O Profeta  Elias 
A figura de Elias
Originário de Tesbi, Elias exerceu seu ministério no reino do Norte, no século IX a. C., em tempos de Acab e de Ocozias.
Primeiro descendente da família de Amri,  Acab, que subiu ao trono no ano de 874 a. C., havia desposado Jezabel,  filha de Etbaal, rei de Tiro e grande sacerdote de Astarté (1Rs 16,31).  Acab pagou as vantagens políticas dessa união submetendo-se à vontade de  Jezabel, que demonstrou dominar seu marido impondo-lhe violentamente o  culto à Baal e fazendo-o matar a Nabot, que o impedia de estender suas  propriedades na zona de Jezrael (1Rs 21,1-16). 
Nestas circunstâncias chega Elias, enviado  pelo Senhor, para anunciar a Acab a lei do talião (1Rs 21,21-24), lei  que depois, por causa da penitência pública do rei, foi aplicada somente  à sua mulher e aos seus filhos (1Rs 21,29; 2Rs 9,7-10.26.36-37). A ira  de Jezabel contra Elias se desencadeia com a matança dos profetas de  Yahweh (1Rs 18,4.13; 19,10). Elias respondeu anunciando uma seca de três  anos, durante os quais ele se refugiou primeiro na torrente de Carit,  na Transjordânia, onde os corvos o alimentaram, e depois em Sarepta, 15  quilômetros ao sul de Sidônia, onde uma viúva lhe deu de comer; Elias  multiplicou milagrosamente o azeite e a farinha dessa viúva e também  ressuscitou seu filho (1Rs 17). 
A prova indiscutível de que "o Senhor é o  verdadeiro Deus" acontece no confronto que Elias estabelece com Baal de  Jezabel, em um lugar que uma antiga tradição situa em El-Muhraqah, a  sudeste do monte Carmelo. No momento em que Elias rezava, um raio queima  o holocausto oferecido a Yahweh, enquanto que os gritos, as danças e as  mutilações dos 450 profetas de Baal não obtinham resultado algum. Como  conseqüência disto os profetas do ídolo são degolados junto à torrente  Quison (1Rs 18). Para evitar a vingança de Jezabel, Elias deve fugir  para o sul, onde é milagrosamente alimentado por um anjo e alcança o  monte Horeb. Já no cume de Gebel Musa, numa teofania recebe uma tríplice  missão: a de investir Hazael como rei de Damasco, a Jeú como rei de  Israel e a Eliseu como profeta (1Rs 19). Morto Acab (852 a. C.) num  combate em Ramot de Galaad, (1Rs 22,1-40), lhe sucede seu filho Ocozias.  E quando este, após sofrer um grave acidente, envia mensageiros para  que consultem a Baal-Zebub, deus de Acaron, se irá sarar, Elias intervém  novamente e lhes anuncia a morte do rei (2Rs 1,2-4). 
Chegando ao fim de sua vida, Elias deixa  Gálgala, acompanhado por Eliseu e um grupo de profetas, faz paradas em  Betel e Jericó. Ao rio Jordão atravessa a pé enxuto, dividindo as águas  com seu manto. Apenas Eliseu, destinado a sucedê-lo, é quem o segue. O  fim misterioso de Elias é descrito como um arrebatamento por um carro de  fogo (2Rs 2,2-13). Desta descrição se originou a antiga crença hebraica  de que o profeta haveria de regressar antes do "Grande dia de Yahweh"  ou da "parusia" do Messias, crença que encontrou eco inclusive entre os  Padres da Igreja e entre escritores eclesiásticos (Mc 6,14-16; 9,11; Lc  9,7ss.; Jo 1,21; Enoc etíope 89,52; 90,31; IV Esdras 6,26; Justino,  Dial. 8,4; 49,1). 
O prudente parecer expressado por Flávio  Josefo (Ant. IX, 2, 2): "Elias desapareceu dentre os homens e, até o dia  de hoje, nada se sabe sobre sua morte", e sobre tudo a atitude de  Jesus, relatada nos Evangelhos, nos leva a considerar a descrição do  arrebatamento de Elias como um caso de êxtase profético de Eliseu para  significar a especial assistência divina na morte do profeta. Na  realidade, o fim de Elias está descrito tal como apareceu aos olhos de  Eliseu (cf. 1Mac 2,58) que foi o único que presenciou: Elias desapareceu  em um turbilhão. O mesmo verbo laqah (=tomar), usado para indicar o  arrebatamento de Elias, expressa em outros lugares a intervenção de Deus  na morte serena do justo (Gn 5,24; Salmo 49,16; Is 53,8). Os demais  elementos são simbólicos: pensa-se, por exemplo, na visão que teve S.  Bento da alma de sua irmã, Santa Escolástica, que voava ao céu como uma  pomba, no mesmo dia de sua morte. 
Em Malaquias 3,1-24 (hebr. 4,5ss) se diz que  Elias virá como precursor do Messias. Esta profecia se realiza em João  Batista (Lc 1,17), que é o precursor profetizado (Mt 11,10; 17,10-13).  Ele encarnou o "caráter forte" de Elias, o qual foi tão só sua figura.  Também Jeremias (23,5) e Ezequiel (34,23) preanunciaram o Messias  chamando-o "meu servo (de Yahweh), Davi". 
Na transfiguração de Jesus no Tabor, Elias  aparece junto com Moisés (Mc 9,2-8; Mt 17,1-8; Lc 9,28-36), também  favorecido por uma teofania no Sinai. Elias permanece ligado a Moisés na  Antiga Aliança, da qual um é o legislador que a conclui, e o outro é o  profeta que a conserva intacta e pura. A presença de ambos no Tabor é  destinada a testemunhar, na antecipada exaltação de Jesus, que a nova  Aliança é o coroamento da Antiga. 
Elias, finalmente, é apresentado também no NT como modelo de oração eficaz. (Tg 5,17). 
       Tarcisio Stramare.
Elias na tradição Judaica
É do conhecimento geral que o profeta  "arrebatado" ao céu ocupa um lugar importante na haggada. Essa ilustra e  amplia com elementos legendários, às vezes simplistas, e com  considerações teológicas os textos bíblicos relativos à vida terrena de  Elias; porém, se detém especialmente em seu arrebatamento e sua  atividade celestial, sobre suas aparições na terra como benfeitor dos  pobres e amigo dos humildes, como socorredor e libertador dos fiéis em  toda situação extrema, como amigo dos sábios e estudiosos da Torah,  devido o seu zelo por ela, e finalmente como precursor do Messias. 
