VIOLÊNCIA DOMESTICA É COISA DE
CRISTÃO?
Que conselho você daria
para alguém que afirma estar sofrendo algum tipo de abuso físico em seu
casamento, por exemplo? É claro que esse assunto é muito complicado, não
existem respostas prontas para todos os casos, e o risco de se “pisar no
tomate” é grande!
São três da manhã e já
faz um tempo que acordei em sobressalto, com um súbito, inexplicável e
vergonhoso medo de violência (e isso que quase não gasto tempo com a televisão…).
Estou sozinho em casa, e me pareceu ouvir um barulho. Como alguém entrou na
casa de um pastor amigo meu enquanto dormia, perdi o sono ao pensar em minha
reação, caso alguém viesse me matar.
Será que a mesma ideia
poderia ser estendida para os casos de agressões em famílias violentas? Resolvi
abdicar da cama para escrever porque parece haver alguma inconsistência entre o
senso comum e o que Jesus ensina sobre esse assunto. Em alguns casos,
profissionais da saúde mental, líderes espirituais e igrejas se omitem
simplesmente porque aconselhar aquilo que Cristo pregou não parece mais ser nem
política nem terapeuticamente correto!
Também pode parecer machista (em outros casos, feminista…). Mais fácil
então é se unir ao senso comum e fugir do ridículo.
Mas, vejamos, que
conselho você daria para alguém que afirma estar sofrendo algum tipo de abuso
físico em seu casamento, por exemplo? É claro que esse assunto é muito
complicado, não existem respostas prontas para todos os casos, e o risco de se
“pisar no tomate” é grande! Mas tenho percebido que na maioria das vezes a
parte agredida é estimulada ou a separar-se ou a logo romper com o silencio
procurando órgãos públicos como forma de resolver a questão.
O problema é que, em
lugar de recomendar a separação por esse motivo, Deus deixa muito claro que
“aquilo que Deus ajuntou, não o separe o homem” (Mt 19:6). Na continuação desse
texto, Jesus afirma que a única razão em que Deus admite uma separação e um
novo casamento é “por causa de relações sexuais ilícitas”, ou seja, fora do
casamento (Mt 19:9), e ainda assim, “por causa da dureza do vosso coração” (v.
8). Apesar de o texto deixar claro que
Deus não considera a violência física como uma razão válida para a separação e
um novo casamento, alguns cristãos andam flertando com essa possibilidade.
“Tudo bem. Se não devo
me separar, será que Deus deseja que eu passe toda a vida sofrendo?” Claro que
esse nunca foi o desejo de Deus. O problema é que estamos todos diante de um
elemento que não estava no projeto original de Deus, a entrada do pecado no
mundo, e, por essa causa, o próprio Filho de Deus teve que sofrer, sobre o que
vamos falar mais adiante. Mas ainda acerca de romper com o silencio, tenho
verificado que em alguns casos essa possibilidade acaba se tornando uma forma
de chantagem: “Se você me agride, eu conto…” Isso pode até mascarar por algum
tempo, mas não resolve o problema interior, que é do coração. Durante uma séria
briga do casal, a mulher desafia: “Encoste a mão em mim, se você for homem…
Você não é homem para fazer isso… Você sempre foi fraco, nunca valeu nada…” Ele
não resiste à provocação e encosta a mão… com força, e o caso vai parar na
Delegacia da Mulher – mesmo ambos sendo crentes! Quem dera esse fosse um caso
isolado.
A maior parte das
pessoas hoje, talvez de uma forma apressada, ou seguindo apenas a opinião da
maioria, concorda que a mulher teria tomado a atitude correta. Mas como
conciliar isso com 1 Coríntios 6, onde Paulo diz: “Para vergonha vo-lo digo…
Mas irá um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos! O só
existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não
sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?” (versos 5-7,
destaque meu). Paulo deixa claro que em grande parte dos casos, o melhor seria
sofrer o dano ou a injustiça. Mas em casos extremos de conflitos entre crentes,
ou quando não se está disposto a sofrer por causa do erro de outra pessoa, e em
havendo necessidade de um fórum, este deveria ser buscado dentro da igreja, por
meio de “um sábio entre vós” (v. 5). Mas essa jamais deveria ser a primeira
opção.
