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sexta-feira, 28 de agosto de 2015

ESTUDO O ÍMPIO PROSPERA NA TERRA, MAS NÃO TEM A SALVAÇÃO ETERNA...


ESTUDO O ÍMPIO PROSPERA NA TERRA, MAS NÃO TEM A SALVAÇÃO ETERNA...

Essa não é uma pergunta nova. É uma pergunta bem antiga, aliás, porque é justamente sobre esse tipo de indagação aflita que o salmista Asafe escreveu o Salmo 73. Asafe observava os ímpios ao seu redor, as pessoas más, os homens violentos, os corruptos dissimulados à sua volta, e notava que todos prosperavam, enriqueciam, pareciam não ter problemas, não passar por provações, não atravessar tribulações, enquanto ele — que procurava servir a Deus, que frequentava o templo, que oferecia regularmente seus sacrifícios, que procura ser sempre justo em suas palavras e ações, que se esforçava para levar uma vida reta, ter uma conduta digna, o coração purificado e a mente voltada para as coisas santas — vivia enfrentando dificuldades, lidando com adversidades, suportando momentos de enfermidades, conflitos familiares, carências financeiras, perdas dolorosas, perseguições, abandono e solidão. 
Diante disso, o salmista perguntava a si mesmo: “Espera aí, o que é que está acontecendo? Como pode ser isso? Como é que o meu vizinho — um incrédulo que zomba da fé, que se deita a cada noite e se levanta a cada manhã sem nenhum reconhecimento da graça divina, sem qualquer respeito pela Palavra do Senhor — está tão bem na vida enquanto eu — que leio a palavra de Deus, reflito sobre a Palavra, vou aos cultos, intercedo por meus irmãos e ando de acordo com a vontade divina — estou passando por todas essas provações e adversidades?”. 
Asafe era o cantor principal do templo nas horas dos cultos, mais ou menos como um ministro de música nos dias de hoje. Liderava o cântico congregacional e compunha as músicas que a congregação cantava. Numa dessas músicas, que vem a ser o salmo 73, Asafe faz referência a essa angústia da dúvida, da fé enfraquecida e da tortura espiritual que resultaram de uma pergunta: por que o ímpio prospera mais do que o justo? 
Vamos ler o Salmo 73 com a consciência de que a crise de Asafe é também, muitas vezes, a nossa crise. As dúvidas dele são as nossas dúvidas. Os questionamentos dele são os nossos questionamentos. A aflição existencial dele é a nossa aflição existencial. Vamos ler esse salmo como se Asafe fosse apenas o nosso porta-voz: ele fala, ele escreve, ele ora, mas o sentimento é nosso, a experiência é nossa, a alma do salmo é nossa, a oração é nossa. 
Certamente Deus é bom para Israel, para os puros de coração. Quanto a mim, os meus pés quase tropeçaram, por pouco não escorreguei. Pois tive inveja dos arrogantes quando vi a prosperidade desses ímpios. Eles não passam por sofrimento e têm o corpo saudável e forte. 
Estão livres dos fardos de todos; não são atingidos por doenças como os outros homens. Por isso o orgulho lhes serve de colar, e eles se vestem de violência. Do seu íntimo brota a maldade, da sua mente transbordam maquinações. Eles zombam e falam com más intenções; em sua arrogância ameaçam com opressão. Com a boca arrogam a si os céus, e com a língua se apossam da terra. Por isso o seu povo se volta para eles e bebe suas palavras até saciar-se. Eles dizem: ‘Como saberá Deus? Terá conhecimento o Altíssimo?’. 
