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quinta-feira, 1 de março de 2012

ESTUDO SOBRE A ÉTICA PASTORAL...

“Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo corpo, bem ajustado e consolidado, pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor.” (Ef 4.15-16).

Resumo
Apresenta considerações sobre ética na vivência pastoral, em busca de mais compreensão a respeito dos relacionamentos entre pastores e pastoras, bem comosobre a Igreja Assembléia de Deus e sua realidade contextualizada de forma saudável e salugênica. Considera o estabelecimento de relações harmoniosas por meio de maturidade espiritual e psicológica a partir de um eixo comum, a santidade resultante da integralidade do corpo pastoral. Trata da dimensão ética do sagrado e da liberdade individual com disciplina e amor.

Palavras-chave
Confidencialidade, conflito, ética, sagrado, sentimento.

Benedito Edson Cavalcante da Silva: Doutor em Ciências da Religião com PHD e Psicoterapeuta Eclesiástico , Bispo com formação em teologia, professor da Faculdade de Teologia em Alagoas desde 2007.
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Introdução
Ao abordamos o tema Ética na vivência pastoral, convidamos os pastores e as pastoras a refletirem sobre a realidade do nosso ministério em seu contexto atual, especificamente na Igreja Assembléia de Deus. Entendemos que qualquer discussão fora do contexto da Igreja como é e como está, não passa de discurso estéril, vazio e evasivo.
O tema, extremamente necessário e urgente, é fascinante; porém, complicado e sinuoso. Vale a pena discuti-lo e palmilhar por suas sendas. A proposta consiste em confrontarmos nossa realidade para podermos crescer em amor e graça.
Que Deus se faça presente em nós e entre nós, eis a oração que, com fervor, dirigimos ao Senhor Jesus Cristo.

A Igreja em que vivemos
Somos pastores e pastoras vivendo numa igreja muito interessante em razão de suas características; mas, por isso mesmo, apresenta aspectos que complicam e é um tanto dispersa. É concebida como uma igreja pluralista na qual, naturalmente, várias tendências teológicas e ideológicas coexistem. Essa coexistência deveria ser passiva e harmoniosa, embora conflitos estejam presentes. Daí a necessidade de vigoroso comportamento ético para uma convivência saudável e salugênica.
O enfrentamento desse estado de ser, nossa realidade histórica, implica obrigatoriamente na aceitação madura e consciente de nossas diferenças. E isso tornaria concreto o discurso de que somos um povo que experimenta a unidade na diversidade. Isso, muito bonito, é um sonho que pode se realizar. Mas, depende de um profundo e amplo amadurecimento de seu povo e, mais especialmente, do ministério pastoral.
A idéia de que somos um ministério doente não nos parece correta, embora, sob a visão da psicologia da saúde, entendamos que há aspectos doentios e distorções que precisam ser corrigidas. Também o nosso pluralismo traz, no seu bojo, conceitos que dificultam os relacionamentos e causam, muitas vezes, distúrbios emocionais por não definir o que está certo ou errado.
A nosso ver, isso não é um mal, mas algo que precisa ser compreendido e administrado com muita sabedoria pela liderança da Igreja. A tradição de que somos um “povo que pensa e deixa os outros pensarem” não pode significar que somos livres pensadores e que, por isso mesmo, podemos fazer prevalecer a nossa idéia individual.
Entendemos que essa Igreja pluralista está firmada em fundamentos doutrinários e princípios que devem nortear devidamente o comportamento ético de seus membros e que o ministério pastoral é o agente atualizador e realizador dessa proposta. Temos doutrinas e costumes que estão definidos em nossos documentos oficiais. É preciso ter-se muito cuidado com os pontos de vista individuais. O pensamento individual há de estar devidamente engajado no pensamento básico da instituição na qual se encontra a servir.
Outro elemento complicador é a acentuada variação da formação acadêmica e pastoral do corpo ministerial: de um lado, enriquece muito; de outro, cria dificuldades. No entanto, somos um corpo que precisa estar em harmonia, o que é possível pela graça de Deus mediante uma conduta ética madura.
Consideremos ainda a questão da itinerância. Entendemos que há dificuldades para administrar esta situação e que eliminá-la poderia sanar algumas distorções. Mas, é difícil avaliar, pois também poderia criar outras dificuldades. Importa que é assim que estamos e é assim que somos. Entretanto, dentro deste quadro, faz-se necessária muita compreensão, aceitação, sincera e honesto comportamento ético. Todos/as sabem, por experiência própria, as dificuldades enfrentadas nas mudanças pastorais. Porém, é muito difícil conceber-se uma igreja pluralista sem itinerância.
Entendemos que tudo isso faz parte da nossa realidade. Afinal, somos a Igreja Assembléia de Deus que é assim e, para servi-la, precisamos nos adequar ao que ela é.

