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quinta-feira, 14 de maio de 2020

O DESERTO NÃO É O FIM


                                                          O DESERTO NÃO É O FIM
Tiago 1.2-8,12
Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações…

Jamais é sugerido no Novo Testamento que o cristianismo seria uma tarefa fácil. Pelo contrário, em vez de prometer uma vida de paz e sossego àqueles que queriam segui-Lo, o Senhor Jesus os advertiu sobre o alto preço do discipulado, dizendo: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). Ele deixou claro que “se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros” (Jo 10.25). Seus seguidores deveriam saber que seriam enviados “como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10.3), seriam “entregues até por vossos pais, irmãos, parentes e amigos; e matarão alguns dentre vós” (Lc 21.16) e que seriam“odiados de todas as nações, por causa do meu nome” (Mt 24.9).Tudo isso envolve necessariamente uma boa dose de sofrimento; experiência comum aos que carregam sobre os ombros a cruz de Cristo.
Tiago, o irmão do Senhor, aborda o tema do sofrimento cristão de forma breve e prática em sua preciosa epístola. Podemos aprender pelo menos três verdades com o texto que estudaremos hoje: o objetivo do so­frimento; como nos preparar para enfrentá-lo, e o prêmio dos cristãos que chegam triunfantes ao final da jornada de lutas terrenas.
1. Como sorrir se estou sofrendo: O objetivo das provaçőes (Tg 1.2-4)
A inusitada ordem de Tiago no início de sua carta tem deixado muitos cristãos atuais assustados e, alguns, até escandalizados. Noutras palavras, o que ele diz é: “alegrem-se no sofri­mento” (Tg 1.2). A questão é que se tem dito em nossos dias que um cristão verdadeiro não pode sofrer. Em sua maioria, os que ensinam esse erro são defensores da chamada Teologia da Prosperidade. Eles dizem que um crente fiel não pode enfrentar problemas como doença, fome, perseguição, desemprego, ou coisas do gênero. No entanto, na contramão de todo esse pensamento, Tiago não nos manda “exigir” que Deus nos dê a cura, nem sugere que “determi­nemos” que Ele faça o sofrimento cessar. O que ele diz é: “Alegrem-se nas variadas tribulações que certamente vos sobrevirão” (Tg 1.2).Mas como isso é possível? O que há no sofrimento que possa nos dar alguma razão para nos alegrar?

