DÉBORA, UMA MULHER CORAJOSA
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE
A vida de Débora é um exemplo de que a coragem independe de sexo e de força física, mas é uma disposição firme de servir a Deus, a despeito de todas as circunstâncias.INTRODUÇÃO
- Nesta lição, estudaremos a vida de Débora, a única juíza de Israel e, sob uma interessante perspectiva, a da coragem. Normalmente associada à masculinidade, a coragem, no entanto, independe do sexo da pessoa mas é, antes de tudo, uma disposição firme de se servir a Deus.
- Débora, além de ser um exemplo de coragem, é uma demonstração de que a cultura não se confunde com os desígnios divinos e que devemos sempre discernir o que é cultural do que é hipotetico.
I – O MOMENTO HISTÓRICO DOS DIAS DE DÉBORA
- Antes de analisarmos a vida de Débora, a personagem bíblica escolhida para nosso estudo nesta nossa caminhada em busca do aprimoramento do caráter bíblico, é importante analisarmos o momento histórico dos dias desta juíza e profetisa de Israel, até porque Débora será a única personagem deste período da história hebraica que iremos estudar.
- Débora viveu no período dos juízes, período da história de Israel cuja duração é incerta e fomenta muitas discussões entre os estudiosos da Bíblia, que transcorreu entre a morte de Josué, após a conquista da Terra, e a escolha de Saul como rei. Levando-se em conta que a Bíblia afirma que o templo começou a ser construído 480 anos depois da saída dos filhos de Israel do Egito, no quarto ano do reinado de Salomão(I Rs.6:1). Assim, levando-se em conta que o êxodo durou 40 anos (Dt.2:7; At.7:36), que Josué morreu com 110 anos (Jz.2:8) e deve ter entrado na Terra Prometida com cerca de 80 anos (levando-se em conta o que diz Calebe em Js.14:10), o que demonstra ter Josué governado cerca de 30 anos na Terra Prometida, bem como que os reinados de Saul e de Davi duraram 40 anos (respectivamente At.13:21 e II Sm.5:4), temos que o período dos juízes tenha tido uma duração de aproximadamente 326 anos.
- O período dos juízes é um dos períodos de grande dificuldade espiritual para o povo de Israel. O autor do livro dos juízes(a tradição judaica atribui o livro a Samuel) narra toda esta dificuldade na passagem de Jz.2:7-23, que é uma espécie de resumo do conteúdo de todo o livro, que, aliás, não abarca todo o período dos juízes, vez que os governos dos dois últimos juízes, Eli e Samuel, é narrado no Primeiro Livro de Samuel, em seus sete primeiros capítulos.
- O primeiro problema deste período, afirmam-nos as Escrituras Sagradas, foi a falta de educação doutrinária do povo nos seus lares. Em Jz.2:7-10, é dito que, durante os dias de Josué e dos anciãos de sua geração, o povo de Israel serviu a Deus, mas, enquanto seguiam o exemplo daqueles homens que haviam conquistado a Terra Prometida, que haviam sido doutrinados por Moisés pouco antes da morte deste, conforme vemos nos discursos do livro de Deuteronômio, da geração que, após a conquista de boa parte da Terra, foi levada a reafirmar o pacto com Deus por iniciativa de Josué (Js.24), não se deu continuidade ao ensino da lei, como, aliás, havia sido determinado por Moisés (Dt.6:6-9).
- A falta de um ensino doutrinário nos lares dos israelitas, a ausência de uma educação bíblica dos pais aos filhos foi o primeiro fator que levou Israel a viver um período tão difícil como foi o período dos juízes, um período onde havia instabilidade espiritual, onde o povo permitiu que os costumes dos povos que habitavam a terra se introduzissem no meio do povo de Deus, um período em que a liberdade e o bem-estar foram exceção, verdadeiros oásis num deserto de sofrimentos, opressões e domínio estrangeiro.
- Esta mesma circunstância, a propósito, vivemos nos dias atuais na Igreja. Há uma grande negligência por parte dos pais no ensino bíblico para seus filhos. Não há mais culto doméstico nos lares, não há mais momentos de adoração a Deus, não há qualquer ensino das Escrituras nas casas dos crentes. Pais e filhos pouco se conversam e servir a Deus em conjunto, no lar, então, é uma raridade. O resultado é a instabilidade espiritual da igreja, a introdução do mundanismo e o desvirtuamento de grande parte de nossas crianças, adolescentes e jovens. Voltamos a viver o difícil tempo dos juízes.
- Sem educação, sem ensino, o povo desvia-se espiritualmente. Como a geração que seguiu a dos conquistadores de Canaã “não conhecia ao Senhor nem tampouco a obra que fizera a Israel”, “fizeram os filhos de Israel o que parecida mal aos olhos do Senhor e serviram aos baalins”. O resultado da falta de educação doutrinária no lar é um só: a mistura com o pecado e com o mundo, o desvio espiritual.
- Esta situação foi uma constante durante todo o período dos juízes. Como não havia educação doutrinária no lar, o que somente começou a se alterar nos dias de Samuel, o último juiz, o povo crescia sem o conhecimento da lei e partia para uma vida de pecado e de mistura com os costumes idolátricos dos povos que antes habitavam a Terra Prometida.
- Surge, então, o segundo fator que caracterizou este período. O fato de os israelitas não terem obedecido a Deus e ter deixado alguns cananeus, heteus, heveus, amorreus, girgaseus, ferezeus e jebuseus, que antes habitavam Canaã, fossem mantidos vivos após a conquista por parte de Israel. Deus havia ordenado a completa destruição desta gente (Dt.7:1-5), mas os israelitas preferiram receber tributos destes povos a destruí-los, o que foi objeto de dura repreensão por parte do Senhor, ainda nos dias de Josué (Jz.2:1-6). O resultado desta desobediência foi a criação de um laço que permitiu que Israel sucumbisse ao pecado e à idolatria.
- Deus havia mandado que o povo exterminasse estes povos da Terra por dois motivos: o primeiro, a injustiça destes povos havia chegado à medida do limite da paciência divina (Gn.15:16); segundo, o povo tinha de se manter separado das demais nações, pois era propriedade peculiar do Senhor (Dt.7:6; Ex.19:5,6). Assim, Israel deveria cumprir a vontade de Deus, executando a Sua justiça, como também impedir de se misturar com tão grandes pecadores.
- No entanto, Israel não fez isto e, ainda nos dias de Josué, Deus disse que não mais conseguiriam expelir aqueles povos do meio deles e eles lhes seriam por laço, por verdadeira pedra de tropeço. A convivência com estes povos, que eram mais adiantados do que os hebreus em vários aspectos (a Bíblia, mais de uma vez, mostra que os povos tinham o domínio de uma tecnologia que os israelitas não conheciam, notadamente no que respeita ao uso de metais – Jz.1:19; 4:3; I Sm.13:10), levou os israelitas a se misturar com os seus costumes e com a sua idolatria, perdendo a santidade e se tornando abomináveis ao Senhor (Jz.2:13-15).
