APRENDENDO COM A EPÍSTOLA DE TITO
Paulo fora libertado em Roma, quando de sua primeira prisão. Deve ir ter ido para a ilha de Creta. De lá foi para Éfeso e depois para a Macedônia. Tito ficou em seu lugar, em Creta (1.5). Mais tarde, Paulo escreveu-lhe esta carta com algumas orientações sobre como administrar a igreja daquela ilha. Ela não é posterior, portanto a 2Timóteo, embora venha depois dela em nossa Bíblia. Deve ter sido escrita na mesma época de 1Timóteo, entre os anos 61-65. São cartas gêmeas, escritas logo após a soltura de Paulo.
Em 1Timóteo, a palavra chave é “doutrina”. Em Tito, é “boas obras”. O versículo central está em 3.8. Os cristãos devem mostrar sua fé em boas obras. As duas epístolas se completam. Ter doutrina correta é bom. Isto se chama “ortodoxia”. Mas de pouco adianta se não houver conduta certa. Isto se chama “ortopraxia”. Muitas vezes enfatizamos a doutrina e esquecemos os bons relacionamentos dentro da igreja. Este é o tema da carta. Como os membros da igreja devem viver uns com os outros.
QUEM FOI TITO?
Ele foi companheiro fiel de Paulo. Quando o apóstolo foi a Jerusalém, história narrada em Atos 15, Tito estava com ele (Gl 2.1), embora o autor de Atos não o cite no capítulo e em lugar algum do livro. Ele era gentio, mas não se circundou (Gl 2.3). Devemos lembrar que o tema da discussão em Atos 15 foi exatamente este, se os gentios deviam se judaizar ou não, para serem cristãos. E a circuncisão era o símbolo exterior do judaísmo. Foi ele quem levou as ofertas de Corinto para as igrejas da Judéia (2Co 8.16). Era pessoa de confiança, portanto. Parece que era mais ousado que Timóteo. Compare os textos de 1Coríntios 16.10 e 2Coríntios 7.15. E veja, em Tito 1.5, porque Paulo o deixou em Creta. Parece ser um homem muito ativo, deslocando-se de um lugar para outro (2Tm 4.10). A tradição cristã dá-o como irmão de Lucas, por isso que ele não teria sido citado no livro de Atos. Lucas teria evitado citar seu próprio nome e o do irmão, na obra, para não exaltar a família. O apóstolo Paulo o estimava muito (Tt 1.4).
OS TEMAS DE TITO – A REPREENSÃO DE FALSOS MESTRES (1.10-16)
Em 1.5-9 vemos que Tito deveria escolher bispos (presbíteros ou pastores) para a igreja. A igreja deve ter pastor, isto é óbvio. E uma das razões está em 1.9. É a pessoa que deve doutrinar a igreja. Havia falsos mestres em Creta e Paulo foi particularmente duro com eles: 1.10-11.
Citando o filósofo Epimênides (1.12), Paulo mostra o caráter dos cretenses. E diz que o testemunho de Epimênides é verdadeiro e por isto Tito deve repreendê-los (1.13). É uma pena que ainda haja alguns “cretenses” nas igrejas de hoje. Mas eles devem ser enfrentados e resistidos.
O assunto parece ser o mesmo das outras cartas do apóstolo: a judaização da fé cristã. Paulo chama o judaísmo de “fábulas” (1.14). Afirma que seus defensores haviam se desviado da verdade. Eles, os defensores da circuncisão (o judaísmo) são “faladores vãos, e enganadores” (v. 10). Eles se preocupavam com o que comer e o que beber, com as famosas regras dietéticas do judaísmo. Paulo nega valor a tais regras (1.15). Já as negara, em Colossenses 2.16. Não adianta uma pessoa dizer que conhece a Deus pelo que come ou pelo que deixa de comer, pelo que bebe ou deixa de beber, e negar isto com as suas obras. Um bom comentário sobre esta questão aparece no Manual Bíblico Vida Nova: ”Os falsos mestres estavam tentando constituir padrões humanos pelos quais se pudessem julgar questões de pureza e impureza. Paulo, porém, mostrou que aqueles padrões estavam corrompidos”. Eles deveriam ser repreendidos à luz dos conceitos emitidos em 1.15-16.
COMO LIDAR COM AS DIFERENTES PESSOAS NA IGREJA – 2.1-15
Esta seção começa com a recomendação paulina a Tito: v. 1. Ele deve exortar as pessoas. Por quatro vezes aparece a expressão “exorta” (vv. 2, 6, 9 e 15). O termo não aparece no versículo 3, ao tratar de uma classe de pessoas, mas fica implícito: “semelhantemente”. A exortação serve para as pessoas desta classe. Paulo mostra como deve ele repreender os homens mais velhos (vv. 1-2). Também as mulheres idosas devem ser exortadas, se estiverem erradas (v. 3). As pessoas mais idosas também erram e também precisam ser exortadas. Está errada a ditadura do jovem na igreja (dono do louvor) bem como está errada a ditadura do adulto (dono da razão). A igreja é uma verdadeira democracia. Todos têm direitos, todos têm deveres, todos merecem elogios, mas todos podem sofrer exortação. Ninguém está acima dos outros. Mesmo sendo um pastor jovem, Tito estava autorizado a corrigir os mais idosos. Deveria ter a autoridade da investidura na função, corroborada pela vida submissa à Palavra.
As mulheres de mais idade devem ser um exemplo para as mais novas (v. 4). Mais uma vez somos confrontados com a mordomia da influência. Podemos ajudar, com nosso exemplo, as pessoas menos experientes que nós. Tanto na idade como na vida cristã. Uma outra lição que nos fica aqui: a igreja é uma comunidade ajudadora, e não repressora. As pessoas devem passar sua experiência, amorosamente, para as demais.