Normalmente se pergunta
quem dos dois é o culpado, ou quem está mais errado, mas essa não é a pergunta
correta. Estudos têm demonstrado que na grande maioria dos casos em que há
agressão ou abuso físico, o relacionamento entre o casal é simbiótico: o
agressor normalmente depende de ou procura se relacionar com uma pessoa que
provoca a agressão. Por outro lado, a pessoa agredida normalmente precisa se
relacionar com outra que seja violenta porque esse foi um padrão estabelecido
inconscientemente durante a infância, em
sua família de origem, e que acabou se tornando aceitável. Assim, a provocação
e a reação da outra pessoa produzem um ganho desejável.
Como um ou ambos
provavelmente cresceram dentro de uma família (dis)funcionando desse jeito, de
algum modo inconsciente procuram repetir o formato que lhes é mais familiar –
aquele que viram acontecer em sua própria casa, mesmo que isso continue
trazendo sofrimento. Afinal, essa é a única realidade que conhecem. Na verdade,
é a família como um todo que está doente, enferma, porque os elementos desse
sistema estão emocionalmente doentes. Mas como fazer com que ela sare? A
delação ou até a separação não tem poder para resolver o problema real: a
maldade do coração humano. Segundo a teoria geral dos sistemas, uma modificação
em um dos elementos do sistema provocará mudança em todo o sistema. Mas será
que funciona? Qual dos elementos deveria mudar? Como mudar?
Muita gente pensa que
“frequentar a igreja” seja a mudança necessária para que algo de bom ocorra.
Mas a má noticia é que mesmo quando essas pessoas passam a frequentar a igreja,
parece que a voz interior geralmente continua sendo mais forte do que o clamor
do evangelho, e o problema continua. E então, como a igreja deveria lidar com
isso? Que conselho você daria para um casal cristão que caiu nessa armadilha,
nesse circulo vicioso para o qual parece não ter saída?
Existem duas maneiras
de tratar do assunto: uma, humanista, secular, materialista e evolucionista; a
outra maneira é a cristã (conforme Cristo). Não é minha religião que determina
o modo como vou reagir, mas minha cosmovisão, minha visão de mundo. Se sou
evolucionista, vou agir como evolucionista, ainda que tenha sido batizado em
uma igreja cristã. É claro que, pelo menos nos dias em que vivemos, o modo
humanista (evolucionista) e materialista é considerado o único viável, o mais
política e terapeuticamente correto.
Tanto a violência como
o seu tratamento, nesse caso, tem mesmo mais a ver com o evolucionismo que com
o cristianismo – é a luta das espécies e a sobrevivência do mais apto. Nessa
dinâmica, quem pode mais, chora menos, e o resultado mais provável será a
separação, o que alguns já consideram como um mal menor. Já escutei muitas
vezes que “seria muito pior, inclusive para os filhos, passar a vida toda
brigando”. Mas será que é isso que Deus deseja? Violência e passar a vida toda
brigando? Isso não seria assumir a falência do cristianismo? Se Cristo não pode
mudar uma vida, merece ser seguido? Ou as igrejas não passam de clubes sociais?
O evangelho é mesmo algo real ou apenas uma teoria agradável para a hora do
sermão?
Por outro lado, o que
acontece quando alguém se converte e se torna em uma pessoa cristã? Muitos
acham que a única mudança é que essa pessoa agora passou a fazer parte de uma
igreja e a usar a Bíblia debaixo do braço! Mas quando alguém se torna
verdadeiramente “cristão”, isso quer dizer que Cristo (daí o nome “cristão”)
passou a comandar a vida, o modo de pensar, agir e reagir. Houve entrega do seu
anterior jeito de viver e o recebimento de uma nova maneira de pensar e viver –
através do milagre do novo nascimento e do esforço pessoal. É uma luta diária
para permanecer em Cristo e então ser nova pessoa, mas não estamos sozinhos
nessa luta. Deus promete fazer Sua parte, e essa parte é um milagre:
“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o
coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vós o Meu
Espírito e farei que andeis nos Meus estatutos, guardeis os Meus juízos e os
observeis” (Ez 36:26, 27). Nossa parte é permanecer nEle, através de um
programa regular e diário de comunhão com Jesus (Jo 15).
Quando uma pessoa
entrega a vida para Cristo, isso quer dizer que, por desconfiar de si mesma,
desistiu desta vida para dali por diante viver ou morrer através de Cristo,
pensando apenas na vida dEle e na outra vida. Agora é Cristo quem manda, quem
decide, quem age. É o reino futuro que toma conta do presente. Os impulsos, os
desejos ainda estão lá, mas pela fé são submetidos a Cristo a cada manhã, e Ele
agora toma o controle. Foi isso que Paulo quis dizer quando afirmou: “Estou
crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim;
e esse viver que, agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me
amou e a Si mesmo Se entregou por mim” (Gl 2:19, 20).
