PAÍ ABRAÃO O PRIMEIRO DIZIMISTA DA
CASA DE DEUS...
Abraão nunca foi, de fato, um dizimista. Assim, aqueles que
defendem a doutrina do dízimo citando o exemplo do patriarca, estariam
deturpando o conteúdo bíblico e agindo de má fé.
Os personagens bíblicos do Velho Testamento são heróis? Nem
tanto!
Certamente são homens que inspiraram vidas. Os conteúdos de suas histórias ainda nos são
oferecidos como exemplos hoje. Mas, devemos fazer tudo o que eles fizeram?
Devemos viver exatamente como eles viveram?
Abraão. É indiscutível que o patriarca Abraão nos deixou um
grande exemplo. Fé, altruísmo, companheirismo com Deus. Porém, devemos
realmente viver como tal qual ele viveu? Agir como ele agiu em todas as
situações?
Seria correto, por exemplo, imitar-lhe o exemplo poligâmico?
(Gênesis 16:2 e 26:6) Abraão era um escravagista nato (Gen 17:23, 27). Algum
cristão sincero defenderia hoje a
escravidão em nome de Abraão?
Abraão era um grande latifundiário. (Gênesis 13:10, 14 e 15).
Centenas (Gênesis 14:14) de “sem-terra” escravos trabalhavam para o fazendeiro
Abraão, que além de muitas terras, possuía muito gado, muito ouro e muita prata
(Gênesis 13:2). Que tal este exemplo para nossos dias? É justa toda esta
concentração de riqueza? Que péssima distribuição de renda na “Nação Abraão”,
não? Uma enorme injustiça social! Deve este modelo ser copiado hoje?
Os filhos “oficiais” de Abraão foram oito. Isaque nascido de
Sara. Ismael nascido de Hagar e mais seis rapazes nascidos de Quetura (Gênesis
25:1 e 2). As filhas e os outros filhos de concubinas não são citados por nome.
São estatísticas genéricas (Gênesis 25:6). Mas observe que antes de morrer,
Abraão tomou todas as suas riquezas, terras, gado e transferiu tudo para o nome
de Isaque. O filho predileto tornou-se herdeiro único. Aos outros irmãos coube
apenas uma indenização, ou melhor, uma compensação, conforme narrado em Gênesis
25: 5, 6. Abraão ainda teve o cuidado de banir todos os seus filhos de casa,
mandando-os para o Oriente – o lugar de exílio mais distante (Gênesis 25:6),
para que Isaque não tivesse problemas com irmãos herdeiros concorrentes. É este
um bom exemplo de pai a ser seguido hoje?
Ainda é interessante lembrar que todos estes filhos de Abraão
nasceram antes de Isaque. Quetura era mulher de Abraão, como também a Sra
Hagar, em coadjuvância com Dona Sara a “esposa principal”. Enganam-se aqueles
que imaginam que Abraão tomou Quetura como esposa após a morte de Sara. Lendo
atentamente o relato de Gênesis 17:17 notamos que Abraão ri admitindo sua incapacidade
de gerar filhos aos 100 anos. Se ele não tinha mais virilidade para engravidar
Sara naquela idade, como explicar o mesmo Velho Abraão, 37 anos depois (Ver
Genesis 23:1), viúvo, casando com uma nova mulher chamada Quetura e tendo
outros seis filhos?
Nos tempos bíblicos o espaço de tempo entre uma gravidez e outra
era determinado pelo período da amamentação. Abraão precisaria de pelo menos 20
anos de procriação para gerar estes outros seis filhos de uma mesma mulher. Em
épocas remotas, quando as vacinas BCG ainda não existiam para garantir a
imunidade do bebê, o leite materno era a principal fonte de vida e sobrevida.
Por isso a mãe amamentava a prole durante anos. O pai colaborava abstendo-se de
relações sexuais com a “mulher-láctea”, isto porque, uma nova gravidez
encerraria o fluxo leiteiro. Um desastre para o bebê e uma catástrofe social
nas comunidades nômades aversas à mortalidade infantil.
Daí, a “necessidade” poligâmica
masculina. Enquanto uma esposa estava amamentando, uma outra estava
gerando, uma outra estava sendo emprenhada, e assim por diante...
“Tinha Abraão a idade de noventa e nove anos quando lhe foi
circuncidado a carne de seu prepúcio (...) e todos os homens nascidos em casa”
(Gen. 17:24-27). Aos 99 anos Abraão já tinha muitos homens nascidos em sua
casa. (Fora as filhas nunca contabilizadas).