O que buscamos
A proposta é a busca de um corpo ministerial mais harmônico, saudável, no cumprimento da missão, para atender ao imperativo da graça com maturidade espiritual e psicológica, e que seja capaz de cuidar adequadamente do seu rebanho, conduzindo-o pelas sendas do genuíno evangelho, com sabedoria, amor e fraternidade.
Temos buscado aperfeiçoar o relacionamento entre pastores e pastoras para que atinjamos um patamar ideal de saúde relacional. Vivemos num mundo extremamente competitivo e somos afetados/as pela mídia exacerbadamente individualista. Tornamo-nos, com freqüência, vítimas dessa ideologia, cuja sensibilidade fica comprometida e, conseqüentemente, gera dificuldades nos relacionamentos interpessoais.
Outro aspecto danoso do individualismo é a onipotência. Assim, muitas vezes sentimo-nos tão capazes que perdemos a dimensão do compartilhar adequadamente, com os/as colegas, os nossos sentimentos, perdendo o senso de autocrítica.
O que a psicologia nos indica é que tais influências vão solapando aos poucos nossa vida sem que o percebamos de forma clara. Aos poucos vamos assimilando as práticas comuns e assumindo certos costumes e comportamentos que podem comprometer seriamente as relações.
De outro lado, temos o espiritualismo desenfreado. Ele assola os costumes e conceitos religiosos, deturpando o verdadeiro sentido de uma fé saudável, comprometendo o crescimento espiritual genuíno. E também a tendência comum de menosprezar nossas tradições, reforçada pela igreja eletrônica, leva nossas comunidades a assimilarem modelos de práticas eclesiais que fogem frontalmente de nossas tradições. O que gera conflitos internos e põe em risco os valores que sustentam a nossa identidade. Precisamos retomar princípios que sejam comuns a todas as correntes ideológicas e teológicas dessa igreja tão interessante e rica, exatamente pelo seu pluralismo.

Como caminhar
A proposta é partirmos de um eixo comum – que é a santidade – por entendermos que tal direção é correta e que pode representar um núcleo promissor. É preciso conceituar melhor o que se pretende. Não entraremos em pormenores teológicos, exegéticos ou hermenêuticos. Pois não falamos aqui como Doutor em teologia ou biblista, mas como Bispo e psicoterapeuta Eclesiástico, cuja aplicação dos postulados acadêmicos nos inspiram a uma vivência efetivamente prática. Ela acontece sob a graça infinita de Deus, que tem nos concedido o privilégio de estarmos efetivamente ao lado dos/as que sofrem as agruras dos distúrbios emocionais e psicológicos que afetam sua fé e até a própria santificação. Partindo desses princípios, buscamos uma compreensão mais acurada do sentido da palavra santidade, para entender melhor o que é santidade bíblica.
Como é sabido, no conhecimento bíblico há duas vertentes básicas para a palavra santa. Portanto, temos que refletir um pouco mais sobre a questão da santidade bíblica. Santidade é qualidade de santo. A santidade de Deus é entendida como pureza absoluta. Somente Ele é absolutamente Santo. Porém, a santidade humana perpassa pela inquestionável limitação de nossa humanidade. Poderemos ser santos/as, porém impuros/as, limitados/as e falhos/as. É Deus quem nos santifica; entretanto, não nos torna puros/as.
Daí, entendemos que santidade como pureza é uma utopia, embora a pureza deva sempre ser buscada. Na busca de santidade, rumo à utopia, nunca seremos absolutamente santos/as, enquanto humanos aqui neste mundo, mas sempre, pela divina graça, seremos santificados. Crescendo em santificação, num processo de aperfeiçoamento, nunca seremos perfeitos/as; mas, pelo infinito amor de Deus em Jesus Cristo, seremos sempre aperfeiçoados/as. Há, na convivência com a graça, o aprimoramento do nosso ser.
Assim, pelos caminhos da santificação, do aperfeiçoamento, há o aprimoramento que é a reconstrução do ser pela bondade e misericórdia de Deus. Diante da pureza e santidade do Senhor, o ser se curva e reconhece suas limitações. Toma consciência de sua pequenez e se prostra humildemente perante a glória eterna. Então, entendemos nossa dependência, nossa própria incapacidade. É aí que descobrimos também o/a outro/a, o nosso semelhante, tão limitado quanto nós mesmos. Não é como eu gostaria que ele/ela fosse, mas como realmente ele/ela é. É meu semelhante, mas é diferente, tão diferente que precisamos de grande esforço para compreendê-lo/La.
Contudo, nem sempre as diferenças são compreendidas e aceitas. Na sociedade em que vivemos, o/a outro/a surge como um/uma competidor/a, como o oposto e, muitas vezes, como opositor/a. Não concordar comigo pode significar estar contra mim. O individualismo do mundo presente aponta o outro como um risco, muitas vezes interpretado como um inimigo.
O crescimento pessoal se processa no encontro com o outro. Somos seres gregários e carecemos da vivência em grupos. Precisamos do encontro com o outro, que só é possível a partir do encontro consigo mesmo/a.
É a harmonia interior que primeiramente deve ser buscada; é a integração de o seu próprio ser. Estar bem consigo mesmo/a, estar bem com a razão de seu ser – que é Deus – é estar bem com o outro. Essa tridimensionalidade estabelece a integralidade.
O evangelho aponta o caminho da integralidade que gera a paz. Quem assim está é uma testemunha incontestável do Senhor, é Cristo presente: “... Logo, já não sou quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus ...” (Gl 2.20).

