A asserção de que Cristo experimentou a maldição do Pai como sendo o ensino evangélico mais comum é até compreensível, porém, fazer uso da passagem da carta de Paulo aos Gálatas: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” ( Gl 3:13 ), para justificar tal consenso é assustador.
O argumento de que Deus amaldiçoou o seu Filho porque Ele é o autor da lei é pensamento espúrio do ponto de vista bíblico. Os argumentos expostos no artigo “Dois paradoxos na morte de Cristo” não refletem o posicionamento das Escrituras. No entanto, de toda a argumentação do proeminente escritor no artigo em análise, a aberração maior coube à seguinte declaração:
“Portanto, a morte de Cristo pelo nosso pecado e por nossa transgressão da lei foi a experiência da maldição do Pai. É por essa razão que Jesus disse, ‘E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?’ (Mt 27:46) (…) Na morte de Cristo, Deus lançou sobre ele os pecados do seu povo (Isaías 53.6), os quais odiava. E em ódio por esse pecado, Deus deu as costas a seu Filho carregado de pecados, e o entregou para sofrer todo o poder da morte e da maldição” Piper, John, Artigo: Dois paradoxos na morte de Cristo – grifo nosso (amplamente divulgado na web).
O texto possui imprecisões quanto à interpretação bíblica e reflete um consenso distorcido e divorciado da verdade, pois uma releitura das últimas palavras de Cristo na Cruz deixa nítido que não há paradoxo algum na morte de Cristo e que Deus não amaldiçoou o Seu Filho.
Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?
O evangelista Lucas relata que, após Cristo ter rendido o espírito, o centurião que estava ao pé da cruz fez a seguinte confissão: “Na verdade, este homem era justo” ( Lc 23:47 ), e a multidão que assistiu a crucificação voltou batendo no peito ( Lc 23:48 ).
Ora, Cristo era mestre por excelência, e o evento da crucificação foi cenário de uma aula magna de interpretação das Escrituras, além de constituir-se a vitória da humanidade sobre a maldição do pecado.
É de conhecimento que Jesus ao falar às multidões fazia uso do grego ‘koine’, língua comum ao povo. Porém, quando da crucificação, Jesus falou uma única frase em aramaico, o que chamou a atenção dos evangelistas, que registraram tal fato tão significativo. Quando Ele disse: – Eli, Eli, lamá sabactâni, muitos não compreenderam o que fora dito, a ponto de interpretarem que Cristo clamava por Elias ( Mt 27:47 ).
Os evangelistas, por sua vez, ao fazer menção da frase pronunciada por Cristo, de pronto providenciaram a tradução do que foi dito, que se resume na seguinte frase: – Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?
Naquele instante cruento Jesus não estava lamentando que fora abandonado, antes Ele citou as Escrituras, de modo que, quem o ouviu, posteriormente poderia relacionar o evento da crucificação com o que vaticinara o salmista Davi no salmo 22.
Ao citar as Escrituras, Jesus estava anunciando abertamente a todos que assistiam a crucificação que, naquele instante, cumpria-se o predito no salmo 22. Quando Jesus leu o trecho do profeta Isaías no templo, afirmou categoricamente: – Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos ( Lc 4:21 ), quando bradou na cruz: – Eli, Eli, lamá sabactâni, foi o mesmo que anunciar: – Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos.
O salmo 22 é composto de 31 versos. Jesus citou o primeiro verso em aramaico, o que remeteria os ouvintes a considerarem todo o contexto do salmo.
Sabemos que os salmos, na sua grande maioria, constituem-se em profecias messiânicas, pois os salmistas não falavam de si mesmos, mas do Cristo ( 1Cr 25:1 ). Neste salmo é evidenciada a mesma verdade anunciada por Isaías:
“…não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, não havia boa aparência nele, para que o desejássemos (…) e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido” ( Is 53:2 ).