OBS: Por oportuno, devemos observar que a Bíblia dá conta desta vantagem tecnológica dos povos que habitavam Canaã antes da conquista de Israel, vantagem esta que também possuíam os filisteus, outro povo que veio habitar a região. Assim, recentes descobertas arqueológicas, que dão conta destas vantagens tecnológicas, estão a confirmar e não a negar o texto bíblico.
- Esta mesma situação vive-se atualmente no “Israel de Deus”(Gl.6:16), ou seja, a Igreja, igualmente uma nação santa (I Pe.2:9), que está no mundo, mas não é do mundo (Jo.17:11, 14,16) e, portanto, deve viver separada do pecado, embora no meio dos pecadores. Infelizmente, muitos, assim como os israelitas dos tempos dos juízes, não conseguem se manter separados, santificados, misturando-se com o mundo e com o pecado, fazendo com que a ira de Deus caia sobre eles, pois, não nos iludamos, Deus não mudou e a Sua ira continua a se voltar contra os pecadores (Rm.1:18; Ef.5:6; Cl.3:6).
- Sem ensino e não tendo se separado dos povos idólatras à sua volta, os israelitas, no tempo dos juízes, não reconheciam o senhorio de Deus nas suas vidas e faziam o que bem entendiam, numa verdadeira anarquia. “Naqueles dias, não havia rei em Israel, porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos” (Jz.21:25). Esta é a forma triste com que se encerra o livro dos Juízes, resumindo o desgoverno em todos os aspectos daquele período. Sem a lei do Senhor, o povo escolhido de Deus vivia numa verdadeira baderna, era uma “casa da mãe Joana”. Que situação lamentável para uma nação que havia se tornado a menina dos olhos de Deus entre os povos!
- De igual forma, esta é a situação em que fica a Igreja quando abandona o seu Senhor e passa a fazer o que quer, amontoando doutores conforme a sua própria concupiscência (II Tm.4:3,4). Uma confusão sem igual, uma verdadeira “bagunça espiritual”, um local onde o inimigo “deita e rola”, “faz e acontece”, como, aliás, bem nos esclarece o apóstolo Pedro (II Pe.3:12-22) e o próprio Senhor Jesus (Lc.11:24-26). Vivemos dias em que alguns falsos servos de Deus apregoam uma liberdade ilimitada na graça, uma suposta superioridade espiritual que lhes permite fazer tudo o que bem entendem, chamando todos aqueles que se lhes opõem de “legalistas”, de “ultrapassados”, de “fracos na fé”. Entretanto, esta “liberdade” é anarquia, é fruto de uma vida pecaminosa, totalmente comprometida com o mundo e que revela tão somente aquela mesma filosofia de rebeldia contra Deus que encontramos nos tempos dos juízes, atitude que apenas desperta a ira divina e nada mais. Afastemo-nos deste tipo de gente antes que seja tarde demais (II Tm.3:5 “in fine”) !
- Uma quarta característica destes dias tão difíceis em que viveu Débora era o sofrimento, o castigo divino. Por causa do pecado e da desobediência, Deus, diante do Seu compromisso com Israel, permitia que o povo passasse por dominação estrangeira, que sofresse a opressão do inimigo. Durante todo este período, geração após geração, não houve uma geração sequer que não tenha sido dominada por um povo estrangeiro. Nos dias de Débora, por exemplo, eram os cananeus, sob a liderança de Jabim, com seus carros de ferro, quem dominaram sobre os israelitas, durante um período de vinte anos (Jz.4:1-3).
- Deus permitia que o povo sofresse para que eles pudessem se arrepender dos seus pecados. Na verdade, não fossem estas opressões, estas gerações deste período teriam todas se perdido, mas, aprouve o Senhor permitir que fossem oprimidas pelos inimigos, pois, assim, cada geração teve a oportunidade de se salvar, tanto que, pelo que vemos da narrativa do livro dos Juízes, todas elas, no sofrimento, voltaram-se para o Senhor e a Ele clamaram, tendo Deus, em todas as vezes em que isto ocorreu, levantado libertadores para povo, os juízes, que dão título ao livro.
- Temos, então, que o arrependimento dos pecados, no período, deu-se apenas como reação ao sofrimento, ao castigo divino. Daí vermos que, muitas vezes, somente o castigo divino permite a reconciliação com o Senhor, motivo por que, apesar do castigo, devemos sempre ver que a punição é mais um aspecto da bondade e do amor de Deus. Deus castiga porque ama, porque é Pai e nos escolheu como Seus filhos (Hb.12:6-11). Ante a falta de educação bíblica no lar e a ausência de santificação, não havia outra lição pedagógica para Deus senão o castigo, senão o sofrimento. Que aprendamos isto, se quisermos evitar sofrimentos e castigos ao longo de nossa jornada para o céu.
- Quando o povo se arrependia dos seus pecados, pedia perdão ao Senhor e clamava por libertação, o Senhor, mantendo a Sua fidelidade, levantava libertadores para libertar o povo (Jz.2:16,18). Deus jamais negou auxílio ao Seu povo e, havendo arrependimento sincero, destrói todos os obstáculos e concede a vitória aos Seus servos. Mas, para tanto, necessário se faz o arrependimento, pois Deus não ouve a quem não abandona os seus pecados (Is.59:2). Deus ainda inclina os Seus ouvidos para ouvir o gemido do Seu povo, continua o mesmo, mas se faz necessário que nos santifiquemos. Estamos em condição de ser ouvidos por Deus?
- Infelizmente, até os dias de Samuel, a libertação valia apenas para aquela geração, pois se manteve a negligência no ensino bíblico, de sorte que, num círculo vicioso, tudo começava novamente (Jz.2:19). Que Deus nos guarde de cairmos neste círculo vicioso, até porque a nossa responsabilidade, enquanto Igreja, é bem maior que a de Israel, pois, enquanto Deus falava aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos, nestes últimos, pelo próprio Filho (Hb.1:1). “Vede que não rejeiteis ao que fala; porque, se não escaparam aqueles que rejeitaram o que na terra os advertia, muito menos nós, se nos desviarmos dAquele que é dos céus, a voz do qual moveu então a terra, mas agora anunciou, dizendo: ainda uma vez comoverei, não só a terra, senão também o céu. E esta palavra: ainda uma vez, mostra a mudança das coisas móveis, como coisas feitas, para que as imóveis permaneçam. Pelo que, tendo recebido um reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade, porque o nosso Deus é um fogo consumidor” (Hb.12:25-29).
