A
HISTÓRIA DE UM CORAÇÃO APAIXONADO...
Ela nasceu
incrivelmente feia. Ninguém aguentou olhar para ela, nem os próprios pais.
Tiveram nojo dela e não conseguiram imaginar a vida criando aquela criança. Os
pais, por serem pessoas mal criadas, não sentiram aquele amor transbordante
típico de pais, nem foram tomados por um desejo de proteger sua filhinha. No
mesmo dia em que ela nasceu literalmente foi jogada fora pelos próprios pais.
Assim começa uma
história contada pelo profeta Ezequiel no começo do 6º século a.C. Já
voltaremos à história desta menina rejeitada e abandonada, que se encontra em
Ezequiel 16. Este capítulo conta, na minha opinião, uma das histórias mais
lindas do Antigo Testamento. O capítulo 16 de Ezequiel conta uma das histórias
mais feias nas Escrituras. É em Ezequiel 16 que encontramos uma das histórias
mais lindas já contadas. Se estes comentários parecem loucos e contraditórios,
continue lendo! A mensagem de Ezequiel 16 passa de linda para feia e volta para
um final incrivelmente lindo. É uma história da profundeza do amor divino.
Vamos conhecer esta
história, e considerar a aplicação dela aos leitores originais e uma segunda
aplicação que nos ajuda a apreciar o verdadeiro amor de Deus.
Agora voltemos à
história . . .
A menina foi abandonada
num campo aberto, sem nenhum cuidado. Não cortaram o umbigo, nem limparam o
sangue do parto, e muito menos colocaram nela roupa ou cobertor. Certamente
imaginaram que ela morresse em poucas horas naquele campo, e que fosse
esquecida para sempre.
Um homem passou e viu a
bebê se mexendo. Ele socorreu a criança imediatamente, fazendo tudo para que
ela vivesse. Sob os cuidados deste “pai adotivo”, a menina cresceu bem. Foi bem
tratada e prosperou. Amadureceu e chegou a ser uma moça com idade suficiente
para se casar. Mas, ainda continuou descoberta.
O começo desta história
fala sobre a “infância” do povo de Israel. Fala da terra dos cananeus, dos
amorreus e dos heteus, para relembrar o povo de suas raízes. Até Deus separar
os descendentes de Abraão, eram pessoas comuns, iguais aos outros povos
gentios. E os outros povos não se preocupavam com o bem-estar dos israelitas.
Deus separou, protegeu
e cuidou deste povo. Durante todo o período dos patriarcas – de Abraão até
Moisés – Deus permitiu que o povo não somente sobrevivesse, mas que crescesse e
ficasse mais forte. Porém ainda não tinha feito sua aliança especial com o
povo. Neste sentido, Israel continuou descoberto.
Na próxima fase da
história, o papel de Deus muda. Ele não é mais um pai adotivo. Ele assume o
papel de marido. Vamos continuar. . .
O homem viu que a moça
estava com idade para casar, e ele casou-se com ela. Fez a aliança com ela e
estendeu a sua proteção, cobrindo a nudez dela. Ele a lavou e a vestiu com
roupas finas de boa qualidade. Colocou joias. Deu-lhe uma coroa. Ela passou a
comer as melhores comidas, dando-lhe saúde e beleza. Passou a ser uma mulher
extremamente bonita, porque o marido lhe deu a sua glória. Por ser casada com o
rei do universo, ela passou a ser a rainha mais honrada do mundo.
Que história linda!
Esta segunda fase da história representa o que Deus fez quando chamou o povo do
Egito. Ele fez uma aliança com Israel, e aquele povo passou a ser uma nação
especial. Deus protegeu o povo no deserto, e estabeleceu a nova nação numa
terra rica. Deu-lhe todas as condições para uma vida de conforto. É importante
observar que esta noiva ganhou a sua beleza do noivo. Isso não é normal, pois
sabemos que a noiva geralmente chega ao casamento enfeitada e radiante. É comum
comentar sobre a beleza da noiva, mas nem tão comum alguém comentar sobre a
beleza do noivo! É importante entender que toda a glória e beleza de Israel
vieram do Senhor.
Se o relato terminasse
aqui, seria uma das histórias mais bonitas já contadas. Mas, infelizmente, a
próxima parte da história se torna extremamente feia. Vamos ver o que esta
noiva tão abençoada fez . . .
Ela gostou da beleza e
da fama que ganhou, e decidiu aproveitar da situação. Usou as coisas que o
marido lhe dava para atrair outros homens. Ela traiu o marido num caso
adúltero. Na verdade, não foi só um. Ela começou a ter vários casos com diversos
homens. Deu tudo para eles, até os próprios filhos (quer eram os filhos
legítimos do marido). Ela perdeu toda a vergonha e se oferecia a quaisquer
homens que passavam perto da casa dela.