Qualquer homem que olhasse para Cristo teria a impressão de que ele era aflito, ferido e oprimido por Deus, e o salmo 22, versos 1 à 8 descreve o final da existência do Cristo entre os homens e o desprezo dos seus algozes.
A expressão: – ‘Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?’, demonstra quão efetivamente as pessoas que assistiram a crucificação tiveram a impressão de que Cristo era o aflito, ferido e oprimido por Deus.
Era evidente o contraste entre Cristo e os demais homens. Nestes oito versos é profetizado a visão que os homens teriam de Cristo: verme e opróbrio dos homens “A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos. Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo” ( Sl 22:5 -6).
Cristo clamou ao Pai no Getsêmani para que, segundo a vontade do Pai, passasse dele o cálice. Aparentemente Cristo não foi atendido, uma vez que Ele bebeu o cálice que o Pai deu a beber e, na hora da crucificação as pessoas diziam em tom de deboche: “Confiou em Deus; livre-o agora, se o ama; porque disse: Sou Filho de Deus” ( Mt 27:43 ), porém, o livramento do Pai estava além túmulo, algo que os homens não compreendiam: “Pois não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” ( Sl 16:10 ); “Para que viva para sempre, e não veja corrupção” ( Sl 49:9 ).
Os versos seguintes do salmo 22 demonstram a confiança de Cristo no Pai, pois Ele sabia que fora lançado do ventre materno por Deus ( Sl 22:9 -10). Qualquer que compreende as Escrituras sabe que na morte de Cristo estava a vitória d’Ele e, concomitantemente, a vitória da humanidade. A crucificação é a pedra de toque para se identificar quem crê ou não na salvação providenciada por Deus ( 1Co 1:23 ).
A petição do verso 1 do salmo 22 fica esclarecida à luz do verso 11. A profecia revela as nuances da aflição através dos seguintes rogos: – Deus meu, Deus meu! “E invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás” ( Sl 50:15 ). Ou seja, o salmo 22 prescreve o modo como Cristo na angustia deveria clamar ao Pai, pois deste modo haveria de glorificar o Pai “Os quais pronunciaram os meus lábios, e falou a minha boca, quando estava na angústia (…) A ele clamei com a minha boca, e ele foi exaltado pela minha língua” ( Sl 66:14 e 17).
A profecia revela a confiança do Filho no Pai, de modo que, mesmo na aflição sabia que o Pai seria com Ele “Não te alongues de mim” é expressão de confiança em quem poderia auxiliá-Lo na angustia, pois aquele era o momento de passar pelo vale da sombra da morte, e só Deus poderia auxiliá-Lo “Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem ajude” ( Sl 22:11 ).
Assim como o profeta anuncia que o Pai haveria de responder e estar com o Filho na aflição “Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei” (Sl 91:15 ), de igual modo o profeta deixa registrado que o Filho haveria de invocar o Pai ( Sl 22: 1 e 11).
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Do verso 12 ao 21 são descritos vários eventos pertinentes à crucificação, porém, do verso 23 em diante, o salmista descreve profeticamente uma sobre-excelente vitória em meio ao sofrimento, e apresenta o motivo:
“Porque não desprezou nem abominou a aflição do aflito, nem escondeu dele o seu rosto; antes, quando ele clamou, o ouviu” ( Sl 22:24 ).
O verso deixa claro que Deus não desprezou e nem abominou a aflição de Cristo. De igual modo deixa claro que Deus não escondeu d’Ele o seu rosto, ou seja, Deus nunca deu as costas para o seu Filho. É mentira tal ideia que se anuncia em muitos púlpitos evangélicos! Deus não abandonou e nem deu as costa para o seu Filho como divulgam, pois o salmo é claro: “Quando ele clamou, o ouviu” ( Sl 22:24 ); “Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei” ( Sl 91:15 ; Sl 56:13 ; Sl 20:6 ).