II – A BIOGRAFIA DE DÉBORA(I) – UMA MULHER PROFETISA E JUÍZA EM ISRAEL
- Era este o estado de coisas na vida de Israel quando surge a figura de Débora no texto sagrado. “Débora” (em hebraico, “Devorá”) significa “abelha” e, se “…designa uma pessoa que possui uma força de vontade excepcional. Ela luta com grande determinação para alcançar seus objetivos. Embora muito cautelosa, quando confia em alguém se revela uma companheira doce e amigável”.
- A Bíblia muito pouco fala sobre a vida de Débora. Surge ela, no texto sagrado, pela vez primeira, em Jz.4:4 e, fora esta passagem histórica do período de seu ministério, nada mais se fala sobre ela nas Escrituras. Sabemos, apenas, que ela era profetisa, mulher de Lapidote (em hebraico, “Lapidot”, cujo significado é “tochas”) e que julgava a Israel, entre Ramá e Betel, nos montes de Efraim, o que nos dá a entender que era da tribo de Efraim. Os estudiosos da Bíblia costumavam datar este período por volta de 1.120 a.C.
- Israel vivia um período difícil quando Débora aparece no cenário da história sagrada. Depois da morte de Eude, o segundo juiz de Israel, que os havia libertado do domínio de Eglom, rei de Moabe, o povo voltou a pecar e a transgredir a lei do Senhor, prova de que os 80 anos de sossego dados pelo Senhor (Jz.3:30), não forma suficientes para que o povo instituísse a necessária educação doutrinária nos lares, mantendo uma vida negligente de adoração a Deus. Nesse meio tempo, aliás, levantou-se um outro libertador em Israel, Sangar, filho de Anate, que teve grande vitória contra os filisteus, que ainda não haviam se tornado o principal inimigo de Israel (Jz.3:31).
- A situação de prosperidade fez com que o povo se esquecesse do Senhor e, por causa disso, Deus permitiu que novo período de opressão (o terceiro desde a morte de Josué) viesse sobre Israel. Desta feita, foram os cananeus, sob a liderança de Jabim, que deles se fez rei, tendo à frente de seu exército Sísera e reinando na cidade de Hazor, que conseguiu dominar os israelitas, dominação que durou longos 20 anos. O povo, então, clamou ao Senhor, pedindo por libertação (Jz.4:3).
- Apesar de sucinto, o texto bíblico muito nos fala a respeito de Débora. Em primeiro lugar, afirma que “naquele tempo”, Débora julgava a Israel. A ênfase do texto sagrado para indicar que era “naquele tempo”, mostra-nos que Débora era uma pessoa totalmente diferente das pessoas de sua geração. Não se sabe a idade de Débora, mas não era uma pessoa muito jovem. Casada, julgando as causas do povo, Débora não devia ser senão uma mulher de uma certa idade, a ponto de ser chamada de “mãe em Israel” (Jz.5:7). Assim, tudo indica que nasceu e viveu boa parte do período de “80 anos de sossego”, não tendo, porém, se deixado levar pelos costumes dos gentios.
- Débora não só não se deixou misturar com o pecado dos povos que vivem no meio do povo de Israel, como também buscou de forma bem intensa ao Senhor, a ponto de ser uma “mulher profetisa”. No texto sagrado, é a segunda profetisa que surge, a primeira na Terra Prometida, pois a primeira que assim é mencionada é Miriã, a irmã de Moisés (Ex.15:20). Esta busca a Deus em meio a um povo corrompido demonstra a grande firmeza de caráter de Débora é o segredo de sua coragem, a virtude que foi destacada por sua qualidade.
- A primeira qualidade de Débora que o texto sagrado destaca é o fato de ser “mulher profetisa”, circunstância que vem antes até do nome do seu marido, a demonstrar que, ante os olhos de Deus, mais valem as características espirituais do que as obtidas sobre a face da Terra. Débora era uma “mulher profetisa”, alguém que tinha se tornado porta-voz de Deus em meio a um povo pecador e idólatra. Que firmeza demonstrou Débora para servir a Deus em meio a uma geração perversa. Quantas lutas Débora enfrentou, quanto teve de renunciar para se manter separada do pecado e do mundo. Mas tudo isto levou a pena, porque Deus tinha uma comunhão toda especial com a Sua serva, fazendo-lhe Seu porta-voz, pois, em sendo Débora profetisa, não havia segredos entre ela e Deus (Am.3:7).
- Débora distinguiu-se no meio daquele povo pecador. Por ter decidido servir a Deus, apesar de todas as circunstâncias adversas, mostrou ser uma pessoa diferente e, pouco a pouco, o povo pôde perceber que ali estava uma mulher de Deus, uma mulher onde habitava o Espírito Santo (numa época, aliás, em que o Espírito estava sob medida, atuava limitadamente, não como hoje, em que foi derramado). Não foi fácil obter este reconhecimento por parte do povo de Israel. Além de se estar diante de um povo rebelde e pecador e que, portanto, não tinha discernimento espiritual, Débora era uma mulher e, como tal, alvo de todo o desprezo que a cultura hebraica devotava às mulheres, ainda que, reconheçamos, eram os israelitas o povo que melhor tratava a mulher na Antigüidade.
- Embora seja uma conseqüência do pecado a desigualdade de tratamento que há entre homens e mulheres (Gn.3:16), e até por causa disto, não pode o povo de Deus proceder com atitudes discriminatórias em razão do gênero. Para Deus, não há acepção de pessoas (Dt.10:17; II Cr.19:7; At.10:34), de modo que o Seu povo, que segue o Seu exemplo (I Co.11:1), não pode fazer qualquer distinção entre homens e mulheres, a não ser as diferenças próprias de cada sexo. Não há superioridade entre o homem e a mulher, devendo ambos ser tratados igualmente na Igreja, cada qual na sua função, conforme determinado pelo Senhor.
- Entre os israelitas, como também na Igreja, este tratamento imparcial e sem acepção encontra grande resistência cultural. É sabido que, apesar de a Bíblia ser clara ao dizer que tanto homem quanto mulher são imagem e semelhança de Deus (Gn.5:1,2), até hoje há uma bênção judaica, proferida diariamente, em que o judeu agradece a Deus por não ter nascido gentio, escravo nem mulher. Tal bênção, que sempre causou grande dificuldade de explicação entre os rabinos, não deixa de ser uma prova da resistência cultural, dos resquícios da situação resultante do pecado.
- O texto sagrado demonstra que Débora era “mulher profetisa”, ou seja, diante de Deus, não há acepção entre homem e mulher no que respeita ao relacionamento com o Senhor. Débora decidiu servir ao Senhor em meio a uma geração perversa e, com tal intensidade, que se tornou porta-voz de Deus. Era, sim, u’a mulher, e o texto bíblico não omite esta circunstância, mas a sua fidelidade a Deus foi tanta que, apesar de todas as circunstâncias culturais adversas, pôde não só ser reconhecida como profetisa, mas, também, passar a julgar o povo.
