OBEDIÊNCIA TEM QUE SER TOTAL E NÃO PARCIAL...
Saul e os Amalequitas (I Samuel
15:1-35)
Introdução
Saul e eu não somos
nada parecidos nessa questão de guardar coisas consideradas sem valor pelos
outros. Saul joga fora as tranqueiras com prazer. O que o incomoda é ver coisas
em perfeito estado serem destruídas. Ele não tem problema algum para matar homens
e mulheres amalequitas, mesmo seus filhinhos. No entanto, o que é difícil para
ele é matar seu rei, Agague. Ele não tem nenhum problema em massacrar o gado
comum, mas não agüenta desperdiçar carne de primeira e um bom cordeiro.
A recusa de Saul em
aniquilar totalmente os amalequitas lhe custa o reinado. Este é um pecado
gravíssimo. Nosso texto não mostra apenas o pecado de Saul, mostra também o
nosso. Saul está disposto a fazer coisas que jamais pensaríamos - como matar
criancinhas. Será que teríamos matado crianças amalequitas como Saul? Se não,
por que não? Nosso texto chama a atenção para a natureza da desobediência de
Saul, que é muito parecida com a desobediência comum entre os cristãos atuais.
Nosso texto tem lições importantes para aprendermos sobre a desobediência de
Saul e suas conseqüências e, também, sobre a nossa própria desobediência às
determinações de Deus.
A Ordem Para Matar os
Amalequitas
Os amalequitas, um nome
que poderia soar vagamente familiar ao leitor da Bíblia, pode ser estranho para
nós, mas não é estranho para os israelitas. Os amalequitas são um dos povos que
habitam a parte sul de Canaã. Quando os israelitas deixaram o Egito e se
dirigiam para Canaã (ver Ex. 17:8 e ss), eles foram uma das primeiras nações
que os israelitas encontraram. Esta é uma das nações vizinhas com quem Israel
está em constante conflito. Os amalequitas atacam Israel, que,
desobedientemente, procura possuir a terra prometida depois de sua
incredulidade em Cades-Barnéia (ver Nm. 14:25, 43, 45). Eles se juntam aos
midianitas para atacar e saquear Israel e são uma das nações que ameaçam tanto
Israel, que Gideão precisa ter certeza da presença de Deus com ele na batalha
(ver Jz. 6:3, 33, 7:12). Esta é a nação atacada por Davi, que invade Ziclague e
captura sua família e seus bens e a família e os bens de seus homens (ver I
Sam. 27:8, 30:1, 18, II Sam. 1:1).
A ordem para matar a
nação inteira e seu gado não é algo novo. Deus exigiu isto dos israelitas
quando encontrassem as nações cananéias:
“No entanto, nada do
que alguém dedicar irremissivelmente ao SENHOR, de tudo o que tem, seja homem,
ou animal, ou campo da sua herança, se poderá vender, nem resgatar; toda coisa
assim consagrada será santíssima ao SENHOR. Ninguém que dentre os homens for
dedicado irremissivelmente ao SENHOR se poderá resgatar; será morto.” (Lv.
27:28-29)
“Porém, das cidades
destas nações que o SENHOR, teu Deus, te dá em herança, não deixarás com vida
tudo o que tem fôlego. Antes, como te ordenou o SENHOR, teu Deus,
destruí-las-ás totalmente: os heteus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os
heveus e os jebuseus, para que não vos ensinem a fazer segundo todas as suas
abominações, que fizeram a seus deuses, pois pecaríeis contra o SENHOR, vosso
Deus.” (Dt. 20:16-18)
“No sétimo dia,
madrugaram ao subir da alva e, da mesma sorte, rodearam a cidade sete vezes;
somente naquele dia rodearam a cidade sete vezes. E sucedeu que, na sétima vez,
quando os sacerdotes tocavam as trombetas, disse Josué ao povo: Gritai, porque
o SENHOR vos entregou a cidade! Porém a cidade será condenada, ela e tudo
quanto nela houver; somente viverá Raabe, a prostituta, e todos os que
estiverem com ela em casa, porquanto escondeu os mensageiros que enviamos.
Tão-somente guardai-vos das coisas condenadas, para que, tendo-as vós condenado,
não as tomeis; e assim torneis maldito o arraial de Israel e o confundais.
Porém toda prata, e ouro, e utensílios de bronze e de ferro são consagrados ao
SENHOR; irão para o seu tesouro. Gritou, pois, o povo, e os sacerdotes tocaram
as trombetas. Tendo ouvido o povo o sonido da trombeta e levantado grande
grito, ruíram as muralhas, e o povo subiu à cidade, cada qual em frente de si,
e a tomaram. Tudo quanto na cidade havia destruíram totalmente a fio de espada,
tanto homens como mulheres, tanto meninos como velhos, também bois, ovelhas e
jumentos.” (Js. 6:15-21)
O texto de I Samuel 15
e as passagens acima podem provocar muitas perguntas nos leitores cristãos
atuais. (1) Em primeiro lugar, por que Deus ordena o extermínio de nações
inteiras? (2) Por que o gado e até mesmo crianças inocentes devem ser
destruídos? (3) Por que os amalequitas são particularmente indicados para serem
exterminados? (4) Por que uma geração posterior de amalequitas é punida pelos
pecados de uma geração anterior? (5) Por que o fato de Saul poupar um homem e
umas poucas cabeças de gado é uma ofensa tão grave para Deus? Vamos tentar
responder estas questões.
