QUANDO DEUS USA SEUS PROFETAS.
João 14.6-10
Introdução
A Bíblia fala de um Deus que se revela. O conteúdo do Cristianismo é revelacional, advém do conhecimento e estudo que o homem faz da revelação de Deus.
O que muitos esquecem ao comemorar nascimento de Cristo é que foi exatamente o ato da encarnação do Filho que constituiu a maior expressão revelacional de Deus. Em nenhum outro lugar encontramos com tanta precisão informações a respeito de Deus, dos seus propósitos e atributos. O nosso objetivo por meio deste estudo é entendermos a importância do Filho na transmissão pessoal da revelação especial de Deus e como essa revelação nos conduz a um relacionamento pessoal com Pai, diferentemente de uma religião esotérica, em que seus ensinamentos sempre são adquiridos por meio de experiências místicas.
I. O Deus que se revela
Sabemos que Deus se revelou. Mas por que ele fez isso? Dentre os motivos que encontramos na Bíblia, podemos apresentar os seguintes:
A. Para se dar a conhecer
O Deus apresentado nas Escrituras Sagradas não tem prazer em se envolver num jogo de “esconde-esconde” com os seus filhos.
Um dos propósitos da auto-revelação de Deus é se fazer conhecido. Ele quer que saibamos mais a respeito da sua pessoa, da sua vontade para a nossa vida, dos seus propósitos para o seu povo e dos seus atributos. Não é sem motivo que, por meio do profeta Jeremias, Deus disse que a glória do homem consistiria em conhecê-lo, inclusive ele receberia um coração com condições para tal (Jr 9.24; 24.7), porque isto é algo que o agrada.
Deus tem tanta satisfação em que seu povo o conheça que rejeitar esse conhecimento é como rejeitar o próprio Deus (Is 1.2,3). A vida eterna que recebemos consiste no conhecimento que temos dele (Jo 17.3) e por sua vez, a morte é exatamente o resultado do desconhecimento (Os 4.6).
Continuamente Deus se faz conhecer, seja por meio da sua criação, da providência, ou da palavra falada que começou lá no Éden e culminou na encarnação dessa mesma palavra que foi o nascimento de Cristo. Porém, ao se fazer conhecer, Deus também tinha outros propósitos.
B. Relacionar-se com os seus filhos
Um dos objetivos de Deus ao se fazer conhecido é estabelecer um relacionamento com o seu povo. A Bíblia não apresenta um Deus impessoal, pelo contrário, ele é tripessoal. Também o Senhor não é um Deus distante que, apesar de Criador, permanece totalmente indiferente e estático em relação a sua criação.
Desde o início da criação vemos a iniciativa de Deus em desenvolver um relacionamento pessoal com o primeiro casal quando ele andava no fim do dia no jardim (Gn 3.8). Logo, Deus não apenas se manifestou, mas também falou, o que é próprio somente de um relacionamento pessoal.
Percebemos também que um dos objetivos de Deus ao se revelar é ter um relacionamento pessoal com os seus filhos por causa das diversas vezes em que ele afirma que formaria para si um povo, seria o seu Deus, andaria e habitaria no meio desse povo (Êx 6.7; Lv 26.12; Jr 7.23; 11.4; 30.22; 32.38; 2Co 6.16; Hb 8.10; Ap 21.3).
Referências bíblicas também ao amor, justiça, misericórdia, ira, bondade, paternidade, entre outros atributos, só são possíveis por causa da pessoalidade que há em Deus, pois esses atributos mencionados não podem ser exercidos ou manifestados por meio de alguma força impessoal. Logo, se Deus é pessoal há um relacionamento, e não somente entre as três pessoas que há na divindade, mas com os seus filhos também.
C. Para ser glorificado
Por fim, podemos mencionar também como propósito da revelação de Deus o objetivo de ser glorificado. Deus se manifesta aos seus filhos proporcionando-lhes o conhecimento a respeito de si e se relacionando com eles. Esses, em atitude de reconhecimento, respondem glorificando-o.
Quando olhamos para a criação de um modo geral, vemos Deus dando-se a conhecer por meio dela e manifestando também a sua glória aos homens. Portanto a nossa atitude deve ser a mesma do salmista após contemplar as maravilhas da natureza que reconhece o poder e a sabedoria de Deus (Sl 104.24).
Os atos poderosos de Deus na História e a sua providência diária por meio do que ele também se revela têm por objetivo conduzir o seu povo a glorificá-lo. Uma das razões para o endurecimento do coração de Faraó é que Deus seria glorificado mediante o livramento do povo de Israel do cativeiro egípcio. Portanto, Deus usa a obstinação do monarca egípcio, manifesta-se ao seu povo, se dá a conhecer um pouco mais, levando seus filhos a glorificá-lo.
II. Como Deus se revela
A. Revelação não verbal
Tradicionalmente, a revelação não-verbal é chamada de revelação geral. Ela aponta para a existência do Criador, manifestando a sua glória, poder e divindade (Sl 19.1; At 14.17; Rm 1.18,19) tornando assim todos os homens indesculpáveis diante de Deus (Rm 1.20). Essa revelação se dá por meio das obras da criação, da providência e da lei moral de Deus implantada no coração dos homens (Rm 2.15). Logo, os seus destinatários são todas as pessoas, independentemente de serem ou não cristãs.