Assim são os ímpios; sempre despreocupados, aumentam suas riquezas. Certamente foi-me inútil manter puro o coração e lavar as mãos na inocência, pois o dia inteiro sou afligido, e todas as manhãs sou castigado. Se eu tivesse dito: Falarei como eles, teria traído os teus filhos. Quando tentei entender tudo isso, achei muito difícil para mim, até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos ímpios. Certamente os pões em terreno escorregadio e os fazes cair na ruína. Como são destruídos de repente, completamente tomados de pavor! São como um sonho que se vai quando acordamos; quando te levantares, Senhor, tu os farás desaparecer. Quando o meu coração estava amargurado e no íntimo eu sentia inveja, agi como insensato e ignorante; minha atitude para contigo era a de um animal irracional. Contudo, sempre estou contigo; tomas a minha mão direita e me susténs. Tu me diriges com o teu conselho, e depois me receberás com honras. A quem tenho nos céus senão a ti? E na terra, nada mais desejo além de estar junto a ti. O meu corpo e o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre. 
Os que te abandonam sem dúvida perecerão; tu destróis todos os infiéis. Mas, para mim, bom é estar perto de Deus; fiz do Soberano Senhor o meu refúgio; proclamarei todos os teus feitos. É só ler os jornais e assistir os repórteres televisivos para logo perceber a mesma coisa descrita pelo salmista: aqueles que, em vez de andar nos caminhos do Senhor, trilham os descaminhos da maldade, da corrupção, da infidelidade, da desonestidade, da mentira, da promiscuidade, da violência, juntamente com aqueles que oprimem o pobre, manipulam os ingênuos, desprezam os necessitados e exploram os carentes são os que prosperam financeiramente, os que enriquecem e parecem nunca passar por dificuldades ou tribulações. 
Somos informados acerca dos maiores absurdos protagonizados por personagens da política, da economia e do empresariado, e são essas
pessoas que zombam dos princípios morais, ridicularizam os valores, menosprezam a Palavra de Deus para, depois, subornar policiais e juízes, alinhando-os a seu favor, e desfrutar dos benefícios da impunidade, são essas pessoas que continuam prosperando e lucrando na vida. 

Diante desse quadro, chegamos a uma conclusão: injustiça divina. E perguntamos: como é que Deus permite uma coisa dessas? Deus está sendo injusto, concluímos. Como é que Deus permite que uma pessoa reconhecidamente corrupta e corruptora prospere e passe a vida rindo de tudo e de todos? 
Imagine uma pessoa que tenta viver a vida honestamente, acorda para trabalhar, trabalha para poder comer, come e vai dormir, e no dia seguinte acorda para trabalhar, etc, etc, enfrentando uma série de problemas e de dificuldades, enquanto sabe que o seu vizinho faz e acontece, leva uma vida notoriamente inescrupulosa, mora numa casa muito boa, anda de carro novo, desfruta de excelente saúde e sem maiores dificuldades na vida. É claro que essa pessoa vai parar e refletir: “Isso não é justo!”. 
Pois era o que acontecia no coração do salmista Asafe. E a pergunta que ele fazia, e nós fazemos em nosso próprio contexto, é sempre a mesma: como é que Deus permite que o ímpio prospere mais do que o justo?
A partir da própria experiência do salmista, podemos identificar algumas coisas que acontecem dentro do nosso coração quando buscamos uma resposta para essa pergunta. Comecemos compreendendo que a nossa fé num Deus justo — que exerce sua soberania conduzindo a história — fraqueja quando o mal parece levar vantagem sobre o bem. Nessas horas, quando o ímpio parece prosperar mais do que o justo, a gente começa a duvidar da soberania, da bondade e da justiça de Deus. Por isso, o salmista confessa logo de saída: “Os meus pés quase tropeçaram, por pouco não escorreguei”. 