Primeiro, existem
razões gerais para o extermínio de povos como os cananeus. Estes são os povos
que possuem a terra prometida que Deus deu a Israel. A principal razão afirmada
acima é que estes povos são extremamente maus. Se não forem totalmente
destruídos, ensinarão aos israelitas suas práticas pecaminosas, colocando-os,
dessa forma, debaixo da condenação divina. É fácil ver a razão pela qual todos
os guerreiros do inimigo devam ser mortos; mas por que mulheres, crianças e o
gado? O pecado que envolvia os Cananeus tinha contaminado e corrompido seus
animais, e Deus não permitiria que qualquer um sobrevivesse.
Segundo, aqueles que
Deus ordena que sejam aniquilados são aqueles que são culpados, para os quais a
punição é uma justa retribuição. Mesmo que seus antepassados tenham pecado
gravemente, as pessoas que Deus ordena que Saul destrua também são pecadores
culpados, cujo destino é uma justa recompensa:
“Enviou-te o SENHOR a
este caminho e disse: Vai, e destrói totalmente estes pecadores, os
amalequitas, e peleja contra eles, até exterminá-los.” (I Sam. 15:18)
“Disse, porém, Samuel:
Assim como a tua espada desfilhou mulheres, assim desfilhada ficará tua mãe
entre as mulheres. E Samuel despedaçou a Agague perante o SENHOR, em Gilgal.”
(I Sam. 15:33)
Os amalequitas são
pecadores, merecedores da ira de Deus mediante Israel. Estes pecadores, os
amalequitas, são aqueles que desfilharam mulheres e, dessa forma, é justo que
experimentem o sofrimento e a crueldade que eles mesmos infligiram a seus
inimigos.
Terceiro, somos
lembrados de que Deus não tem prazer em punir o inocente:
“Então, perguntou Deus
a Jonas: É razoável essa tua ira por causa da planta? Ele respondeu: É razoável
a minha ira até à morte. Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não
custou trabalho, a qual não fizeste crescer, que numa noite nasceu e numa noite
pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive, em que há
mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão direita
e a mão esquerda, e também muitos animais?” (Jn. 4:9-11)
Quarto, o extermínio
dos amalequitas da época de Saul é a execução de uma ordem dada muitos anos
antes e reiterada diversas vezes.
Êxodo 17:8-15
“Então, veio Amaleque e
pelejou contra Israel em Refidim. Com isso, ordenou Moisés a Josué: Escolhe-nos
homens, e sai, e peleja contra Amaleque; amanhã, estarei eu no cimo do outeiro,
e o bordão de Deus estará na minha mão. Fez Josué como Moisés lhe dissera e
pelejou contra Amaleque; Moisés, porém, Arão e Hur subiram ao cimo do outeiro.
Quando Moisés levantava a mão, Israel prevalecia; quando, porém, ele abaixava a
mão, prevalecia Amaleque. Ora, as mãos de Moisés eram pesadas; por isso,
tomaram uma pedra e a puseram por baixo dele, e ele nela se assentou; Arão e
Hur sustentavam-lhe as mãos, um, de um lado, e o outro, do outro; assim lhe
ficaram as mãos firmes até ao pôr-do-sol. E Josué desbaratou a Amaleque e a seu
povo a fio de espada. Então, disse o SENHOR a Moisés: Escreve isto para memória
num livro e repete-o a Josué; porque eu hei de riscar totalmente a memória de
Amaleque de debaixo do céu. E Moisés edificou um altar e lhe chamou: O SENHOR É
Minha Bandeira. E disse: Porquanto o SENHOR jurou, haverá guerra do SENHOR
contra Amaleque de geração em geração.” (Ex. 17:8-16)
Números 24:20-25
“Viu Balaão a Amaleque,
proferiu a sua palavra e disse: Amaleque é o primeiro das nações; porém o seu
fim será destruição. Viu os queneus, proferiu a sua palavra e disse: Segura
está a tua habitação, e puseste o teu ninho na penha. Todavia, o queneu será
consumido. Até quando? Assur te levará cativo. Proferiu ainda a sua palavra e
disse: Ai! Quem viverá, quando Deus fizer isto? Homens virão das costas de
Quitim em suas naus; afligirão a Assur e a Héber; e também eles mesmos
perecerão. Então, Balaão se levantou, e se foi, e voltou para a sua terra; e
também Balaque se foi pelo seu caminho.” (Nm. 24:20-25)
Deuteronômio 25:17-19
“Lembra-te do que te
fez Amaleque no caminho, quando saías do Egito; como te veio ao encontro no
caminho e te atacou na retaguarda todos os desfalecidos que iam após ti, quando
estavas abatido e afadigado; e não temeu a Deus. Quando, pois, o SENHOR, teu Deus,
te houver dado sossego de todos os teus inimigos em redor, na terra que o
SENHOR, teu Deus, te dá por herança, para a possuíres, apagarás a memória de
Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças.” (Dt. 25:17-19)
Quando os israelitas
partem do Egito e rumam para a terra prometida, eles são atacados pelos
amalequitas, como descrito em Êxodo 17. Sabemos por Deuteronômio 25:18 que este
ataque é covarde, pois eles atacam pelas costas, tomando de assalto os
retardatários que estão cansados e abatidos. Deus dá a Israel a vitória sobre o
exército amalequita, mas isto não extermina toda a nação. Deus dá ordens
específicas às futuras gerações para que apaguem a memória deste povo, e sua
ordem é registrada para a posteridade de Israel.