Quando o anjo da morte apareceu para levar  Elias, este se encontrava conversando com Eliseu sobre a Torah. Como não  lhe era permitido interromper o estudo [da Torah], Satanás se pôs na  espera; porém, num relance, um carro de fogo puxado por cavalos de fogo  se interpôs entre Elias e seu discípulo. Elias subiu nele e foi  arrebatado ao céu em um turbilhão. Satanás foi então protestar diante de  Deus pela não acontecida morte de Elias; porém antes de começar a  falar, Deus o preveniu: "Eu criei os céus precisamente para que Elias  pudesse subir a eles". O anjo insistiu e o Eterno permitiu que houvesse  uma luta entre Satanás e Elias. O profeta saiu vencedor e pediu a Deus  permissão para aniquilar a seu adversário. A permissão não lhe foi dada  porque a derrota definitiva de Satanás deverá acontecer no final dos  tempos (Zohar hadash Ruth 1, 1; Sepher Elijahu, p. 19). 
Esta idéia da translação, inclusive corporal,  seguiu sendo a mais comum (cf. Pesiq. 9 [séc. II]). “Se Adão não  tivesse pecado, ficaria sempre vivo?”, pergunta-se o rabino Jehuda bar  Hai, e ele mesmo responde: "É exatamente o que aconteceu com Elias  porque este não pecou".
Porém em outros textos (cf. Zohar Bresit,  137; Sepher Ha-pardes, 24,4) se afirma que Elias deixou seu corpo  material para tomar outro luminoso: "Como Elias pôde subir e habitar os  céus que não sustentam nem um grão de trigo?". O rabino Simão bar Jochai  responde: "Encontrei escrito: entre os que nasceram neste mundo, haverá  um espírito que baixará sobre a terra e vestirá um corpo. O seu nome é  Elias. Ele voltará a subir ao céu, seu corpo permanecerá no turbilhão e  seu espírito revestirá um corpo luminoso para que possa habitar entre os  anjos". 
Recordemos a este respeito a refutação  apresentada por S. Epifânio, justamente contra a idéia tão difundida  entre os judeus, de que Elias era um anjo (PG, XLI, col. 976). Tampouco  faltam textos que negam qualquer translação de Elias ao céu: "O segundo  ano de Ocozias - dizia o rabino José bar Halaphta, discípulo do rabino  Aqiba - Elias foi escondido [nignaz], e aparecerá de novo com a vinda do  Rei Messias" (Seder Olam Rabba). Com o verbo nignaz, o rabino (do séc.  II) insinua que Elias continua vivendo na terra, porém ocultamente. Esta  parece ser a concepção de Flávio Josefo (Ant. IX, 2, 2), a das  traduções dos Setenta e do Targum (2Rs 2, 1), e provavelmente do texto  hebraico do Eclesiástico 48,9. 
Entretanto, a opinião comum coloca Elias no  céu ou no Paraíso, no alto, com os anjos, onde lhe estão confiadas  várias incumbências: a de escrivão celestial (escreve os nomes dos  justos e suas boas ações no livro da vida), a de guia das almas (está no  caminho que leva ao Paraíso esperando as almas dos justos para  acompanhá-las ao lugar que lhe é destinado), e a de intercessor em favor  de Israel. 
Elias, além disso, desce com freqüência à  terra: "Se os cães latem alegres, é porque Elias não está longe; se os  cães gemem tristemente, o anjo da morte se acerca" (Bab. Kam. 60b). Os  relatos de suas aparições entre os homens constituem lendas, as vezes  alegres e instrutivas, que inculcam o amor à justiça e a fé na  Providência. 
O rabino Kahana (séc. III) ganhava o sustento  vendendo cestos às mulheres. Um dia, ao entrar numa casa, foi convidado  a pecar; para fugir, subiu pela escada e se jogou do terraço. Porém  Elias interveio para salvar sua vida. "Você me obrigou a me deslocar  quatrocentas léguas", lhe disse Elias. E o rabino retrucou: "O que é que  me conduziu a esta situação senão minha pobreza?". O profeta então lhe  deu um jarro cheio de moedas de ouro (Midr. Prov., 9, 62). 
Porém a função essencial de Elias é a de  precursor do Messias. Esta crença se fundamenta na profecia de Malaquias  (3,23-24), que há muito tempo era entendida neste sentido. Esta crença  era comum entre o povo no tempo de Jesus, como o demonstram as numerosas  perguntas sobre a vinda de Elias (Mt 17,10ss. e lugares paralelos; Lc  1,17; Jo 1,21.25). É estranho que os apócrifos não contenham nenhuma  predição sobre a função do precursor: unicamente se diz que então  aparecerão os homens que estavam mortos (IV Esd 4,26; II Bar 13,3). 
A tradição rabínica, pelo contrário, atribui a  Elias uma atividade considerável nos primeiros atos da restauração (cf.  a este respeito os numerosos textos oferecidos por H. Strack-P.  Billerbeck, Kommentar zum Neuen Testament, aus Talmud und Midrash, IV  München 1928, p. 779-98; J. Bonsirven, Le judaïsme palestinien..., I,  Paris 1935, p. 357-59; M.-J. Strassny, v. bibl.). 
Para os judeus, Elias não é um personagem do  passado: está presente e acompanha Israel em seu longo e penoso  peregrinar; está vivo na piedade judaica individual, como o mais próximo  e familiar dos protetores celestiais. No rito da circuncisão, ainda  hoje em dia, se deixa sempre um lugar vazio: é o lugar de Elias. 
 
Elias nas obras dos Padres
O lugar que o profeta Elias ocupa não só no  AT e na tradição judaica, como também no NT, o faz ser recordado nas  obras dos Padres com freqüência.
Alguns deles insistem na relação existente  entre Elias e São João Batista (cf. Gregório de Nissa, De Virginitate,  VI, em PG, XLVI cols. 349-52); outros fixam sua atenção no arrebatamento  de Elias e no seu retorno ao final dos tempos. Neste sentido é notável a  clara afirmação de Orígenes que, contra a opinião comum, assegura a  morte de Elias e nega que haja sido arrebatado ao céu em carne mortal  (Em Sl 15,9, PG, XII, col. 1216); outros (S. Justino, S. Irineu, etc.)  põe de relevo a personalidade do profeta e o apresentam como modelo de  vida de perfeição. 