Cristo não foi desprezado e nem tido por abominação diante de Deus apesar da aflição e de ser o aflito de Deus, d’Ele não escondeu o seu rosto, o que contraria a ideia de que Deus voltou as costas para o seu Filho em decorrência do pecado da humanidade “E não escondas o teu rosto do teu servo, porque estou angustiado; ouve-me depressa (…) Deram-me fel por mantimento, e na minha sede me deram a beber vinagre” ( Sl 69:17 -21).
Como Deus poderia esconder o seu rosto do sacrifício perfeito? Cristo é o cordeiro morto desde a fundação do mundo. Cordeiro sem mancha e sem mácula! Foi oferecido segundo a vontade de Deus, portanto o sacrifício de Cristo subiu como cheiro suave às narinas do Pai “E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” ( Ef 5:2 ).
Ao citar o verso primeiro do salmo 22, Cristo despertou entre os que assistiam a crucificação, a curiosidade de aprenderem porque Ele foi descrito pelos profetas como verme e opróbrio da humanidade. Quando questionassem o fato de Ele ter dito em aramaico aqueles palavras, veriam que Ele citava as Escrituras. Quando consultassem as Escrituras, veriam que o salmo cumpriu-se cabalmente naquele evento cruento. Deste modo Cristo glorificou o Pai “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que me deste a fazer” ( Jo 17:4 ).
A maldição da lei
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” ( Gl 3:13 ).
O apóstolo Paulo deixa claro que Cristo nos resgatou da maldição da lei, porém, buscando estabelecer um paradoxo, Piper faz a seguinte pergunta: – A maldição de quem? Em seguida ele arremata a pergunta com o seguinte argumento:
“Mas a lei não é uma pessoa para que possa amaldiçoar. Uma maldição só é uma maldição de fato se houver alguém que amaldiçoe. A pessoa que amaldiçoa por meio da lei é Deus, que escreveu a lei. Portanto, a morte de Cristo pelo nosso pecado e por nossa transgressão da lei foi a experiência da maldição do Pai” Idem.
Para Piper só há maldição quando há alguém que amaldiçoa, porém ele erra por não discernir que quem amaldiçoa é o transgressor. A Bíblia deixa claro que a maldição é consequência dos atos do transgressor “Como ao pássaro o vaguear, como à andorinha o voar, assim a maldição sem causa não virá” ( Pr 26:2 ). A maldição nunca advém da lei, visto que a lei é santa, justa, e boa. A maldição decorre do primeiro homem que transgrediu a lei, pois Deus a ninguém tenta “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos” ( Rm 5:19 ; Tg 1:13 ).
A mesma argumentação que Piper utiliza ao interpretar o verso em tela é utilizada por alguns ateus quando analisam a determinação que Deus deu a Adão no Éden. Porém, como expressa as Escrituras, não foi Deus quem amaldiçoou Adão, porque a determinação do Éden era expressão do cuidado de Deus, que avisou do risco que havia em se tornar participante do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Não foi Deus quem amaldiçoou Adão, antes foi Adão que buscou e lançou maldição sobre si e sobre toda a sua descendência em virtude da força da penalidade que havia na transgressão do mandamento: certamente morrerás. O que Deus deu a Adão foi uma lei santa, justa e boa, pois foi instituída para preservar-lhe a vida, porém, na lei estava explícita uma maldição ao transgressor e, quando Adão comeu do fruto, o pecado que é excessivamente maligno achou ocasião na força da lei santa, justa e boa que dizia: dela não comerás.
Quando o apóstolo Paulo diz que Cristo nos resgatou da maldição da lei, pois se fez maldição por nós, apresentou a base legal: ‘Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro’. A maldição que Cristo veio dar liberdade ao homem diz da maldição do Éden em decorrência da transgressão do mandamento dado a Adão, e não da maldição da lei mosaica, visto que a lei mosaica foi dada para conduzir os judeus a Cristo, uma vez que os gentios não tinham lei ( Gl 3:24 ; Rm 2:14 ; Ef 2:12 ). Se Cristo morresse para livrar os homens da maldição da lei mosaica, os gentios não seriam contemplados com a salvação, pois a lei foi escrita e dada especificamente aos judeus, ou seja, a maldição que Cristo levou sobre si diz da maldição que decorre da desobediência à lei dada no Éden ( Rm 2:14 ).