Em Números 24, há uma
referência muito interessante a esta “maldição” que Deus impõe sobre os
amalequitas. Balaque, o rei de Moabe, teme os israelitas e procura causar seu
fim, contratando Balaão para amaldiçoá-los. Balaque deve ignorar a Aliança
Abraâmica:
“Ora, disse o SENHOR a
Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a
terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te
engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei
os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra.” (Gn.
12:1-3, ênfase minha)
Os amalequitas não
abençoaram os israelitas, eles os amaldiçoaram, atacando-os no caminho. Por
isso, Deus os amaldiçoa, como Se comprometera com Abraão e seus descendentes.
Agora, Balaque procurar atrair Balaão para “amaldiçoar” Israel, o povo a quem
Deus abençoou. Balaão, não só abençoa Israel, mas também reitera a maldição
sobre os amalequitas, pronunciada anteriormente em Êxodo 17. Além de amaldiçoar
os amalequitas, ele também abençoa os queneus, que mostraram misericórdia para
com os israelitas (Nm. 24:21, v. I Sam. 15:6). A despeito de si mesmo, Balaão
abençoa aqueles a quem Deus abençoa (incluindo aqueles que abençoam Israel), e
ele deve amaldiçoar aqueles a quem Deus amaldiçoa (aqueles que amaldiçoam
Israel).
Em Deuteronômio 24, a
segunda geração de israelitas que está prestes a entrar na terra prometida é
relembrada do dever de seus descendentes de destruir os amalequitas, tão logo a
nação tenha se estabelecido e vencido as nações circunvizinhas. É interessante
que este lembrete do dever de exterminar os amalequitas seja encontrado no
contexto de ensino sobre justiça (ver 25:1-16). Por inferência, a aniquilação
dos amalequitas é o cumprimento da justiça.
A pergunta que talvez
permaneça é: “Mas, por que esta geração deve ser destruída, quando foi uma
geração anterior que tratou com crueldade a Israel?” Já dissemos que a geração
de amalequitas da época de Saul é má e merece a morte. Parece certo dizer que
esta geração é ainda pior do que aquela que oprimiu Israel no deserto, como
descrito em Êxodo 17. Julgo a destruição dos amalequitas à luz das palavras
ditas por Deus a Abraão séculos antes:
“Ao pôr-do-sol, caiu
profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram;
então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em
terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos
anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois sairão
com grandes riquezas. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em
ditosa velhice. Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu
ainda a medida da iniqüidade dos amorreus.” (Gn. 15:12-16)
Deus diz a Abraão (aqui
Abrão) que vai lhe dar a terra de Canaã, mas primeiro seus descendentes serão
escravizados numa terra desconhecida durante 400 anos. Sabemos que esta terra é
o Egito. Quando os 400 anos de cativeiro estiverem completos, Deus então lhes
dará a terra de Canaã. A razão dada para esta demora é que “não se encheu ainda
a medida da iniqüidade dos amorreus” (Gn. 15:16). Deus preferiu que o pecado
deste povo amadurecesse, alcançasse sua maturidade completa, para então
levá-los a julgamento. Quando Deus ordena a Saul que extermine os amalequitas,
podemos presumir, com certeza, que seus pecados tenham amadurecido e tenha
chegado o tempo de seu julgamento.
Além disso, podemos
dizer que a demora no julgamento de Deus é também devido à Sua graça, pois, ao
retardar seu julgamento, Deus dá tempo aos seus escolhidos para serem salvos de
Sua ira:
“Que diremos, pois, se
Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com
muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que
também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que
para glória preparou de antemão.” (Rm. 9:22-23)
“Não retarda o Senhor a
sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo
para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao
arrependimento.” (II Pe. 3:9)
A Desobediência de Saul
Este capítulo fala
sobre a desobediência de Saul e suas conseqüências; portanto, vamos refletir
sobre a natureza de sua desobediência a fim de entendermos a gravidade de suas
conseqüências.
A desobediência de Saul
não provém de sua compaixão. Podemos ser tentados a pensar que Saul desobedece
a ordem de Deus por sincera, embora equivocada, motivação. Talvez
considerássemos sua desobediência de modo diferente se o víssemos poupando as
criancinhas amalequitas. Mas Saul não poupa nenhuma criança amalequita; ele
poupa Agague, o rei dos Amalequitas. Saul não desobedece a Deus porque seja
misericordioso, humano, bondoso. Ele friamente assassina cada homem, mulher e
criança amalequita, exceto um - o rei.
Creio que podemos
presumir com segurança que Saul poupe Agague, junto com o melhor das manadas e
rebanhos amalequitas, porque seja de seu próprio interesse. Com certeza, ele
ganha certa popularidade ao permitir que os israelitas tenham uma boa refeição
sacrificial com os animais amalequitas. Afinal, isto significa não só que podem
se banquetear com carne, mas também que não têm que sacrificar seus próprios
animais. Poupar a vida de Agague provavelmente dá a Saul um troféu por sua
proeza e poder. Quando Agague se assenta à sua mesa é como se fosse uma cabeça
de alce empalhada, pendurada e exibida no gabinete de um caçador. Lembro-me das
palavras de outro rei registradas no livro de Juízes:
“Adoni-Bezeque, porém,
fugiu; mas o perseguiram e, prendendo-o, lhe cortaram os polegares das mãos e
dos pés. Então, disse Adoni-Bezeque: Setenta reis, a quem haviam sido cortados
os polegares das mãos e dos pés, apanhavam migalhas debaixo da minha mesa;
assim como eu fiz, assim Deus me pagou. E o levaram a Jerusalém, e morreu ali.”
