ESTUDO CONHECENDO O QUE É A PLANTA
MANDRÁGORA QUE LIA MULHER DE JACÓ DESEJOU...
"Hás de estar comigo, porque certamente te aluguei pelas mandrágoras de
meu filho. E com ela deitou-se Jacó aquela noite." Gênesis 30:16
As mandrágoras
exalam perfume, e às nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e
velhos; eu os guardei para ti, ó meu amado. Cantares 7:13
Poucas plantas
foram tão capazes quanto esta de excitar a imaginação e até mesmo o
inconsciente dos homens. Durante vários milênios e até numa época recente, a
mandrágora foi considerada a planta sagrada por excelência.
Os assírios a
empregavam como soporífero e analgésico, talvez até se servissem dela como
anestésico — o que fez, bem mais tarde, o ilustre Dioscoride, cirurgião militar
grego no exército de Nero, que utilizava a mandrágora durante suas intervenções
cirúrgicas. E sob esse aspecto que, a partir do século V a.C., é apresentada
pelo grande Hipócrates que, ao estudar cuidadosamente seus efeitos, especificou
que, em pequenas doses, a mandrágora combatia efetivamente a angústia e a
depressão.
Tomada em
quantidade maior, ela provoca estranhas impressões sensoriais, próximas à
alucinação. Em doses ainda mais elevadas, a mandrágora exerce uma ação sedativa,
depois sonifera e finalmente leva a um sono profundo, acompanhado de uma
completa insensibilidade. Em resumo, a mandrágora seria provavelmente o mais
antigo dos nossos anestésicos. Mas foi também um dos primeiros afrodisíacos
conhecidos. Curiosamente é com esse renome e como apta a favorecer a concepção,
que a mandrágora figura na Bíblia.
O fato é que
Teofrasto, sábio e filósofo grego, relata as práticas no mínimo estranhas que
deviam acompanhar a colheita da planta. Só podiam fazê-lo à noite. Primeiro o
herborista se inclinava na direção do sol poente e homenageava as divindades
infernais, isto é, as forças telúricas. Depois, com uma espada de ferro que
nunca servira, ele traçava três círculos mágicos em volta do pé da mandrágora,
ao mesmo tempo que virava o rosto para se preservar das emanações nocivas que
poderiam fazer inchar o corpo se não se tomasse a precaução de protegê-lo com
óleo. Em seguida era melhor não proceder pessoalmente à colheita, pois no
momento em que era arrancada, a planta lançava um grito que matava ou
enlouquecia aquele que o ouvisse. Por isso, depois de ter cuidadosamente tapado
os ouvidos com cera, o herborista amarrava um cão à planta e lhe jogava um
pedaço de carne um pouco além do seu alcance. O cão corria e caía morto. Mas a
mandrágora estava arrancada.
Concorda-se que uma
colheita tão perigosa merecia uma grande retribuição. Mas que importância
tinha, já que a mandrágora reembolsava largamente seu comprador. Bastava
fechá-la num cofre para que ela dobrasse o número de moedas que ele continha.
Assim, desde essa época a mandrágora se tornara uma espécie de ludião ctoniano,
de egrégora antropóide, como efetivamente o mostrava a estranha forma de sua
raiz. Se a mandrágora, como muitas espécies de regiões com chuvas primaveris
seguidas de uma longa seca estival, só deixa emergir do solo uma roseta de
folhas muito grandes, sua touceira chega até 60cm de profundidade. Ela é
marrom-escura por fora e branca por dentro e curiosamente bifurcada, evocando
vagamente um tronco prolongado por coxas. Com um pouco de imaginação é possível
encontrar nessa raiz, que os pitagóricos chamavam Anthropomorphon, uma silhueta
humana, com uma cabeça um pouco acima do nível do solo e coroada por uma
opulenta cabeleira, as folhas, principalmente, como às vezes acontece, se duas
outras raízes adventícias se colocam no alto dos membros anteriores. E claro
que as raízes mais procuradas e as mais caras eram as que lembravam melhor a
forma humana, principalmente quando o sexo estava aparente, pois havia
mandrágoras macho e mandrágoras fêmea. Diziam até que certos mágicos conseguiam
“animar” essas raízes, isto é, fazer delas verdadeiros homúnculos.