- Na sua dedicação a Deus, Débora passou a ter o discernimento espiritual necessário para julgar as causas mais difíceis que havia no meio do povo e, por isso, acabou se impondo como juíza em Israel. Não eram os homens que reconheciam esta ou aquela pessoa como juiz, mas tudo era resultado de uma vida de comunhão com o Senhor. Como vimos supra, era o Senhor quem levantava o juiz, pois era Deus quem reinava sobre o povo, tanto que, quando o povo de Israel pediu um rei, ato que pôs fim a este período, o próprio Deus disse ter sido Ele o rejeitado e não, Samuel (o último juiz) (I Sm.8:7). O juiz tornava-se notável, isto é, passível de ser notado como alguém que tinha o Espírito de Deus, por causa de sua vida exemplar, de seu testemunho (cfr. I Sm.3:19,20).
- Assim ocorreu com Débora, que passou a ser considerada pelo povo como juíza em Israel por causa do seu testemunho e de sua vida espiritual. No povo de Deus, devemos nos sobressair por causa do nosso testemunho, de nosso atendimento ao chamado do Senhor e não o contrário, ou seja, alguém se impor por causa de seu parentesco, de seus relacionamentos de amizade para só depois buscar a presença de Deus. Por causa disto há muitos escândalos e muitos fracassos no meio do povo do Senhor, mas, sem olharmos para os valores humanos, busquemos ter discernimento espiritual para vermos quem são os “profetas”, quem são os chamados do Senhor para esta ou aquela tarefa no meio do Seu povo, pois a Igreja é um povo guiado pelo Espírito Santo (Jo.14:26; Rm.8:14).
- O fato de Débora ser chamada no texto de “mulher profetisa” e, logo a seguir, ser dito que era “mulher de Lapidote”, também nos revela algo muito importante: o fato de Débora ser uma profetisa, ter sido elevada a juíza de Israel, não alterou a sua posição na sociedade. Débora alçara uma posição que jamais uma mulher havia obtido e que jamais viria a obter novamente na história de Israel daquele período. No entanto, isto não modificou a sua qualidade de “mulher” e de “mulher de Lapidote”. A igualdade diante de Deus não significa igualitarismo, ou seja, a idéia de que “todos são iguais”, muito divulgada em os nossos dias. Homem e mulher são iguais diante de Deus, mas são diferentes, aliás, não há um ser humano igual a outro sobre a face da Terra.
- Débora não havia deixado de ser “mulher”, nem de ser a “mulher de Lapidote”, ou seja, mantinha sua condição de mulher e, como tal, com deveres e funções diferentes da dos homens e das de seu marido. Débora não era uma “feminista”, que defendia que as mulheres são iguais aos homens e que não há qualquer diferença entre os dois gêneros. Débora é um exemplo de que, diante de Deus, não há acepção de pessoas, mas que cada um mantém a sua individualidade, individualidade esta que deve ser respeitada e, mais, que homem e mulher são diferentes, tendo atividades e funções peculiares a cada gênero.
- O texto sagrado diz que Débora foi levantada como “mãe” em Israel. Ora, somente uma mulher poderia ser “mãe”. Esta é mais uma demonstração de que a igualdade diante de Deus, o tratamento imparcial que se deve dar a todo ser humano, sem discriminação, não significa deixar de reconhecer as diferenças que existem entre os gêneros e as funções distintas que só um gênero pode exercer.
III – A BIOGRAFIA DE DÉBORA(II) – O CHAMADO PARA A BATALHA E O CÂNTICO DA VITÓRIA
- Tanto assim é que Débora, embora fosse juíza em Israel, chamou a Baraque, filho de Abinoão, de Quedes de Naftali, para que comandasse o povo de Israel na guerra contra Jabim. Por que Deus mandou que Débora chamasse Baraque, se era ela a profetisa e a juíza em Israel? Porque o comando militar não era adequado nem apropriado para u’a mulher como Débora, já de certa idade e cuja condição de mulher não lhe permitia dirigir uma guerra. Temos aqui, portanto, uma clara demonstração que contesta tanto as “feministas” como os “machistas”.
- Como é bom quando somos guiados por Deus, o único ser que conhece a estrutura de cada um (Sl.103:14), o único que conhece o coração de cada ser humano (I Sm.16:7; Jo.2:25). Débora, por ser guiada pelo Espírito de Deus, pôde saber quem era o homem mais valoroso, mais adequado para liderar a guerra contra Jabim, cujo exército, diz-nos o texto sagrado, era extremamente bem equipado, com carros de ferro, que o fazia praticamente imbatível naquele tempo. Débora, vivendo nos montes de Efraim, não tinha, a não ser pelo Espírito de Deus, saber que um homem de Quedes de Naftali seria o ideal para o comando da peleja, mas Deus, que cuida do Seu povo e sabe as qualidades de cada um, pôde fazer esta indicação.
- Débora não queria ir à batalha. Sabia que não tinha condição nem preparo para liderar uma guerra. Por isso, sabendo que esta era uma típica função masculina, guiada pelo Espírito de Deus, chamou a Baraque, que foi tão somente o comandante do exército de Israel e não juiz, como alguns israelitas “machistas” insistem em afirmar ao escreverem a história sagrada.
- Débora convoca Baraque e diz que ele deveria atrair gente de Naftali e de Zebulom, dez mil homens, no monte Tabor, para a batalha contra as tropas de Sísera, a ser travada no ribeiro de Quisom. Em primeiro lugar, devemos observar que se exigiu de Baraque que “atraísse gente”, a sua própria gente, a gente da tribo de Naftali, bem como a tribo vizinha de Zebulom. Deveria ser uma forte atração, pois estes dez mil homens deveriam ser reunidos no monte Tabor, “…uma colina de certa proeminência, localizada cerca de 16 km a sudoeste do mar da Galiléia, no vale de Jezreel. Chega a 562m de altitude, acima do nível do mar. Suas vertentes são muito inclinadas, e em vários lugares da ascensão, divisam-se paisagens espetaculares.…”.
- Esperava-se de Baraque, portanto, que tivesse grande “poder de atração” , pois deveria convencer cerca de dez mil homens, num período de uma cruel opressão, com inimigos muito bem armados, a subir um monte, cuja subida era difícil, aos olhos do adversário, ou seja, que houvesse uma disposição firme para lutar, pois só a reunião já seria considerado um ato de guerra por Jabim e Sísera (cfr. Jz.4:12,13). Esta disposição firme era a coragem, não só de Baraque, mas de todos os soldados que viessem a ele.