(Jz. 1:6-7)
Para Saul, ter um rei
assentado à sua mesa, cativo e dependente dele, é como ter um troféu desse rei.
Creio que seja por isso que Saul poupe a vida de Agague e não a vida de
qualquer outro amalequita.
A desobediência de Saul
é perpetrada por sua obediência parcial. A desobediência, às vezes, ocorre de
forma grosseira, ousada, tal como a de Adão e Eva com relação ao fruto proibido
no Jardim do Éden. Mas, aqui, Saul peca por não obedecer à risca as ordens de
Deus. Saul faz a maior parte daquilo que Deus lhe diz para fazer por meio de
Samuel, mas não obedece totalmente. Samuel vê essa obediência incompleta como
pecado.
A desobediência de Saul
é de natureza religiosa. A desobediência de Saul é vista e retratada como
obediência. Não sei como ele justifica o fato de ter poupado a vida de Agague.
Para mim não me parece muito religioso. Mas Saul é mestre em camuflar seu
pecado a respeito dos rebanhos amalequitas. Ele diz que ele e o povo pouparam o
melhor dos rebanhos para sacrificar ao Senhor. Ora, talvez eles tenham
realmente pretendido fazer isto, mas sua motivação, com toda a probabilidade, é
interesseira. A matança de todo o gado, como Deus ordenou, também seria um
sacrifício, mas o povo não poderia comer nada. Poupar os animais, e depois
sacrificá-los a Deus, proporciona pelo menos duas coisas. Primeiro, o povo tem
uma refeição grátis às custas de Deus. Eles podem partilhar a refeição
sacrificial (2:12-17; 9:11-25). E segundo, eles podem sacrificar este gado para
Deus em lugar de seu próprio gado, evitando assim um verdadeiro sacrifício de
sua parte. A questão é que a desobediência de Saul tem uma fachada piedosa,
mas, no fundo, é um pecado interesseiro. Assim, as ações de Saul são
hipócritas, parecendo religiosas quando são pagãs.
A desobediência de Saul
é conjunta. Saul não age sozinho. A princípio, quando fala com Samuel, ele está
disposto a conversar sobre sua autodenominada obediência na primeira pessoa
“Executei as palavras do SENHOR” (verso 13). Mas, uma vez que fica evidente que
sua “obediência” é inaceitável para Deus, subitamente ele procura jogar a culpa
sobre o povo de Israel:
“Respondeu Saul: De
Amaleque os trouxeram; porque o povo poupou o melhor das ovelhas e dos bois,
para os sacrificar ao SENHOR, teu Deus; o resto, porém, destruímos totalmente.”
(verso 15)
“Então, disse Saul a
Samuel: Pelo contrário, dei ouvidos à voz do SENHOR e segui o caminho pelo qual
o SENHOR me enviou; e trouxe a Agague, rei de Amaleque, e os amalequitas, os
destruí totalmente;” (verso 20)
Só depois que suas
desculpas são rejeitadas e seu pecado é exposto por Samuel, é que Saul
“confessa” seu papel neste pecado, junto com o povo:
“Então, disse Saul a
Samuel: Pequei, pois transgredi o mandamento do SENHOR e as tuas palavras; porque
temi o povo e dei ouvidos à sua voz.” (verso 24)
Quantas vezes o pecado
se transforma num acontecimento social, cogitado e formado por muitas pessoas.
A desobediência de Saul
não é levada muito a sério por ele. Saul é tardio em assumir a responsabilidade
por seu pecado, como mostrado por Samuel. Mesmo quando confessa o pecado, ele
joga parte da culpa sobre o povo e, então, tenta - rápido demais para o meu
gosto - “ir adiante” com as bênçãos de Deus, esperando escapar da disciplina
divina. Isto fica claro nos versos 24 a 33. De certa forma, Saul diz algo
assim: “O.K., O.K., então eu baguncei tudo. Admito. Agora a gente pode
continuar. Quero que fique comigo para a adoração, para que minha imagem não
fique manchada diante do povo.” Na verdade, como no pecado da obediência
parcial, Saul está mais preocupado com a opinião do povo do que com a opinião
de Deus. Saul quer deixar seu pecado para trás sem ter aversão por ele, sem
renunciar a ele.
O pecado de Saul é
hipócrita. Caso você se lembre, Saul é um homem que não tolera que qualquer um
descumpra suas ordens, mesmo quando elas são insensatas e prejudiciais. No
capítulo 14, o filho de Saul, Jônatas, inadvertidamente viola a ordem de Saul
para não comer até o anoitecer. Jônatas não ouviu a ordem por estar muito
ocupado lutando contra os filisteus, mas Saul está determinado a condená-lo à
morte por sua desobediência, e o teria feito se o povo não tivesse se recusado
a permitir que tal acontecesse (14:36-46). Ora, quando chega sua vez de
obedecer a ordem de Deus, ele é espantosamente indulgente consigo mesmo.
Desobedecer a Deus? Pode ser. Desobedecer a Saul? Jamais!
A desobediência de Saul
é repetição do mesmo tipo de desobediência vista anteriormente em I Samuel.