A primeira coisa que acontece diante das recorrentes injustiças do mundo é o enfraquecimento da nossa fé e da nossa confiança em princípios, em valores, no poder de Deus, na justiça de Deus. A gente começa a duvidar de que realmente Deus esteja realmente conduzindo os rumos história, começa a duvidar de que Deus seja de fato tão bom quanto apregoam, começa a duvidar de que a justiça divina leve os maus à punição e os bons à recompensa. A nossa fé começa a fraquejar, ficamos abalados e a nossa força de vontade para resistir às tentações passa a esmorecer. A maior desgraça em nosso país, bem mais do que toda a corrupção no governo, no Congresso Nacional e até mesmo na área da polícia e da justiça, conforme acompanhamos nos noticiários em
geral, é a cultura da impunidade. O que a população acaba aprendendo? Que podemos aprontar à vontade e sempre conseguiremos escapar da punição. Estamos formando uma geração inteira de adolescentes e de jovens que testemunham as autoridades — que deveriam dar exemplo de ética e conduta — fazerem o que fazem sem que sejam devidamente denunciadas, punidas e extirpadas da vida pública. Não só a fé fraqueja, mas o caráter também fraqueja. Num lugar onde tudo acontece de modo correto, em que há uma cultura de fiscalização e punição, você é obrigado a também fazer o que é certo. Quando estive na Califórnia, para pregar numa igreja de imigrantes brasileiros, pude perceber isso claramente. Por exemplo, no trânsito. Quando você dirige, de quando em vez aparece escrito no asfalto a palavra stop, obrigando o motorista a parar na esquina, olhar, conferir se dá para entrar na transversal em segurança, e seguir. Um brasileiro amigo meu, acostumado a dar um jeitinho e pouco disposto a parar na esquina, fez o que qualquer um faz por aqui: diminuiu a velocidade e, em vez parar, olhou rapidamente para ver se havia algum carro na outra direção e seguiu imediatamente adiante. Logo veio o policial numa moto (não é só em filme, mas o policial aparece mesmo, sabe-se lá de onde, em cima da moto), e ordenou que ele estacionasse o carro, pedindo a sua carteira de habilitação e o documento do veículo. Perguntou, então, ao meu amigo: “O senhor não viu o stop no chão?”. O meu amigo respondeu: “O stop eu vi, sim. Eu não vi foi o senhor”. Bem, é o que eu dizia: quando tudo funciona direitinho, e há uma cultura de se fazer o que é certo, somos estimulados a manter um comportamento correto. Mas num lugar onde tudo acontece errado, e ainda há uma cultura de impunidade estimulando o mal feito, as pessoas sentem-se à vontade para burlar a lei e cometer suas transgressões sem maiores preocupações. Não é só a fé que fraqueja. O caráter também fica enfraquecido diante da desordem moral. Era assim que o salmista se sentia: desestimulado a crer e a continuar defendendo o certo. Também é bom lembrar que passamos a questionar a nossa compreensão acerca dos méritos. 
No verso 4 o salmista diz afirma: “Eles não passam por sofrimento e têm o corpo saudável e forte. Estão livres dos fardos de todos; não são atingidos por doenças como os outros homens”. 
Diante da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos começamos a questionar o que realmente é mérito ou demérito. Passamos a perguntar: “Quem, afinal, merece se dar bem? O justo, que faz tudo certinho? Ou o ímpio, que se dá bem sendo desonesto?”. Em seguida, passamos a menosprezar os princípios, os valores, os parâmetros da ética, porque se agir com desonestidade é garantia de se dar bem, o melhor mesmo é deixar de lado os escrúpulos. Além disso,
diante da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos começamos a experimentar uma desagradável sensação de estamos em desvantagem. 
No verso 13 o salmista declara: “Certamente me foi inútil manter puro o coração, me foi inútil lavar as mãos na inocência”. Em outras palavras: “Não adiantou nada ser honesto, agir corretamente, manter a pureza de atos e intenções, pois agora estou aqui passando por necessidades e aquele vizinho — que sempre foi desonesto, malandro e inescrupuloso em suas ações — conseguiu se dar muito bem na vida, com um bom emprego, um carro do ano, uma casa espaçosa, e coisa e tal, e tal e coisa.” Então a gente fica com aquela sensação de que ficou na desvantagem por agir corretamente. Parece desvantajoso ser honesto, ser ético, ter uma conduta correta. E é claro que ninguém gosta de sentir-se em desvantagem. Vivemos numa sociedade em que as pessoas estão sempre competindo, concorrendo, onde há um funil de seleção, e por ele parece que só conseguem passar quem é desonesto, quem é corrupto, quem é violento. E os nossos valores, os princípios que a Bíblia ensina, e que aprendemos a defender com nossos pais, parecem extremamente desvantajosos à luz da anarquia moral generalizada. Chegamos a dizer como o salmista, quando comparamos o resultado material da nossa vida ética com o progresso dos que vivem sem escrúpulos: “Está tudo sendo inútil”. E indagamos: de que adianta ser honesto, de que adianta ser puro, de que adianta ser reto? 