- É interessante observar que, para demonstrar coragem, o povo deveria subir até o monte Tabor (que, pela tradição, é apontado como tendo sido o monte da Transfiguração), ou seja, mostrar-se a todos como pessoas dispostas a lutar contra o inimigo. Temos tido este mesmo propósito em nossas vidas? Jesus disse que somos a luz do mundo e não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte (Mt.5:14). Neste mundo, devemos resplandecer como astros no mundo num meio de uma geração corrompida e perversa (Fp.2:15).
- Exigia-se, pois, de Baraque e de todos os que se juntassem a ele a mesma postura que Débora tinha tido até ali. Por ser fiel a Deus e não ter se contaminado com o pecado dos povos à sua volta, Débora tinha se tornado uma profetisa e juíza em Israel e, agora, como o povo havia se arrependido dos seus pecados e clamado a Deus, fazia-se necessário que, também, fossem eles corajosos o suficiente para romper com o pecado e “subir o monte Tabor”, demonstrar disposição firme de romper com o pecado, com o mundo, com o inimigo.
- Baraque estava disposto a fazê-lo, mas disse que se Débora não fosse com ela, não iria (Jz.4:8). Aqui vemos um outro motivo pelo qual Débora estava a julgar a Israel naquele tempo. Não havia homem algum disposto a assumir, sozinho, o comando para libertar Israel. Baraque fora escolhido por Deus como comandante porque era o indivíduo mais corajoso, o mais valoroso de todos os homens de Israel. Se ele não se mostrava a disposto a ir sozinho, sem a companhia de Débora, temos que nenhum homem, naquele tempo, tinha tal disposição. Todos os homens eram “frouxos” e, como nos ensina Salomão, “se te mostrares frouxo no dia da angústia, a tua força será pequena” (Pv.24:10).
- A ascensão de Débora à posição de juíza em Israel está relacionada com a “frouxidão”, a “fraqueza”, a “vacilação” dos homens de seu tempo. O homem mais valoroso, que era Baraque, era “fraco”, estava “vacilante”, não demonstrava “firmeza”, mesmo tendo sido convocado pela profetisa, por alguém que tinha plena comunhão com Deus. Como não havia homens dispostos a ser firmes na Sua presença, Deus levantou u’a mulher para este papel.
OBS: A palavra hebraica utilizada em Pv.24:10 é “raphah”, cujo significado é “relaxar”, “enfraquecer”, “sucumbir”, ou seja, a idéia nitidamente é de enfraquecimento, de perda de firmeza, de falta de coragem.
- Débora fora levantada como “mãe em Israel” porque não havia homem algum disposto a ser corajoso, porque faltavam homens firmes e Deus não Se prende ao homem e às suas limitações para cumprir os Seus compromissos. Deus tinha um pacto com Israel e, por isso, mister se fazia levantar um libertador para o povo. Como não havia homem disposto, Deus levantou u’a mulher.
- Originariamente, o homem foi posto como cabeça da mulher (I Co.11:3), mas se ninguém se puser na brecha (Ez.22:30), Deus levantará mulheres, pois a Sua obra tem de ser realizada. Isto ocorreu não só na história de Israel, como na história da Igreja, onde, por diversas vezes, o Senhor, ante a inoperância masculina, levantou mulheres para exercer funções que, a princípio, eram destinadas aos homens. Assim é que, por exemplo, o “movimento de santidade”, base do avivamento pentecostal. teve como figuras proeminentes as pessoas de Sarah Worrall Lankford , Phoebe Palmer (1807-1874) e de Hannah Whitall Smith (1832-1911), sem falar na figura importante de Frida Vingren (1891-1940), esposa do missionário Gunnar Vingren e cuja atuação foi de extrema relevância na história das Assembléias de Deus no Brasil.
- O compromisso de Deus é com o Seu povo e a Sua Palavra e, para tanto, busca homens e mulheres dispostos a fazer a Sua obra. Se os homens se mostrarem “frouxos”, o Senhor levantará mulheres, ainda que em funções que, a princípio, seriam destinadas aos homens. Débora é um exemplo e, por isso, foi ela para a batalha, embora o comando estivesse com Baraque e, também por causa disso, u’a mulher, Jael, foi a responsável pela morte de Sísera e, por isso, a honra por esta vitória militar ficou com as mulheres e não com os homens.
- Baraque deveria atrair gente para o monte Tabor, mas a batalha se daria no ribeiro de Quisom, ao pé do monte Carmelo, para onde o Senhor atrairia Sísera e seu exército (Jz.4:7). Enquanto que, para demonstrar disposição para a luta, deveriam os valentes se apresentar no monte, para a batalha, escolheu-se um vale. Devemos nos mostrar como luzes do mundo, mostrar a todos que somos servos do Senhor, mesmo num meio de uma geração perversa e corrompida, mas, no dia-a-dia da luta contra o mal, nos embates, devemos descer no vale, no ribeiro, para que só o nome do Senhor seja glorificado. O servo do Senhor não deve querer aparecer, mas ter, em seu coração, “É necessário que Ele cresça e que eu diminua”(Jo.3:30). Baraque só venceu quando, juntamente com seus soldados, desceu do monte (Jz.4:14).
- Ser corajoso, com se vê, é se manter firme aos pés do Senhor, mostrar-se diante do inimigo, mas jamais atacar ou lutar sem a devida direção divina. Baraque deveria lutar somente após o Senhor ter atraído o inimigo até o ribeiro de Quisom. Devemos, também, nas lutas de cada dia, somente atacar quando e onde o Senhor nos mandar. Resistir ao diabo para que ele fuja de nós exige, antes, que nos sujeitemos a Deus, que sigamos a Sua orientação (Tg.4:7). Jesus, quando enfrentou o diabo, fê-lo porque estava conduzido pelo Espírito Santo (Mt.4:1).
- A vitória de Baraque esteve vinculada à obediência com relação ao momento e ao local indicados pelo Senhor para a batalha. Baraque somente desceu do monte Tabor com seus homens quando Débora lhe disse que era aquele o dia em que o Senhor havia determinado a vitória sobre o inimigo (Jz.4:14). Devemos saber que há um tempo determinado para todo propósito debaixo do céu (Ec.3:1) e devemos estar em perfeita sintonia com o Senhor, para fazer a Sua vontade. Por isso, devemos ter comunicação com Ele, comunicação esta que somente se estabelece mediante a oração, o jejum e a meditação na Bíblia Sagrada. Não é por outro motivo que o Senhor nos ensinou a orar pedindo que a vontade de Deus seja feita na terra como no céu (Mt.6:10).
- Quando Baraque obedeceu ao Senhor e desceu até o ribeiro de Quisom, tem-se que o Senhor agiu, pois, como bem sabemos, embora tenhamos de estar preparados para a batalha, a vitória vem do Senhor (Pv.21:31). A vitória militar era impossível aos olhos humanos, diante da superioridade do exército de Sísera, mas, quando Baraque desceu para o ribeiro de Quisom, este, inexplicavelmente, inundou a região, fazendo com que os carros de Sísera se tornassem um entrave e se criasse uma confusão que foi suficiente para que Baraque pudesse ter vantagem sobre o inimigo (Jz.5:21,22).