Este é o segundo dos dois maiores exemplos da desobediência de Saul. O primeiro
se encontra no capítulo 13, quando ele oferece o holocausto em vez de esperar
por Samuel. Em resposta a esse pecado, Samuel diz:
“Procedeste nesciamente
em não guardar o mandamento que o SENHOR, teu Deus, te ordenou; pois teria,
agora, o SENHOR confirmado o teu reino sobre Israel para sempre. Já agora não
subsistirá o teu reino. O SENHOR buscou para si um homem que lhe agrada e já
lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o
SENHOR te ordenou.” (I Sam. 13:13b-14)
Agora, no capítulo 15,
encontramos o segundo exemplo da desobediência de Saul:
“Porém Samuel disse:
Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em
que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar,
e o atender, melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado
de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto
que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não
sejas rei.” (I Sam. 15:22-23)
Por que esta acusação
do capítulo 13 aparentemente é repetida no capítulo 15? Por que Samuel diz a
Saul que Deus o rejeitou como rei, quando já havia dito quase a mesma coisa no
capítulo 13? A resposta é que a primeira sentença é uma profecia condicional,
que não seria cumprida caso Saul se arrependesse genuinamente de seu pecado. É
isto que vemos afirmado como um princípio pelo profeta Jeremias:
“Não poderei eu fazer
de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? diz o SENHOR; eis que, como o
barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. No momento
em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino para o arrancar, derribar e
destruir, se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também
eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe.” (Jr. 18:6-8)
Naturalmente, era por
isto que o rei de Nínive esperava e recebeu:
“Começou Jonas a
percorrer a cidade caminho de um dia, e pregava, e dizia: Ainda quarenta dias,
e Nínive será subvertida. Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum,
e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor. Chegou esta notícia
ao rei de Nínive; ele levantou-se do seu trono, tirou de si as vestes reais,
cobriu-se de pano de saco e assentou-se sobre cinza. E fez-se proclamar e
divulgar em Nínive: Por mandado do rei e seus grandes, nem homens, nem animais,
nem bois, nem ovelhas provem coisa alguma, nem os levem ao pasto, nem bebam
água; mas sejam cobertos de pano de saco, tanto os homens como os animais, e
clamarão fortemente a Deus; e se converterão, cada um do seu mau caminho e da
violência que há nas suas mãos. Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e
se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos? Viu Deus o que
fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal
que tinha dito lhes faria e não o fez.” (Jn. 3:4-10)
Existem, então, algumas
profecias que são absolutamente certas, profecias que não podem ser revertidas
ou mudadas. E existem também profecias que são advertências sobre o julgamento
que virá a menos que os homens se arrependam e sejam perdoados. Quando José
interpreta os sonhos de Faraó, ele lhe diz que os dois sonhos dizem respeito à
mesma coisa, e isto indica que aquilo que o sonho profetiza certamente ocorrerá
(Gn. 41:32). As palavras de Samuel, o profeta, no capítulo 13, são um aviso do
julgamento e uma oportunidade para Saul se arrepender. No capítulo 15, vemos
que Saul sem dúvida não se arrepende, mas persiste em sua desobediência. Assim,
as palavras de Samuel neste capítulo dizem respeito à remoção de Saul de seu
cargo, mesmo que isto ocorra alguns anos mais tarde. É exatamente isto que
Samuel deixa claro para Saul no versículo 29:
“Também a Glória de
Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se
arrependa.”
Como, então, podemos
enquadrar as palavras do verso 29 àquilo que acabamos de ler no verso 11?
“Arrependo-me de haver
constituído Saul rei, porquanto deixou de me seguir e não executou as minhas
palavras. Então, Samuel se contristou e toda a noite clamou ao SENHOR.”
O mesmo termo hebraico
é empregado nos dois versículos 11 e 29, portanto, não ousamos tentar
solucionar nosso problema dizendo que o termo original não seja o mesmo. O que
podemos dizer é que o termo empregado aqui é encontrado mais de 100 vezes no
Velho Testamento. A forma empregada (Niphal) é traduzida como “arrepender-se”
38 vezes na Versão King James, e muitas delas se referindo ao “arrependimento”
de Deus. No primeiro exemplo deste verbo (verso 11 do nosso texto), o autor
fala da tristeza de Deus a respeito da maneira como anda a monarquia de Saul.
Não é que Deus seja pego de surpresa ou que isto não faça parte de Seu plano
soberano. Deus não é imune ao pecado humano; Ele sofre com ele. Mesmo quando
Deus propõe que o mal faça parte de Seu plano eterno, Ele não se alegra com
ele. Pelo contrário, isto Lhe causa pesar, que é o que diz o verso 11.
No verso 29, a mesma
forma hebraica (Niphal outra vez) é usada, mas o contexto dita como este termo
um tanto amplo deve ser compreendido. Quando Deus repreende Saul por sua
desobediência no capítulo 13, Ele o adverte de que ele perderá sua dinastia,
seu reino. Esta é uma profecia condicional, que pode ser evitada caso Saul
verdadeiramente se arrependa. Ele não o faz. Portanto, agora no verso 29,
quando Saul suplica a Samuel que não o abandone, que não traga a promessa de
julgamento sobre ele, Samuel o relembra de que Deus não é homem para cometer
erros e depois se “arrepender” e mudar o curso das coisas. A sentença de Samuel
indica que Saul será removido do poder. Saul implora que não seja assim. Samuel
lhe diz que Deus não erra em tais julgamentos, por isso, Deus não se
“arrependerá” do curso que determinou para Saul. É tarde demais, e a opinião
Deus não mudará agora, pois o tempo para arrependimento já se foi.
