PODE UM
DEMÔNIO ATORMENTAR UM CRISTÃO?
Certo dia, Deus mandou
que o profeta ungisse um novo rei sobre Israel. “Então Samuel tomou o vaso de
azeite, e o ungiu no meio de seus irmãos; e daquele dia em diante o Espírito do
Senhor se apoderou de Davi. Depois Samuel se levantou, e foi para Ramá. Ora, o
Espírito do Senhor retirou-se de Saul, e o atormentava um espírito maligno da
parte do Senhor” (1Sm 16.13-14).
A presença do Espírito
de Deus sobre as pessoas no Antigo Testamento sempre se relacionava a uma
missão específica. Ele atuava sobre aqueles que foram designados pelo Senhor
como profetas, reis, juízes etc. Ninguém pode ter o Espírito de Deus e ser, ao
mesmo tempo, possuído por demônios. Quando o Espírito Santo saiu de Saul, deu
lugar a uma entidade maligna que, até então, não tinha permissão para
dominá-lo. Saul começou a ser atormentado, como acontece com tantas pessoas
ainda hoje. Não queremos dizer que esta seja a única causa destes males, mas a
presença demoníaca pode produzir doenças, depresssão, pânico…
Muitos anos depois,
após seu pecado e arrependimento, Davi orou dizendo: “Não retires de mim o teu
Espírito Santo” (Sl 51). Ele sabia o que havia sucedido ao rei Saul e temia que
o mesmo lhe pudesse ocorrer. “Então os criados de Saul lhe disseram: Eis que
agora um espírito maligno da parte de Deus te atormenta” (1Sm 16.15).
Saul, o poderoso rei,
não entendia o que estava acontecendo, mas os seus servos tiveram pleno
discernimento, inclusive do que poderia ser feito para minimizar o problema. O
tormento era resultado da ação de um demônio da parte de Deus, ou seja, enviado
por Deus (2Ts 2.11). Afinal, o Senhor é soberano sobre todo o universo e até os
demônios obedecem às suas ordens.
Disseram mais os
criados de Saul: “Dize, pois, senhor nosso, a teus servos que estão na tua
presença, que busquem um homem que saiba tocar harpa; e quando o espírito
maligno da parte do Senhor vier sobre ti, ele tocará com a sua mão, e te
sentirás melhor. Então disse Saul aos seus servos: Buscai-me, pois, um homem
que toque bem, e trazei-mo. Respondeu um dos mancebos: Eis que tenho visto um
filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar bem, e é forte e destemido, homem de
guerra, prudente em palavras, e de gentil aspecto; e o Senhor é com ele” (1Sm
16.16-18).
Saul pediu um músico
que tocasse bem. Aqui entra a questão técnica do louvor. Se Saul esperava
música de boa qualidade, creio que Deus merece muito mais do que isso. A
qualidade técnica não é nossa prioridade máxima, mas tem sua importância. Se
Davi tocasse mal, não seria chamado diante do rei. Além de tocar bem, Davi
tinha uma série de qualidades, apresentando rara combinação de coragem,
prudência e gentileza. O mais importante, porém, era a presença de Deus em sua
vida.
Disse o servo de Saul:
“Tenho visto o filho de Jessé”. Nós também somos observados em todo o tempo.
Naquele momento, um testemunho maravilhoso foi dado acerca de Davi. O que pode
ser dito a nosso respeito? Qual é a nossa reputação? Ela pode influenciar de um
modo ou de outro nas oportunidades que surgem em nosso caminho e isto pode ser
confundido com sorte ou com a falta dela. O que é dito a nosso respeito afeta a
aceitação da nossa pessoa e interfere no resultado do nosso trabalho.
Enquanto cuidava das
ovelhas, Davi tocava para Deus. Sua fidelidade no campo, sem plateia e sem
aplausos, fizeram-no apto para tocar na presença do rei de Israel. Ele estava
preparado para tocar bem porque era zeloso no que fazia. E o desafio maior não seria a presença do
rei, mas a presença de um demônio que o atormentava. Davi estava preparado para
isso também. Portanto, além da questão técnica, havia o aspecto espiritual.
“Pelo que Saul enviou mensageiros a Jessé,
dizendo: Envia-me Davi, teu filho, o que está com as ovelhas. Jessé, pois,
tomou um jumento carregado de pão, e um odre de vinho, e um cabrito, e os
enviou a Saul pela mão de Davi, seu filho. Assim Davi veio e se apresentou a
Saul, que se agradou muito dele e o fez seu pajem de armas. Então Saul mandou
dizer a Jessé: Deixa ficar Davi ao meu serviço, pois achou graça aos meus
olhos” (1Sm 16.19-22).