Chamamos essa revelação de não-verbal por causa do modo como ela ocorre em distinção ao outro tipo de revelação, a verbal. Se observarmos, tomando emprestada a expressão do salmista, esse é um tipo de revelação na qual “não há linguagem, e nem há palavras, e não se ouve nenhum som” (Sl 19.4). Ela não é falada, mas cumpre seu objetivo, que é testemunhar a respeito da existência do Criador.
Por isso, a rejeição a essa revelação é identificada por Paulo como impiedade e perversão. Os homens, apesar de terem o conhecimento da verdade, preferem adorar e servir a si mesmos, seguindo um raciocínio nulo e um coração insensato (Rm 1.21). Tal atitude, ímpia e perversa, traz sobre si a manifestação da ira de Deus.
B. Revelação verbal
Distinta da revelação anterior, há também a revelação especial ou verbal. O escritor aos Hebreus disse que Deus falou muitas vezes e de “muitas maneiras” (Hb 1.1). Aliás, algo que a Bíblia insistentemente nos apresenta é um Deus que fala. O mundo foi criado pela sua palavra, ele falava com o homem no Éden e continuou a falar durante todo o processo histórico da revelação. Hoje ainda temos a sua palavra falada registrada nas Escrituras Sagradas.
1. Muitas maneiras – O modo pelo qual Deus inicialmente se manifestou. Tecnicamente, chamamos a essas manifestações de teofanias, ou seja, Deus assumindo formas para se revelar ao homem.
A primeira dessas manifestações que encontramos na Bíblia está ainda no Éden, quando Deus “andava” no jardim com o homem e a mulher no fim do dia. De algum modo e forma, Deus se manifestava e falava durante aqueles momentos ao homem.
Outra manifestação que encontramos na Bíblia ocorreu a Abraão. Deus e mais dois anjos foram ao patriarca em semelhança humana (Gn 18.1,2). É importante frisar que ali não houve uma encarnação, Deus apenas manifestou-se em forma humana e falou a Abraão. Podemos também mencionar o episódio da sarça ardente, por meio do qual Deus falou a Moisés (Êx 3.2-4). Por fim, há diversas citações do Anjo do Senhor se manifestando a diversas pessoas e falando a elas (Gn 16.7, 22.11; Nm 22.23; Jz 6.11; 2Rs 1.3; 1Cr 21.16). O importante frisar é que, em todas essas ocasiões, Deus sempre falou, revelando a sua vontade e também dando a conhecer quem ele é.
2. Pelos profetas – As teofanias foram muito mais intensas até os dias de Moisés, sendo substituídas gradativamente pelas profecias. A partir de Moisés, Deus começa a levantar os seus profetas que tinham a responsabilidade de tornar conhecida a vontade de Deus ao seu povo. Por isso, mais uma vez a ênfase recai no fato de Deus estar falando. Ainda que o conteúdo profético fosse recebido por meio de visões, sonhos ou até mesmo teofanias, os profetas agora eram a “boca de Deus” aos homens. Eles eram responsáveis por transmitir a sua palavra. Daí a insistência na expressão “ouvi a palavra do Senhor” ou “assim diz o Senhor”.
3. Pelo Filho – Hebreus mostra que a revelação verbal de Deus teve o seu ápice na pessoa do Filho. A palavra pela qual o mundo fora criado, que fora manifestada de muitas maneiras e também profeticamente, agora estava encarnada. Ou seja, a maior expressão falada de Deus se deu por meio do Filho. Não era somente uma palavra ouvida, mas vista, tocada e que habitava entre os homens (1Jo 1.1).
O apóstolo João disse que o Filho era o Verbo eterno que estava com Deus desde o princípio e que todas as coisas foram feitas por intermédio dele (Jo 1.1). Essa Palavra ou Verbo manifestava a glória do Filho de Deus e revelava o próprio Deus (Jo 1.14,18), era o Emanuel (Mt 1.23).
O apóstolo Paulo escreve também a respeito do Filho dizendo que ele “é a imagem do Deus invisível” (Cl 1.15) e que “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). O escritor aos Hebreus também se refere ao Filho como a “expressão exata” do Ser de Deus (Hb 1.3).
Todas essas evidências bíblicas mostram como a revelação de Deus ao seu povo alcança o seu ponto máximo mediante a encarnação do Filho, a ponto de Jesus dizer a Felipe que quem o visse, via também o Pai (Jo 14.8-10).
III. A revelação por meio do Filho
Veremos a partir deste ponto da lição como é que essa revelação verbal de Deus sempre foi mediada pelo Filho, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
A. No Antigo Testamento
O primeiro exemplo que podemos apresentar é uma referência feita pelo apóstolo Pedro. Em sua segunda carta, alertando a Igreja contra os falsos mestres, ele recorda o ensino que os crentes tinham aprendido. Pedro se refere às palavras que já tinham sido “ditas pelos santos profetas” e aos mandamentos de Cristo que foram ensinadas pelos seus apóstolos (2Pd 3.2). É evidente que os ensinamentos apostólicos foram primeiramente transmitidos pelo Filho. Mas, e quanto as palavras ditas pelos profetas?