Orígenes apresenta o exemplo de Elias para  mostrar a confiança que devemos colocar na oração (Em Sl, 37; Hom., 2,  3, PG, XII, col. 1384) e para estarmos seguros de sua eficácia (De  Oratione, 13, em PG, XI, cols. 458ss); Atanásio, na Vita Antonii, refere  a máxima de Antão (ou Antônio): "Todos os que professam uma vida  solitária devem tomar por regra e por patrono o Grande Elias e ver em  suas ações como em um espelho para saber qual deve ser seu  comportamento" (em PG, XXVI, col. 752); São João Crisóstomo, por fim,  elogia a pobreza de Elias (Hom. em s. Eliam, 3, em PG, LXIII, col. 464):  "Elias nada possuía e, sem dúvida, nada o impediu de alcançar o cume da  virtude; ele é um oceano sem limites" (cf. Bardy, Le souvenir d'Élie  chez les Pères Grecs, em Élie, I, 131- 58). 
São numerosos os textos dos Padres latinos  que se referem a Elias. Santo Isidoro (De ortu et obitu patrum, 25, em  PL, LXXXIII, col. 140) denomina Elias como "grande sacerdote e profeta" e  deduz o sacerdócio de Elias a partir do sacrifício que havia oferecido a  Yahweh no Horeb. S. Ambrósio escreve a respeito de Elias: “O príncipe  mais excelso entre o todos os profetas (De viduis 1, 3, em PL, XVI, col.  235). Da sua missão de denunciar o pecado e convidar à penitência, é  indicada sobretudo a primeira tarefa, a increpatio (exortação forte e  insistente), junto com a dureza de sua vida e o ardente zelo pela glória  de Deus (cf. Jerônimo, Contra João. Hieros., 2; Comm. in Ez., 11, 35,  em PL, XXIII, col. 356; XXV, col 334ss). É comum a crença de que Elias  não está morto; porém morrerá junto com Enoc, no final dos tempos,  lutando contra o Anticristo (cf. Santo Agostinho, Ep. 193, 3, 5; De  Genesi ad litt., 9, 5, em CSEL, LVII, p. 170; XXVIII, 274ss). Santo  Agostinho (De civitate Dei, 20, 29, em CSEL., XL, 2, 503) atesta que "é  muito celebrada nos sermões e nos corações dos fiéis" a idéia da volta  de Elias como precursor da segunda vinda de Cristo, como São João  Batista o havia sido da primeira. Os Padres procuram ver no Apocalipse  11 os detalhes desta missão profética de Elias, uma das mais importantes  dentre as muitas que realizou durante sua vida. Nos dois testemunhos do  Apocalipse, eles vêem a Enoch e a Elias (Tertuliano, Ambrosiáster, S.  Gregório Magno). "O mesmo que há de vir na segunda vinda do Salvador em  sua realidade corporal, vem agora na pessoa de João em virtude e em  espírito", escrevia S. Jerônimo (Comm. in Ev. Mt., 3, 57, em PL., XXVI,  col. 124). 
O movimento monástico do séc. IV tomou a  Elias como seu modelo, pondo em relevo a continência, a pobreza, a vida  no deserto, o jejum, sua oração: nosso príncipe é Elias (cf. Cassiano,  Conlatio, 14, 4 em CSEL, XIII, p. 400). A mesma importância e relevo lhe  dão os Padres sírios (cf. M. Hayek, v. bibl.) 
Elias no Islão (Islã, Islame ou Islamismo)
Em torno da figura de Elias se formaram  numerosas lendas judaicas e cristãs que tiveram amplo influxo também no  Islão. O próprio Corão (VI, 85 e XXXVII, 123-30) menciona o "profeta"  Ilyâs (cf. Y. Moubarac, Le prophète Élie dans le Coran, em Élie, II,  256-68). Por isso, muitos historiadores e comentaristas muçulmanos  fizeram comentários sobre Elias. Do mesmo modo, algumas manifestações a  cerca da figura legendária de Elias são atribuídas pelo islamismo ao  mítico personagem al-Khadir ou al-Khidr (cf. L. Massignon, Élie et son  rôle transhistorique, Khadiriya, no Islam, em Élie, II, p. 269-90).
No monte Carmelo existem lugares venerados,  ao mesmo tempo, por cristãos, judeus e muçulmanos; o monte Carmelo em  árabe é Gebel Mar Ilyas ou "o monte de Santo Elias". (cf. para as lendas  muçulmanas cf. A. J. Wensinck, na voz Ilyas, em Encyclopédie de  l'Islam, II, Leiden-Paris 1927, com a bibliografia que ali se dá [G.  Ricciotti].) 
Francesco Spadafora     
Elias e o ideal monástico
Aos monges, o tema do aspecto profético de  sua própria vida sempre inspirou o mais vivo interesse (cf. Jean  Leclercq, La via parfaite. Points de vue sur l'essence de l'état  religieux, Turnhout-París 1948, cap. 2, La vie prophétique, 57-81). De  fato a espiritualidade da vida de perfeição já foi preparada no AT (cf.  Sœur Jeanne d'Arc, Les préparations bibliques de la vie religieuse, VS,  XXIV [1956], 474-494). Os grandes profetas Elias, Eliseu e São João  Batista foram considerados, junto com outros, como protótipos da vida  religiosa. 
Antes do início da vida monástica, os Padres  apresentaram pouco o profeta Elias como exemplo de vida contemplativa e  modelo de vida perfeita. Gustavo Bardy conclui um estudo bastante  consciencioso sobre os Padres gregos com estas palavras: "Com certeza,  para os leitores, preparados neste sentido, será uma surpresa comprovar  que raramente os Padres gregos do século IV propõem Elias como um modelo  a ser imitado" (Le souvenir d'Élie chez les Pères grecs, em Élie, I,  137). O mesmo ocorre entre os latinos (cf. Hervé de l'Incarnation, Élie  chez les Pères Latins, ibid., p. 206-7). 