- Deus tinha compromisso com o Seu povo, tinha de libertá-lo, mas, para tanto, era preciso que o povo se dispusesse a servi-lo, seja se arrependendo dos seus pecados, seja se dispondo a ir para a batalha. Por isso, Débora, em seu cântico, que é um dos mais antigos textos conhecidos em hebraico, afirma, em primeiro lugar, que se deveria louvar a Deus porque os chefes haviam se posto à frente e o povo se oferecido voluntariamente (Jz.5:2).
- Mas, como havia sido dito por Débora, apesar da vitória cabal conseguida pelo exército de Baraque, Sísera conseguiu fugir e acabou sendo morto por Jael, mulher de Heber, que era queneu, ou seja, descendente do sogro de Moisés, Jetro, povo que veio morar juntamente com os israelitas desde aquele tempo. A honra pela vitória militar, portanto, ficou com uma mulher.
- No cântico em que Débora louva ao Senhor pela vitória, cântico que, como toda obra do gênero no Antigo Testamento, é, na verdade, uma mensagem inspirada pelo Espírito Santo, Débora nos mostra que, enquanto Baraque atraíra os soldados das tribos de Naftali e de Zebulom, a profetisa conseguira o apoio das tribos de Efraim, Benjamim e da meia tribo de Manassés (Maquir, nome do filho de Manassés) e Issacar.
- Entretanto, a meia de tribo de Manassés, que ficava do outro lado do Jordão, Ruben, Dã e Aser não ajudaram na peleja, preferiram manter-se sob a escravidão. A profetisa, em nome do Senhor, censura este povo, que, lamentavelmente, tipifica muitos que, na atualidade, preferem se manter sob o domínio do mal e do pecado a se dispor voluntariamente a lutar contra o inimigo.
- Ruben ficou discutindo se ajudaria, ou não, e, enquanto discutiam, a peleja ocorreu, sem que eles tivessem ajudado. Ruben é o modelo dos indecisos, dos tímidos, daqueles que, por terem receio no seu coração, mostram-se fracos. Estes, como afirma o poeta sacro, não receberão o eterno galardão que o Senhor tem para dar, pois os tímidos ficarão do lado de fora da cidade celestial (Ap.21:8). Jesus repreendeu este tipo de gente, porque não têm fé (Mc.4:40) e, sem fé, é impossível agradar a Deus (Hb.11:6).
- Dã, a meia tribo de Manassés e Aser, por sua vez, em vez da indecisão de Ruben, preferiram desfrutar do que ainda possuíam a se arriscar ante o poderoso inimigo. “Detiveram-se em navios”, “assentaram-se nos portos do mar e ficaram nas suas ruínas”. Estes tipificam aqueles que preferem as bolotas que se atiram aos porcos, as ilusões deste mundo a tornarem a Deus e a se arrependerem dos seus pecados. Encontram-se presos em suas concupiscências e, em virtude disto, amam mais a glória dos homens do que a glória de Deus (Jo.12:42,43). Não querem ser expulsos da sinagoga e, por causa disto, não entrarão no céu. O verdadeiro e genuíno servo de Deus, porém, não busca a glória dos homens (I Ts.2:6), seguindo mais este exemplo do Senhor Jesus (Jo.5:41).
- Também foi alvo de censura pela profetisa a cidade de Meroz, localizada na tribo de Naftali, próxima a Quedes, cidade de Baraque, que, ao contrário dos demais naftalitas, não compareceu para a batalha, demonstrando, assim como as demais tribos, covardia e desatendimento ao chamado do Senhor (Jz.5:23). Meroz foi acremente amaldiçoada, ou seja, duramente amaldiçoada. Esta maldição mostra-nos como é grave e sério desatendermos ao chamado do Senhor, desprezarmo-lO. Como diz o escritor aos hebreus, “…mas o justo viverá da fé e, se ele recuar, a Minha alma não tem prazer nele” (Hb.10:38). Temos atendido ao chamado do Senhor para a batalha contra o mal? Ou temos preferido ver os outros lutar como o povo de Meroz?
- Débora, em seguida, no seu cântico, abençoa Jael e as mulheres, pela disposição demonstrada na batalha, pela forma como habilmente “rachou a cabeça” do inimigo, não dando a mínima chance, a mínima brecha para que ele pudesse subsistir. A bênção foi estendida também a todos os que amam o Senhor (Jz.5:31). Quem ama a Deus? Aquele que faz o que Ele manda (Jo.15:14). Somos alcançados por esta bênção divina feita pela boca de Débora?
- Neste cântico, Débora mostra que era uma mulher de Deus, que o Espírito Santo nela repousava, que se tratava de uma pessoa despertada para as coisas de Deus (Jz.5:12), que não temia falar a verdade e que nem a vitória impedia de considerar as falhas e os acertos de cada um. Era uma mulher com amplo discernimento espiritual e responsabilidade e que sabia bem delinear as responsabilidades de cada um. Por isso, tinha condições de julgar Israel, pois agia com imparcialidade, retidão e justiça.
- Como é diferente o tempo em que vivemos, onde os líderes nem sempre agem sem acepção de pessoas, com retidão e justiça, onde o favoritismo, infelizmente, é uma tônica e um modo de ação característico daqueles que estão à frente do povo de Deus. Que possam eles aprender com Débora que, sem titubear, e sob a inspiração do Espírito Santo, pôs tudo no seu devido lugar, enaltecendo aqueles que, efetivamente, cumpriram os desígnios divinos e repreendendo aqueles que não se conduziram bem na luta contra o inimigo. É esta a função de quem está à frente do povo do Senhor, é esta a função de apascentar as ovelhas: usar da vara e do cajado para que todos os santos possam se aperfeiçoar e chegar à estatura de varão perfeito, à medida de Cristo.
IV – DÉBORA – A “ABELHA” MÃE EM ISRAEL
- Neste ponto, aliás, vemos que o nome de Débora, ou seja, “abelha”, tem muito a nos ensinar sobre a personalidade desta mulher, sobre o que a Bíblia pouco fala. Como se sabe, a abelha é uma das criaturas mais impressionantes sobre a face da Terra, cuja organização social é uma lição que devemos aprender sempre.
- A abelha é enaltecida nas Escrituras por causa de sua organização social. A abelha é um animal que vive em sociedade, cuja sobrevivência é impossível de modo isolado. Elas vivem em colônias, as “colméias”, que têm cerca de 80.000 abelhas, todas elas guiadas por uma única rainha, que é a única abelha fêmea com capacidade de reprodução. Não é possível mais de uma abelha rainha em uma colméia e, se, porventura, nasce mais de uma ao mesmo tempo, elas lutam entre si até que uma morra. A unidade é o elemento que as Escrituras mais ressaltam nas abelhas (Dt.1:44; Sl.118:12).
