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terça-feira, 4 de junho de 2019

PAZ DO SENHOR


                                                                 PAZ DO SENHOR
Romanos 5.1-11
Introdução
Dentre os maiores anseios humanos em todas as épocas está a paz – ela sempre figura nos desejos para o ano novo. A “paz de espírito”, especialmente, tem sido buscada pelos mais diferentes métodos, nas mais diversas religiões. As religiões orientais, por exemplo, procuram encontrá-la no desligamento mental do mundo exterior, no esvaziamento da personalidade.
Também na história da igreja houve homens que tentaram alcançar a paz por meio de autoflagelação, celibato, clausura, e outras práticas ascéticas. Hoje ainda há pessoas que vivem como se vida cristã não fosse compatível com a paz, mas com desesperança; outros acreditam que a paz deve ser encontrada por meio de um retiro de fim-de-semana num lugar afastado. Vejamos onde o cristão encontra a paz verdadeira.

I. Certeza de paz com Deus

Nos quatro primeiros capítulos de sua epístola aos Romanos, Paulo expõe como o evangelho responde a todas as grandes questões da vida; ali ele dá todas as informações necessárias para que alguém passe da morte para a vida. Assim, de agora em diante, ele passará a nos falar como se já tivéssemos recebido a salvação em Cristo.
Vemos esta mudança claramente no início desta seção: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus” (Rm 5.1). O apóstolo usa o tempo passado (“justificados”) para descrever nossa justificação a partir da obra que Cristo consumou há quase vinte séculos, e baseada no momento em que aceitamos o fato de que esta obra foi em nosso favor – seja cinco minutos ou cinqüenta anos atrás. Em seguida, ele usa o tempo presente para afirmar a realidade de que “temos paz com Deus”, ou seja, já estamos numa condição diferente diante de Deus. A paz com Deus é um aspecto presente da nossa salvação.
Uma faceta bastante enfatizada desta paz em nossos dias é a psicológica: podemos desfrutar de paz em nosso coração, em nossas consciências, já que nossa dívida foi paga por Jesus na cruz. De fato, a consciência tranqüila de quem sabe que foi perdoado é uma dádiva inestimável para quem deseje viver em paz. Mas o mais importante é que Deus está em paz conosco. Esse é o lado objetivo, Deus realmente estava irado contra nós pelo nosso pecado, e agora essa ira foi retirada, pois ele mesmo nos declarou justos.
Desde a expulsão de nossos primeiros pais do paraíso, cada ser humano nasce debaixo da ira de Deus pelo pecado que habita em sua natureza caída. Não é possível exagerar o horror do pecado diante daquele que é três vezes santo (Ap 4.8), e por isso Paulo descreve a situação da humanidade em geral como “mortos” em delitos e pecados, “filhos da desobediência” e, “por natureza, filhos da ira” (Ef 2.1-3). Em uma palavra, todo ser humano vive como um “inimigo” de Deus (Rm 5.10), gritando por independência daquele que o sustenta, em guerra aberta contra seu próprio criador. Quando pensamos em pecado apenas como alguns atos reprováveis que certas pessoas “malvadas” praticam, perdemos de vista a verdadeira dimensão de nosso estado de rebelião contra Deus – e deixamos de perceber a paz que Cristo conquistou para nós. É somente porque a nossa culpa real foi removida de diante de Deus que podemos voltar àquele propósito original e àquele relacionamento com Deus para o qual fomos criados; é isso que traz paz verdadeira aos nossos corações – o perdão verdadeiro de nossos pecados.
Os crentes do Antigo Testamento eram constantemente lembrados de que seu estado de pecadores os separava de seu Deus. Tanto no tabernáculo quanto no templo, havia uma pesada cortina que separava o povo de Deus do Lugar Santíssimo; mesmo o sumo sacerdote só poderia adentrar ali uma vez por ano, após elaborados rituais de purificação de si mesmo, para então oferecer a expiação anual pelos pecados de todo o povo (Lv 16). Aproximar-se da presença de Deus era algo para se fazer com grande temor, sob perigo de morte (v.13). O povo em geral não podia entrar, mas essa mesma cortina foi rasgada de cima a baixo pelo sacrifício de Cristo (Mt 27.51), e por ele estamos reconciliados com o Criador, e podemos viver em paz na sua presença. Nós nos encontramos justificados na presença real do próprio Deus infinito; Deus está em paz conosco, por isso mesmo nós teremos paz em todos os aspectos de nossa vida.