Os padres do deserto imitam de bom grado o  exemplo de nossos antigos padres quanto a fé, sobretudo o de Elias como  se percebe na carta aos Hebreus (11,37-38); é um exemplo que inspira sua  vida espiritual. Um primeiro testemunho, bastante explícito, de  imitação do ideal profético se encontra da vida de Santo Antão,  patriarca dos anacoretas. Santo Antão realmente se propunha um progresso  contínuo no caminho da perfeição:
Com freqüência repetia a si mesmo as palavras  do Apóstolo: "esquecendo-me do que fica para trás, lanço-me para o que  está adiante (Fl, 3,13). Recordava também o lema do profeta Elias: O  Senhor vive e é necessário que eu compareça hoje em sua presença ("ante  cuius conspectu hodie sto"); sublinhava o emprego da palavra hoje, pois  contava como nada o tempo passado, considerando de ter apenas começado a  servir a Deus, se esforçava a cada dia por alcançar a perfeição  necessária para se apresentar diante Dele, isto é, com uma consciência  pura e um coração bem preparado para obedecer sempre a Sua vontade e só a  Ele servir. “Dizia a si mesmo que convém ao asceta ir ajustando sua  vida, a cada dia (=sempre), ao modelo de vida do grande Elias, como quem  se olha num espelho" (PG 26, col. 854b). 
Era justamente a contínua presença de Deus o  que Santo Antão se propunha como ideal. O jovem Onofre que vivia em uma  comunidade cenobita da Tebaida, ouvia aos anciãos louvarem a vida  eremítica de Elias; "Meus veneráveis irmãos, vocês têm, muitas vezes, me  ouvido louvar a vida de nosso santo padre Elias, que procurou se  mortificar no deserto com tão grande abstinência e oração que mereceu  alcançar do Senhor grandíssima virtude" (PL 73, col. 213). Os eremitas  fugiam da vida fácil do mundo para poder chegar a ser cidadãos do céu  (cf. Vita Antonini, PG 26, col. 865b) e formar "algo assim como uma  região especial de piedade e de justiça" (col. 907b). Santo Ambrósio  afirma que os profetas Elias, Eliseu e São João Batista realizaram esta  feliz retirada do mundo para o deserto: 
Elias fugiu da mulher Jezabel, isto é, do  cúmulo da vaidade e fugiu em direção ao monte Horeb, que significa  "dessecamento", para que o rio da vaidade carnal se secasse nele e  podendo assim conhecer a Deus em maior plenitude. E assim se encontrava  junto ao rio Chorrad, que é como dizer torrente do conhecimento, onde  podia alcançar a abundância da divina sabedoria, fugindo do mundo até o  ponto de não buscar outro alimento além do que os corvos lhe levavam; se  bem que para o mais o seu alimento não era desta terra. Passou, por  fim, durante quarenta dias sustentado tão só com o alimento que havia  recebido. Não era certamente uma mulher, mas o século que afugentava um  profeta tão grande; isto é, o que afugentava era a sedução do mundo, o  contágio da má companhia, os sacrilégios de uma nação rebelde e ímpia"  (De fuga saeculi 6, 34, PL 14, col. 614 bc). 
 Hervé da Encarnação faz notar: "Fugir do  mundo para matar sua sede nas fontes do conhecimento de Deus: Elias  podia servir de maravilhoso exemplo e de guia neste ideal, que era o de  Ambrósio e o do movimento monástico do século IV (loco cit., p. 193). 
Viver na ação e na contemplação, viver nas  duras fadigas do corpo e do coração, respirando constantemente o Cristo:  eis a maneira mais simples de um eremita adquirir a paz celestial.  Amônio, primeiro sucessor de Santo Antão, escreve a seus monges: "Este  foi o caso de Elias" (Carta 8, PO X, p. 587; citado por Michel Hayek,  Élie dans la tradition syriaque, em Élie, I, p. 165). No mais “era  crença comum entre os autores sírios ver em Elias a perfeita realização  do ideal monástico” (p. 164). Por isso, não é de se estranhar que em  torno dos principais lugares elianos se encontram eremitas, que  veneravam e imitavam ao santo profeta. 
No século IV, Etéria nos fala da existência  de um monastério junto a Tesbi e da habitação de um solitário no vale de  Corra, onde Elias tinha habitado nos tempos do rei Acab (Peregrinatio  Sylviae 4 e 16, em Itinera Hierosoymitana, CSEL, XXXIX, 1898, 41 e 59).  Um século mais tarde Teodósio menciona uns monges que habitavam em  Sarepta (De situ Terrae sanctae, 23, ibid., p. 147) e o pseudo-Antonino  afirma a presença de eremitas no vale do Jordão (Itinerarium, 9, ibid.,  p. 165; cf. Élie, I, p. 211). 
Também o gênero de vida estabelecido por Pacômio tem certa analogia com o do profeta:
Os cenobitas de Tabenna se vestem com  peles, a exemplo de Elias tesbita, acredito que com a finalidade de  recordarem-se, à vista desta veste de peles, a virtude do profeta e  possam assim resistir corajosamente aos desejos vergonhosos e fazer  crescer a esperança de recompensas semelhantes" (Sozomeno, História  eclesiástica, III, 14, PG 67, col. 1069b). Na Vita Pachomii, junto com  Eliseu e João Batista, Elias é ressaltado como o grande modelo de Santo  Antão (PL 73, col. 231a). 
Sem dúvida, Basílio, fundador de uma vida  verdadeiramente cenobita, apenas lembra o grande solitário do AT. Se  Gregório Nazianzeno e Gregório de Nissa, em seus panegíricos, comparam  Basílio ao profeta, é mais que nada como lugar comum literário. Notemos,  por outro lado, que como ponto de comparação se toma a solidão  (Gregório Nazianzeno, In laudem Basilii, PG 36, col. 536b). O mesmo se  lê num escrito pseudo-basiliano: "Também foi assim Elias, o qual fugia  da confusão dos homens e se comprazia em viver no deserto... Fixa-te em  Elias: depois de quanto retiro, de quanto silêncio, de quantos suores  mereceu ver a Deus?" (Commentarium in Isaiam, proemium 7, PG 30, col.  129b). 
No Ocidente, "os monges que viviam em  comunidade sob a regra de São Bento ou de São Cesáreo não tinham os  mesmos motivos que os solitários do Oriente para conservar de modo  especial a memória do velho profeta que viveu em seu deserto"(B. Botte,  Le culte du prophète Élie dans l'Église chrétienne, em Élie, I, p. 214).  