Na lei mosaica foi estipulado que, caso alguém houvesse transgredido a ponto de ser condenado ao madeiro, que o transgressor não permaneceria pendurado no madeiro de um dia para o outro ( Dt 21:22 -23).
Por que tal determinação? Porque assim como a serpente foi levantada no deserto, assim importava que o Filho do homem também fosse levantado ( Jo 3:14 ; Jo 12:32 -33 ). Porém, era necessário o Filho do homem descer ao seio da terra no mesmo dia da sua morte, pois estava determinado três dias para que Ele permanecesse no seio da terra e ressurgisse dentre os mortos ( Mt 12:40 ).
Ou seja, a determinação na lei visava impedir que o corpo de Cristo permanecesse na cruz de um dia para o outro, visto que, se assim fosse, o Cristo não passaria três dias no seio da Terra conforme o predito “Quando também em alguém houver pecado, digno do juízo de morte, e for morto, e o pendurares num madeiro, O seu cadáver não permanecerá no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto o pendurado é maldito de Deus; assim não contaminarás a tua terra, que o SENHOR teu Deus te dá em herança” ( Dt 22:22 -33).
Ora, a lei foi dada por causa dos transgressores, porém, Cristo não transgrediu, antes foi somente contado entre os transgressores para que pudesse levar sobre si a maldição deles. A maldição não advém de Deus, antes decorre da transgressão, pois Deus a ninguém amaldiçoa.
Cristo ter sido crucificado não significa que Deus amaldiçoou o seu Filho, antes que Ele estava sendo crucificado em decorrência da transgressão da humanidade. É a transgressão que impõe maldição, porém, Cristo foi crucificaram sem transgredir “Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Odiaram-me sem causa” ( Jo 15:25 ).
Mas, porque Cristo foi parar no madeiro? A resposta advém do salmo 22: Porque como servo do Senhor, Jesus se tornou verme, opróbrio dos homens, ferido de Deus.
Todos os homens estavam sob a maldição do Éden, até mesmo os que receberam a lei. Pois a Lei determinava que quem cumprisse todas as suas determinações viveria por ela, mas ninguém conseguiu cumprir toda a lei. Como ninguém cumpriu a lei, permanecia a maldição; “Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” ( Gl 3:10 )
Quando Cristo veio em cumprimento da lei ( Mt 5:17 ), veio na condição de Filho amado, em quem Deus tinha prazer. Ele não era merecedor de morte, pois foi introduzido no mundo livre de pecado, livre da condenação e da maldição que pesava sobre os homens. Quando Cristo se sujeitou à morte, e morte de cruz, não foi na condição de transgressor que foi suspenso como maldito “E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” ( Fl 2:8 ).
Ele assumiu a condição de maldito não como transgressor, pois quando foi pendurado no madeiro, deixou ser pendurado em obediência à determinação do Pai. Ele sujeitou-se à condição de maldito, deixando ser colocado no madeiro, porém, não como transgressor, mas em obediência àquele que tinha poder de livrá-Lo ( Hb 10:9 -12); “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” ( Gl 3:13 ).
Na desobediência de um homem (Adão) muitos foram feitos malditos, mas na obediência do Filho do homem, que se sujeitou à morte de cruz (cálice), humilhando-se a si mesmo, muitos foram feitos justos ( Rm 5:19 ).
Os transgressores eram conduzidos ao madeiro em decorrência dos seus crimes e, permaneciam sob a maldição da transgressão de Adão, mas quando um obediente sem pecado sujeitou-se a tomar a cruz e seguir ao calvário, reuniu os elementos necessários para o resgate da humanidade (de todo que n’Ele crer).
