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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

A IGREJA DOENTE


                                                              A IGREJA DOENTE

Todos sabemos que Paulo de Tarso, antes de ser convertido era um homem de pavio curto, de temperamento colérico, explosivo. Mas depois daquele fatídico dia no caminho de Damasco, o implacável perseguidor da seita do Caminho tornou-se no seu maior defensor, e teve seu perfil temperamental transformado pelo Espírito. Não era fácil tirá-lo do sério. Paulo buscou viver e encarnar o Evangelho às últimas consequências. Porém, houve um episódio em particular que nos faz cogitar se não sobrou qualquer resquício do velho homem que insistia em vir à tona de quando em vez. Não creio que ele fosse um homem rancoroso e a prova disso é que o mesmo Marcos que o abandonou no início de sua jornada, foi requisitado por ele na reta final de seu ministério.


Mas houve outros que parecem tê-lo tirado do sério, entre eles Himeneu, Alexandre e Fileto.

Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo denuncia alguns que "vieram a naufragar na fé". "Entre esses", prossegue o apóstolo, "encontram-se Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás para que aprendam a não blasfemar" (1 Tm.1:20).

Será que Paulo teve uma recaída? Como alguém que pregava a Graça com tanto afinco poderia chegar ao ponto de entregar outros a Satanás? O que tais homens fizeram de tão sério para merecer um tratamento desses?

Vamos investigar um pouco mais.

Em sua segunda epístola a Timóteo, Paulo recomenda que seu pupilo evite "os falatórios inúteis, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses corrói como câncer; entre os quais estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição é já passada, e perverteram a fé que tinham alguns" (2 Tm.2:16-18).

Portanto, o naufragar na fé e o blasfemar apontados na primeira epístola são explicados aqui como falatórios inúteis, que produzem maior impiedade. Esses falatórios agiam como câncer, identificado aqui como desvio da verdade e perversão da fé.

A palavra grega traduzida aqui como "câncer" é γάγγραινα (gaggraina), de onde se origina o vocábulo gangrena. As traduções mais antigas trazem grangrena em vez de câncer. A diferença básica entre essas moléstias é que a gangrena ataca os membros do corpo, consumindo seu tecido, enquanto o câncer, geralmente, ataca os órgãos vitais. A gangrena é, por assim dizer, uma moléstia externa, enquanto que o câncer geralmente é interno. Porém ambos têm em comum o fato de devorarem parte do corpo de suas vítimas.

Em casos de gangrena, a solução é a amputação. Embora seja uma decisão difícil de se tomar, o médico sabe que é melhor poupar a vida do paciente do que preservar um membro necrosado.

Em casos de câncer, a situação é similar. Tem-se que eliminar as células cancerígenas antes que façam a mestástase e se espalhem por outras regiões do organismo, infectando novos órgãos. O câncer se dispersa quando células tumorais caem nas correntes sanguínea ou linfática e viajam até outro órgão, onde um segundo tumor se forma.

Uma proteína produzida pelo câncer cola em outras células, as da medula óssea progenitoras das células sanguíneas. Elas são promovidas a «soldados do câncer», migrando até uma região em particular. Lá, os emissários se instalam e começam a produzir uma proteína chamada fibronectina, que age como uma cola para atrair e prender mais células da medula, formando um ninho de proteção e fonte de alimento para as células tumorais - que seguem como generais para um campo de batalha já preparado para recebê-los. Esses ninhos têm ligação com as células cancerígenas para implantá-las. Com isso elas não apenas mudam como se proliferam. Depois disso, tem-se um local completamente formatado para um tumor secundário.

A metástase é o processo mais mortal envolvido no câncer. Não é raro pacientes com tumores sólidos serem operados e tratados inicialmente, para morrer algum tempo depois de um câncer secundário.

É claro que Paulo não tinha idéia de como funcionava o processo de mestástase. Mas inspirado pelo Espírito Santo, deixou-nos relatado esse episódio em que a melhor opção foi “amputar” um membro do corpo, para preservar os demais.

É o corpo que tem que ser preservado. Agora, imagine se um médico dissesse à sua paciente: - Há um nódulo em seu seio esquerdo. Vou remover o direito antes que seja infectado. Isso faria sentido? Nenhuma cirurgia é mais traumática a uma mulher do que a Mastectomia. Mas se não resta alternativa, que se remova o seio canceroso, e não o saudável. É a vida da mulher que deve ser preservada. Ela viveria sem um dos seios, mas um seio saudável não sobreviveria à parte do resto do corpo.

Há células cancerígenas na igreja cristã de nossos dias. Mas a saída não é remover os membros ou órgãos saudáveis para outro corpo. A saída é denunciar onde está a ‘doença’ e então atacá-la.

Não vou sair por aí dizendo que não sou mais cristão porque as coisas que se fazem em nome do Cristianismo são deploráveis. Prefiro denunciar os tais que usurparam o nome de “cristãos”, e desmascarar os impostores.

Não podemos simplesmente jogar fora dois mil anos de história. Seria insensatez de minha parte acreditar que somente agora no raiar do vigésimo primeiro século, alguns cristãos conscientes resolveram redescobrir o sentido original da mensagem de Jesus. Não! Sempre houve e sempre haverá um remanescente em cada geração. Jesus garantiu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Sua igreja. Duvido muito que Ele tenha Se enganado.

Assim como sempre houve remanescentes, também sempre houve e haverá células cancerígenas ou membros gangrenados. Constatamos isso nos escritos apostólicos ainda do primeiro século da era cristã. Mas como os apóstolos lidaram com isso?

Paulo os entregou a Satanás. Acredito que esta “entrega” seja o equivalente à amputação de um membro gangrenado. É claro que esta deve ser a última opção a ser considerada. Assim como o médico só decide remover o seio canceroso depois que a quimioterapia comprovou-se ineficaz. Mas quem disse que Paulo não lançou mão de outras?

No finalzinho de sua segunda epístola, Paulo diz a Timóteo:

"Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague segunda as suas obras. Tu também guarda-te dele; poque resistiu muito às nossas palavras" (2 Tim.4:14-15).

Se a palavra já não tem qualquer efeito sobre a pessoa, o que resta senão “considerá-la como um gentio”?

Gosto da maneira como Paulo “dava nome aos bois”. Muitos nos criticam quando fazemos o mesmo. Não basta falar por alto, deixar subentendido nas entrelinhas. É necessário que o espírito do erro seja nominado. Aqueles cujas palavras estão corroendo o corpo de Cristo têm que ser expostos para que não continuem a se alastrar.

De uma coisa estou certo: a igreja de Jesus jamais será um paciente terminal. Os membros de Cristo jamais terão que ser doados a outro corpo por causa da irreversibilidade de seu estado.

Se Cristo nunca desistiu de Sua igreja, por que desistiríamos nós? Não estou saindo em defesa da igreja enquanto “instituição”, e sim da igreja como organismo vivo. As denominações são para a igreja o que as roupas são para o corpo. Hoje são novas, amanhã envelhecem, hoje estão na moda, amanhã serão consideradas antiquadas. Como tais, devem estar sempre bem apresentáveis, lavadas, passadas, e cheirosas. Porém, não são insubstituíveis. Como bem sinaliza Jesus, o corpo é muito mais do que as vestes. Ainda que as vestes resplandeçam com a glória do Corpo, como aconteceu na Transfiguração, não deixarão de ser apenas roupas. Mas o Corpo tem glória permanente. É por isso que creio na igreja de Cristo, pois deixar de crer nela é o mesmo que desacreditar nas palavras de seu fundador.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante

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