ESTUDO
SOBRE A PROFUNDIDADE TEOLÓGICA DO LIVRO DE HABACUQUE...
Não nos é revelado nada
no texto sobre o profeta Habacuque. Seu livro, ao invés de guardar seus
oráculos, serve como um diário de suas crises teológicas e existenciais. Seu
livro é distinto dos demais escritos proféticos por assumir um tom mais
filosófico e de diálogo com Deus. O tema deste diálogo filosófico se concentra
em torno da justiça divina.
O vácuo de informações
a respeito de Habacuque gerou uma grande gama de especulações sobre a data de
seus escritos e a própria pessoa do profeta. O consenso geral é que Habacuque
tenha pertencido à época do rei Jeoaquim (609 – 598 a.C.). Em virtude disso,
seus questionamentos teológicos podem ser datados entre a ascensão de Jeoaquim
ao trono de Judá e a Batalha de Carquêmis em 605 a.C.
Este período é
escolhido em razão de:
O caos ético e social
que o texto de 1:2-4 apresenta combina com a decadência moral com os dias de
reinado de Jeoaquim, conforme Jeremias denunciou.
A proximidade da realização
dos eventos descritos em 1:6-11, conforme a expressão “nos dias de vocês” no
verso 5. Javé havia prometido a Josias que seu reinado não terminara com a
invasão e cativeiro (2 Rs. 22:18-20). Talvez os oráculos de Habacuque se
refiram aos últimos 20 anos de independência de Judá.
A ascensão da Babilônia
como superpotência mundial no século VII a.C. acontece no período previsto em
Habacuque, embora isso não sirva como prova irrefutável.
O verso 5 ainda nos
ajuda a definir esse período, pois, tendo o Egito como aliado, Judá
dificilmente acreditaria que seriam vencidos pela Babilônia; o que de fato
aconteceu quando Nabucodonosor derrotou o faraó Neco em Carquêmis (Jeremias
46:2,6,10; II Reis 24:7).
Alguns argumentam que
as denúncias de injustiça de Habacuque não se encaixam no período de governo do
rei Josias (pai de Jeoaquim), uma vez que este recebe uma avaliação tão boa.
Entretanto, a reforma que o rei Josias fez, abrangeu apenas a parte litúrgica
da sociedade hebraica, sem atingir a parte social. Por isso a reclamação de
Habacuque acerca da injustiça não se choca com os relatos do governo de Josias,
embora tenha tido uma boa apreciação. Além disso, os efeitos negativos dos
cinquenta anos do reinado catastrófico de Manassés (avô de Josias) demorariam a
desaparecer.
Habacuque baseou seus
questionamentos em sua experiência com os eventos históricos de seu tempo. Tal
qual Jeremias (Jr. 22:13-23), Habacuque também se indignou com a situação de
injustiça, violência e opressão gritantes em Judá; por isso reclama para Deus
pedindo o castigo para os maus e a defesa dos justos. A crise teológica de
Habacuque começa justamente com o atraso do julgamento dos líderes injustos.
Habacuque fica
espantado e confuso diante da revelação de Deus sobre a vinda dos babilônios como
instrumento de Deus para o julgamento de Judá, ao invés de um discurso sobre a
salvação ou livramento. O questionamento de Habacuque foi: poderia um Deus
justo e bom usar meios perversos para executar sua justiça? (Hc. 1:12-17).
Estrutura de Habacuque
O livro de Habacuque
pode ser dividido em diálogos da seguinte maneira:
Diálogo 1 – Habacuque
questiona a justiça divina – 1:1-11
Diálogo 2 – Habacuque
questiona a coerência divina – 1:12 – 2:20
Diálogo 3 – Habacuque
louva a Deus por suas intervenções na história – 3:1-19
O diálogo 1 começa com
a reclamação de Habacuque a Deus sobre as injustiças que estavam à sua volta, e
porque os perversos não eram julgados. Judá ainda não havia sido julgada por
sua impiedade, e o primeiro alvo da queixa de Habacuque não é o povo, mas Deus
(1:2-4). Deus então responde a Habacuque (1:5-11) dizendo que essa situação de
opressão e injustiça não duraria muito tempo mais, pois, ainda nessa geração,
os ímpios seriam castigados. Deus usaria a nação da Babilônia para aplicar o seu
julgamento. Até este momento, as nações vizinhas eram alvo do castigo divino, e
a surpresa de Habacuque reside no fato de Deus escolher uma das nações mais
agressivas daquele tempo para executar seu julgamento contra Judá. Em vez de
anunciar o livramento e restauração em forma de promessa, o livramento e a
salvação viriam por meio do ataque de uma nação inimiga. Aqui, Deus não
responde apenas ao profeta, mas a toda nação, conforme percebemos pelo emprego
do plural.