1.1 Provaçőes multicoloridas (Tg 1.2)
A ordem de Tiago é para que nos alegremos face às várias provações a que estamos sujeitos neste mundo. “Provações” aqui significam adversidades e aflições que enfrentamos como parte inevitável da vida. Não menos espantoso é que ele as menciona no plural, como “várias” provações (palavra que significa “multicolorida”). Ou seja, como cristãos, podemos ser testados em todo tipo de sofrimento, como perseguições sociais (cf. Tg 2.6), doenças (cf. Tg 5.14), crises emocionais, desemprego e afins (cf. 1Pe 1.6; At 14.21-22). Como cristãos, todo sofrimento é por Cristo, não apenas aqueles experimentados como consequência de um ministério ou algo semelhante. Por­tanto, a ordem é: alegrem-se! Os cristãos precisam decidir pela alegria (cf. Rm 8.18-25).
1.2 Provando e aprovando a fé (Tg 1.3)
A chave para manter a alegria cristã em meio às provações é entender o que Deus está fazendo em nós e por nós por intermédio do sofrimento. No versículo 3, ele descre­ve o sofrimento como teste que o próprio Deus aplica para aperfeiçoar nossa fé. Ideia se­melhante é apresentada em 1Pedro 1.6-7, quando o apóstolo compara o efeito das prova­ções em nossa fé ao efeito do fogo ao ouro. Assim como o fogo natural purifica o ouro, o fogo da provação purifica a nossa fé e queima o que é sem valor em nosso caráter. Nesse processo, a dor é inevitável, afinal estamos falando de fogo! No entanto, o ganho sempre compensa as perdas, pois uma fé aprovada é a garantia da entrada no céu (cf. At 14.22). A provação não somente é importante como também, necessária.
A provação da fé gera “perseverança” (cf. Rm 5.3-4). Nas palavras de David Field, “per­severar é se recusar a achar uma saída fácil quando as pressões da vida se tornam particular­mente pesadas. É a firme atitude mental de quem não se curva diante de circunstâncias nem se rende às provações”. Se você decidir permanecer firme na luta, Deus garante lhe manter de pé e mais fortalecido ao final (cf. 2Ts 1.3-8; Hb 10.36; 12.1-3).
1.3 Perseverando para a maturidade (Tg 1.4)
O resultado final desse processo é um cristão maduro. O exercício da perseverança ha­bilita o cristão a encarar a vida pelo ângulo de Deus, ou seja, ele se torna capaz de enxergar a realidade sob a perspectiva da eternidade, de tal modo que a esperança da glória se torna o motivo de sua alegria e o objetivo de sua vida. O que tem impressionado o mundo ao presenciar o martírio de cristãos em vários lugares, ontem e hoje, não é que eles morrem resmungando ou amaldiçoando, mas cantando. Eles se tornaram capazes, pelo exercício da fé, de apreciar o encontro com Cristo como o bem mais precioso e desejado (cf. Sl 73.23-26).
Ninguém jamais cresce em tempos de paz. As verdadeiras e mais profundas lições da vida aprendemos na escola do sofrimento. Somente a dor nos mostra quanto somos inca­pazes e necessitamos de Deus. Nas fornalhas do sofrimento, somos convidados a desistir da autoconfiança para depender exclusivamente de Deus. Não podemos fingir que a dor não é real. Porém podemos, pela graça de Deus, experimentá-la como primeiro passo necessário (e breve) rumo ao gozo eterno nos céus (cf. 1Pe 4.12-13). Um cristão maduro pode alegrar-se ante o sofrimento porque está convencido do amor de Deus que se revela mesmo no fogo da provação (cf. Hb 12.3-7, 11). Ele pensa e vive como Paulo (cf. Fp 3.7-11).
Satanás se aproveita da provação para destruir a nossa fé; enquanto Deus utiliza a provação para fortalecer a nossa fé. Você tem aproveitado os momentos de teste para fortalecer sua fé em Deus? Ou tem desperdiçado a oportunidade de crescer?
2. Preparando-se para o teste: a sabedoria cristă (Tg 1.5-8)
Um cristão maduro tende a receber a tribulação de Deus com a mesma mão agradecida com que recebe a bonança. De modo contrário, o imaturo fica desorientado e é geralmente rápido em murmurar e amaldiçoar a vida quando a fornalha “esquenta”. Qual o segredo por trás dessas reações diversas?

