AMALDIÇOA A
DEUS É MORRE...
Imagine um dia que começa como qualquer outro. Você se levanta
para ir ao serviço e, chegando na firma, encontra as portas lacradas. A firma
fechou, sem aviso. Você, inesperadamente, ficou desempregado. Tendo obrigações
para cumprir, você decide ir ao banco para sacar dinheiro e pagar algumas
contas que estão vencendo. Mas, chegando ao banco, eles dizem que sua conta foi
fechada, sem explicação, e que você não tem nenhum centavo. O dia já está
piorando. Você resolve voltar para casa, ainda tentando entender o que está
acontecendo. Chegando perto de sua rua, você percebe vários bombeiros e
ambulâncias correndo por todos os lados. Suas vizinhas estão na rua, chorando
inconsolavelmente. Antes de você chegar até sua casa, um dos vizinhos chama
você e fala palavras que jamais esquecerá: "Aconteceu tão rápido",
ele diz, "que não foi possível salvar ninguém. A casa, de repente,
explodiu. Todos que estavam dentro morreram. Eu sinto muito. Todos os seus
filhos estão mortos."
Alguns dias passam. Você acorda num lugar estranho. Olhando para
seu redor, percebe que está num hospital. Você está sentindo dores terríveis, e
uma coceira constante. Depois de algumas horas de sofrimento, a enfermeira
avisa que está na hora de visita. No seu caso, várias pessoas serão permitidas
entrar para visitá-lo. A primeira pessoa que entra no quarto é sua esposa.
Precisando muito de uma palavra de consolo e de explicação, você olha para ela
com tanta esperança, nunca imaginando o que ela vai falar. Ela chega perto da
sua cama e começa a gritar: "Eu não entendo a sua atitude", ela diz.
"Sua fé não vale nada. Você confia num Deus que fez tudo isso? Amaldiçoe o
nome de Deus e morra!" Com essas palavras, ela sai do quarto.
Enquanto você procura entender tudo isso, chegam alguns amigos
seus. São velhos amigos, sempre prontos para ajudar. Agora será consolado! Mas,
eles entram no quarto, veem seu estado crítico e seu corpo desfigurado pela
doença, e não falam nada. Ficam com a boca aberta, olhando, mas não acreditam.
Depois de um longo período de silêncio, um deles fala: "Você mereceu isso.
Você deve ter feito alguma maldade muito grande, e Deus está te castigando. Ele
tirou todos os seu bens e matou seus filhos. Ele causou esta sua doença. Ele
fez tudo isso porque você é mau!" Você começa discutir quando um dos
outros concorda com o primeiro, e depois outro também concorda com eles. Não
adianta discutir. Para eles, você é um detestável pecador que deve sofrer mais
ainda.
De repente, algumas crianças passam no corredor. Você se anima,
porque crianças sempre trazem alegria e amor. Mas, estas crianças param na
porta, veem a feiura do seu rosto e corpo, e saem correndo. "Nunca vi nada
tão feio", uma delas comenta.
Tudo ficção? Jamais aconteceria uma coisa tão terrível?
Modifiquei os detalhes para ajudar você, o leitor moderno, sentir na pele o que
aconteceu na vida de Jó. O livro de Jó é, possivelmente, o primeiro livro
bíblico escrito. Um homem fiel e abençoado por Deus perdeu, num dia só, todas
as suas posses e todos os seus filhos. Logo depois, foi atacado por uma
terrível enfermidade. A própria esposa foi contra este homem de Deus, e disse: "Amaldiçoa
a Deus e morre" (Jó 2:9). Os amigos o condenaram e discutiram com ele para
provar a sua culpa (a maior parte do livro relata essas discussões, começando
no 2:11 e continuando até 37:24). Todos os conhecidos dele, até as crianças, o
desprezaram (19:13-19).
O livro de Jó trata de um dos assuntos mais difíceis na
experiência humana: como entender e lidar com o sofrimento. É um livro rico e
cativante que todos os servos de Deus precisam estudar. Um dia, mais cedo ou
mais tarde, ele será útil na sua vida. Neste artigo, vamos considerar algumas
lições claras e importantes desse livro.
Pessoas boas sofrem
Talvez o ponto principal do livro é o simples fato que pessoas
fiéis a Deus ainda sofrem nesta vida. O primeiro versículo do livro já define,
do ponto de vista de Deus (veja, também, Jó 1:8) o caráter de Jó: "Havia
um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus
e que se desviava do mal." Enquanto entendemos que o sofrimento entrou no
mundo por causa do pecado (Gênesis 3:16-19), aprendemos em vários trechos
bíblicos que a dor e a tristeza atingem as pessoas boas e dedicadas. Jó, um
homem íntegro, sofreu imensamente. Paulo, um servo dedicado ao Senhor, sofreu
muito mais do que a grande maioria dos ímpios (2 Coríntios 11:23-27). Mesmo
quando ele pediu a Deus, querendo alívio de algum problema, Deus recusou seu
pedido (2 Coríntios 12:7-9). Mas, não devemos estranhar com isso, pois o
próprio Filho de Deus sofreu na carne (Hebreus 2:9-10,18). Os que servem a ele
sofrem, também.