O segundo diálogo
propõe um problema lógico. Além de não resolver o problema da injustiça, as
pessoas corretas seriam prejudicadas; e, ademais, um inimigo impiedoso seria
vitorioso a despeito de ser castigado. Habacuque afirma a Deus que essa medida
de julgamento não se ajusta com o caráter santo de Deus (1:12). Habacuque,
embora soubesse das injustiças de Judá, achava que a perversidade dos
babilônios era muito pior. Por isso se horroriza ao imaginar a destruição que
os babilônios fariam em Judá. Habacuque os compara com um pescador inescrupuloso
que pesca pelo simples prazer de matar os peixes. Outro problema de lógica
levantado por Habacuque é em relação à soberania de Deus, que não interviria
para proteger o seu povo. Habacuque não faz essa declaração de maneira leviana
ou desrespeitosa, entretanto buscava sinceramente uma resposta. Deus responde
que o julgamento se cumpriria e não procura defender sua justiça, mas afirma
que o justo seria preservado (2:4). No NT Paulo usa este versículo para
ressaltar a fé do cristão, contudo, no contexto de Habacuque, indica a
integridade na vida do servo de Deus, mesmo que não consiga entender todo o
processo. Deus prossegue em sua resposta apontando para a sua justiça, na qual
o perverso é castigado.
Habacuque abre o
terceiro diálogo expondo sua confiança em Deus, que a seu tempo castigaria o
ímpio; e apelou à sua misericórdia na execução do julgamento de Judá. A
consciência do verdadeiro relacionamento com Deus produziu o salmo de louvor
registrado em 3:3-15, que descreve os feitos poderosos de Deus, não somente
para julgar, mas também para livrar (3:13). Habacuque recorre à história de
Israel comprovando sua obra redentora contra os inimigos do seu povo, fazendo
um contraponto literário com a ameaça babilônica no capítulo 1. O livro termina
com a confiança de Habacuque na justiça de Deus. Mesmo com tantas desgraças que
viriam acontecer, a fé inabalável de Habacuque permitiu-lhe ter a alegria que
não dependia mais das circunstâncias externas, mas do seu relacionamento
verdadeiro com Deus.
Propósito e conteúdo
Habacuque trata sobre
os seguintes temas principais:
A justiça de Deus ao
lidar com as nações
A confiança em Deus a
despeito das circunstâncias históricas
O castigo de Judá por
meio dos babilônios e o castigo da Babilônia
O império Assírio
estava no domínio do Antigo Oriente Médio há mais de um século. Entretanto,
começou a entrar em declínio, e Judá ainda não havia sido punida pela quebra de
Aliança, conforme anúncio dos profetas. Esta foi a razão da queixa inicial de
Habacuque. A resposta de Deus revelou que os babilônios seriam o instrumento do
julgamento de Deus.
O problema, para
Habacuque, estava na teodiceia, isto é, a justificação dos atos de Deus quando
a humanidade sofre. Em nenhum momento Habacuque questiona o merecimento da
punição de Judá; mas, se preocupa com a vitória dos babilônios em detrimento da
ruína de Judá. De certa forma pareceria que Deus estava aprovando os métodos
genocidas da Babilônia. Como Deus, sendo justo, poderia permitir que uma nação
perversa prosperasse?
O problema em Habacuque
gira basicamente em torno do mesmo tema de Jó. No final do livro que narra seu
drama, Deus aparece para mostrar que a finitude humana não consegue dar
respostas para todas as questões da vida; mas, Deus está presente em todos os
momentos de dúvidas e aflição pelos quais a humanidade passa. Em Habacuque, a
teofania do capítulo três tem a mesma função. Muito embora Habacuque não
tivesse todas as respostas, a presença de Deus era suficiente para dar toda a
confiança que o profeta precisava para aquele momento.