Deixem-me ainda mencionar que, diante da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos, sentimos o pior tipo de sentimento que há: a inveja. Em certas circunstâncias, somos obrigados a assumir que pensamos assim: “Ah, o que eu queria mesmo era ter a casa que o meu chefe conseguiu fraudando o imposto de renda, e eu que pago meus impostos corretamente não tenho; queria mesmo era ter aquele carrão que aquele meu tio político conseguiu com suas ações corruptas, e eu que fui íntegro e honesto durante a vida inteira ainda não tenho”. A gente começa a ter inveja, e a inveja é o pior de todos os sentimentos, a inveja corrói, a inveja rouba a paz, a inveja mata as boas intenções, a inveja tira o sono, a inveja causa revolta, a inveja arrebenta a alma. 
O salmista teve coragem de assumir que estava com inveja dos ímpios, inveja dos transgressores, inveja dos pecadores, só porque aparentemente eles estavam muito bem, prosperando demais, saudáveis, robustos, felizes, realizados. Imaginem só: um servo de Deus, responsável pelo louvor congregacional, com o coração e a alma envenenados pela inveja. Mas não inveja de grandes heróis, de pessoas de caráter ilibado, de bons exemplos para todos. Não, nada disso. O salmista sentia inveja dos malandros, dos espertos, dos desonestos, dos corruptos, dos transgressores, dos criminosos. E por quê? Porque essa gente toda tinha prosperado financeiramente. 
Agora chegamos ao ponto central da reflexão do salmista. O que fez a diferença na mente e no coração do salmista? O que mudou seus sentimentos em relação à realidade ao seu redor? A partir de que momento Asafe passou a pensar de maneira diferente, a ver de modo distinto do que dissera até aqui? Foi o fato de ter entrado na presença de Deus. No verso 17 — e eu considero o verso 17 como o divisor de águas do Salmo 73. Percebam que o salmista, até então, vai descrevendo seus sentimentos em relação à prosperidade dos ímpios com amarguras e ressentimentos no coração. Mas no verso 17 lemos: “até que entrei no santuário de Deus”, isto é, “até que estive na presença de Deus”. É aqui que encontramos a razão da diferença na argumentação do salmista. 
Eis a diferença, meus irmãos queridos. As nossas ideias são colocadas em ordem e começamos a ver e a entender certas coisas corretamente quando estamos na presença de Deus. No verso 22, Asafe admite: “Agi como insensato”, ou “agi como um cego”, alguém que não está conseguindo compreender a realidade. 
Todos os sentimentos citados até aqui acabam por nublar a nossa visão da realidade, fazem com que passemos a ver através das lentes humanas, terrenas, carnais, gerando grande inconformação, grande revolta, grande incompreensão e, principalmente, enfraquecendo nossa confiança nos propósitos divinos. 
Estar na presença de Deus é a solução mais eficaz para não sermos vítimas dessa cegueira, dessa revolta, dessa inconformação perniciosa. O salmista declara: “Quando entrei na presença de Deus, descobri que muitos sentimentos habitavam em meu coração por causa do que estava vendo, por causa da maneira como estava interpretando a realidade, por causa dos meus desejos caprichosos e mesquinhos, terrenos e carnais. Quando entrei na presença de Deus, a minha visão mudou, a minha mente foi iluminada, como se eu começasse finalmente a enxergar como Deus enxergava, a ver como Deus via, e comecei a entender que a verdade está além do que os olhos terrenos podem ver, mais além do que a mente cega pode compreender”. 
De acordo com o que lemos no Salmo 73, ao entrar na presença de Deus o salmista conseguiu enxergar quatro verdades evidentes. 
A primeira: a prosperidade humana é uma prosperidade relativa. 