A ética nas relações
A história da humanidade é uma história de relacionamentos. Relacionar-se implica na compreensão e aceitação do outro como meu semelhante–diferente. É igual por tratar-se de ser humano, mas é diferente por ser indivíduo. Isso complica a nossa vivência, mas a enriquece sobremaneira. Que seria de nós se fôssemos todos iguais?
O primeiro aspecto a ser considerado é a questão do respeito. O comportamento ético implica num profundo respeito pelo outro na sua individualidade. Aí, tanto as pessoas como as comunidades devem merecer todo o nosso respeito. Precisamos ter cuidado especial com as opiniões pessoais. Na nossa prática pastoral, precisamos evitar o fascínio pelo poder e o emprego do autoritarismo em detrimento das pessoas e comunidades. É preciso respeitar o direito que o outro tem de pensar diferente, de entender as coisas. O amor deve ser o parâmetro determinante de nossa conduta em relação ao outro.
Quem ama com amor sagrado respeita devidamente as opiniões e liberdade do outro. A grandeza e a transcendência do amor é que proporcionam a compreensão e a aceitação das limitações dos outros. Quem ama respeita!
Outro aspecto que deve nortear a nossa conduta pastoral é a confidencialidade. Quando alguém revela algo de si ou de outra pessoa, devemos manter completo sigilo, independentemente do pedido de quem está falando. No desempenho de nossa função pastoral devemos entender que qualquer revelação feita a nós, subentende-se que é sigilosa. Precisamos ter cuidado com as insinuações do púlpito. Experiências contadas devem ser completamente isentas de qualquer interpretação dúbia. Nas amizades, devemos cuidar da confidencialidade daqueles/as com os/as quais convivemos. Também o mesmo se aplica nas relações familiares. É de fundamental importância o desenvolvimento de um clima de profundo respeito e de confiabilidade entre nós, pastores e pastoras, em que a confidencialidade seja experimentada inteiramente dentro do ministério pastoral da Igreja Assembléia de Deus. Esse é o caminho que leva à conquista da credibilidade.

A ética e o sagrado
Entendemos que nossas relações não devem ser meramente regidas por alguns princípios religiosos e bíblicos. É bom e necessário que assim seja, mas o ministério pastoral está acima de nossos conceitos e preconceitos.
O chamado é sagrado e é preciso entender mais profundamente este significado. A sala pastoral é local sagrado e o espírito da graça infinita de Deus deve ser sentido quando alguém adentra esse local, que nunca deve ser profanado. É lugar de grandes acontecimentos que envolvem profundos sentimentos das pessoas. Aprendemos como psicoterapeutas, que o nosso consultório é sagrado e deve ser respeitado como tal, pois é o lugar de confidências singulares e de profundo significado para as pessoas que o visitam. Assim deve ser, e mais ainda, a sala pastoral. Não exageramos quando a sentimos como um altar onde Deus se atualiza mediante a ação pastoral.
No estudo mais detido das Escrituras observamos que a ética provém de Deus e que todo sagrado tem componente ético. Deus não constrange o ser humano a fazer a sua vontade, mas o convida veementemente a segui-lo.
O padrão ético estabelecido por Deus e apresentado pelas Escrituras sagradas é o amor, que deve prevalecer sobre todas as hipóteses. O respeito se concretiza em atos devidamente éticos.