Elias como inspirador da vida eremítica
Se Elias não é o fundador, em sentido  estrito, da vida monástica, pode ser considerado como seu autêntico  precursor. É um mestre, diz Santo Ambrósio, e os monges são seus  discípulos (Ep. 63, 82, PL 16, 1211b). Sobre esta primazia escreve São  Jerônimo: "Os nossos príncipes Elias e Eliseu e nossos chefes os filhos  dos profetas, que habitavam no campo e na solidão, construíam suas  tendas perto do rio Jordão" (Ep. 58, ad Paulinum, PL 22, col. 583). E na  Vita sancti Pauli ele apresenta, como opinião de alguns, a origem  profética da vida monástica:
“Com freqüência muitos se perguntam qual foi o  monge que morou por primeiro num ermo. E alguns, remontando-se mais  longe, encontraram seu começo no beato Elias e em João Batista" (PL 23,  col. 17a). A mesma idéia nos repete Sozomeno como opinião corrente: "Os  mestres desta excelente filosofia foram, como dizem alguns, Elias  profeta e São João Batista" (l. c., I, 12, PG 67, col. 894a). São Nilo  de Ancira chamará a Elias "iniciador de toda vida ascética" (Ep. 181, PG  79, col. 152c). "Eles estabeleceram as primeiras bases desta  profissão", disse Cassiano falando de Elias e de Eliseu, que colocaram  os seus fundamentos iniciais” (De institutis coenobiorum, I, 2, PL 49,  col. 61a; cf. o comentário de Hervé da Encarnação, loco cit., p.  194-195). 
A pureza do coração
A pureza do coração é o ideal monástico.  Seguindo uma tradição hebraica, desde o princípio a virgindade é  atribuída a Elias. Santo Ambrósio o faz na fé (PL 16, col. 192a). São  Jerônimo atribui a virgindade também aos filhos dos profetas: "Virgens  foram Elias, Eliseu e muitos dos filhos dos profetas" (Ep. 22, 21, ad  Eustochium, PL 22, col. 408). São Gregório Magno (Hom. in Evangelia II,  29, 6, PL 76, col. 1217b) e São Nilo (Ep. 181, PG 79, col. 152c) vêem no  arrebatamento de Elias a recompensa de sua pureza. De outro lado, esta  deve ser entendida no sentido da pureza monástica, da "apátheia". Elias,  amando "os segredos da solidão e a pureza do coração", realizou o ideal  de um monge: "sabemos que ele se uniu familiarissimamante a Deus pelo  silêncio da solidão”. (Cassiano, Collationes 14, 4, PL 49, col. 957a). A  respeito desta plena disposição de um coração puro remetemos ao  belíssimo texto de Afraates, de inspiração eliana, citado em Élie (t. I,  p. 165-166). Além do mais, na vida de Elias se encontram os principais  exercícios atléticos do eremita: a solidão, o jejum (cf. S. Ambrósio, De  Elia et ieiunio, PL 14, cols. 697-728) e a oração. 
A vida de oração
Elias era sobretudo o inspirador da vida de  oração. Ele exorta a se praticar a plenitude do amor divino. "Até quando  vais estar mancando?", com estas palavras do profeta, Orsiesio exorta a  seus monges (Doctrina de institutione monachorum 28, PG 40, col. 882c).  A oração de Elias, um homem como nós, foi poderosíssima, por isso, sob  este aspecto, se constitui num exemplo completo. O vidente do Horeb e do  Tabor é também o exemplo de grande intimidade com o Senhor. Para  Máximo, o Confessor, a visão do glorioso Elias na sua gruta é um símbolo  da mística apofática: 
O Horeb representa... um exercício  habitual das virtudes num espírito de graça. A caverna é o mistério da  sabedoria escondida na alma, e seu santuário. Quem nela penetra terá a  intuição profunda e mística do saber "que supera toda ciência" e na qual  se manifesta a presença de Deus. Pois se alguém, como o grande profeta  Elias, busca verdadeiramente a Deus, deve não somente "subir ao Horeb"  (e é evidente que quem se consagrou à ação deve também aplicar-se à  virtude), como também "penetrar no interior da caverna" situada sobre o  Horeb, isto é, estar completamente dedicado à contemplação, na  obscuridade e no mistério mais profundo da sabedoria, fundada sobre uma  prática habitual da virtude" (2 Centuria, citado por François de  Sainte-Marie, em Les plus vieux textes du Carmel, 47ss). Convém também  citar um famoso texto místico de São Gregório Magno (In Ezechielem, II,  1, 17, PL 76, col. 948a). 
A mística hesicasta, que vê o lugar místico  na luz do Tabor (cf. art. Contemplation, DS, II, cols. 1851-1854), pode  igualmente refazer-se no exemplo de Elias. Pedro o Atonita (séc. VIII)  é, talvez, o primeiro dos hesicastas a quem se elogia com estas  palavras: "Tu decidiste habitar no monte Athos como Elias no Carmelo,  para buscar a Deus no silêncio" (citado por Théodosy Spasky, Le culte de  prophète Élie et sa figure dans la tradition orientale, em Élie, I,  222). 
No Oriente, na celebração litúrgica, é  aplicado a Elias o título dos santos monges: "anjo terrestre e homem  celestial" (ibid., p. 221). No Ocidente se encontra apenas algum rastro  de um culto litúrgico tributado ao Santo Elias (B. Botte, Le culte du  prophète Élie dans l'Église chrétienne, em Élie, I, 213-6). Entre os  próprios Carmelitas a festa de Elias é bastante tardia (Pascal  Kallenberg, Le culte liturgique d’Élie dans l'Ordre du Carmel, em Élie,  II, p. 138). O prefácio próprio da festa de Santo Elias cantava (até a  última reforma litúrgica): "coloquei os fundamentos da vida monástica". 