O Princípio Dominante
(15:22-23)
Saul procura desculpar
sua desobediência afirmando que pretende usar os animais poupados para oferecer
sacrifícios a Deus. Samuel não aceita suas desculpas. Nos versos 22 e 23, ele
estabelece um princípio que será adotado diversas vezes pelos profetas
posteriores, por nosso Senhor e por Seus apóstolos. O princípio é afirmado
tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo. No verso 22 Samuel faz
uma afirmação positiva. Ele nos informa que, ainda que em Seus planos Deus
tenha prescrito rituais religiosos como uma coisa boa (principalmente se forem
feitos com mãos limpas e coração puro), a obediência aos Seus mandamentos é
muito melhor.
Saul supõe exatamente o
contrário. Suas palavras e ações nos dizem que prestar rituais religiosos por
prestar é a coisa mais importante do mundo. Para Saul, desobedecer a ordem de
Deus não é tão importante, desde que sua desobediência permita que Ele ofereça
a Deus um sacrifício ritual. Para ele, oferecer o sacrifício é mais importante
do que obedecer a Deus. Para Samuel, a obediência a Deus é a mais sublime de
todas as formas de sacrifício (compare com Rm. 12:1-2). Obedecer a Deus é
melhor do que todos os sacrifícios. Desobedecer a Deus, e depois oferecer
sacrifícios, é inútil.
No verso 23 Samuel
compara o pecado de um israelita com os pecados dos gentios, os quais um bom
judeu jamais pensaria cometer. Saul não leva a sério seu pecado de
desobediência. Este povo pagão, os amalequitas, merece morrer. Saul não
questiona isto. Os pecados que os pagãos cometem são aqueles que os israelitas odeiam.
Samuel dá uma pequena aula a Saul ao lhe dizer quer sua desobediência não é
menos desprezível do que os pecados pagãos de adivinhação, iniqüidade ou
idolatria. Na verdade, os pagãos cometem seus pecados em total ignorância. Eles
não possuem as Escrituras como o povo de Deus. O pecado de Saul é igual aos
pecados pagãos que ele tanto odeia. Obedecer é melhor do que a adoração ritual;
desobedecer é pior do que a idolatria pagã ou a feitiçaria (ARA).
O Arrependimento de
Saul
(15:23-31)
É realmente triste ler
o registro bíblico da desobediência de Saul. Mas, ainda mais triste é ler o
relato de sua resposta à repreensão de Samuel. Saul começa afirmando ter
obedecido a ordem de Deus. Depois, quando seu pecado é exposto, ele admite sua
falha em executar totalmente a ordem, mas tenta santificar sua desobediência
afirmando que é melhor irem adorar a Deus. Quando Samuel rejeita suas desculpas
esfarrapadas, Saul finalmente confessa que pecou, jogando, no entanto, uma
parte da culpa sobre o povo. Ele afirma que temeu o povo, e por isso, cedeu à
pressão que exerciam sobre ele (verso 24). Sua preocupação não é que tenha
pecado contra um Deus justo, mas que sua imagem pública ficará manchada se
Samuel abertamente cortar relações com ele. Ele não tem uma profunda convicção
a respeito da vileza de seu pecado. Simplesmente ele teme que seja muito ruim
se a situação não for manejada de forma apropriada. Por isso, ele implora que
Samuel volte e adore com ele, aparentando que tudo vai bem.
Samuel cumpre
totalmente a ordem de Deus
(I Sam. 15:32-35)
“Disse Samuel: Traze-me
aqui Agague, rei dos amalequitas. Agague veio a ele, confiante; e disse:
Certamente, já se foi a amargura da morte. Disse, porém, Samuel: Assim como a
tua espada desfilhou mulheres, assim desfilhada ficará tua mãe entre as
mulheres. E Samuel despedaçou a Agague perante o SENHOR, em Gilgal. Então,
Samuel se foi a Ramá; e Saul subiu à sua casa, a Gibeá de Saul. Nunca mais viu
Samuel a Saul até ao dia da sua morte; porém tinha pena de Saul. O SENHOR se
arrependeu de haver constituído Saul rei sobre Israel.”
Saul peca no capítulo
13 quando oferece o holocausto que é tarefa de Samuel. Mas agora, no capítulo
15, é necessário que Samuel cumpra a tarefa de Saul. E, neste caso, isto não é
pecado. Saul parece relutante em se “arrepender” e voltar atrás em sua decisão
de deixar o rei Agague vivo. Assim sendo, Samuel mesmo cumpre a ordem de Deus,
pois é necessário que todos os amalequitas sejam mortos, especialmente o rei,
que os liderou em sua maldade. Agague é trazido à frente. O rei está certo de
que, uma vez que não foi executado na hora, o perigo já tenha passado.
Certamente ele se sente à salvo enquanto estiver sob a custódia de Saul. Mas
sua confiança não tem fundamento. Samuel é agora o único diante de quem ele deve
ficar, e Samuel age no interesse de Deus. Da mesma forma que ele,
comandante-em-chefe do exército amalequita, desfilhou mulheres, agora, sua mãe
ficará desfilhada com sua morte (verso 33). Samuel não o mata simplesmente, ele
o despedaça, sem dúvida porque esta é a maneira como ele tratava os inimigos
que derrotava. Ainda que o texto não nos diga, é provável que Samuel cuide para
que todo o gado dos amalequitas que os israelitas pouparam também seja morto.