Tiago concluiu o versículo 4 com a expressão “em nada deficientes” (ou “em nada tendo fal­ta”). Então, ocorreu-lhe que talvez faltasse ainda alguma coisa para que aqueles cristãos fossem maduros e, portanto, capazes de encarar o sofrimento corretamente: sabedoria é o “segredo”.
2.1 Sabedoria năo se adquire na faculdade
Há quem pense que um homem sábio é necessariamente um homem culto. Porém, é possível alguém ser um gênio da matemática ou da teologia, por exemplo, e ao mesmo tempo ser um tolo, em quem falta sabedoria. O contrário também é verdadeiro: é possível alguém ter grande sabedoria mesmo nunca tendo frequentado a escola formal. Isso porque a verdadeira sabedoria tem a ver com o temor do Senhor.
Em Provérbios 9.10, Salomão nos diz que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. Sabedoria espiritual é a capacidade de discernir a vontade de Deus e aplicá-la a situações práticas do dia a dia (cf. Pv 2.10-19; 3.13-14; 9.1-6). Ela é fruto de um relacionamento íntimo com Deus, o qual é baseado no conhecimento e na vivência das Escrituras Sagradas. Essa sabedoria habilita o cristão a discernir o melhor curso de ação a seguir em momentos de aperto (cf. Ec 8.5-6), assim como o capacita a utilizar os momentos de provação positivamente, para o fortalecimento da fé.
2.2 Năo tenho sabedoria! E agora, o que fazer?
Se você acha que carece de sabedoria espiritual e deseja possuí-la ou simplesmente for­talecê-la, Tiago lhe diz o que fazer: “peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impro­pera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.5). O nosso Deus é dadivoso e nos dá o que lhe pedimos sem exigir algo em troca, desde que esse pedido esteja de acordo com Sua vontade (cf. 1Jo 5.14). Portanto, anime-se! Pois é vontade de Deus que tenhamos sabedoria!
A única coisa que você precisa fazer é pedir. Há duas maneiras de fazer isso:
com fé (Tg 1.6) – Ter fé é estar seguro de que Deus vai cumprir o que prometeu, e estar convicto de que Ele está no controle da situação, mesmo quando não conseguimos entendê­-la ou enxergar a solução (cf. Hb 11.1). Somente pedidos feitos com fé serão atendidos por Deus (cf. Mt 21.21-22).
com dúvidas (Tg 1.6-8) – Duvidar significa estar dividido entre dois pensamentos ou atitudes de lealdade. O que duvida está sendo infiel e pondo o caráter de Deus em xeque. Para que entendamos melhor o que isso significa, Tiago “pinta” três retratos dos que duvidam.
– Primeiro retrato – uma onda no mar (Tg 1.6)

Assim como as ondas do mar estão em constante movimento e nunca apresentam a mesma aparência, são essas pessoas no relacionamento com Deus. Hoje acreditam, mas amanhã duvidam. Em uma semana, decidem ser alunas regulares da escola bíblica, mas ninguém é capaz de encontrá-las novamente na igreja duas semanas depois.
– Segundo retrato – um esquizofrênico no espelho (Tg 1.8)
Assim como pessoas com duas personalidades, essas pessoas são dipsychos, “Duas mentes” (cf. Tg 4.8). Por um lado, querem agradar a Deus; mas por outro, desejam algo mais no mundo. Oram como Agostinho certa vez orou: “Senhor, faz-me puro, mas não agora”. Ou cantam o verso: “tudo a ti, Jesus, entrego; Tudo, tudo deixarei”, e no coração sussurram: “mas não posso esperar até o casamento para praticar sexo”.
– Terceiro retrato – o andar de um bêbado (Tg 1.8)
Assim como um bêbado errante, que muda seu caminho a cada passo, são as pessoas que duvidam. Sempre inconstantes em seus caminhos, são incapazes de se manter fiéis a um único senhor (cf. 1Rs 18.21).
Em Romanos 8.28, Paulo diz que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. É sempre mais fácil acreditar nessas palavras em momentos de paz. Ao mencionar “todas as coisas”, ele inclui as boas e as más. Você acredita mesmo nisso? Como essa verdade deve direcionar a maneira pela qual você reage ao sofrimento?
3. O prêmio final: a Coroa da Vida (Tg 1.12)
Além do benefício da maturidade espiritual que o sofrimento produz no tempo presente, Tiago ainda menciona um prêmio final para aqueles que perseverarem até o fim.