Elias e os Carmelitas
No tempo das cruzadas, alguns soldados se  retiraram ao Monte Carmelo, atraídos pela beleza do lugar, pela sua  posição geográfica e também pela lembrança do profeta. Tiago de Vitry, a  princípios do século XIII, traçou um quadro retrospectivo do  renascimento espiritual da Terra Santa depois das cruzadas dos séculos  XI e XII:
“Devotos peregrinos e homens santos de  diversas partes do mundo, compareciam a Terra Santa... Varões santos,  renunciando ao século, impulsionados por vários sentimentos, desejos e  tomados pelo fervor religioso, escolhiam os lugares mais aptos para seu  santo propósito e devoção... Alguns, a exemplo e imitação do santo e  solitário varão Elias profeta, no Monte Carmelo e particularmente  naquela parte que domina a cidade de Porfiria que hoje se chama Haifa,  junto à fonte chamada de Elias e não longe do monastério da virgem Santa  Margarida, levavam uma vida solitária em alvéolos de pequenas celas,  elaborando qual abelhas do Senhor o mel da doçura espiritual" (Historia  orientalis sive hierosolymitana, I, caps. 51-52; ed. J. Bongars, Gesta  Dei per Francos, Hanoviae 1611, p. 1075). 
Entre os anos 1206-1214, um grupo de monges  latinos, que viviam "junto à fonte no Monte Carmelo", receberam das mãos  de Alberto, patriarca de Jerusalém, uma “norma de vida”, confirmada  depois pelo papa Honório III em 1226. Estes viriam a ser os Carmelitas,  os irmãos de Nossa Senhora do Carmelo e os filhos de Elias. Não é certo  que fora a veneração do profeta Elias o que atraiu estes eremitas ao  Monte Carmelo. A Regra não fala de uma inspiração eliana da vida  carmelitana. Mais tarde, Nicolau Gálico, ao expressar seu desejo de que  os Carmelitas recobrassem a pureza da vida eremítica, não invoca em sua  Ignea sagitta o exemplo do grande solitário do AT. É mais provável que o  nascimento e desenvolvimento da devoção a Santo Elias tenha surgido do  fato de habitarem o Monte Carmelo e, mais tarde, a lembrança conservada.  Só ao longo da história é que o tema de Elias se tornou "parte  integrante" da espiritualidade carmelitana. Alguma alusão à lenda sobre  uma vida eremítica ininterrupta no Monte Carmelo desde o tempo de Elias  até as Cruzadas, se encontra na rúbrica prima das Constituições do  Capítulo de Londres do ano 1281:
“E assim dizemos, dando testemunho da  verdade, que a partir dos profetas Elias e Eliseu, devotos habitantes do  Monte Carmelo, alguns santos padres, tanto do Velho como do Novo  Testamento, realmente apaixonados pela solidão deste monte, tão adequado  à contemplação das coisas celestiais, viveram ali, sem dúvida, de modo  digno de louvor, junto à fonte de Elias, em santa penitência, praticada  sem interrupção com santos resultados. E nos tempos de Inocêncio III,  Alberto patriarca da igreja de Jerusalém reuniu numa comunidade  ("collegium") os seus sucessores e lhes escreveu uma regra, que o Papa  Honório, sucessor de Inocêncio, e numerosos outros depois dele,  aprovando esta Ordem a confirmaram tão devotamente, como o atestam suas  bulas. E nesta profissão que nós, seus discípulos, servimos ao Senhor  até o dia de hoje nas diversas partes do mundo” (texto latino em AnalOC,  XV [1950], p. 208). 
Se havia ainda uma diferença entre os  primeiros eremitas do Antigo e do Novo Testamento e seus sucessores da  época de Inocêncio III, na primeira rubrica das Constituições de 1324,  os sucessores aparecem já nos tempos de Cristo. É assim que se forma a  idéia da ininterrupta sucessão hereditária da Ordem do Carmelo. Esta  convicção desembocará no tão penoso litígio entre os Carmelitas e Daniel  Papenbroek. Entretanto, a figura de Elias foi se tornando cada vez mais  significativa na espiritualidade da Ordem. No século XV Tomás Waldense  escreve, sem ulteriores correções: "nossa profissão religiosa nos  estimula a viver segundo sua inspiração" (Mhc, p. 446). 
Tudo indica que foi João Baconthorp, morto em  1346, quem pela primeira vez uniu a devoção mariana da Ordem do Carmelo  com a lembrança do profeta Elias:
“Segundo os profetas (as profecias?), os  Frades do Carmelo nasceram especialmente para venerar à Santíssima  Virgem Maria... E posto que [a Virgem Maria] é honrada e pregada através  do Carmelo, convém que no Carmelo, dado a ela, exista os carmelitas que  a venerem de um modo especial. E assim foi na antiguidade. Na realidade  as profecias se compreendem à luz dos acontecimentos... Quantos  profetas e reis estiveram no Carmelo rendendo honras à Senhora do lugar,  a bem-aventurada Maria! Para continuar o culto à Virgem Maria em seu  Carmelo, nasceu a Ordem dos Irmãos do Carmelo. Porque o culto celebrado  nos lugares dos santos é tributado primeiro a Deus e depois aos próprios  santos... Mas também se todos aqueles que deveriam ser salvos na época  dos profetas honraram ao futuro Filho da Virgem Maria..., com muito  maior razão os religiosos do Carmelo, venerando no tempo de Elias e  Eliseu aquele que havia de vir, instauraram no Carmelo sua Ordem da  bem-aventurada Maria... Consequentemente é para este culto que tiveram  origem” (Speculum de institutione Ordinis, cap. I; texto latino também  em Élie, II, p. 42-43). 
A forma mais completa desta espiritualidade  eliana e profética encontra-se num escrito do séc. XIV, o Liber de  institutione primorum monachorum (texto também em AnalOC, II [1914-16],  p. 347-49). 
 Cosmas Peters
Culto a Elias
Não há dúvida quanto a antiguidade do culto  tributado a Elias nas Igrejas orientais. Os cristãos, que visitavam a  Terra Santa, paravam para rezar nos lugares que evocavam os santos do  AT. O Iter Burdigalense recorda como lugares elianos: o Monte Carmelo, a  montanha da Transfiguração e a colina de onde Elias foi arrebatado ao  céu (B. Botte, Le culte du prophète Élie dans l'Église chrétienne, em  Élie, I, p. 210). O santuário mais conhecido é o de Sarepta. São  Jerônimo, ao narrar a viagem de Paula, a apresenta entrando para rezar  na pequena torre da viúva de Sarepta (Ep. 108, 18, em PL, XXIV, col.  882). Elias é venerado também como taumaturgo por ter ressuscitado o  filho da viúva. 