Contudo, em Habacuque,
Deus revelou algumas respostas que serviram como eixo do livro. A primeira
delas está em 2:4-5 e trata sobre a responsabilidade individual que não é
descartada mesmo em caso de tempos sombrios. Nessas circunstâncias a confiança em
Deus torna-se mais difícil e a fidelidade do justo adquire destaque.
A segunda resposta,
encontrada em 2:6-20, Deus anuncia que castigaria os babilônios em virtude dos
seus crimes contra a humanidade, mas ainda não havia chegado o momento. O fato
dos babilônios serem o instrumento de Deus para o julgamento de Judá não
significava que Deus aprovasse seus métodos. A certeza que Habacuque teve é que
eles também seriam julgados, tanto por seus crimes de guerra, quanto pela
impotência de seus deuses. O Habacuque entendeu naquele momento é que Deus
governava o mundo e sua história a partir do templo; por isso, em virtude de
sua soberania, todos deveriam calar-se diante dele (2:20).
O agir de Deus com as
nações
No Antigo Testamento,
as ações boas e más de todas as nações são pesadas. Quando o lado com as ações
más atinge um determinado limite o julgamento de Deus é acionado. Cada geração
contribui com as ações boas e más contrapostas umas às outras e retardam ou
adiantam a execução do juízo de Deus. O arrependimento era uma forma de se
retardar o julgamento, como se as ações boas fossem somadas diminuindo o limite
das ações más (Jn. 3:10; 2 Rs. 22:19-20). A nação voltaria a enfrentar o risco
de julgamento somente se voltasse a realizar ações más. O texto de Jeremias
18:7-10 exemplifica esse tratamento que Deus dava às nações.
Além desse aspecto do
“peso” das boas e más ações a misericórdia de Deus tem um efeito mais
prolongado do que seu castigo, de acordo com Deuteronômio 5:9-10. Outra
característica de Deus em seu agir com as nações é que sua misericórdia,
aplicada sobre o lado das boas ações retarda o julgamento pelas más ações,
entretanto o peso das más ações não é eliminado até que o castigo seja
aplicado. O texto de Êxodo 32:34 mostra como este princípio de aplica. Deus não
puniu o povo naquele momento, por terem feito o bezerro de ouro em virtude de
sua misericórdia. Contudo, chegaria a hora de serem punidos também por isso
futuramente.
Ainda mais um princípio
pode ser entendido. Os povos que contavam com a revelação de Deus, tal qual os
hebreus, eram punidos com mais severidade em detrimento daqueles que não
conheciam acerca de sua revelação indicando que a tolerância de Deus com os
pagãos é maior. O Novo Testamento aplica esse princípio em Lc. 12:48.
Esse princípio pode ser
aplicado a Judá. Embora os babilônios fossem realmente muito mais cruéis os
israelitas deveriam ter sido mais obedientes em virtude da revelação da Lei e
do aviso constante dos profetas sobre sua apostasia. Agora o momento da
execução do castigo havia chegado.
Esse esquema só é
atribuído às nações, não a indivíduos e não se trata de salvação. Por isso não
há a preocupação de uma salvação baseada em boas obras.
A vida de fidelidade
Deus mostrara a
Habacuque que, embora o castigo fosse severo, isso não seria o fim de Judá, mas
haveria um remanescente preservado. O fundamento da preservação seria a
fidelidade. No Novo Testamento, o apóstolo Paulo usa o conceito de Habacuque
2:4 para fundamentar a doutrina da justificação pela fé. Paulo cria uma ponte
entre ‘emûnâ, que significa fidelidade e pistis, fé.
Em Habacuque a
fidelidade, ou o posicionamento correto diante das circunstâncias adversas foi
percebido por Paulo como o elemento universal de salvação, expresso mais
claramente por Paulo em Romanos 8...
Bispo. Capelão/Juiz.
Mestre e Doutor em Ênfase e Divindades Dr. Edson Cavalcante
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