EXÉRCITO DE UM SOLDADO...
Ezequiel 22.23-31
Quando uma pessoa se coloca diante` de Deus torna-se um verdadeiro exército, mesmo que composto apenas por ela. Seu poder não advém das armas, como nos casos das forças policiais e armadas; seu poder advém precisamente do fato de ter se colocado diante de Deus. Essa pessoa pode muito em suas lutas, exatamente porque sua força não é própria. Por isto, ela pode enfrentar o mundo todo e vencer.
De certo modo, temos o tema na experiência dos profetas. Elias e Jeremias, por exemplo, enfrentaram governos inteiros. Ezequiel tipifica esta possibilidade, ao dizer que Deus busca uma pessoa para se colocar na brecha entre ele e o seu povo.
SÍNTESE DO TEXTO
Ezequiel vivia no exílio na Babilônia, onde profetizou durante 22 anos, no século 6º antes de Cristo. Ele foi contemporâneo de Jeremias, que pregava aos que tinham ficado na Palestina. Por essa época também, Daniel começava seu ministério na corte imperial.
As mensagens dos primeiros 24 capítulos foram proferidas antes da queda de Jerusalém, como uma advertência do que poderia acontecer por causa do pecado do povo, pecado que o levara ao cativeiro.
O profeta mostra que o povo, mesmo depois de tanta experiência de pecado e sofrimento, ainda não se purificara diante de Deus (v. 24a). Por esta razão, ainda não experimentara o consolo (chuva na hora da desolação — v. 24b).
Todo o povo, desde o povão a seus líderes (governantes, sacerdotes e profetas) viviam conforme suas próprias leis e não segundo as de Deus.
Por isto, seus profetas, em lugar de cuidar das almas, devoravam-nas (v. 25) e lhes ofereciam falsas mensagens como se fossem verdades vindas de Deus (v. 28). Seus sacerdotes, em lugar de interceder pelo povo, profanavam os santos símbolos de Deus (v. 26). Seus governantes só pensam em ficar ricos (v. 27). Perdidão, o povo ia no mesmo caminho, fazendo contra seus irmãos aquilo de que também era vítima: extorquindo, roubando e praticando toda sorte de injustiça contra os pobres (v. 29).
O desejo de Deus era ver este povo (povão e líderes) convertido dos seus maus caminhos. Para isto, precisava de uma pessoa, apenas de uma pessoa, de uma pessoa disposta a reparar o muro arrebentado e ficar na passagem (brecha) intercedendo pelo povo. Não achou nenhum (v. 30), como vemos também ao tempo de Isaías (Isaías 59.16). Por isto, sobreveio a desolação sobre o povo (v. 31).
A BUSCA DE DEUS
Esta profecia de Ezequiel (22.23-31) mostra que Deus está à procura de uma pessoa digna de ficar em pé diante dele. Jeremias (Jeremias 5.1) fala do mesmo tipo de pesquisa.
Esperamos que, olhando para nós, ele nos veja dignos. É com pessoas assim que Deus faz sua obra no mundo. A mensagem de Ezequiel foi para os líderes e para o povo em geral. Ele buscava uma pessoa entre os líderes e entre o povo.
Deus está chamando servos interessados em consertar os muros derrubados da igreja e em se colocar na brecha. Estar na brecha é procurar a orientação de Deus, a favor do povo e contra o inimigo que está entre nós. Deus não tolera o pecado e iniqüidade entre nós. Por isto, exige arrependimento e purificação.
O muro é a linha de demarcação entre a santidade e o pecado. O muro derrubado precisa ser reparado. Deus nos quer reparando este muro. Se estiver derrubado, não saberemos viver em santidade. Este é um grande problema: uma falta de linha demarcatória. A falta desta linha nos impede de entender o que é profano do que é sagrado, o baixo do que é alto, etc.
Deus nos quer na brecha do muro para interceder pelo povo, como na belíssima experiência de Neemias (Neemias 4.9).
PARA REPARAR OS MUROS
Para nos empenharmos na obra de Deus, não basta apenas nos dispormos a fazê-la. Há condições para Deus nos aceitar em sua causa.
1. Precisamos ser purificados por Deus
Não se trata de autopurificação, que é sempre parcial. Quando nos purificamos a nós mesmo, nós nos purificamos daquilo que nos interessa. Não é Deus que nos sonda, mas somos nós que nos sondamos. Então, elegemos as áreas, seja porque não vejamos algumas, seja porque não tenhamos coragem de ver.
A verdadeira purificação é um processo semelhante à fundição de metais num cadinho. Nele o que não é metal precioso vai se tornando escória).