Fico impressionado ao
ver como Cristo reagiu à violência, e sinto até certo desconforto ao citar isso
porque para os padrões de hoje, dos filmes, das novelas e dos formadores de
opinião, parece uma atitude completamente inaceitável – parece ser algo para
pessoas fracas (essas que acordam com medo de ladrão entrar em casa…), doentes
e incapazes, completamente inatingível para alguém que viva hoje. Mas não
esqueça de que a Bíblia também diz que Ele é o Criador do Universo, o Deus
Todo-Poderoso! Então, perceba que, em Isaías 53, três coisas sobressaem: (1) o
que aconteceu com Cristo, ou seja, tudo o que fizeram com Ele; (2) o que Ele
fez (Sua reação); e o (3) o que Ele não fez.
O que aconteceu, o que
fizeram com Ele
[3] “Era desprezado e o
mais rejeitado entre os homens; homem de dores e que sabe o que é padecer… era
desprezado, e dEle não fizemos caso…” Por acaso é o desprezo que tem levado
você à provocação ou à violência? Ou é a humilhação? Mas o texto continua:
[7] “Ele foi oprimido e
humilhado… como cordeiro foi levado ao matadouro… [8] Por juízo opressor foi
arrebatado… foi cortado da terra dos viventes… foi Ele ferido… [9]…sepultura
com os perversos… [10]…ao Senhor agradou moê-Lo, fazendo-O enfermar…
[12]…derramou a Sua alma na morte; foi contado com os transgressores…”
Trataram-no como
transgressor, o que Ele não era. Isso foi um ultraje, algo completamente
injusto! Todos temos um senso interior de justiça que clama por acertar as
coisas que não estão corretas. Por incrível que pareça, é esse mesmo senso que,
fora do controle do Espírito Santo, pode acabar nos levando à violência.
Outra coisa que acho
extremamente interessante é o fato de que, segundo o verso 10, o sofrimento era
parte integral do plano de Deus para a vida de Jesus. Tudo isso estava dentro
do contexto do Grande Conflito. Tentado pelo Seu lado humano, Ele bem que
pensou em escapar do sofrimento (“Pai, se possível for, passa de Mim este
cálice”), mas essa possibilidade não lhe foi dada porque Seu sofrimento tinha
um objetivo. Procurar escapar do sofrimento seria fugir ao plano original de
Deus para Sua vida. Que tipo de ideias motiva minha maneira de lidar com o
sofrimento e a violência? É apenas o desejo de escapar rapidamente do
sofrimento, ignorando o contexto do Grande Conflito?
O que Ele fez
[4] “…Ele tomou sobre
Si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre Si; … [5]…foi
traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o
castigo que nos traz a paz estava sobre Ele e pelas Suas pisaduras
[machucaduras] fomos sarados.”
Cristo sabia que a
maneira pela qual Ele lidava com o sofrimento pessoal e as injustiças que
sofria teria desdobramentos na vida de outras pessoas. Isaías diz que outros
seriam “sarados” ou curados pelos Seus machucados (v. 5). Será que isso contém
uma mensagem para os sistemas e famílias enfermas de hoje? Se isso está
correto, existe alguma chance de que meu sofrimento pessoal ajude de algum modo
a outra parte? Será? E o texto continua:
[11] “Ele verá o fruto
do penoso trabalho de Sua alma e ficará satisfeito; …com o Seu conhecimento,
justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre Si…
[12]…porquanto derramou a Sua alma na morte… levou sobre Si o pecado de muitos
e pelos transgressores intercedeu.” Levou sobre Si o pecado de muitos! Isso
quer dizer que outros erraram e foi Ele quem sofreu! Claro! Assim é o
cristianismo. É o Espiritismo que ensina que quem faz é que paga… No
cristianismo, um faz, o outro paga! Quando na vida de alguém a justiça está
dissociada da misericórdia, sua vida é espírita, não importa a fé que professe,
porque tanto no contexto evolucionista quanto no espírita não existe
misericórdia nem perdão.
O que Ele não fez
[7] “Ele foi oprimido e
humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como
ovelha muda perante os Seus tosquiadores, Ele não abriu a boca… [9]
Designaram-Lhe a sepultura com os perversos… posto que nunca fez injustiça, nem
dolo algum se achou em Sua boca.” (Destaques meus.)