Não é dito que Saul
verdadeiramente lamente seu pecado ou mesmo seu rompimento com Samuel. No
entanto, é um dia triste para Samuel. Ele chorou e intercedeu junto ao Senhor
durante toda a noite anterior à repreensão de Saul (15:11). Ele lamenta por
Saul depois que se eles separam (15:35). E o Senhor também lamenta por Saul, e
pelo fato de tê-lo constituído rei de Israel. Isto não é nenhuma surpresa para
Deus, pois é parte de Seu plano eterno. Saul não pode ser o rei do qual virá o
Messias, pois ele não é da tribo de Judá, mas da tribo de Benjamim. Mesmo assim,
Deus lamenta tê-lo posto de lado. Foi necessário, mas não é fonte de alegria.
Será que pensamos que Deus, que é todo-poderoso, faz somente coisas que O
deixem feliz? Deus realmente faz coisas que Lhe causam tristeza, como
constituir Saul como rei, e como enviar Seu Filho para morrer na cruz do
Calvário às mãos de vis pecadores. Deus faz tudo isto para Sua glória e para o
nosso bem.
Conclusão
Primeiramente, devemos
ver em nosso texto que Deus sempre cumpre Seus intentos. Não só na época do
êxodo (Ex. 17:8-16), mas muitas vezes depois (Nm. 24:20-21; Dt. 25:17-19), Deus
ordenou aos israelitas o extermínio dos amalequitas devido à gravidade de seu
pecado, como demonstrado por seu ataque aos israelitas após o êxodo. Deus não
Se esquece de Sua Palavra e, em I Samuel 15, a despeito da desobediência de
Saul, a Palavra de Deus é cumprida. Deus mantém Suas promessas, sejam elas de
bênção (como no caso dos israelitas e dos queneus) ou de julgamento.
Vemos na preservação
dos queneus e na destruição dos amalequitas não apenas o cumprimento de uma
promessa específica de Deus, mas também o cumprimento da aliança de Deus com
Abraão (Gn. 12:1-3). Nesta aliança, Deus promete abençoar todos os que
abençoarem Abraão e seus descendentes (por exemplo, os queneus), e amaldiçoar todos
os que amaldiçoarem Abraão e sua descendência (os amalequitas). A aliança
Abraâmica é um fator preponderante na história de Israel, explicando o
julgamento e a bênção de Deus com relação às nações que se relacionam com
Israel.
Receio que a atitude
arrogante de Saul com relação ao seu pecado é semelhante à maneira que muitas
pessoas vêem seu próprio pecado nos dias atuais. Por exemplo, dentro do
Catolicismo Romano, algumas pessoas sentem-se livres para pecar e depois ir ao
confessionário e dizer “Pai, perdoa-me porque pequei...” Muitos cristãos
evangélicos também não levam a sério seus pecados. Dizemos muitas vezes que
Cristo morreu por nossos pecados, que morreu por todos eles: passados,
presentes e futuros. De fato, isto é verdade. No entanto, não nos dá licença
para pecar. A graça de Deus jamais deve ser usada como desculpa para o nosso
pecado (v. Rm. 5:18-6:11; Jd. 1:4). Abusar da graça de Deus e pecar
deliberadamente, esperando ser perdoado, talvez seja o pecado mais terrível de
todos (v. Hb. 10:26-31).
Nossa passagem também
nos alerta sobre o perigo de classificar os pecados. Pecados odiosos são
aqueles que os outros praticam, enquanto somos inclinados a considerar nossos
próprios pecados, tal como mentir, como “mentirinhas brancas”. Nas igrejas
evangélicas não bebemos, fumamos ou dançamos, falando contra aqueles que o
fazem. É relativamente fácil para os cristãos condenarem os homossexuais e os
imorais, se este não for o “nosso” tipo de pecado. Vamos ficar alertas, pois a desobediência
à Palavra de Deus é considerada o pior de todos os pecados. Saber o que Deus
nos ordena a fazer (ou a não fazer), e então desobedecer, é rebelar-se
deliberadamente contra Deus. Nenhuma adoração ritualística, nenhuma atividade
religiosa, cancela o mal de tal pecado.
Ver o pecado de Saul em
nosso texto nos ensina uma lição valiosa sobre liderança espiritual. Na
verdade, liderança espiritual não é dar às pessoas aquilo que elas querem, mas
é fazer aquilo que Deus quer. Os líderes espirituais primeiramente devem ser
seguidores de Deus. Saul é designado como rei de Israel. Sua tarefa é conhecer
e obedecer aos mandamentos de Deus para liderar a nação em obediência. Mesmo
que as palavras de Saul sobre a pressão exercida pelo povo sejam verdadeiras,
Saul deixa de liderar de maneira piedosa. Sua tarefa não é agradar os homens,
mas agradar a Deus. Na nossa época atual, quando líderes são eleitos muitas
vezes, quase sempre sua eleição é baseada no quanto agradam aos outros. Este
não é um teste de um líder espiritual. O teste é o quanto esta pessoa agrada a
Deus obedecendo à Sua Palavra e desafiando os outros a segui-lo enquanto assim
o faz. Isto não justifica uma liderança despótica, que simplesmente afirma
falar por Deus. Significa que é uma liderança bíblica, baseada na Palavra de
Deus e provada por ela.