Finalmente, a
mandrágora se identificava com esses demônios que, nos contos e lendas, se
submetem ao poder do homem, garantindo-lhe uma extraordinária prosperidade, mas
que um dia precisa ser paga e na maioria das vezes com a salvação eterna. Na
Idade Média, essa planta, cujo nome em grego significa simplesmente nociva aos
estábulos, isto é, ao gado, chama-se em francês “mão de glória”, enquanto seu
nome em alemão e em inglês arcaico a identificava a uma fada dos antigos
germanos, Alruna. Garantia de prosperidade, assegurando ao seu proprietário o
sucesso no amor e em todos os seus empreendimentos, a mandrágora, tornando-se
talismã universal, era alvo de um proveitoso e misterioso comércio. Para lhe
dar a aparência desejada, chegaram a cultiva-la em potes que serviam de fôrmas,
a podar e até a esculpir sua raiz; por fim e principalmente, os charlatões a
criaram inteiramente, utilizando para isso as raízes de briônia que eles
talhavam, inserindo, nos lugares convenientes, grãos de cevada ou de painço
que, depois de germinados, formavam tufos de pêlos. Esse comércio durou quase
até nossos dias: na década de 30, era possível comprar essas mandrágoras nas
lojas de departamentos de Berlim.
Na Idade Média, a
fama da mandrágora vinha principalmente do fato de pertencer às plantas que
entravam na composição dos filtros mágicos. Apesar do uso extravagante que
fizeram dela, a mandrágora possui realmente propriedades singulares. Muito
tóxica, ela é um anestésico tão poderoso que quem o experimenta aparenta estar
morto; é provavelmente um afrodisíaco, mas certamente um produtor de visões, de
alucinações e de delírios, podendo levar até à demência, como já notara
Hipócrates.
Portanto, os
poderes que lhe atribuíam se baseavam em observações reais, mas o que nos
interessa aqui é a interpretação que o inconsciente coletivo deu a esses
sintomas. Tudo leva a crer que outrora identificaram a mandrágora com os
espíritos dos mortos. Para começar, seu antigo nome em latim, Au-opa, depois
dado à beladona, de propriedades comparáveis. A mandrágora é encontrada
enterrada e desenterrá-la constituía uma espécie de sacrilégio, imediatamente
punido de morte; em outras palavras, só se podia reanimar um morto em troca de
uma outra vida. Se então serviam-se de um cão é que este, em todas as
mitologias, está associado à morte, ao mundo subterrâneo, onde ele guia seu
dono defunto. Uma crença muito espalhada durante toda a Idade Média vem aliás
confirmar essa interpretação: a planta nasceria sob as forcas, do esperma dos
enforcados. Essa tradição relaciona a mandrágora à “mão de glória” que não era
outra que uma verdadeira mão de enforcado, submetida, durante uma cerimônia
mágica, a uma espécie de mumificação. O poder da planta, que conjuga morte e
sexualidade, residiria assim no fato que esse sêmen desperdiçado seria, em
suma, recuperado em proveito do feliz proprietário da raiz. Além disso, é sabido
que para o espírito arcaico, a concepção só acontecia depois da penetração, na
matriz, da alma disponível de um morto, de um antepassado.
Como é encontrada
na natureza? Primeira surpresa: não existe apenas uma mandrágora, mas duas. A
mandrágora oficinal, ou seja, de uso médico (Mandrágora officinalis),
mandrágora fêmea, chamada assim abusivamente, pois ambas são igualmente
hermafroditas, cresce na Europa meridional e abunda principalmente na Caláb ria
e na Sicilia. Suas flores violáceas aparecem no outono enquanto que as da outra
espécie são primaveris e de um branco esverdeado. A mandrágora primaveril (Mandrágora
vernalis) é considerada como macho e seu habitat é mais nórdico. A mandrágora
macho difere também da fêmea por sua raiz mais espessa, esbranquiçada por fora
como por dentro, pelo cheiro muito mais pronunciado, nauseabundo, obcecaste, em
suma, temível, que espalham suas folhas e suas flores; finalmente, seu fruto é
muito maior, tendo a aparência de uma pequena maçã amarela e exalando um
perfume doce e suave. São os frutos dessa espécie que os antigos egípcios
acreditavam ser afrodisíacos, tradição retomada pelos árabes que os chamavam de
“maçãs do diabo”, em razão dos sonhos excitantes que eles provocavam, mas
também de “ovos dos gênios”.
Apesar dos
botânicos nos garantirem que as propriedades das duas plantas são iguais,
pode-se duvidar, pois os mágicos faziam a diferença entre a mandrágora macho e
a mandrágora fêmea e utilizavam de preferência a primeira, enquanto a antiga
medicina empregava a mandrágora fêmea. Portanto podemos nos indagar se um
estudo comparado das duas espécies não poderia nos revelar segredos que, por
prudência e medo, foram perdidos...
Bispo.
Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante
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