O marido tentou
corrigir estas atitudes erradas da mulher, mas ela não mudou. Ele diminuiu o
sustento dela, e deixou que ela sofresse na mão dos outros, mas ela ainda não
aprendeu. Ela gastou tudo e se entregou à imoralidade. Tornou-se pior do que
uma prostituta, pois ela chegou ao ponto de pagar os homens para ter relações
com ela! Neste ponto da história, parece que o desgaste da sua vida imoral era
tão grande que ninguém mais desejava esta mulher. Ela envelheceu e se tornou
feia no seu pecado. Nenhum dos “homens” do mundo dava valor para ela.
Esta fase da
infidelidade representa séculos da história de Israel. A prostituição da mulher
simboliza a idolatria do povo. Israel se envolveu com as nações pagãs e com
seus falsos deuses. Fez oferendas e sacrifícios – até sacrificando seus
próprios filhos – aos ídolos. Uma vez que Israel já tinha marido (Deus), as
suas relações com outros homens (ídolos) eram uma forma de adultério
espiritual. Ao invés de viver grata ao marido, ela usou as bênçãos que Deus lhe
deu para servir aos falsos deuses. Os ídolos impotentes, porém, não valorizavam
e não protegiam o povo. Vai piorar ainda mais . . .
Depois de tudo que o
marido tinha feito para sua mulher infiel, ela não se arrependeu e não
demonstrou a devida gratidão. Ele chegou ao ponto de desistir dela. Deixou que
os amantes percebessem a feiura dela e fizessem a sua vontade. Eles nunca
tinham procurado o bem dela, mesmo quando ela era uma jovem bonita. Agora
olharam para a mulher velha, feia e cheia de rugas, e a desprezaram. Talvez ela
se achasse melhor do que outras prostitutas, mas o marido falou que era igual
ou pior. Mesmo quando sofreu, esta mulher adúltera continuou teimosa contra o
marido.
As mesmas nações que
tiveram relações ilícitas com Israel voltaram contra sua “amante”. O Egito, a
Assíria e a Babilônia atacaram, despojaram e deixaram Israel para morrer. A
triste ironia é que o pecador sofre nas mãos dos seus parceiros de crime!
Quantas moças já foram desprezadas e até abandonadas pelos “namorados” que
aproveitaram delas para o prazer passageiro, e depois fugiram das suas responsabilidades?
Quantos jovens já perderam tudo antes de reconhecer que os “amigos” do mundo
não são verdadeiros amigos? O diabo e seus aliados oferecem liberdade, mas
levam a vítima à escravidão (2 Pedro 2:19-22).
Agora chegamos à parte
mais incrível desta história. Eu não conheço nenhum homem que tomaria de volta
uma mulher tão exageradamente infiel como Israel. Mas é isso que Deus fez . . .
Depois de tudo que a
mulher adúltera havia feito, e depois da rejeição total pelos amantes dela, o
marido olhou com compaixão. Não pela beleza dela, que já não tinha mais, mas
pela misericórdia dele, o marido toma a mulher para casa, renova a aliança do
casamento, e promete cuidar dela.
Que final incrivelmente
lindo! Deus perdoou o povo de Israel e restaurou a nação à terra abençoada. O
amor dele foi maior do que a feiura do pecado deste povo infiel!
Aplicações para nós
Ezequiel escreveu sobre
coisas de uma outra época e sobre um outro povo. Mas há lições importantíssimas
para nós neste capítulo. Consideremos algumas:
(1) Deus não nos salva
pela nossa beleza. O pecador é como aquela criança coberta de sangue e tão feia
que ninguém queria olhar para ela. Quando Deus olhou para mim, e para você, no
nosso pecado, não viu pessoas bonitas que trariam prazer para ele. Ele viu toda
a feiura do nosso pecado. Mesmo assim, nos ofereceu a salvação pela sua graça e
misericórdia.
(2) Toda a beleza do
cristão vem de Deus. Quando entramos numa relação especial com Deus – ao
tornamos cristãos – ele nos veste com justiça e retidão (Efésios 3:16-21;
4:22-23; 5:25-27).
(3) O pecado é uma
ofensa contra Deus, uma traição. Não é apenas uma questão de quebrar alguma
regra impessoal. Quando o cristão peca, ele trai o Criador e Redentor, o marido
da igreja.
(4) Quando Deus aceita
de volta o cristão que se desviou, ele salva uma pessoa que não merece sua
graça, da mesma maneira que aceitou de volta sua mulher adúltera, Israel. Leia
Atos 8:20-24 e Tiago 5:19-20.
“... e assim, habite
Cristo no vosso coração, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor,
a fim de poderdes compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o
comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que
excede todo entendimento, para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus”
(Efésios 3:17-19)...
Bispo. Capelão/Juiz.
Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante
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