Deixemo-nos purificar por Deus. Sem áreas escolhidas. Sem cantos escondidos.
2. Para que sejamos purificados, precisamos reconhecer os nossos pecados
Esta é a nossa parte e não é fácil. Nós nos acostumamos com o pecado, ao ponto de o pecado não ser mais pecado.
Eis alguns de nossos pecados, à luz dos versos 25-29:
. a conspiração pode ser contextualizada como a articulação entre grupos para a tomada do poder ou como a fofoca de uma pessoa contra a outra, que, no fundo, é o resultado do desejo do poder (v. 25)
. profanação pode ser vista como a dificuldade de discernir o sagrado do profano, que é viver os valores dos homens como sendo valores de Deus, ou melhor, não confrontar os valores dos homens com os de Deus (v. 26)
. religião caiada, isto é, mentirosa, que se expressa na crença em visões falsas (v. 28), como a de que Deus sempre faz a nossa vontade, bastando-nos apenas pedir-lhe.
Precisamos, pois, reparar os buracos de nossos próprios muros e dos muros da igreja.
3. Purificados, precisamos nos empenhar pela causa de Deus
Se Deus procura pessoas que reparem os muros, é porque ele não pode repará-los por nós.
O empenho na causa de Deus é fruto de um relacionamento próximo com Deus. É impossível uma pessoa estar próxima de Deus e não se envolver em sua obra. É possível a alguém que não está próximo empenhar-se (por costume, ativismo, etc.), mas é impossível a quem esteja próximo dele não se empenhar na proclamação do Seu amor.
4. Nosso empenho deve ser feito com oração
O conserto dos muros é uma obra de nossas mãos e uma obra das mãos de Deus. Ação e oração são faces de um mesmo relacionamento. Oração sem ação é preguiça; ação sem oração é pretensão.
O profeta diz que Deus procura pessoas que estejam em pé para interceder pelo povo. Estar em pé sugere o oposto de descanso. Há muita gente que quer ficar sentada diante de Deus. Ele quer pessoas que se disponham a ficar em pé. Nada, portanto, de descanso (Is 62.6-7).
Estar em pé sugere também persistência. Não há outro modo de se fazer a obra de Deus.
ESTAR NA BRECHA
Estar na brecha é ser um guarda dos muros, dos próprios muros e dos muros da igreja.
No Antigo Testamento, as cidades eram cercadas por muros. Sobre eles, nas esquinas e pontos estratégicos de visão, ficavam os guardas, os primeiros encarregados da sua proteção. Eles ficavam de prontidão durante três horas. Depois, descansavam durante três horas e voltavam ao trabalho, num revezamento que durava o dia inteiro.
Era um trabalho necessário, mas duro. Exige disciplina e treinamento, vigilância e paciência. A igreja precisa de pessoas com esta disposição.
1. Estar na brecha é estar diante de Deus.
A vida cristã é uma jornada que se faz com os olhos fitos em Deus. Neste sentido, não tem a ver com religião institucional. É algo interior. É uma disposição de vida. Deus não é apenas o futuro para onde se caminha. É o presente que nos leva para o futuro.
Estar na brecha é estar na companhia de Deus; anelar por ela; ter prazer nela. Deus é experienciado como uma presença que dá prazer. Orar é ter prazer em Deus. Quem não ora tem prazer em outras coisas.
Se é verdade que o pecado nos mantém longe da oração, também é verdade que a oração nos mantém longe do pecado.
Temos pensado muito em oração como orações, isto é, como palavras, e pouco em oração como convívio com Deus. Quando Paulo nos pede para orar sem cessar (1Tesalonicenses 5.17), não pode estar pedindo oração-palavra, mas oração-vida. Não podemos falar sem cessar, mas vivemos sem cessar.
Vendo o desejo de Deus, de encontrar uma pessoa que se pudesse na brecha para interceder pelo povo, podemos construir as seguintes imagens. Um muro separava dois povos. De um lado, estava um povo pecador, distante de Deus. Do outro lado, estava outro povo, o povo de Deus, também distante. No muro havia uma brecha (ponto de passagem). O povo ímpio estava do outro lado preparando-se para invadir a terra do povo de Deus. Era preciso alguém se colocar na brecha para impedir esta passagem e o massacre. Deus procurou entre o povo de Israel uma pessoa que se colocasse na brecha, na brecha entre a impiedade e a santidade, mas não encontrou.