O que a gente costuma chamar de prosperidade nem sempre é prosperidade de fato, nem sempre as aparências correspondem aos fatos. Às vezes, determinada situação de prosperidade divulgada na imprensa, ou na mídia de um modo geral, não passa de uma foto, e por trás daquela foto na coluna social dos jornais, há uma trágica realidade desconhecida. Por trás do sorriso na hora da pose, há muito choro. Por trás das valiosas roupas e jóias, há muitas almas empobrecidas e corações afundados no desespero. O que costumamos identificar como prosperidade, muito especialmente em nossa cultura capitalista e shopping-centeriana, está vinculado a aquisições materiais. Como é que se mede a prosperidade de alguém em nossa sociedade, senão a partir da ascensão financeira e patrimonial? 
No verso 18, o salmista adverte: “Certamente os põem em terreno escorregadio e os fazes cair na ruína”. Na presença de Deus o salmista compreendeu que não há coisa mais insegura, mais escorregadia, não há areia mais movediça e perigosa do que depender dos bens materiais. Isso é um terreno perigosamente escorregadio, diz o salmista, porque esse tipo de prosperidade é relativa, é extremamente relativa. 
O que faz do ser humano um ser humano? É o que ele possui? É o que ele consegue acumular? É o carro do ano que ele exibe pelas ruas? É o bairro onde ele mora? São as roupas que ele veste? 
Vale a pena recordar o filme O homem elefante, no qual um homem todo deformado era usado como atração de circo. O dono do circo, por sua vez, que o explorava para tirar vantagens financeiras, não possuía qualquer defeito físico. Mas o filme quer, justamente, lançar a seguinte questão: entre o homem explorado por seus defeitos físicos e o que o explorava, quem é, afinal, o deformado? 
O que é que faz do ser humano um ser humano? O que ele possui? O que ele acumula? O que ele parece ser? O que é, de fato, prosperidade? Ter tudo o que se deseja? De que vale tudo o que acumulou, por exemplo, diante de uma doença terminal incurável? Ou, como o Senhor Jesus perguntou aos discípulos, de que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? 
Então, a primeira coisa que o salmista descobriu na presença de Deus foi que o conceito humano de prosperidade é relativo. O que chamamos de prosperidade pode não passar de terreno escorregadio, de areia movediça, e vamos afundar. 
A segunda verdade: as condições humanas são reconhecidamente instáveis. 

Hoje temos algo que amanhã podemos não ter. O salmista se refere a essa verdade no verso 20, ao afirmar que os ímpios e seus valores “são como um sonho que se vai quando acordamos”. A nossa vida é como um sonho. Está tudo ali, aparentemente sob controle, aparentemente seguro, tudo muito ajustado, tudo muito certinho, tudo muito preservado. De repente, você perde tudo. E o que permaneceria para sempre acaba num piscar de olhos, tal qual quando você desperta de um sonho. Lidamos com muitas situações de aparente estabilidade, mas que, na verdade, são tão instáveis como a fumaça ou a névoa. A vida é uma roda sempre girando. E nós giramos juntamente com ela. Quem hoje está por cima, estará por baixo amanhã. Citando o título de um livro que analisa a instabilidade das instituições modernas, tudo que é sólido desmancha no ar. 
E como é possível que esses ímpios assumam uma postura arrogante de quem está perfeita e permanentemente estabilizados? Estabilizado sobre o quê? 
A terceira verdade identificada pelo salmista: mais cedo ou mais tarde a justiça de Deus acaba se manifestando. 
O apóstolo Paulo vai dizer que com Deus não se brinca. E que horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo. 
O salmo 73 adverte que a manifestação da justiça de Deus pode demorar, mas — quando o Senhor começar a colocar as coisas em ordem — nada nem ninguém será poupado. Será como uma represa que rompe liberando um rio com forças acumuladas ao longo do tempo em que esteve contido. Não há como aplacar a força da sua passagem. Assim a justiça de Deus vai se impor diante dos homens. 