Jessé enviou muitos
pães para Saul, pois aquela era a especialidade de sua terra. Belém significa
“Casa de Pão”.
“E quando o espírito
maligno da parte de Deus vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa, e a tocava com
a sua mão; então Saul sentia alívio, e se achava melhor, e o espírito maligno
se retirava dele” (1Sm 16.23).
Eis o exemplo de um
louvor poderoso. O Espírito Santo operava em Davi, mas o demônio não saía
quando aquele jovem entrava no recinto. Entretanto, ele não resistia quando o
instrumento era tocado. Davi não dava atenção ao demônio nem dialogava com ele,
mas louvava ao Senhor. Não sei se aquele
louvor era extravagante, mas era, certamente, irresistível. Uma forma
superficial de interpretação do texto poderia levar alguém a dizer que a harpa
tem poder, assim como muitos pensam que o toque do shofar também tem poder, mas
precisamos lembrar que por trás do instrumento tem uma pessoa, uma vida, uma
reputação, um vínculo com Deus e uma boa condição espiritual. O instrumento
pode ser qualquer um, ou até nenhum, embora seja desejável sua utilização.
Quando ouvimos o apito
do guarda de trânsito, paramos o carro ou o colocamos em movimento. Será que o
poder está no apito? Sabemos que não. Da mesma forma, não devemos mistificar
instrumentos ou objetos utilizados no culto.
O demônio saiu e Saul
sentiu alívio. Daí em diante, tornou-se dependente de Davi para livrá-lo
temporariamente do espírito mau, mas sua condição espiritual não foi
regularizada. Davi tornou-se pajem de Saul, acompanhando-o por toda parte.
Muitas pessoas podem ser aliviadas do seu mal durante o culto, mas precisam
acertar suas vidas com Deus. Não podem depender para sempre do músico ou do
pastor. Não será o bastante ter uma bíblia em casa ou uma coleção de CD’s
gospel ou aprender a cantar as músicas evangélicas.
Saul era o grande rei
de Israel, mas precisava de Davi, um simples pastor. Assim também nós
precisamos uns dos outros. Porém, Davi não seria suficiente. Saul precisava de
Deus.
O rei obteve,
temporariamente, o benefício indireto da presença do Espírito Santo em Davi.
Como costumamos dizer, ele “pegou carona” na unção de Davi, mas isso não seria
uma solução efetiva. O melhor líder espiritual não será suficiente para
resolver o problema de ninguém. Ele é útil e necessário, mas a situação pessoal
com Deus precisa ser resolvida. Não adianta fazer do líder um guru, protetor ou
médico espiritual. Saul teve relação semelhante com Samuel, chegando a
invocá-lo depois de morto. É o que acontece quando as pessoas não têm um
relacionamento pessoal com Deus e chegam ao extremo de invocar os mortos.
E Davi foi morar no
palácio, tornando-se pajem de Saul. Repetidas vezes o espírito mau veio e foi
afugentado, mas o problema não foi resolvido. Isso nos faz lembrar as palavras
de Jesus registradas no Novo Testamento:
“Ora, havendo o
espírito imundo saído do homem, anda por lugares áridos, buscando repouso, e
não o encontra. Então diz: Voltarei para minha casa, donde saí. E, chegando,
acha-a desocupada, varrida e adornada. Então vai e leva consigo outros sete
espíritos piores do que ele e, entretanto, habitam ali; e o último estado desse
homem vem a ser pior do que o primeiro” (Mt.12.43-45).
E o estado de Saul
piorava cada vez mais. No início, ele era atormentado. Depois, começou a
profetizar mediante a ação daquele demônio (1Sm 18.10-11). Isso podia não
parecer um agravamento da situação. Alguém poderia até se interessar pelas
profecias de Saul, mas isso nos mostra que a ação diabólica também produz cenas
com aspecto religioso e supostas adivinhações ou previsões. Depois de uma
dessas manifestações, Saul tentou matar Davi, colocando fim ao bom
relacionamento que tinham.
A situação de Saul se
agravou até a sua morte. Ele não se arrependeu de seus pecados, nem consertou
sua vida diante de Deus. Que esta
história nos sirva de lição. Os que hoje buscam em Cristo libertação, cura e
prosperidade precisam também entregar a ele as suas vidas. Libertação sem
arrependimento é uma ilusão que dura pouco.
Portanto, são propícias as palavras ditas por Pedro no dia de
Pentecoste:
“Arrependei-vos, e cada
um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At.2.38)...
Bispo. Capelão/Juiz.
Mestre e Doutor em Ciência da Religião
Dr. Edson Cavalcante
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