O diabo quer nos derrubar com nosso sofrimento
O propósito de Satanás fica bem claro nos primeiros dois
capítulos de Jó. Ele vê o sofrimento como uma grande oportunidade para derrubar
a fé dos servos de Deus. Ele aceitou o desafio de tentar destruir a fé de um dos
homens mais idôneos do mundo. Depois, ele foi tão ousado que desafiou o próprio
Jesus, usando todas as tentações imagináveis para vencê-lo (Mateus 4:1-11). O
diabo entende muito sobre a natureza humana. Ele sabe que pessoas que servem a
Deus fielmente quando tudo vai bem à vida podem ser tentadas por meio de alguma
calamidade pessoal. Problemas financeiros, a morte de um ente querido, alguma
doença grave -- tais sofrimentos na vida são, frequentemente, o motivo de
abandonar a Cristo. Enquanto a mulher de Jó não prevaleceu na vida do próprio
marido, o conselho dela (Jó 2:9) vem derrubando a fé de muitas outras pessoas
que enfrentam dificuldades na vida. Jó não sabia a fonte de seu sofrimento
(capítulos 1 e 2 contam a história para nós, mas ele não sabia de tudo que
estava acontecendo entre Deus e Satanás). Às vezes, nós não temos noção da
fonte das nossas dificuldades. Mas, podemos ter certeza que o diabo está
torcendo para que tropecemos e afastemos de Deus.
Amigos nem sempre ajudam
Três amigos de Jó ficaram sabendo de seu sofrimento, "e
combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo" (Jó 2:11). Mas as
palavras deles não ajudaram. Ofereceram explicações baseadas nas opiniões
deles, e não na verdade que vem de Deus. Onde Deus não tinha falado, eles ousaram
de falar. O resultado não foi consolo e ajuda, e sim perturbação e desânimo. A
mesma coisa acontece hoje. Quando alguém sofre de um problema de saúde, outras
pessoas tendem falar sobre algum caso triste de alguém que teve a mesma doença
e morreu. Quando uma pessoa amada morre, muitas pessoas procuram confortar a
família com palavras insensatas e até mentirosas. É melhor falar umas poucas
palavras com compaixão do que falar muito e entristecer a pessoa mais ainda.
Quando sofremos perda, é melhor procurar conselho na palavra de Deus e da boca
de pessoas que a conhecem e que vivem segundo a vontade do Senhor.
Deus não explica tudo
Quando sofremos, é natural perguntar: "Por quê?". Jó
fez isso (Jó 3:24). Habacuque fez a mesma coisa (Habacuque 1:3). Milhões de
outras pessoas têm feito a mesma pergunta. É interessante e importante observar
que Deus não responde a todas as nossas perguntas. Pode ler o livro de Jó do
começo ao fim, e não encontrará uma resposta completa de Deus à pergunta do
sofredor. Durante a boa parte da história, Deus deixou Jó e seus amigos a
ponderar o problema. Quando o Senhor falou no fim do livro, ele não explicou o
porquê. A partir do capítulo 38, Deus afirma que o homem, como mera criatura,
não é capaz de entender muitas das coisas de Deus, e não é digno de questionar
a sabedoria divina. Jó entendeu a correção de Deus, e respondeu humildemente:”
Sou indigno; que te responderia eu? Ponho a mão na minha boca. Uma vez falei e
não replicarei, aliás, duas vezes, porém não prosseguirei" (Jó 40:4-5). Jó
pediu desculpas a Deus por ter duvidado da justiça e da bondade do Criador:
"Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para
mim, coisas que eu não conhecia....Por isso, me abomino e me arrependo no pó e
na cinza" (Jó 42:3,6).
Depois do sofrimento, vêm as bênçãos.
O sofrimento desta vida é temporário. O sofrimento de Jó foi
intenso, mas não durou para sempre. É bem provável que ele lembrou, durante o
resto da vida, daquelas experiências doloridas. Mas a crise passou, e a vida
continuou. Deus restaurou as posses dele em porções dobradas. A mesma coisa
acontece conosco. Enfrentamos alguns dias muito difíceis, mas as tempestades
passam e a vida continua. Vivendo na época da nova aliança de Cristo, nós temos
uma grande vantagem. Temos uma esperança bem definida de uma recompensa eterna
no céu (Hebreus 11:13-16,39-40; 12:1-3; 13:14). Qualquer sofrimento é pequeno
quando o colocamos no contexto da eternidade.
Fiéis no sofrimento
Nós vamos sofrer nesta vida. Pessoas que dizem que os filhos de
Deus não sofrem são falsos mestres que ou não conhecem ou não aceitam a palavra
do Senhor. Jó perdeu tudo. Jeremias foi preso. João Batista foi decapitado.
Jesus foi crucificado. Estêvão foi apedrejado. Paulo sofreu naufrágio e
prisões. Você, também, vai sofrer. Os problemas da vida não sugerem falta de
fé, e não são provas de algum terrível pecado na sua vida. Às vezes, as
provações vêm como disciplina de Deus (Hebreus 12:6-13); às vezes, não. Mas
sempre são oportunidades para crescer (Tiago 1:2-4), e convites para adorar a
Deus (Tiago 5:13; Jó 1:20).
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião
Dr. Edson Cavalcante.
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