II. Pecadores em paz

Apesar de conscientes do perdão recebido pela justificação em Cristo, alguns cristãos parecem não viver uma vida cristã prazerosa, como se tudo isto fosse apenas algo teórico, sem ligação com a realidade prática, com a vida presente. Olham para a própria vida e não vêem muito dessa vida triunfante e gloriosa. Sentem-se derrotados nas tentações e lutas diárias.
Mas a chave para tal vida cristã encontra-se na seqüência do nosso texto, onde Paulo acrescenta que é também por intermédio de Cristo que “obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes” (Rm 5.2). No passado, fomos justificados pela fé. Mas agora, no presente, pela mesma fé, temos acesso à graça de Deus, e nela somos firmados.
Não podemos pensar que a fé somente é necessária para o momento em que aceitamos Jesus como Salvador, e nem que a graça de Deus resume-se em nos tornar salvos naquele momento, restando a nós caminhar pelas próprias pernas e com as próprias forças daí por diante. Pelo contrário, a vida cristã inteira repousa completamente sobre a fé na obra consumada de Cristo. Este é o tema central de Paulo em sua carta aos Gálatas. Ele pergunta-lhes se, depois de terem começado no Espírito, desejavam agora se aperfeiçoar na carne (Gl 3.3). A ironia da pergunta é evidente: aperfeiçoar pela carne uma obra iniciada pelo Espírito de Deus é um completo disparate. O evangelho é o poder de Deus para nossa justificação, mas também é poder de Deus para nossa santificação. Contudo, se tivermos a pretensão de vencer a batalha da santificação pelas nossas próprias forças, estaremos sempre fadados ao fracasso. Resumindo, “o justo viverá por fé” (Rm 1.17).
A base para nossa santificação é a mesma que para nossa salvação, no início. Primeiro, admitimos e confessamos pela fé o quanto éramos pecadores; depois, foi necessário que, ainda pela fé, aceitássemos Cristo como nosso Salvador pessoal, colocando-nos debaixo da proteção do seu sangue; e consequentemente, nosso coração se enche de gratidão pelo que o Senhor fez em nós e por nós. Semelhantemente, quando lutando contra alguma tentação, ou mesmo contra um pecado em nossa vida, temos três passos: a) em primeiro lugar você deve reconhecer honestamente seu pecado diante de Deus, sem inventar justificativas, atenuantes ou nomes diferentes; b) em seguida, coloque esse pecado específico debaixo do sangue de Cristo, ou seja, creia que o sacrifício dele é suficiente para cobrir seu pecado confessado completamente; e c), dê graças ao Pai por sua promessa de perdão integral e pela comunhão com ele que já está restaurada. O assunto está encerrado.
Mas, de modo algum estamos propondo aqui um sistema de vida cristã maquinal, no qual seguimos alguns passos mecanicamente para garantirmos certos resultados desejados. Veja bem: ao contrário da cosmovisão que a nossa sociedade adota cegamente, que acredita que o universo é fruto do acaso e o mundo regido por leis impessoais, a Bíblia nos fala de um mundo criado e mantido por um Deus pessoal, que se relaciona dinamicamente com sua criação. Isto é verdade especialmente com relação aos salvos, pois o próprio Deus Criador habita pessoalmente em cada um de nós pelo seu Espírito. Estamos numa relação pessoa a pessoa, e isto faz toda a diferença.
Como aprendemos das palavras de Jesus (Mt 11.30) e do apóstolo João (1Jo 5.3) a chave para uma vida cristã de paz não está em carregarmos valentemente penosos mandamentos e pesados fardos. A chave está na fé, em crer e se apoiar na graça, com base no sangue derramado na cruz. Mesmo nossa consciência não está autorizada a nos confrontar com um pecado que já tenhamos confessado e deixado, pois ela não é maior que Deus (1Jo 3.20), o qual já nos declarou limpos instantaneamente.
Esta não é uma paz introspectiva, mas se baseia na promessa do Deus que não pode mentir de que a morte redentora de Cristo é suficiente para cobrir nossos pecados. Mas isto não se limita aos pecados que cometi antes de aceitá-lo como Salvador, mas aos que cometi desde que despertei esta manhã também. Sempre que sou honesto comigo mesmo percebo que se dependesse de mim já estaria perdido, e nessas horas o que devo fazer é colocar essas coisas debaixo do sangue remidor, crendo que ele é suficiente para me limpar. E assim, simplesmente agradecer. É daí que procede a paz do cristão. Não estamos falando de uma experiência emocional ou psicológica, mas de fé em uma realidade concreta: a obra de Cristo em nosso favor.