Um outro santuário é indicado por Etéria (fim  do séc. IV) situado sobre o Horeb. O culto a Elias, como o de outros  santos do AT, não tardou em ultrapassar os confins da Palestina. A  epigrafia nos permite verificar sua irradiação. Assim, por exemplo, na  província da Arábia as inscrições atestam que Elias é o santo mais  popular do Ledgaa (cf. Devreesse, Le christianisme dans la providence  d'Arabie, em Revue Biblique, LI [1942], p. 110-46). Na Síria uma  inscrição atesta de que os habitantes de Ezra construíram às suas custas  uma igreja dedicada a Elias, no ano 542. Em Bizâncio uma tradição  atribui a fundação de um santuário de Elias às legiões do imperador  Zenão, depois de sua campanha da Pérsia, como ação de graças por uma  aparição do profeta ao exército. No Petrion de Constantinopla se  celebrava sua festa dia 20 de julho (Synax. Constantinop., col. 832). E  na mesma data as Igrejas sírias celebram a memória do Santo, desde o  século XV. Entre os Maronitas esta data figura somente a partir de 1673.  Antigamente a festa de Elias era geralmente ligada às festas que  celebravam as manifestações de Cristo ao mundo, mais precisamente a  Circuncisão, que a Igreja Jacobita do Egito celebrava dia 1º de janeiro,  era acompanhada de uma ampla memória de Elias. O mesmo ocorria no dia 6  [de agosto], solenidade da Transfiguração, em que Elias aparece junto  com Moisés. Às vezes a lembrança de Elias se repetia no dia seguinte,  como entre os Melquitas (PO, X, p. 310). Os Nestorianos e os Jacobitas  celebravam também esta solenidade no dia 2 de outubro, mês consagrado a  Moisés e considerado como o primeiro do ano. O mês de setembro,  portanto, encerrava o ciclo e representava o final do ciclo anual.  Elias, o precursor prometido, para preparar o triunfo final do Messias, é  especialmente recordado nos seis domingos sucessivos, que vão de 6 de  agosto a 14 de setembro. 
Antigamente, nas Igrejas sírias se celebrava a festa de Elias com o nome de "Migração" (Forget, SA, p. 192). 
Também na Igreja Oriental Ortodoxa a festa de  Elias é celebrada no dia 20 de julho, precedida de uma vigília, na qual  a memória de Elias esteve durante muito tempo associada ao culto ao  Profeta Eliseu, que é honrado separadamente em 14 de junho. 
Em Constantinopla prosperou igualmente a  devoção a Elias. Basílio o Macedônio (séc. IX), além de restaurar o  antigo santuário do Petrion, construiu uma igreja dedicada ao nome do  Salvador, de São Miguel e de Santo Elias, uma outra em honra de Santo  Elias no bairro de Mangani (cf. F. Halkin, Inscriptions Grecques  relatives à l'Hagiographie, em Anal. Boll., LXXI [1935], p. 326-58), e  enfim uma capela em seu próprio palácio (cf. PG, CIX, cols. 336, 354).  Constantino Profirogênito (ibid., col. 237) explica esta devoção do  imperador para com Elias como motivada por uma aparição do profeta à mãe  do imperador, em que lhe predisse o destino imperial de seu filho. O  Sinassario Constantinopolitano (col. 230) marca ainda no dia 13 de  janeiro a dedicação de uma igreja em honra do profeta no monastério de  Batyriax. 
O Oriente bizantino permaneceu fiel a esta  tradição. Em 1918, numa espécie de estatística das igrejas da Grécia,  sobre um total de 4.637, encontramos 752 dedicadas à Santíssima Virgem,  196 a Santo Atanásio, 189 a São João Batista, 75 a Elias e 69 a São  Jorge. 
Sabe-se que na Igreja latina os santos do  Antigo Testamento tiveram um culto muito limitado. A liturgia de Roma,  que se difundiu muito cedo em todo o Ocidente, celebrava quase  unicamente os mártires, aos quais se agregaram depois os bispos que  haviam lutado pela ortodoxia da fé, sob o nome de confessores. 
Apenas uma festa de santos do AT entrou na  liturgia romana: a dos Macabeus, dia 1º de agosto, precisamente porque  eram mártires. O culto de Elias começou no Ocidente, ao que tudo indica,  em Auxerre (cf. Messes de Mone: B. Botte, Une fête du prophète Élie au  VI siècle en Gaule, em Cahiers Sioniens, III [1950], p. 170-77),  provavelmente na mesma data de 20 de julho: todo o Prefácio está  dedicado a Elias. Porém é o único testemunho que existe anterior ao  século XV. Por influência dos menológios bizantinos, os santos do AT  começaram a figurar nos martirológios. Elias teve que esperar até a  publicação da “editio princeps” do Martirológio Romano (1583). Os mesmos  Carmelitas não lhe prestaram um culto senão muito tardiamente. O  Ordinale carmelitano de Siberto de Beka, de 1312, não menciona sua  festa. Esta aparece por primeira vez no Missal Carmelita de 1551. O  Prefácio de Elias foi aprovado pela Sagrada Congregação de Ritos em  1919. O culto ao Profeta não pertence, portanto, à liturgia romana,  porém é próprio dos Carmelitas. Não parece que no Ocidente existam  igrejas dedicadas a Elias, fora das que se encontram na Itália  bizantina. Na concessão do novo “Próprio” dos Carmelitas, aprovado em 17  de abril de 1972, a Sagrada Congregação para o Culto Divino disse:  “para dar realce ao Fundador ideal da Ordem [Carmelita], concede de bom  grado que a festa de Santo Elias seja celebrada com o grau de  solenidade”. Já se havia concedido aos Carmelitas Descalços no dia 20 de  outubro de 1971 o grau de festa. 
 Francesco Spadafora
Iconografia sobre Elias
Nas numerosíssimas representações da arte  bizantina e ocidental, o Profeta Elias aparece em geral vestido como um  santo eremita do deserto. Os seus sinais distintivos são o corvo (que o  alimentou no deserto), uma espada flamejante, uma roda de carro (alusiva  a sua ascensão) e às vezes uma pá. Os caracteres iconográficos da  figura do profeta derivam assim da tradicional interpretação de Elias  como precursor de São João Batista. Como prefigura de Cristo, ao qual  lhe associam muitos episódios de sua vida, o profeta é sempre  representado no deserto enquanto é consolado ou alimentado por um anjo  (afrescos do séc. XIV na Catedral de Orvieto; Tiépolo, teto do Palácio  arcebispal de Udine), ou enquanto ressuscita o filho da viúva de Sarepta  (afrescos do séc. III na sinagoga de Dura Europos, e do século XIV no  convento de Emaús, em Praga), ou então arrebatado no carro de fogo. 