Nesta época
profundamente humanista, fico imaginando o que aconteceria com os outros e
comigo, que me acho cristão, se eu fosse realmente um seguidor de Cristo,
fazendo tudo o que Ele fez, e não fazendo o que Ele não fez, a qualquer custo,
ainda que os outros fizessem comigo o que fizeram com Ele! A força do que Ele
não fez se torna inegável diante da ênfase da repetição. A Bíblia diz quatro
vezes em três versos que Ele não abriu a Sua boca, ou que nela não se achou
dolo algum, mesmo em meio a terríveis sofrimentos!
E nós, deveríamos fazer
o mesmo? Foi pensando em Isaías 53 que Pedro afirmou que “para isto mesmo
fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos
exemplo para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo
algum se achou em Sua boca [a fraseologia é a mesma de Isaías]; pois Ele,
quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando maltratado, não fazia
ameaças, mas entregava-Se àquele que julga retamente, carregando Ele mesmo em
Seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os
pecados, vivamos para a justiça; por Suas chagas fostes sarados” (1Pd 2:21-25).
O Apóstolo deixa
transparecer que no meu sofrimento pode mesmo existir cura para outros,
dependendo da maneira como eu o encaro (veja também Lc 6:27-36). E quando uma
mudança acontece em mim, na minha maneira de encarar o sofrimento, todo o
sistema acaba sendo alterado. É isso que Paulo também afirma quando diz que “de
Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará…” E,
então, para aqueles que só esperam resultados imediatos ele desafia: “E não nos
cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos.
Por isso, enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos, mas
principalmente aos da família da fé” (Gl 6:7-10). O que ocorre é que hoje
ninguém quer sofrer mais para nada! O consumismo, que faz tudo ser descartável,
é o pai do imediatismo e das soluções rápidas. Por que sofrer um desconforto se
você pode se livrar dele logo? Todo mundo sabe, por exemplo, que em cerca de
90% dos casos, por uma simples alteração/correção nos hábitos de vida ou apenas
por utilizar tratamentos naturais (que normalmente são mais demorados e
trabalhosos), os problemas de saúde poderiam ser resolvidos com menos prejuízo
para o corpo do que quando se apela para a farmácia. Mas o melhor dá trabalho,
exige sofrimento, mudanças, um preço a ser pago, e por isso as pessoas preferem
os remédios. Mas o barato sai caro…
O mesmo acontece com os
relacionamentos. Nem sempre o caminho mais curto é o melhor. Se nenhum elemento
do sistema (da família) estiver disposto a sofrer coisa alguma, tudo fica como
está e nada acontece.
Veja que no contexto
imediatamente anterior ao texto de 1 Pedro, que citei há pouco, o apóstolo se
reporta aos servos, dizendo: “Porque isto é grato, que alguém suporte
tristezas, sofrendo injustamente, por motivo de sua consciência para com Deus.
Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com
paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e
o suportais com paciência, isto é grato a Deus” (1Pd 2:19, 20). Isso não é
estranho? Seria “grato a Deus” que alguém seja afligido e suporte com paciência
“por motivo de sua consciência para com Deus”? Com certeza, essas coisas não
podem ser entendidas sem ajuda do Espírito Santo.
Agora, na continuação
(capítulo 3), Pedro se dirige às esposas e aos maridos, e estende o mesmo
raciocínio, aconselhando a não pagar o mal com o mal, “pois, quem quer amar a
vida e ver dias felizes refreie a sua língua do mal e evite que os seus lábios
falem dolosamente [novamente a mesma linguagem de Isaías]… busque a paz e
empenhe-se por alcançá-la. Porque os olhos do Senhor repousam sobre os justos,
e os Seus ouvidos estão abertos às suas suplicas, mas o rosto do Senhor está
contra aqueles que praticam males” (v. 9-12). Depois acrescenta: “Mas, ainda
que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos
amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados… porque se
for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que
praticando o mal” (v. 14).
Isso tudo combina com
aquele texto do livro de meditações diárias, que citei no início, no qual o
autor menciona um verso em que Jesus contrapõe claramente Seu ensino ao senso
comum: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que demandar contigo e
tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa” (Mt 5:39, 40).
Ele ainda aconselha a,
em caso de violência, “nem fugir nem reagir. Quem foge geralmente é perseguido,
pois a fraqueza é cúmplice da ferocidade alheia. Por outro lado, quem revida a
uma agressão estimula o agressor a ser ainda mais violento…” Segundo Scheffel,
“não resistir é de longe a melhor alternativa, apesar de parecer absurda.