III. Esperança de vitória

Temos descrito a paz de que o crente desfruta a partir do momento de sua salvação como algo originado na obra de Cristo no passado. Mas alguém poderia questionar se essa paz funciona quando as coisas no presente não estão bem. Se a base para essa paz não é psicológica, então ela deveria funcionar nos altos e baixos da vida cotidiana, certo?
É exatamente isto que Paulo passa a afirmar no verso terceiro de Romanos 5: “… não somente isto, mas também nos gloriaremos nas próprias tribulações”. Os cristãos primitivos passavam por perseguições físicas, promovidas oficialmente pelos representantes do governo romano, além de perseguições também pelos judeus; e a igreja a quem o apóstolo está escrevendo ficava precisamente na capital do império. Se a paz daqueles irmãos fosse apenas algo teórico, dificilmente poderiam desfrutá-la enquanto caminhavam acorrentados para o Coliseu para alimentarem as feras – não seria mais simples negar a Cristo e retornar humilhado, mas são e a salvo para casa, deixando tudo para trás? Mas não importa qual seja o tipo de tribulação pela qual você está passando ou pode vir a passar, a nossa fé tem de ser suficiente para prevalecer contra ela, permanecendo inabalável.
Não temos aqui uma atitude fatalista, de apenas aguardar sem confiança nem esperança (do tipo “a vida é assim mesmo”), nem de impaciência diante dos problemas e tentações. Pelo contrário, trata-se de uma esperança que “não confunde”, ou seja, não deixa envergonhado, não decepciona, é segura. Está fundamentada na obra de Cristo. Na verdade, a fé vai além de suportar, pois chega a “gloriar-se” nas tribulações, na certeza de que o Deus que entregou seu próprio Filho para morrer em nosso lugar não nos abandona nunca. Em toda e qualquer situação, o cristão recebe o conforto necessário no fato maravilhoso de que Cristo se entregou por nós enquanto ainda éramos fracos, ímpios, pecadores e inimigos de Deus (Rm 5.6-10). Em outras palavras, depois de testemunhar tamanha demonstração de amor, como eu poderia cogitar que ele me deixasse só e derrotado? Nunca!
Devemos manter em mente que Paulo não está apenas tecendo comentários teológicos desconectados da vida, mas está falando a crentes como nós, de carne e osso. O evangelho não foi feito para pessoas perfeitas. Cristãos tropeçam e caem, porém não devem se lançar no desespero. É por isso que ele acrescenta que, além das bênçãos decorrentes da morte de Cristo, somos também “salvos pela sua vida” (5.10). Cristo não apenas morreu em nosso lugar, mas ressuscitou dentre os mortos, e está vivo! O Cristianismo não está baseado em belos ideais, mas em alguém que de fato ressuscitou, ascendeu aos céus e está vivo para sempre. A vitória completa de Cristo é a garantia que temos de nossa própria vitória nas tribulações, nas tentações, e mesmo nas quedas momentâneas que sofremos.

Conclusão

Muitos crentes sinceros parecem imaginar que a vida cristã se restringe a aceitar Cristo como Salvador e depois “aguentar as pontas” até o dia de “partir desta para melhor”. Esta não é a proposta da Palavra de Deus: devemos agora mesmo viver vitoriosamente, e isto fazemos pela fé na obra de Cristo, dia após dia debaixo da graça de Deus. É ali que encontramos a paz que não perece.
Todos nós temos as nossas tentações particulares; todos nós caímos nelas. Mas a purificação funciona sempre. Nunca, jamais teremos razões para ter medo de ter caído a um ponto tal que Deus nos dê as costas.
A paz do cristão pode prevalecer sobre todas as circunstâncias da vida real, porque está baseada num fato real: o sacrifício perfeito de Cristo.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante

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