escrituras.  
Prós e contras 
Não  obstante o rápido crescimento dos evangélicos em nosso pais, ainda não  temos motivos suficientes para festejar. Os dados são alarmantes. Pelo  menos 1.133 municípios no Brasil contam com apenas 5% de evangélicos.  Umas poucas cidades chegam a ter cerca de 30%. Existem cerca de três mil  povoados sem presença evangélica no Amazonas. Em regiões como o  interior do Nordeste e sul do Brasil, a presença evangélica permanece  extremamente frágil e com números abaixo da média nacional. Apesar do  esforço das mais de 100 agências missionárias brasileiras, ainda resta  uma boa parte do país para ser alcançado – e isso também é uma  realidade.
Referências Bibliográficas 
1. Hack, “Sementes do Calvinismo no Brasil Colonial’’, p. 119;
2. CASTELLANOS, César Domínguez. Sonha e Ganharás o Mundo. São Paulo, SP: Palavra da Fé Produções LTDA, 1999.
3. A Polêmica do G12, Carlos Fernandes e Francisco Brandão, revista Eclésia, agosto de 2000, p. 20
4. Nação Evangélica, Veja, março de 2002 
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
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