Cristo foi tido como maldito pelos homens em decorrência da cruz, mas na verdade, na cruz estava o Cordeiro que pertencia a Deus. O que os homens reputavam por maldito, aflito, ferido por Deus, na verdade pertencia a Deus, por isso chamado de ‘maldito de Deus’ ( Dt 22:22 -33), o que é muito diferente de ser o amaldiçoado por Deus, pois a maldição só vem em função da transgressão. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias ( 1Co 1:27 ).
Devemos lembrar também que todos os homens que vem ao mundo entram por Adão, que é a porta larga que dá acesso a um caminho largo que conduz à perdição. Por causa de Adão todos os homens são filhos da ira e da desobediência, ou seja, destinados à separação eterna de Deus. Morrer sem Cristo, ou seja, sem nascer de novo pela fé no Descendente prometido a Abraão é perdição eterna. Em vista desta verdade, qualquer que fosse pendurado no madeiro, o que significava morte física, era maldito, pois seguia para a eternidade alienado de Deus.
Cristo, ao ser pendurado no madeiro, se fez maldição em prol da humanidade, porém, Ele era sem pecado pois, não foi gerado segundo a carne, o sangue e a vontade do varão, antes foi gerado pelo Espírito de Deus no ventre de Maria “Sobre ti fui lançado desde a madre; tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe” ( Sl 22:10 ). Apesar de morrer morte de madeiro, o pecado não possuía domínio sobre o Filho de Deus, pois Ele não foi gerado da semente do pecado, antes foi formado por Deus no ventre de Maria.
Por não ser pecador, a morte não teve domínio sobre Cristo, pois a morte só tem domínio sobre aqueles a quem a lei disse: certamente morreras. Somente sobre esses a lei possui força, ou seja, sobre os descendentes da carne de Adão. Aquela lei santa, justa e boa deu ocasião à separação de Deus em função da desobediência de Adão.
O pecado não possuía força, antes a buscou na lei que diz: ‘- Certamente morrerás’, a força necessária para aprisionar o homem. Por causa da morte proveniente da força da lei, o pecado escraviza os homens, o que foi impossível com Cristo. A morte não pode resistir! Soltas as ânsias da morte, Jesus ressuscitou para gloria de Deus Pai.
Ou seja, ao se oferecer sobre o madeiro, Jesus estava estabelecendo um novo e vivo caminho, através do sacrifício do seu corpo, de modo que a humanidade voltasse a ter acesso a Deus. E qual o acesso a Deus? Que os homens tomem cada um a sua própria cruz sigam após Cristo, sejam crucificados, mortos, sepultados no batismo da morte de Cristo, quando são de novo gerados uma nova criatura em verdadeira justiça e santidade em comunhão com Deus.
Portanto, a morte de Cristo foi substitutiva, visto que qualquer homem que experimentasse a morte física estaria perdido por toda a eternidade. Mas, como Cristo morreu em lugar da humanidade, ninguém que n’Ele crê precisa ficar com medo do pecado e da morte. Ninguém deve temer o madeiro e os sofrimentos dele decorrente! Antes, deve tomar cada um sobre si a sua cruz e seguir após Cristo até o calvário. Deve morrer com Cristo, pois a lei que diz: A alma que pecar esta mesma morrerá, não foi invalidada com a morte de Cristo. Antes ele providenciou o meio de o homem morrer sem provar a morte física e ser glorificado sem descer à sepultura ( Rm 6:3 -8; Cl 3:1 ).
A pena imposta pela lei no Éden não passa da pessoa do transgressor. Como todos pecaram todos devem morrer, porém, se morrer a morte física sem Cristo é condenação, mas se morrer com Cristo conforme Ele conclama a todos para que tomem sobre si a sua própria cruz, quando morrer fisicamente, a morte não mais tem domínio sobre tal pessoa, pois já ressurgiu com Cristo e é uma nova criatura.