Porque é uma demonstração de coragem moral e domínio próprio, que, por serem
raros, geralmente surpreendem o agressor, deixando-o confuso e envergonhado…
Para Jesus, o inimigo não é um alvo a ser eliminado, mas um ser humano a ser
redimido. Se não fosse assim, como poderíamos entender Suas palavras na cruz:
‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem’ (Lc 23:34)?”
Tenho pensado muito em
minha reação diante de agressões desse porte, já que uma simples fechada no
transito me tira interiormente do sério (minha esposa acha que às vezes
exteriormente também…). Estaria eu disposto a entregar a vida como fez Cristo,
sem conseguir enxergar, para além da sepultura, os resultados de Sua entrega, a
não ser pela fé? (Sobre esse assunto, leia também todo o capítulo 4 de 1 Pedro,
onde já no verso 1 ele diz que “tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também
vós do mesmo pensamento; pois aquele que sofreu na carne deixou o pecado”). De
fato existem implicações eternas em tudo isso!
Fiquei muito
impressionado quando assisti ao filme “Terra Selvagem”, que conta a história
real de missionários que deixaram o conforto dos Estados Unidos para tentar
evangelizar algumas tribos perdidas à beira da extinção na Amazônia
equatoriana, afundadas em um circulo vicioso de vingança e violência. Quando,
depois de muitas tentativas, finalmente conseguiram fazer contato com os
nativos, pousando sua avioneta em um banco de areia do rio, foram atacados covardemente
pelos selvagens, que mataram a todos. O incrível dessa história é que os
missionários estavam armados, e poderiam facilmente ter se defendido se
quisessem, e provavelmente estar vivos até hoje.
Mas seus filhos ficaram
órfãos e as esposas, viúvas porque eles fizeram a escolha de morrer, ou seja,
de seguir o exemplo de Cristo até o fim, pagando por isso o maior preço que
existe. E o que ganharam com isso? Absolutamente nada, só perderam! Eles
perderam, suas famílias perderam, os filhos perderam… houve muita perda, perda
irreparável e definitiva! Quanto sofrimento para os parentes que ficaram.
Filhos questionaram se Deus teria sido justo ao permitir que Seus servos
morressem.
Mas sempre que há perda
por um lado, há ganho por outro. E então, quem ganhou? Foi aquela tribo, porque
em virtude daquela escolha dos missionários, uma sequência de acontecimentos
relatados no filme acabou levando toda a tribo à conversão, rompendo
completamente com o ciclo de violência, e como resultado, pela primeira vez em várias
gerações, as crianças da tribo puderam conhecer os avôs. E nós que ficamos
sabendo dessa história também ganhamos, e isso porque um dos assassinos, após a
conversão, confessou tudo ao filho de um dos missionários a quem ele havia
matado! (Os extras são tão interessantes quanto o filme.)
Não será o caso de que
eu e você estejamos sendo chamados para morrer, para que através de nossa morte
alguém receba vida? Não será que você e eu possamos ser o único modelo de
Cristo disponível para alguém que está ao nosso lado? Será que nossa morte para
esta vida não pode representar a outra vida para alguém, a vida eterna? No caso
dos índios, para que o ciclo fosse quebrado, alguém precisou morrer, e vários
morreram! E ao decidir não utilizar a violência e nem revidar, eles já haviam
entregado a vida mesmo antes de se encontrar com os nativos. Se ela fosse
tirada ou não, esse não era o caso. E em nosso caso? Para o que o Senhor está
nos chamando?
Não estou querendo
julgar toda a separação, que não é por adultério, como sendo ímpia, revelando
total indisposição para sofrer. Por outro lado, apesar de deixar o julgamento
para Deus, ao olhar para mim mesmo, estou inclinado a pensar que este é o caso da
maioria – indisposição para sofrer e aceitar o jugo de Cristo. O certo é que o
modo leviano como o assunto da violência e separação tem sido tratado não
corresponde ao que aprendemos na Palavra de Deus. E ela nos ensina que não se
rompe com um ciclo de violência e pecado sem que alguém, pelo menos um, decida
morrer, se preciso for. E Cristo deixou isso muito claro na cruz. “Porquanto
para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar,
deixando-vos exemplo para seguirdes os Seus passos” (1Pd 2:21)...
BISPO/JUIZ.
MESTRE E DOUTOR EM ÊNFASE E DIVINDADES DR.EDSON CAVALCANTE