Todos os exemplos aqui citados são dignos de imitação hoje?
Claro que não. Isto nos leva a concluir que certos costumes, tradições e
procedimentos só têm lugar em épocas remotas e não são aplicáveis a nós hoje
cristãos do Século XXI.
E quanto ao dízimo de Abraão? Observemos atentamente o contexto
histórico:
Fim de viagem! Depois de uma grande jornada e muitas
experiências pelo caminho. Depois do Egito, Neguebe e Betel Abraão fixa acampamento e ergue um altar ao
nome do Senhor. “Afinal, chegamos!”. Mas o gado era muito e os pastores de Ló
brigavam com os de Abraão. Eles conversam e pacificamente decidem pela
separação. Abraão escolhe três amigos e se faz vizinho deles. São os senhores
Manre, Escol e Aner. Três irmãos amorreus donos de carvalhais nas terras de
Canaã. Ló, por sua vez, estende sua fazenda para o lado do oriente até os
limites de Sodoma. Lindas e bem regadas campinas do Jordão.
Tudo estava indo muito bem. Até que estoura uma guerra. Cinco
reis cansados de servir por doze anos a
um tal de Quedorlaomer, rei de Elão, resolvem se rebelar no décimo-terceiro
ano. Quedorlaomer prepara a reação. Convoca outros três reis amigos e saem para
sufocar os rebeldes. Gênesis 14:1-17 chama este evento de “A Guerra de Quatro
Reis Contra Cinco”. Os reis rebeldes eram trapalhões. Não tinham muita
logística de combate. Dois deles caem em poços de betume e os outros três fogem
para salvar a própria pele.
Sua majestade, o rei Quedorlaomer, vem no décimo-quarto ano
consolidar a vitória. Os reinos derrotados Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim e Zoar
são subjulgados impiedosamente. Tudo e todos são levados cativos. Homens,
mulheres, crianças, gado, alimentos. “Os quatro reis tomaram todos os bens de
Sodoma e Gomorra, e todo o seu mantimento, e se foram” (Gênesis 14:11). Assim,
Ló, um homem muito rico, morando nas vizinhança de Sodoma, no lugar errado, no
momento errado, cai nas garras de Quedorlaomer, que lhe confisca todos os bens.
Lá nos carvalhais de Manre, Abraão toma conhecimento dos fatos.
Confabula então com seus amigos Manre, Escol e Aner. Criam uma tropa de elite
com trezentos e dezoito bravos
guerreiros. Todos criados em sua casa. E saem em perseguição a Quedorlaomer. A
vitória é esmagadora. Todos os cativos, “homens, mulheres e o povo” (Gen.
14:16) são libertados. Todos os despojos
recuperados.
Acontece então uma cena impressionante. Melquisedeque, rei de
Salém, a Terra da Paz, nação dos Jebuseus, aproxima-se de Abraão e o abençoa.
Melquisedeque era Sacerdote do Deus Altíssimo. Talvez um símbolo do Messias. Um
Sumo Sacerdote do Deus verdadeiro saído dentre os “gentios”! Até aí nenhuma
novidade. Mais tarde outras escolhas deste tipo aconteceriam. (Balaão, por
exemplo, era um profeta com poder para abençoar e amaldiçoar nada menos que o
povo escolhido de Deus, sendo ele mesmo um amonita).
Melquiseque abençoa a Abraão. Traz-lhe pão e vinho. E diz:
“Bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos”
(Gênesis 14:20). Abraão então organiza os despojos recuperados. Contabiliza
tudo. Parte dos despojos pertencia aos reis de Sodoma e Gomorra. Uma outra
parte a Ló e uma outra parte se referia ao “custo operacional da guerra”. Os
reis de Sodoma e Gomorra sugerem a Abraão ficar com os bens materiais e
devolver apenas as pessoas seqüestradas por Quedorlaomer. Abraão recusa a
proposta. Devolve tudo aos seus legítimos donos. Mas, antes de fazê-lo, calcula
o dízimo sobre o valor destes despojos e paga-o ao Sacerdote Melquisedeque.
Pagar é um termo muito pesado. O texto bíblico diz que Abraão
deu o dízimo de tudo. Não do seu patrimônio, mas dos despojos recuperados na
guerra. (Ver Hebreus 7:4).