A vida cristã pode ser comparada a uma corrida de obstáculos. O cristão encontrará muitas dificuldades ao longo de sua jornada, muitos altos e baixos, pedras e buracos pelo ca­minho. No entanto, ao cruzar a linha de chegada, ele receberá a recompensa por todas as lutas travadas. Não apenas o primeiro colocado, mas todos os que a cruzarem receberão o prêmio.
Os que suportam a provação com perseverança são chamados de bem-aventurados, ou felizes (cf. Mt 5.10-12). É maravilhoso pensar que a alegria cristã não é uma “loteria”. Não depende de boas notícias ou promoção no emprego. Não se resume a um rápido momento de euforia. Pelo contrário, é uma bem-aventurança cuja essência é o próprio Deus; um conten­tamento estável que independe de situações externas. É uma bênção que mantém os cristãos satisfeitos em Deus mesmo em meio à dor da provação (cf. 2Co 12.7-10; Rm 8.18).
Tiago diz que os que suportam com perseverança a provação receberão a coroa da vida. A coroa simboliza glória e honra e, sendo a coroa da vida, simboliza ainda a vida abundante e real que somente o cristão genuíno pode desfrutar. Paulo também esperava receber uma coroa ao final de sua jornada de lutas e provações (2Tm 4.6-8; cf. 1Pe 5.1-4; Ap 2.10).
É possível que na jornada enfrentemos a dor da perda de pessoas queridas, de enfermida­des, da solidão e diferentes níveis de perseguições. No entanto, Cristo nos garante a verdadeira vida que nem a morte é capaz de usurpar. Vale a pena sacrificar tudo por Deus! Nós podemos cantar com Martinho Lutero: “Se temos de perder filhos, bens, mulher; se tudo se acabar e a morte enfim chegar; com Ele reinaremos”(Salmos e Hinos, nº 640).
O missionário Jim Elliot, martirizado em 1956, no Equador, por índios que ele e sua equipe evan­gelizavam, disse: “Não é tolo quem entrega o que não pode reter, para ganhar o que não pode perder”. Pelo que você tem sofrido? Isso durará para sempre? O que tem sido seu objetivo de vida em lugar da glória de Deus?
Conclusăo
A ordem bíblica para a nossa vida é simples: primeiro, sofrimento; depois, glória (cf. 1Pe 1.11; 4.13; 5.1). No entanto, é grande o número de pessoas que tentam pular a pri­meira etapa da vida cristã exigindo prosperidade e sossego no mundo. Elas buscam relaciona­mento com Deus em troca dos benefícios que Ele pode lhes dar. Querem um Deus servidor, que lhes dê tudo o que exigem. Será que essa atitude não demonstra um amor a Deus baseado apenas nos milagres que Ele pode fazer? E quanto a você? O seu amor a Deus está baseado no que Ele pode lhe dar ou em quem Ele é? Você continuaria amando o Senhor se Ele tirasse tudo o que você tem? (cf. Jó 1.21-22; Fp 3.7-11).
Cristo jamais nos prometeu uma jornada fácil, mas garantiu que estaria conosco todos os dias (Mt 28.20), compadecendo-se de nossas dores (Hb 4.15), ajudando-nos a carregar o nosso fardo e levando-nos a salvo para o gozo eterno (Jo 14.1-3; 16.33). Portanto, tenha paciência ao passar pela provação. Lembre-se de que Deus tem o tempo perfeito para todas as coisas e certamente concluirá com glória o que começou com dor (cf. Tg 5.7-11). O maior exemplo de sofrimento é o próprio Senhor Jesus (1Pe 2.18-25). Se você acha sua vida injusta ou dema­siadamente difícil, pense um pouco nos sofrimentos Daquele que jamais pecou (cf. Is 53). Ele escolheu sofrer por você (Jo 10.17-18). Você está disposto a escolher sofrer por Ele?
Em vez de murmurar, resmungar ou se revoltar contra Deus em momentos difíceis, reaja com alegria por saber que Deus está lhe aperfeiçoando para o grande dia de nosso encontro com Ele nos céus (cf. 1Pe 1.3-9). Reaja com a alegria de quem tem o seu tesouro nos céus e consegue enxergar os benefícios de uma fé madura, purificada pelo fogo das provações. A dor pode até lhe fazer gemer, mas que ela não tenha poder para lhe fazer murmurar contra Deus. Só depende de você!
Apóstolo. Capelão/Juiz. |Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.

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