Cristo derramou a sua alma na morte e foi contado entre os homens (transgressores), para levar sobre si o pecado de muitos ( Hb 2:9 e 14). Assim Ele fez pelo prêmio que lhe estava proposto: “Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores” ( Is 53:12 ; Hb 12:2 ).
Substitutivamente Jesus morreu pelos pecadores ( Is 53:6 ), mas para ser digno d’Ele é necessário ao homem tomar sobre si a sua cruz, chegar ao calvário, morrer com Cristo, ser sepultado na morte pelo batismo na morte de Cristo ( Rm 6:3 ), e ressurgir dentre os mortos na condição de irmão do Primogênito dentre os mortos “E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim” ( Mt 10:38 ).
Hoje o crente se gloria na ressurreição! Quando não crente, foi necessário aproximar-se de Cristo na morte, agora exultamos na ressurreição, pois fomos plantados à semelhança da sua morte e ressurgimos na semelhança da ressurreição de Cristo.
A morte de Cristo não é a morte de Deus
Por definição Deus é eterno ( Hb 1:12 ), enquanto do homem, por possuir um corpo de matéria é mortal “Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?” ( Sl 8:4 ); “Eu, eu sou aquele que vos consola; quem, pois, és tu para que temas o homem que é mortal, ou o filho do homem, que se tornará em erva?” ( Is 51:12 ).
Deus é eterno. Não há que se falar em morte com relação à divindade. Em primeiro lugar, porque Deus não pode alienar-se de si mesmo, ou seja, pecar, o que entendemos por morte, separação, alienação “Para que por duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta” ( Hb 6:18 ). Em segundo lugar, Deus não é passível de morte física, porque Ele é Espírito.
Como Deus é Espírito e Vida, não há que se falar que Deus morreu quando contemplamos a cruz de Cristo.
Sabemos que só os homens são passiveis de morrer fisicamente, contudo, os homens possuem uma parte imaterial que é imortal: o espírito.
Lançar mão da doutrina dos Calcedônios, por mais ortodoxa que se entenda ser, para forjar um paradoxo, é leviano. Observe o primeiro exemplo de Piper:
‘… sendo que Jesus Cristo é homem e Deus em uma única pessoa, sua morte foi a morte de Deus?’ ( Idem).
Ora, através das Escrituras concebemos Deus em três pessoas distintas, porém, coeternas unidas pelo vínculo da perfeição. Através das Escrituras sabemos também que uma das pessoas da divindade resignou-se a deixar a sua condição de divindade, de modo que efetivamente despiu-se da sua glória e tornou-se efetivamente homem.
É por causa desta verdade exarada nas Escrituras que sabemos e compreendemos que Cristo era homem e Deus “Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel” ( Is 7:14 ). Ou seja, na eternidade, a segunda pessoa da divindade, o Verbo, despiu o seu Espírito da glória que lhe pertencia e foi encarnado no ventre de Maria.
Sobre essa verdade comentou o apóstolo Paulo: “Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” ( Fl 2:6 -8).
Ou seja, embora Cristo fosse Deus, conforme atesta o testemunho das Escrituras, na condição de homem Jesus foi 100% homem, ou seja, Ele esvaziou 100% a si mesmo dos seus atributos divinos.
Cristo era Deus antes de ser encarnado, ou seja, era onisciente, onipresente e onipotente ( Jo 1:30 ), de modo que Ele criou todas as coisas e nada do que foi feito se fez ( Jo 1:3 ). Mas, para ser homem, Cristo teve que se despir completamente da sua divindade. Para que Cristo em tudo fosse semelhante aos homens e, inclusive sujeito à morte, teve que despir-se completamente, totalmente dos seus atributos “Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo” ( Hb 2:17 ); “… fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” ( Hb 2:9 ).