A ascensão de Elias é o tema mais difundido e  tratado, por sua referência à Ascensão de Cristo, por outros diversos  significados simbólicos e sobretudo porque falava já de um modelo  iconográfico preconstituído na figura clássica de Helios-Apolo sobre seu  carro de fogo. Fora algumas representações medievais nas quais o  profeta aparece sobre um carro sem cavalos, ou então levado por cavalos  sem carroça, a iconografia tradicional nos apresenta Elias enquanto é  elevando ao céu sobre um carro puxado por dois ou quatro cavalos, às  vezes guiado por um anjo, estendendo a mão direita para Deus, enquanto  que com a esquerda entrega seu manto ao profeta Eliseu que fica cego com  esta visão. 
Com freqüência se localiza o episódio com a  representação do rio Jordão, personificado numa divindade fluvial  clássica. Entre as numerosíssimas e antiquíssimas representações deste  episódio podemos recordar as dos afrescos do cemitério de Domitila em  Roma, dos sarcófagos paleocristãos do Louvre e da Basílica Vaticana, dos  relevos das portas de madeira de Santa Sabina em Roma, de muitíssimas  miniaturas medievais, dos relevos da Catedral de Cremona do séc. XII  etc. 
Numerosos outros episódios da vida e dos  milagres do Profeta estão também representados, em geral, nas igrejas  pertencentes à Ordem do Carmelo, como na de San Martino ai Monti em  Roma, na capela dos carmelitas descalços de Paris e nas igrejas  carmelitas de Córdoba e de Madrid. Como Patrono da Ordem, Elias aparece  vestido com o hábito de religioso carmelita com os sinais e caracteres  iconográficos tradicionais. Raramente o Profeta aparece com armadura de  guerreiro (por ex.: afrescos de Santo Elias em Nepi). 
Entre os episódios mais freqüentemente  narrados nos ciclos acima citados são evidentemente o Sacrifício no  Monte Carmelo com o milagre do fogo descido do céu, que prefigura da  vinda do Espírito Santo sobre os Apóstolos (por ex.: afrescos do séc.  III na sinagoga de Dura Europos, taracea marmórea de Beccafumi na  Catedral de Siena); Elias alimentado pelos corvos, tema habitual nos  refeitórios dos conventos do Monte Athos (outro exemplo é a pintura de  Rubens, Louvre de Paris); Elias socorrido pela viúva de Serepta (por  ex.: vitral da Catedral de Chartres do séc. XIII, e pintura de Juan  Lanfranco no Museu de Poitiers); a Matança dos 450 profetas de Baal,  tema muito freqüente na arte bizantina e russa; e finalmente Elias  separando com seu manto as águas do Jordão (por ex.: relevo do séc. XII  na fachada do Monastério de Ripoll, na Catalunha). 
 Francesco Negri Arnoldi
Folclore sobre Elias
A popularidade de Elias foi verdadeiramente  extraordinária. A narração bíblica, nos chamados ciclos elianos do AT e  nos textos da Transfiguração no NT, por sua grandiosidade e eficácia  impressionava grandemente a imaginação do povo, principalmente devido ao  seu arrebatamento ao céu e por causa da crença de sua permanência em  vida, da sua intervenção em favor dos bons em suas necessidades e do seu  regresso para lutar contra o anticristo no final dos tempos. 
No tempo de São Martinho, um jovem,  apresentando-se como sendo Elias e sustentando tal afirmação com  pretensos milagres, chegou a seduzir várias pessoas e inclusive a um  bispo (Sulplicio Severo, Vita sancti Martini, 24, em CSEL, I, p. 133).  No tempo de S. Gregório Magno, como ele mesmo conta (Ep. 38, em PL,  LXXVII, col. 635), um judeu chamado Nasas atraía na Sicília os cristãos  em torno a um altar por ele construído em honra a Elias. 
Nos costumes eslavos, a festa de Elias  adquiriu uma particular importância, que a distinguia das outras  festividades. O dia de Elias, chamado "Elias, o trovão", era esperado  como se aguarda um dia de descanso, com interrupção dos trabalhos no  campo. Segundo as crenças populares, Elias comanda o trovão e a chuva, e  na sua ira pode mandar a seca. Segundo o historiador Zabelin (Les  coutumes, les traditions, les légendes... russes, Moscou 1800, p. 96),  na consciência popular da velha Rússia, Perun, o deus pagão do trovão e  do relâmpago, cedeu o lugar ao profeta Elias, venerado também - fato  notável - pelos Buriatas e Tártaros. A vida de Elias esteve vinculada  aos fenômenos celestes, ao trovão, à chuva e à seca. O povo via em Elias  um intercessor junto a Deus para o duro trabalho nos campos (cf.  indícios destas crenças no Eucologio [ou ritual], Leópolis 1695). Nos  campos de Novgorod, onde em 1198 surgiu a primeira igreja em honra de  Elias e onde se transferiu o culto do santo, desde Kiev, o barulho do  trovão era explicado como a passagem do carro de Elias sobre as nuvens. 
Nas comunidades sírias, antes de se tornarem  cristãs, Elias, por influência das lendas judaicas, já havia se  transformado num ser misterioso, meio anjo e meio homem, coberto de  penas e capaz de voar para socorrer aqueles que a ele se dirigiam. 
Nestas crenças populares se inspirou também Eugênio Sue, autor de "O judeu errante". 
No dia 20 de julho se reúne no Monte Carmelo  uma grande multidão de devotos de Elias: cristãos de vários ritos,  judeus e muçulmanos. Todos sobem ali com os mais variados meios de  locomoção ou a pé, para cumprir seus votos, para apresentar suas  crianças ao batismo e principalmente para cantar e dançar em honra do  profeta. Do interior do monastério se escuta o rumor de uma grande  feira: toda aquela gente tão diferenciada se reúne ali cada ano em nome  de Elias, o qual continua exercendo sua fascinação e sua notável  influência na vida e nas crenças daqueles povos...
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
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