- Esta unidade da colméia ensina-nos muito, no sentido espiritual. Débora, a abelha que Deus levantou em Israel, fez o povo compreender que deveria servir única e exclusivamente ao Senhor. No povo de Deus, temos, assim, uma verdadeira “colméia”, porque “há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos, e em todos”(Ef.4:4-6).
- Débora demonstrou a importância da unidade quando determinou a Baraque que atraísse as pessoas a si, a fim de que houvesse sucesso na batalha, como também quando, em seu cântico, censurou duramente a tribo de Ruben que, por estar dividida na discussão, não pôde lutar contra o inimigo. O próprio Senhor Jesus ensinou que “Todo reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá” (Mt.12:25). O apóstolo Tiago afirma que a situação espiritual da indecisão é desastrosa (Tg.1:6-8).
- Mas, além da unidade, as abelhas ensinam-nos a disposição para o trabalho. A quase totalidade da colméia é formada das chamadas “abelhas operárias”, abelhas sem capacidade de fecundação, que trabalham diuturnamente e cujo trabalho é indispensável para a sobrevivência da colméia. Das 80.000 abelhas de uma colméia, exceto a rainha e algumas centenas de zangões (abelhas macho, cuja função é tão somente fecundar a abelha-rainha), as demais são “operárias”, visitando cerca de 10 flores por minuto, num total de 40 vôos diários, numa vida que dura, em média, um mês e meio.
- As abelhas vivem para trabalhar e este trabalho é a razão de sobrevivência da colméia. “…Com a língua, as abelhas recolhem o néctar do fundo de cada flor e o guardam numa bolsa localizada na garganta. Depois voltam à colméia e o néctar vai passando de abelha em abelha. Desse modo, a água que ele contém se evapora, ele engrossa e se transforma em mel.…” No seu trabalho, a abelha retira o néctar das flores e produz o mel, mediante a colaboração de cada abelha. Assim, também, a Igreja, em seu trabalho, deve produzir não o mel, mas algo mais doce que o mel: a Palavra de Deus (Sl.119:103). A Igreja tem a missão de pregar o Evangelho, levar a Palavra de Deus ao mundo. Débora, no seu tempo, era a porta-voz de Deus ao Seu povo. Temos sido “abelhas operárias” do Senhor?
- Outra nota sobre as abelhas diz respeito ao sistema de defesa das abelhas. “…A abelha operária (ou obreira), preocupada com sua própria sobrevivência e encarregada da proteção da colméia como um todo, tem um ferrão na parte traseira para ataque em situações de suposto perigo. Esse ferrão tem pequenas farpas, o que impede que seja retirado com facilidade da pele humana. Quando uma abelha se sente ameaçada, ela utiliza o ferrão no animal que estiver por perto. Depois de dar a ferroada, ela tenta escapar e, por causa das farpas, a parte posterior do abdômen onde se localiza o ferrão fica presa na pele do animal e a abelha perde uma parte do intestino, morrendo logo em seguida. Já ao picar insetos, a abelha muitas vezes consegue retirar as farpas da vítima e ainda sobreviver.…”.
- Aqui também temos uma importante lição. A abelha, se utilizar o ferrão contra algum animal que tenha pele, morrerá por causa do uso do ferrão. Somente usa o ferrão quando está ameaçada, mas, como o ferrão tem várias farpas, parte do seu intestino sai com o ferrão e, por isso, ela acaba por morrer. De igual maneira, o servo de Deus não deve “ferroar” “animais que têm pele”, ou seja, não deve indispor-se, machucar o próximo, pois, se o fizer, certamente morrerá, pois tirará de dentro de si (o intestino representa aqui a parte interior do homem) o amor que foi derramado pelo Espírito Santo em nossos corações quando de nosso novo nascimento. Sem amor, sem ter como amar, não seremos mais filhos de Deus, teremos morrido espiritualmente (I Jo.4:8-16).
- Débora não utilizou o ferrão contra o próximo. Dedicava-se a Deus e clamava pelo povo que havia se desviado espiritualmente e o Senhor lhe fez dar a chave para a libertação, através de Baraque e da batalha de Quisom. Débora conclamou as tribos de Israel a irem para a peleja, sem levar em conta que eram pecadores e que se haviam desviado dos caminhos do Senhor. Débora amava o seu povo e queria a sua libertação. O Senhor usou o Seu ferrão contra o inimigo, através das águas de Quisom, tendo Baraque e seus soldados agido de acordo com a orientação divina, o “ferrão contra os insetos”, que não causa morte, visto que viver é seguir e observar os mandamentos do Senhor (Lv.18:5; Mt.4:4).
- Mas, ainda em relação à abelha, temos que “…a rainha é quase duas vezes maior do que as operárias e sua única função do ponto de vista biológico, é a postura de ovos, já ela é a única abelha feminina com capacidade de reprodução. A rainha nasce de um ovo fecundado, e é criada numa célula especial, diferente dos alvéolos hexagonais que formam os favos. Ela é criada numa cápsula denominada realeira, na qual é alimentada pelas operárias com a geléia real, produto riquíssimo em proteínas, vitaminas e hormônios sexuais. A geléia real é o único e exclusivo alimento da abelha rainha, durante toda sua vida. E a partir do nono dia, ela já esta preparada para realizar o seu vôo nupcial, quando, então, será fecundada pelos zangões(…). A rainha voa o mais que pode e é fecundada pelo macho que conseguir ir ter com ela.…” .
- Débora era uma verdadeira “abelha-rainha” no meio do povo de Israel.Voara mais alto que os demais. Enquanto os homens e mulheres israelitas mergulhavam mo lamaçal do pecado, Débora caminhava rumo ao alto, para ter mais intimidade com o Senhor. Pensava nas coisas de cima (Cl.3:1,2), tanto que é identificada como a “mulher profetisa”, antes mesmo de ser chamada de “mulher de Lapidote”.
- O servo do Senhor deve ser alguém que pensa nas coisas que são do céu. Não deve ter sua mente voltada para as coisas desta vida, nem o seu tesouro pode estar situado nesta terra, pois, se assim proceder, não poderá subir para o céu no dia do arrebatamento da Igreja. Débora era assim, uma mulher que tinha prioridade nas coisas do céu e, por causa disto, até, foi levantada como juíza por Deus. Assim deve proceder o crente: buscar o reino de Deus e a sua justiça, a fim de que tudo o mais seja acrescentado.
- Mas, além disso, temos que a “abelha-rainha” é a única fêmea com capacidade de reprodução na colméia. Somente ela dá origem a novas abelhas e ninguém mais. Isto nos fala que somente o servo de Deus pode frutificar neste mundo estéril, pois só ele tem a vida eterna. Devemos frutificar e nosso fruto deve ser permanente.