O apóstolo Paulo, na carta aos Filipenses, declara que “todo joelho vai se dobrar, e toda língua vai confessar que Jesus Cristo é o Senhor” Aquele patrão que vive perseguindo e oprimindo você, e o humilha e ridiculariza por causa da sua fé, vai acabar se ajoelhando e confessando que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai. Aquele vizinho que, em meio aos seus problemas e aflições, desafia você sempre perguntando onde está o seu Deus, por que Ele permite que você sofra desse jeito, por que Ele não ouve as suas orações, vai acabar se ajoelhando e confessando que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai. Herodes, Pilatos, Nero, Domiciano, Hitler, Lênin, Mao Tse-Tung, do tirano mais cruel ao mais incompetente ladrão de galinhas, todos, sem exceção, vão acabar se ajoelhando e confessando que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai. 
A justiça divina vai, finalmente, cobrir a face da terra como um imenso oceano, e ninguém terá dúvida de qual é o caminho certo, ninguém terá dúvida de quem é o Deus verdadeiro, ninguém terá dúvida de que a vontade do Senhor é bóia, perfeita e agradável. Essa era a permanente confiante esperança do salmista. E deve ser a nossa confiante esperança também. 
A quarta coisa e última verdade do salmo 73: nosso maior bem não é algo que Deus nos dá, mas é o próprio Deus que se dá a nós. 
Prestem atenção nessa declaração do salmista: “A quem tenho eu no céu, senão a ti, e na terra nada mais desejo além de estar junto a ti; o meu corpo e o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre”. 
Ouçam ainda esta outra: “Para mim, bom é estar perto de Deus. Fiz do soberano Senhor o meu refugio, proclamarei todos os teus feitos”. 
Não olhe mais para o que os injustos têm, mas olhe agora para o que você tem: você tem Deus na vida, e o maior presente que Deus pode dar a alguém é Ele mesmo, a maior bênção que Deus pode dar a alguém é Ele mesmo estar na vida desse alguém. Foi o que o salmista descobriu ao entrar na presença de Deus: não há mansão, não há emprego, não há remuneração financeira, não há aplicação na bolsa de valores, não há automóvel mais possante, não há viajem turística, não há herança, não há nada que valha e que represente mais para nós do que o grande Deus. Ele mesmo é o grande presente dado por Ele. A maior alegria de alguém que crê é ter o próprio Deus em sua vida. 
O cronista Rubem Braga tinha a grande facilidade de observar o cotidiano e escrever belas crônicas a respeito da realidade humana. Num dos seus escritos, o cronista se refere ao sino de ouro de uma pequenina cidade do interior de Goiás. O texto é mais ou menos assim (cito de memória): 
“Contaram-me que no fundo do sertão de Goiás, num povoado de poucas almas, as casas são pobres, os homens pobres, e muitos são doentes e indolentes. Mesmo a igreja de lá é pequena. Mas me contaram que ali tem uma coisa bela e espantosa, um grande sino de ouro. 
É apenas um sino, mas é de ouro. De tarde, seu som vai voando em ondas mansas sobre as matas, os serrados, as veredas de buritis e a melancolia do chapadão, chegando ao distante e deserto carrascal, e avança em ondas mansas sobre os campos imensos. O som do sino de ouro dá a cada um daqueles homens pobres a sua ração de alegria. Eles sabem que de todos os ruídos, e de todos os sons que fogem do mundo em procura de Deus — gemidos, gritos, blasfêmias, batuques, murmúrios temerosos e agônicos das grandes cidades — Deus, com especial delicia e alegria, ouve o som do sino de ouro perdido no fundo do sertão. Então é como se cada homem, o mais pobre, o mais doente, o mais humilde, o mais mesquinho e triste tivesse dentro da alma um pequeno sino de ouro”. Não importa qual seja a nossa condição, nós temos algo dentro de nós que vale muito mais que um sino de ouro, ecoando em todos os momentos de aparente injustiça da vida, em todos os momentos de charco e lamaçal, em todos os momentos dolorosos e absurdos da existência. Temos dentro de nós muito mais do que o som do sino de ouro que louva a Deus. Temos dentro de nós o Espírito do próprio Deus que é louvado pelo sino de ouro...

Bispo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante

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