Na sua primeira carta, Pedro fala sobre esse processo. Ele diz que os profetas faziam perguntas e procuravam descobrir mais detalhes a respeito da salvação que eles anunciavam. Eles dedicavam toda a atenção possível a respeito daquilo que lhes era revelado a respeito do Filho que viria e do sofrimento que ele padeceria. Porém, todas essas revelações eram feitas pelo próprio Espírito de Cristo que neles estava (1Pe 1.10,11). Logo, já no Antigo Testamento, o Filho eterno era quem fazia a mediação entre Deus e os homens na revelação especial.
Outro exemplo que podemos apresentar está no evangelho de João. Após registrar alguns milagres e mensagens de Jesus, inclusive a ressurreição de Lázaro, o apóstolo diz que Cristo estava sendo rejeitado pelos judeus, seu próprio povo, o que incluía a elaboração de um plano pelas autoridades religiosas judaicas para tirar a sua vida (Jo 12.37).
No entanto, João entende isso como cumprimento de uma profecia de Isaías. Ele diz que o profeta já havia predito que não creriam nele e que o rejeitariam. Porém, é interessante notar que essa profecia ocorreu, segundo João, quando Isaías viu a glória do Filho eterno. A passagem, no entanto, que ocorre no Antigo Testamento onde encontramos a profecia mencionada, narra o momento em que Isaías entra no Templo e vê o Senhor sentando no trono, sendo adorado por serafins que clamavam: Santo! Santo! Santo! (Is 6.1-10). O que João entende (Jo 12.37-41) é que a glória revelada ao profeta, referida como a glória do Senhor dos exércitos, já era a glória de Cristo (Jo 17.5).
Por fim, podemos mencionar também a citação do apóstolo Paulo. Quando escreve à igreja em Corinto alertando-a contra a idolatria, ele faz algumas referências ao povo de Israel durante a sua peregrinação no deserto. Paulo fala do batismo na nuvem e no mar, do manjar espiritual que eles comeram e de uma água espiritual que jorrava de uma pedra espiritual que seguia o povo de Israel durante a sua peregrinação. Conclui o apóstolo Paulo: “a pedra era Cristo” (1Co 10.1-4). Logo, no entendimento de Paulo, Cristo desde o Antigo Testamento já era a fonte mediadora das bênçãos entre Deus e os homens (Ef 1.3; 3.8; Cl 2.3).
B. No Novo Testamento
As passagens que veremos a seguir nos mostrarão, não somente o entendimento apostólico, mas o ensino bíblico de que o Filho sempre é o mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5), inclusive na transmissão da sua vontade (Dt 18.15,18; Jo 14.21).
O apóstolo Paulo faz questão de enfatizar em algumas ocasiões que a sua pregação e seu ensino não eram fruto da especulação humana, mas vinham do próprio Deus (1Ts 2.13), transmitido a ele por Jesus Cristo. Ao instruir os crentes em Corinto a respeito da Ceia, ele diz que entregava aquilo que havia recebido do Senhor (1Co 11.23). Sobre a ressurreição, ele volta a dizer que entregou apenas o que havia recebido (1Co 15.3). Aliás, ele mesmo tinha sido testemunha da ressurreição de Cristo e muito da sua mensagem ele recebera do Cristo ressurreto.
O apóstolo João, combatendo os falsos mestres que negavam a humanidade plena de Cristo, afirma que anunciou o que recebera do Filho, o qual João tocara com suas próprias mãos e vira com os seus próprios olhos (1Jo 1.1-3). O próprio Jesus, na grande comissão, lembra que seriam as suas ordenanças que deveriam ser ensinadas (Mt 28.20), que o próprio ensino do Espírito Santo seria a retransmissão daquilo que eles já tinham ouvido (Jo 16.13), que lembraria os seus discípulos daquilo que Jesus já lhes havia ensinado (Jo 14.26). Portanto, podemos concluir que o Filho sempre foi essencial para a revelação pessoal de Deus ao seu povo.
Conclusão
Felipe fez um pedido audacioso a Jesus Cristo. Ele queria ver o Pai. Semelhantemente a Felipe, muitos ainda querem ver o Pai ou desejam se aproximar de Deus. Muitos, porém, buscam essa aproximação do Pai do modo errado. Eles tentam ir diretamente a Deus com os seus próprios méritos ou buscam outros caminhos, tais como o misticismo ou as boas obras.
Porém, nenhum desses caminhos nos conduzirá ao Pai, pois ele se relaciona de modo pessoal com o seu povo, e esse relacionamento sempre será mediado pelo Filho. A sua própria revelação faz parte desse modo pessoal de se relacionar, pois ela é a manifestação da sua vontade e do seu Ser. Logo, a conclusão a que podemos chegar está nas palavras de Jesus: “Quem me vê a mim vê o Pai”.
Apóstolo. Capelão/juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.
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