A terceira classe a ser exortada é a dos jovens (vv. 6-8). Como era jovem, Tito deveria ser o exemplo. Fica aqui uma advertência. É fácil censurarmos os jovens da igreja, mas somos bons modelos para eles? Eles vêem as boas obras dos pais e dos adultos da igreja? Olhando os líderes de hoje, eles, que serão os líderes de amanhã, vêem como devem proceder?
A última classe é a dos escravos (vv. 9-10). Paulo parece ser conformista, aceitando a escravidão e legitimando-a. Mas não nos precipitemos. Diz-se que na Roma imperial havia 600.000 livres e 600.000 escravos. A abolição da escravatura traria um problema social enorme. Como essa massa de escravos viveria? Paulo faz um apelo à ordem social. Com os apelos à igualdade (Gl 3.28) e ao exercício da misericórdia, o cristianismo foi minando a escravidão. Paulo aconselhou Filemom a receber o escravo que fugira, Onésimo, e que se convertera ouvindo Paulo pregar, não mais como escravo, mas como irmão (Fm, vv. 15-17). Em Cristo, as pessoas são livres e são iguais.
Uma lembrança oportuna: exortação não significa humilhação nem degradação da pessoa exortada. Os conselhos a Tito são para use de bom senso e de respeito.
A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO CRISTÃO
Está no texto de 3.1-2. Não se fala de direito de voto nem de atividade social nem de organização político-partidária. Estas coisas não estavam em cogitação. Fala-se da maneira de nos portarmos. O v. 1 deve ser entendido dentro deste contexto: o cristão não é um agitador nem um baderneiro. Pode não concordar, deve até mesmo discordar dos valores do mundo, mas deve ser uma pessoa equilibrada (v. 2). Um cristão desequilibrado é um problema. Não devemos ser infamadores nem brigões, mas pessoas que sirvam de referencial em termos de sensatez.
CRISTO NOS MUDOU
No texto de 3.3-7, Paulo mostra que a bondade de Deus e seu amor para conosco (v. 4) nos regeneraram e nos renovaram (v. 5). Em outras palavras, fomos tornados novas criaturas. Este amor e esta bondade foram derramados em Jesus Cristo (v. 6), e assim fomos justificados e tornados herdeiros da vida eterna (v. 7). Quanto às discussões tolas e sem sentido, que Tito as deixasse de lado. Nesta classificação, o apóstolo inclui as discussões sobre a lei e as genealogias, tão caras aos judeus. Eles levam isto tão a sério que, ainda hoje, o judeu que tiver o sobrenome Cohen (palavra hebraica para “sacerdote”) é reverenciado nas sinagogas, pois é descendente de Levi. Isto não tem valor algum. E se alguém insiste em ser briguento, depois da segunda admoestação, que seja deixado de lado (v. 10). Por vezes esquecemos este conselho de Paulo e gastamos muita vela com mau defunto, discutindo por ninharia. A pessoa que ama discussões na igreja é pervertida, está em pecado e está perdida (v. 11). A palavra do versículo 10 tem muito sentido: “evita-o”. a idéia é “põe de lado”.
No meio de conselhos práticos, Paulo retoma aqui sua linha teológica: não são os nossos méritos, mas a graça de Deus que nos salvou. Veja o contraste entre estes dois conceitos, nos versículos 5-6. Na sua coerência, ele está reafirmando o que disse em Efésios 2.8-9. Somos salvos pela graça, por meio da fé. Nunca nos esqueçamos disto.
MAIS UMA EXORTAÇÃO A TITO
Em 3.8-11 vem mais uma exortação do pastor experiente ao pastor jovem. A palavra de Paulo é uma “palavra fiel” (esta expressão designa uma verdade solene) e Tito deve proclamá-la com firmeza, para que os crentes se apliquem às boas obras (v. 8). Este é o versículo chave da epístola. O povo de Deus deve mostrar que é povo de Deus pela sua conduta. Jesus disse que “pelos seus frutos os conhecereis”, e não “pelo seu louvor os conhecereis”. A ênfase do Novo Testamento é no caráter que devemos ter. Hoje se enfatiza muito o louvor, a atividade, as reuniões, e nem sempre o caráter cristão, marca distintiva da conversão e o melhor testemunho que podemos dar, como vemos nas palavras de Jesus, em Mateus 5.13-16.
AS ÚLTIMAS RECOMENDAÇÕES
De 3.12 a 14 Paulo faz as suas últimas recomendações. Decidiu passar o inverno em Nicópolis. Ártemas ou Tíquico iriam substituir Tito em Creta. Que Tito viesse encontrar-se com Paulo, em Nicópolis, ou onde ele estava, antes de sair.
Havia dois missionários que precisavam do apoio de Tito: Zenas (diminutivo de Zenodoro) e Apolo. Zenas é chamado de “doutor da lei”. O termo grego é nomikos e era empregado para juristas e, provavelmente, era ele uma autoridade no direito romano. Apolo já é conhecido desde o livro de Atos, como excelente orador. Isto mostra que Tito tinha capacidade mobilizar uma rede de apoio aos missionários. Talvez a autoridade moral e espiritual de Paulo sobre as igrejas desse ao apóstolo uma margem de manobra muito grande, em decisões (embora ele sempre respeite as igrejas locais), e ele atribui esta responsabilidade a Tito.
Mas Paulo insiste nas boas obras que os crentes devem ter (v. 14). Parece que é no contexto de suprir os missionários, que, dedicando-se ao estudo e à pregação, não poderiam prover seu sustento de outra fonte. O final é a costumeira bênção, desejando a graça sobre todos. E terminemos nosso estudo como ele: “a graça seja com todos”.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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