A ética e a liberdade
“Ora o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade” (2Co 3.17).
“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou” (Gl 5.1).
O evangelho nos ensina que Deus nos criou livres. Os textos acima referidos assim nos afirmam. Mas, temos medo da liberdade por causa da fragilidade. A liberdade é a coisa mais sublime que o Evangelho anuncia. Contudo, a plenitude da liberdade implica em amplo e profundo senso de responsabilidade. É aí que a ética encontra o seu devido lugar. Chamamos a atenção para uma reflexão ética da liberdade. Somos libertados/as para quê? Não será a responsabilidade um elemento cerceador da liberdade? Podemos afirmar que a liberdade e a responsabilidade não caminham pelos corredores acadêmicos e nem pelas normas sociais, mas sim pelo sentimento.
Agostinho já afirmava “ama e faze o que quiseres”. Melhor entendendo, o amor não somente orienta para a liberdade de pensar e ser, como também indica, de forma divina, o comportamento ético. Respeita-se não porque é preciso respeitar, mas porque se ama. Onde reinar o amor genuíno não é preciso haver um código de ética. O cumprimento da lei é o amor (Rm 7.6). A lei existe por causa do pecado; sendo assim, ela é boa (Gl 3.19 e outros). Portanto, as leis e regulamentos existem para delinear comportamentos éticos. Já que as opiniões pessoais são variadas e, às vezes, conflitantes, tornam-se necessários os códigos disciplinares.

Liberdade e disciplina
A disciplina é o caminho mais adequado nos relacionamentos saudáveis, mas deve ser exercida com amor e justiça. Pois a impunidade é inimiga do amor e da boa saúde mental.
É lugar comum hoje, entre os/as psicoterapeutas, que a impunidade gera mais conflitos do que uma educação exageradamente dura. Se a repreensão for exercida com firmeza, amor e justiça, o resultado é saúde e liberdade. A indisciplina é imoral e destrutiva.
Outro aspecto é que a disciplina em amor implica em que a punição não deve ter caráter de castigo, mas de perdão e restauração. Quanto à submissão, ela é um elemento fundamental no ato disciplinar. A ética não permite castigo, mas sim restauração. A aplicação ética da disciplina deve ser um ato de amor sob a égide da razão para que o sentimentalismo ou as “lágrimas de crocodilo” não prevaleçam em detrimento do/da indisciplinado/a e da comunidade e a justiça pereça.
Também deve ser entendido que a disciplina precisa ser suficientemente rigorosa. Quando alguém comete um desatino, deve ser disciplinado com o devido rigor e na medida da intensidade do ato; porém, devemos cuidar para fazê-lo de forma sigilosa e familiar, sermos capazes de resolver a questão entre nós. Prevalece aqui o adágio popular: “roupa suja se lava em casa”. Roupa suja precisa ser lavada, senão ela contamina toda a família. Porém, a disciplina não pode ser exercida de forma aleatória, mas sempre dentro dos padrões éticos, e devidamente respeitados o direito de defesa e exercida pela autoridade competente e de forma educativa.
Todo/a educador/a sabe que a criança precisa ser corrigida, mas a correção deve ser exercida pelos responsáveis por ela – especialmente mãe e pai.

Conclusão
A realidade deve ser encarada com firmeza e determinação. A hipótese de mudá-la não passa de mera cogitação.
Levantamos alguns questionamentos para reflexão dos irmãos e das irmãs, mas fundamental é que sejamos capazes de manter uma convivência harmoniosa e saudável, na qual a franqueza, o respeito e a confidencialidade – sob a proteção da graça infinita de Deus em Jesus Cristo – prevaleçam efetivamente em nossos relacionamentos. Que o amor ao sagrado ministério, para o qual fomos chamados/as, seja o fio condutor de nossa vivência...
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE

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