Portanto, antes de ser encarnado, Cristo possuía todos os atributos da divindade, porém, na condição de homem, Cristo não possuía nenhum atributo da divindade. Ele tornou-se homem, despido dos atributos da divindade, de modo que Ele tornou-se participante da carne e do sangue e sujeitos as mesmas fraquezas de todos os homens, inclusive, sujeito à morte, porém, sem pecado ( Hb 4:15 ).
Portanto, Cristo despiu-se 100% da sua glória e assumiu a natureza humana. Ele morreu por ser 100% homem, e ressurgiu dentre os mortos glorificado com 100% do poder que possuía antes de ser encarnado “E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse” ( Jo 17:5 ).
Falando na linguagem bíblica, Deus fez o homem à sua imagem: “E criou Deus o homem à sua imagem” ( Gn 1:27 ), portanto, ao esvaziar-se dos seus atributos, Deus assumiu a figura da sua imagem. Deus esvaziado de seus atributos não assumiu a condição de anjo, ou de qualquer outra criatura, antes assumiu a figura da sua imagem que concedera a Adão “No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir“ ( Rm 5:14 ), pois a expressa imagem do Deus invisível foi a nova condição que Cristo assumiu ao ressurgir dentre os mortos ( Hb 1:3 ), condição que passou a compartilhar com a igreja “Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” ( 2Co 3:18 ; 1Jo 3:2 ).
Ora, a divindade de Cristo não foi perdida quando da encarnação, pois o escritor aos Hebreus é claro quanto à adoração de Cristo: “E outra vez, quando introduz no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem” ( Hb 1:6 ), mas as propriedades próprias à divindade Ele despiu-se, de modo que Jesus roga ao Pai que se lhe dê a glória que possuía anteriormente.
Embora despido da sua glória, Cristo não abriu mão de que os homens o reconhecessem como Deus e da adoração que lhe era devida, visto que o Pai, nas Escrituras, não lhe vetou tal prerrogativa. Entre os homens Jesus identificou-se como o ‘Eu Sou’ e foi adorado “Ele disse: Creio, Senhor. E o adorou” ( Jo 9:38 ; Jo 8:58 ).
Se considerarmos de modo diferente da exposição das Escrituras, incorreremos em imprecisões:
“O mistério da união entre a natureza humana e a divina na experiência da morte não nos é revelado. O que sabemos é que Cristo morreu, e que no mesmo dia ele foi ao paraíso (“Hoje estarás comigo no paraíso,” Lucas 23.43). Sendo assim, parece ter havido consciência na morte, de modo que a união contínua entre a natureza humana e a divina não precisasse ser interrompida, ainda que Cristo tenha morrido somente em sua natureza humana” (Idem) grifo nosso.