Nosso texto é ainda
mais difícil para nós do que poderíamos imaginar. Não só a desobediência à
Palavra de Deus é um pecado muito grave, mas também a obediência parcial. Saul
nos ensina que obediência parcial aos mandamentos de Deus é, de fato,
verdadeira desobediência. Como Saul, muitos de nós somos inclinados a dar a nós
mesmos o benefício da dúvida, se obedecermos as ordens de Deus em sua quase
totalidade. Deus não vê a obediência parcial como vemos. Servir a Deus não é
como um jogo de ferradura, onde alguém ganha pontos por se aproximar da marca.
Pecado é não alcançar a marca, não importa quão perto você chegue dela.
Na Bíblia,
repetidamente, o padrão é a obediência total, não a obediência parcial. As
palavras de despedida de nosso Senhor, que conhecemos como a “Grande Comissão”,
incluem esta afirmação:
“Ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias
até à consumação do século.” (Mt. 28:20, ênfase minha).
É incrível como temos
nos convencido de que muitos dos mandamentos de nosso Senhor não sejam mais
aplicáveis hoje em dia. Será que esta é apenas outra forma de obediência
parcial? Deveríamos refletir seriamente sobre esta questão.
Alguns cristãos chamam a
luta para obedecer plenamente os mandamentos de Deus de legalismo. Legalismo
não é deixar de manter o alto padrão estabelecido pelas Escrituras. Legalismo é
achar que o padrão colocado pelas Escrituras é muito baixo e acrescentar seus
próprios requisitos àqueles dados por Deus. Legalismo é ir além dos mandamentos
de Deus. O cristianismo bíblico não deve procurar manter um baixo padrão dos
mandamentos de Deus.
Jamais obedecemos
perfeitamente os mandamentos da Bíblia. Os escribas e fariseus tolamente achavam
que obedeciam, mas estavam errados. Lembre-se do que nosso Senhor falou a
respeito de sua obediência:
“Porque vos digo que,
se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais
entrareis no reino dos céus.” (Mt. 5:20)
Ninguém obedece
perfeitamente aos mandamentos de Deus. Mesmo quando parece que o fazemos, nossa
atitude e nossa motivação nunca são aquilo que deveriam ser. Minha “justiça”,
muitas vezes, é “justiça própria” e meu serviço, “interesseiro”.
Na verdade, há apenas
uma pessoa cuja obediência foi perfeita, e podemos agradecer a Deus por Ele,
nosso Senhor Jesus Cristo.
“Também, quando se
assentar no trono do seu reino, escreverá para si um traslado desta lei num
livro, do que está diante dos levitas sacerdotes. E o terá consigo e nele lerá
todos os dias da sua vida, para que aprenda a temer o SENHOR, seu Deus, a fim
de guardar todas as palavras desta lei e estes estatutos, para os cumprir. Isto
fará para que o seu coração não se eleve sobre os seus irmãos e não se aparte
do mandamento, nem para a direita nem para a esquerda; de sorte que prolongue
os dias no seu reino, ele e seus filhos no meio de Israel.” (Dt. 17:18-20)
“Agrada-me fazer a tua
vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei.” (Sl. 40:8)
Ainda que o rei de Deus
devesse obedecer à Sua Palavra, nenhum dos reis do Velho Testamento, incluindo
Davi, nem sequer se aproximou do padrão da obediência perfeita. Somente Jesus
Cristo, o Messias de Deus, pôde reivindicar perfeita obediência à vontade de
Deus, e esta obediência tornou possível a salvação de pecadores indignos como
eu e você:
“Tende em vós o mesmo
sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de
Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e,
reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até
à morte e morte de cruz.” (Fp. 2:5-8)
“Porque é impossível
que o sangue de touros e de bodes remova pecados. Por isso, ao entrar no mundo,
diz: Sacrifício e oferta não quiseste; antes, um corpo me formaste; não te
deleitaste com holocaustos e ofertas pelo pecado. Então, eu disse: Eis aqui
estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer, ó Deus, a tua
vontade. Depois de dizer, como acima: Sacrifícios e ofertas não quiseste, nem
holocaustos e oblações pelo pecado, nem com isto te deleitaste (coisas que se
oferecem segundo a lei), então, acrescentou: Eis aqui estou para fazer, ó Deus,
a tua vontade. Remove o primeiro para estabelecer o segundo.” (Hb. 10:4-9)
Paulo resumiu a questão
toda nestas palavras:
“Porque, como, pela
desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por
meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos.” (Rm. 5:19)
Foi o pecado de Adão,
sua desobediência, que mergulhou toda a raça humana em pecado. Foi a obediência
de nosso Senhor Jesus Cristo que tornou possível a nossa salvação. Devemos
abandonar todos os pensamentos de mérito pela nossa salvação e perceber que
nossas obras de justiça são como trapos de imundície (Is. 64:6). Precisamos nos
agarrar à justiça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu na cruz do Calvário,
suportando a punição pelos nossos pecados, e que ressurgiu do túmulo, declarando-nos
justos e dando-nos a vitória sobre o pecado e a morte. Eis aqui a nossa
esperança, e eis aqui a nossa salvação...
BISPO/JUIZ. MESTRE E
DOUTOR EM ÊNFASE E DIVINDADES DR. EDSON CAVALCANTE
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