Ninguém pode afirmar que Abraão vivia sob alguma forma de lei
que o obrigava a ser um dizimista. Nem tão pouco pode afirmar que Deus exigia
dele, sob mandamento, dez por cento de sua renda. O dízimo na era patriarcal
não era obrigatório. Muito menos sistemático. A sazonalidade do dízimo estava
ligada a fatos especiais que traziam mudanças de rendas. Destas receitas extras
dava-se o dízimo.
Abraão DEU o dízimo. A obrigatoriedade dizimista só começaria a
existir na era levítica. (Veja o contraste das expressões contidas em Levíticos
27:30-33; Números 18:24; Deuteronômio 14:22-29). Quem usa o exemplo de Abraão
como fiel dizimista, não está atento a vários detalhes:
a) Abraão deu o dízimo do excedente que ele tinha conquistado na
guerra. (Hebreus 7:4).
b) Muitas das posses que ele recuperou pertenciam a Ló (Gênesis
14:16).
c) A maior parte dos despojos pertencia aos reis de Sodoma e
Gomorra (Gênesis 14:11)
d) Nada pertencia a Abraão, que se recusou a tomar qualquer
coisa para si. (Versos 21-24)
e) A lei dos dízimos (Levíticos 27:30-31) exigia dízimos em
forma de coisas produzidas pela terra: grãos, gado. Em nenhuma parte fala para
dizimar despojos de guerra.
f) Após a guerra, Abraão ficou com o mesmo “patrimônio” que
possuía antes. Não houve acréscimo de renda. (Gênesis 14:24). Portanto ele deu
o dízimo perfazendo um caminho inverso da orientação teológica apresentada em nossos
dias, que manda dizimar rendas, ganhos e lucros.
g) Os despojos de guerra incluíam serem humanos, escravos
capturados do exército inimigo. Deveriam as nações hoje “dizimar” os
prisioneiros de guerra?
h) Para que o dízimo de Abraão tenha o mesmo significado dos
dízimos cobrados hoje pelas igrejas cristãs, ele teria que ter ficado com os
outros 90%. Que dizimista é este que dá 10% para o Sumo Sacerdote e os outros
90% para um rei pagão, descontando apenas o custo operacional da guerra?
i) Jesus nunca recebeu dízimos. Se Melquisedeque simbolizava a
Cristo, por que não encontramos relatos de pessoas dando dízimos a Jesus
durante Seu ministério aqui na Terra? Não é Ele o Sumo Sacerdote da Ordem de
Melquisedeque? Como ousam os líderes religiosos hoje exigir dízimos aos seus
fiéis na qualidade de sacerdotes sucessores de Melquisedeque, se o nosso Sumo
Sacerdote não fazia assim?
j) Abraão tomava animais, cortava em pedaços quando fazia um
concerto com Deus. Por que os líderes hoje não mandam seus fiéis repetirem
também estes rituais em suas igrejas, já que o exemplo de Abraão deve ser
seguido em nossos dias?
DESPOJOS DE GUERRA
Dízimo sobre despojos é único neste caso de Abraão. Dois outros
exemplos são apresentados no Antigo Testamento. O primeiro em Êxodo 3:21-22;
11:2-3; 12:35-36, quando os Israelitas espoliaram os Egípcios pouco antes de
saírem para o deserto. Está bem claro que eles não deram (tão pouco pagaram)
qualquer dízimo.
Interessante notar que o texto justifica esta espoliação afirmando
que aquilo era uma compensação salarial pelos muitos anos de trabalho escravo.
Esta massa de salários atrasados, esta indenização trabalhista paga na
despedida, deveria ser, à luz da teologia moderna, cem por cento dizimável.
Entretanto isto não acontece. Mas, a seu bom tempo, meses mais tarde, parte
desta fortuna é oferecida liberalmente, de todo o coração, não por tristeza ou
por necessidade, mas com prazer, em forma de ofertas voluntárias para a
construção do Tabernáculo. Deus ama quem dá com alegria! (Ver Êxodo 35:5,20,21;
36:3,5,6)
O segundo exemplo traz detalhes sobre os procedimentos das
ofertas aplicados aos despojos de guerra. O texto encontra-se em Números 31.
Houve uma guerra com os midianitas. Um quinhentos-ávos da metade dos despojos
destinada à congregação deveria ser oferecida como oferta ao Senhor (verso 27 e
28). Um cinquenta-ávos da outra metade deveria ser oferecida pelos soldados ao
sacerdote Eleazar (Verso 29).