Assim como os homens são sujeitos à morte física, Cristo sujeitou-se à condição humana de modo que efetivamente morreu; Cristo morreu porque sofreu o término das suas funções vitais, porém, o seu espírito seguiu no pós-morte o mesmo caminho que é comum a todos os homens “E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” ( Ec 12:7 ); Ele despiu-se da sua glória e tornou-se homem, ou seja, participante da carne e do sangue. A Bíblia é clara: Cristo morreu, foi sepultado e ressurgiu ao terceiro dia. A diferença entre Cristo e a humanidade após descer à sepultura está no fato de que o corpo de Cristo não viu corrupção, pois ressurgiu dentre os mortos;
Assim como os homens possuem um corpo físico mortal, Cristo possuía um corpo mortal; assim como todos os homens possuem um espírito imortal, Cristo na eternidade era o Espírito imortal que, ao despir de sua glória, foi encarnado; já na encarnação Cristo passou a depender exclusivamente do Pai, pois da sua concepção no ventre de Maria Jesus já estava despido de sua glória e poder; é por isso que o salmista registra: ‘Sobre ti fui lançado desde a madre’ (v. 10); da mesma forma que Deus não pode morrer, o espírito dos homens não podem morrer; por proceder de Deus jamais os espíritos dos homens deixarão de existir;
Deus na sua glória não morre, ou seja, é eterno, imortal. Mas, quando Cristo despiu-se da sua glória, assim o fez de modo que pudesse provar a morte física, de modo que ele veio em semelhança da carne do pecado. Quando Cristo morreu foi o seu corpo físico que morreu; quando falamos de morte, devemos considerar que a morte do homem se dá quando o espírito do homem deixa de habitar o corpo; quando Cristo morreu o seu espírito que fora despido da glória que possuía separou-se do corpo, de modo que o espírito foi entregue nas não de Deus, e o seu corpo sepultado;
Quando Cristo morreu, permaneceu consciente na morte assim como todos os homens permanecem conscientes, pois não é o corpo que dá consciência, antes é o espírito do homem que lhe dá entendimento “Na verdade, há um espírito no homem, e a inspiração do Todo-Poderoso o faz entendido” ( Jó 32:8 );
Compartilhar da natureza divina é factível a todos os homens, desde que creiam em Cristo ( 2Pe 1:4 ). Quando a Bíblia fala de Cristo, ela apresenta o conceito de ‘despir-se de sua glória’; ao despir-se da sua glória, a comunhão de Cristo com o Pai não foi interrompida, e nem perdeu a prerrogativa de ser adorado por suas criaturas; o que foi interrompido foi a prerrogativa de Cristo utilizar da Sua glória, do seu poder; quando na semelhança da carne do pecado, Cristo era homem e em comunhão com o Pai, porém, despido da sua glória; quando foi morto, Jesus despiu-se da carne do pecado e passou a estar em espírito por um período de três dias; após ressurreto, Jesus passou a estar de posse de todo o poder que possuía antes;
Portanto, à luz das Escrituras, Jesus realmente morreu, assim como todos os homens morrem. Embora em comunhão com o Pai, teve que entregar o espírito ao Pai quando morreu, assim como o faz todos os homens; os homens são naturalmente homens, ou seja, menores que os anjos, porém, podem ser carnais (gerados de Adão) ou espirituais (gerados de novo em Cristo); deste modo é impossível ao homem possuir duas naturezas: uma carnal e outra espiritual; Cristo, por sua vez, apesar de ser participante de um corpo semelhante à carne do pecado, contudo, por ter sido gerado por Deus no vente de Maria nunca foi carnal, ou seja, desde o seu nascimento Jesus era espiritual, embora possuísse um corpo carnal ( 1Co 15:45 -47).
Cristo, sendo Deus esvaziou-se da sua glória e se fez homem, o que possibilitou que Cristo estivesse sujeito à morte, sujeito a que o espírito se separe do corpo, pois a morte física é uma faculdade pertinente somente aos homens “Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus sábio, seja honra e glória para todo o sempre. Amém” ( 1Tm 1:17 e 6:16); “Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos” ( Hb 2:9 ).
Portanto, podemos dizer que Cristo é Rei dos séculos, imortal, invisível e, a Sabedoria de Deus, e a Ele seja a honra e a glória para todo o sempre, pois como homem, ao ser gerado no ventre de Maria, Cristo nasceu, cresceu e, quando adulto, na plenitude dos seus dias, Jesus foi cortado da terra dos viventes “Da opressão e do juízo foi tirado; e quem contará o tempo da sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes; pela transgressão do meu povo ele foi atingido” ( Is 53:8 ).
As agruras e o terror da morte assombraram o Cristo do mesmo modo que aterroriza todo e qualquer mortal ( Sl 56:3 ), pois após despir-se da sua glória Cristo se fez homem, conforme foi prometido a Abraão, segundo a linhagem de Davi ( Mt 26:36 -37; Lc 22:44 ).
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências ada Religião Dr. Edson Cavalcante.
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