2. Estar na brecha é buscar a orientação de Deus.
Estar na brecha é viver com Deus, como Enoque. Não se trata de algum tipo de misticismo vago, de uma espécie de união entre nosso espírito e o de Deus. Trata-se, antes, de nos deixarmos orientar por ele na vida toda, e não apenas naquelas que a gente imagina Deus esteja interessado.
O guarda dos muros era aquele que buscava olhar ao longe para divisar o perigo. O guarda da vida cristã é aquele que olha para Deus para receber dele a orientação para uma vida que valha a pena.
Estar na brecha, portanto, é apresentar a Deus os nossos desejos.
Quando vivemos na presença de Deus, buscamos depender dele (que não é fácil, embora o seja no discurso). Oração, portanto, é desejo. Quando, no entanto, estamos diante dele, precisamos orar por um assunto e entregar o assunto a ele. Esta entrega significa a entrega de nós mesmos também.
Às vezes temos dificuldade em obter a bênção de Deus, não porque Deus queira reter sua bênção, mas porque não estamos preparados para recebê-la. Nosso preparo não é técnico (porque a técnica tem a ver com palavras e um certo tipo de magia), mas espiritual. Nosso preparo é tão somente confessar os nossos pecados, humilharmo-nos perante ele, arrependermo-nos e orar. São estas as únicas condições que Deus nos impõe.
3. Estar na brecha é orar, mas orar pelos outros.
A missão de estar na brecha se cumpria na intercessão pela terra. Orar por si mesmo não é interceder. É muito difícil interceder.
Conta-se que uma mulher procurou um pastor e falou de sua preocupação porque seu marido não era crente.
A mulher pediu então que o pastor orasse por seu marido. Ao que o líder respondeu:
— Eu me comprometo a orar uma hora por dia por seu marido, se a senhora também se dispuser a hora por uma hora por dia por ele.
A mulher respondeu que isto não era possível e saiu do gabinete do pastor, para nunca mais voltar.
A intercessão tem um preço. Ela custou a Jesus sua própria vida. Ela nos custa a vida. O caminho da cruz tem três estágios: salvação, santificação e intercessão. A salvação e a santificação são, em certo sentido, egocêntricos, porque centrados na pessoa do crente.
Já a intercessão é diferente. Por ela nos movemos em direção aos outros. Por ela nos tornamos canais pelos quais Deus abençoa o mundo. Por isto, só o crente maduro é capaz de interceder...
O poder de uma vida santa é o resultado direto da oração. Este poder se torna real quando contribui para efetuar mudança nas vidas dos outros.
PARA ESTAR NA BRECHA
Nossa tarefa é permanecer diante da face de Deus em arrependimento e oração pela igreja.
Precisamos estar na brecha a cada dia e só o faremos se estivermos cheios do Espírito Santo e intercedendo pelos outros, seja para sua salvação, seja para algum tipo de livramento.
1. Precisamos ter a visão da brecha.
Para ver as brechas, precisamos agir como atalaias. Nem sempre o perigo tem cara de perigo... Nem sempre a necessidade nos aparece tão evidente.
Hoje, brechas podem ser pessoas com necessidade específicas a serem supridas, sejam elas materiais, espirituais ou emocionais. Que tal um abraço, um sorriso, um convite?
Brechas podem ser ministérios com necessidade de pessoas que os desenvolvam. Não há um ministério nesta igreja que não tenha necessidade de gente.
A indiferença é a pior das doenças porque invisível. A indiferença torna cômodas as nossas vidas. Cômodas e vazias...
Olhe em redor.
2. Precisamos estar dispostos a ficar na brecha.
Não basta ter a visão da necessidade. É preciso ter coragem de supri-la.
Nós somos, portanto, sacerdotes de nós mesmos e sacerdotes daqueles que ainda não entenderam que Jesus Cristo é o único mediador entre os homens e Deus.
Não é fácil ficar na brecha. Não faltarão os críticos... excelente críticos, mas incapazes de ficar na brecha.
3. Precisamos estar dispostos a reparar nossa própria brecha.
Para que nos coloquemos na brecha pelos outros, precisamos nos reparar a nós mesmos.
Precisamos ter uma visão mais clara de nós mesmos.
Precisamos ter uma visão mais clara do que Deus quer de nós.
Precisamos nos dispor a viver segundo o propósito de Deus para nossas vidas e só acontecerá quando vivermos segundo o programa que Deus propôs a Salomão (2Cr 7.14):
. lembrarmo-nos que somos seu povo;
. vivermos em humildade diante dEle, não achando-me tão poderosos quanto Ele;
. buscarmos a sua presença;
. convertermo-nos dos nossos erros.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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