Nenhum sistema de dízimo é aplicado a estes despojos. E saber
que toda aquela matemática de divisão de ofertas dos despojos, incluía bois,
jumentos, ovelhas. (Versos 9, 26-31). Exatamente as mesmas “unidades
monetárias” utilizadas no cálculo do dízimo da era levítica.
Assim, podemos afirmar
que Abraão deu o dízimo a Melquisedeque sem estar obedecendo alguma lei
que o obrigasse a fazê-lo. É mais fácil afirmar que ele estava seguindo uma
tradição de sua época. Costumes religiosos da cultura de seus dias. Ele deu o
dízimo sobre valores de coisas roubadas. Coisas roubadas, recuperadas e
devolvidas aos seus legítimos donos (Gênesis 14:21-23). Deu também o dízimo
sobre o salário alheio. Sobre a parte que se referia ao pagamento dos homens
que foram com ele para a guerra. Os trezentos e dezoito valentes e seus amigos
Aner, Escol e Manre. (Gênesis 14:24).
Aqueles que buscam em Abraão um exemplo de fiel dizimista
deveriam explicar sua prática de dar o dízimo. Explicar o “pagamento” de um
dízimo feito a um sumo-sacerdote “gentio”.
Quem eram seus sacerdotes? Como era composto seu clero? Será que
o evangelho foi pregado primeiramente aos Jebuseus, em contraste ao que é
afirmado em Gálatas 3:8: “Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de
justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo:
Em ti serão benditas todas as nações”.
Para Abraão o princípio de dar dízimos não lhe era estranho.
Tabletes cuneiformes comprovam esta prática entre os povos da Mesopotâmia. Os
caldeus e os babilônicos sustentavam seus templos, seus deuses com dízimos.
Concluímos então que Abraão não é um exemplo de dizimista para nossos dias. Em
nenhuma parte da Bíblia ele é apresentado como um dizimista sistemático,
regular. Suas práticas de dízimos em nada se parecem com as requeridas hoje em
dia pelos pastores e líderes cristãos. Abraão dizimou justamente riquezas que
não lhe pertenciam. Riquezas que ele devolveu (90%) aos seus legítimos donos.
Abraão estava seguindo um costume de sua época. Costume dos povos da
Antiguidade.
Abraão deu seu dízimo a um sacerdote-rei cultuado pelos fenícios
e cananeus. Embora a identidade e o significado de Melquisedeque não seja
assunto bem claro, ele era dos Jebuseus.
Mas, Melquisedeque representava a Cristo. E ele abençoou Abraão e sua prática
dizimista.
Se Deus abençoou o sistema de dízimo de Abraão, como alguém
ousaria mudar todo o contexto e fazer aplicações distorcidas para sustentar uma
teologia moderna de espoliação a crentes sinceros. Pessoas simples que são
induzidas a dar dez por cento de suas rendas a líderes religiosos completamente desassemelhados a
Melquisedeque, o sacerdote do Deus Altíssimo. O recebedor e abençoador do
dízimo especial de Abraão?
Na realidade tudo aquilo era uma grande tipologia. Melquisedeque
representando Jesus, nosso Sumo Sacerdote. Uma sombra do Messias vindouro.
Abraão retornando a Jerusalém, a Cidade da Paz, trazendo os cativos,
simbolizando liberdade à vidas outrora presas pelas forças satânicas. O pão e o
vinho também estavam ali nas mãos de Melquisedeque complementando a belíssima
tipologia da salvação. Da liberdade. Da paz. O dízimo de Abraão também era um
ritual simbólico. Adoração ao Deus que liberta. Uma oferenda. Um culto ao
grande Deus que garante todas as vitórias! Àquele que nos fez livres em Cristo
Jesus.
Esta é a história de um Deus que ama àqueles que Lhe dão ofertas
voluntárias. Sem imposição. Sem coação. Sem ameaças de maldição. Sem
superstições.
“Depois destas coisas veio a palavra do Senhor a Abraão numa
visão, dizendo: Não temas, Abraão, Eu sou teu escudo; o teu galardão será muito
grande.” (Gênesis 15:1).
E quanto a você, ainda teme ser amaldiçoado, caso decida parar
de sustentar um clero financista ávido por receber taxas e mensalidades que
eles insistem em chamar de “dízimos”?
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião
Dr. Edson Cavalcante
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