- O servo do Senhor é um ser fecundo, que produz o fruto do Espírito, que frutifica como determinado pelo seu Criador (Gn.1:28), que tendo recebido a semente, por ser uma boa terra, muito fruto produz para a glória de Deus (Mt.13:23; Jo.15:16). Débora não só buscou a Deus, não só tinha mensagens para o povo, como também foi importantíssima para que o povo tivesse a necessária disposição, a coragem indispensável para enfrentar o inimigo e vencê-lo. Débora conseguira, assim, obter para o povo um sossego de quarenta anos (Jz.5:32). Temos conseguido trazer o repouso para os homens e mulheres que estão à nossa volta? Temos conseguido levar a paz do Senhor para aqueles que nos cercam, como nos manda o Senhor em Mt.10:12,13?
- A “abelha-rainha”, também, tem apenas um tipo de alimento: a geléia real, que é produzida pelas abelhas operárias. Isto nos lembra que o servo de Deus deve ter apenas um único alimento: o cumprimento da Palavra de Deus, o pão que desceu do céu. “A minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida”, disse o Senhor Jesus (Jo.6:55). Não falava o Senhor de Seu corpo físico, nem tampouco apenas dos elementos da ceia do Senhor, mas, sim, de fazer a vontade de Deus, de seguir a Sua Palavra, pois, como dissera Jesus noutra oportunidade: “A minha comida é fazer a vontade daquele que Me enviou e realizar a Sua obra”(Jo.4:34). Como o apóstolo Paulo explanaria tempos depois: “…o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”(Rm.14:17). Qual tem sido o nosso alimento diário?
- Por fim, ainda falando em colméias, lembremo-nos dos zangões, as abelhas macho, cuja única função era a de fecundar a rainha. “…Os machos podem entrar em qualquer colméia ao contrário das fêmeas. A única missão dos machos é fecundar a rainha.(…). Depois de cumprirem essa missão, eles não são mais aceitos na colméia. No fim do verão, ou quando existe pouco mel na colméia, as operárias fecham a porta da colméia e deixam os machos morrerem ao frio e à fome.…” (Abelha. end.cit.).
- Nos dias de Débora, parece mesmo que os varões eram quase que só “zangões”, ante a sua frouxidão e falta de disposição em servir a Deus e nEle buscar coragem. Os “zangões” não têm colméia fixa, vivem de um lado para o outro, sem parada certa e nada mais fazem senão fecundar a rainha. São despidos de defesa pessoal e somente o mais hábil deles consegue voar a ponto de poder fecundar a abelha-rainha. Depois que fecundam a rainha, perdem a sua função, são banidos do grupo e, quando há falta de mel ou quando se encerra o verão, não conseguem mais entrar na colméia.
- Os zangões falam-nos daqueles que não têm firmeza espiritual, dos tímidos sobre os quais já dissertamos supra. Triste é ser “zangão” no meio do povo de Deus. O “zangão” não tem firmeza, vive de um lado para outro, servindo apenas para a frutificação dos outros, mas não tendo qualquer vida espiritual própria. Na dificuldade, morre, porque não tem raiz em si mesmo, porque não tem vida abundante(Mt.13:20-22). Quando acabar o verão, ou seja, quando vier o arrebatamento da Igreja, por causa de sua negligência espiritual, de sua timidez, será mantido do lado de fora da cidade celeste(Mt.25:3,8,10-12). Que não sejamos “zangões”, amados irmãos!
V – O QUE APRENDEMOS A FAZER COM DÉBORA
- Como temos feito em todas as lições, investiguemos agora o que podemos aprender com Débora para aprimorarmos o nosso caráter cristão.
- A principal virtude de Débora a coragem. De bom alvitre, aliás, foi a associação desta virtude a u’a mulher, para que não se confunda coragem com “valentia”, com “uso de violência física”, como, infelizmente, costuma ser feito, mormente em países latinos, como é o caso do Brasil.
- “Coragem” é uma atitude que vem do interior, do âmago do ser humano, uma disposição de enfrentar as oposições levantadas pelo inimigo, de demonstrar confiança em Deus e em Suas promessas e, diante disto, fazer aquilo que é da vontade do Senhor, mesmo que contrarie a razão, a lógica e a vontade própria. Coragem é, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, “firmeza de espírito para enfrentar situação emocionalmente ou moralmente difícil”.
- Ora, na vida de Débora, vemos esta virtude bem delineada. Num instante de fracasso espiritual, em que o povo estava há décadas vivendo no pecado, misturando-se com a idolatria dos povos que viviam no meio dos israelitas, Débora resolveu dedicar-se a Deus e a viver em santidade, a ponto de se tornar uma profetisa e, depois, uma juíza em Israel, u’a mulher que se destacava numa sociedade machista. Assim também, nós, que servimos a Deus no meio de uma geração perversa e corrompida, devemos, também, brilhar como astros no mundo, devemos refletir a glória do Senhor, sermos testemunhas de Jesus Cristo, andando contra o curso deste mundo e, “de coração inteiro” (a palavra “coragem” vem de “cor”, que, em latim, significa coração) servir ao Senhor.
- Mas, com Débora, também aprendemos a dar a prioridade às coisas de Deus. Débora é identificada como “mulher profetisa”, ou seja, tinha em primeiro plano o seu relacionamento com Deus. Comungava com o Senhor dos Seus segredos, tinha intimidade com Deus, buscava, em primeiro lugar na sua vida, ter um papel determinado por Deus na sociedade. “Buscar primeiro o reino de Deus e a sua justiça” é o que deve fazer cada servo do Senhor, seguindo, assim, o exemplo deixado por Débora.
- Mas Débora, apesar de pôr o seu relacionamento com Deus em primeiro plano, de ter a busca do Senhor a sua principal ocupação, também nos dá uma lição a respeito não nos esquecermos de nossa posição diante da sociedade, de respeitarmos a cultura do povo onde vivemos, naquilo, obviamente, que não contraria a Palavra do Senhor. Débora era “mulher profetisa”, mas não deixava de assumir a sua condição de “mulher” bem assim o seu papel de “mulher de Lapidote”.
- Débora não negou a sua femininidade, nem tampouco a sua condição de mulher de Lapidote, apesar de ser profetisa e juíza de Israel. Embora soubesse que havia sido levantada como “mãe em Israel”, Débora jamais negou a sua posição social, o que, infelizmente, muitos não têm feito. Tanto assim é que, no momento de libertar a Israel, chamou Baraque que, como homem, tinha condições de comandar o exército na guerra, função que não era possível Débora assumir e, mesmo quando Baraque pediu que Débora fosse com ele, não assumiu para si o comando, como também não foi a mulher que obteve a honra militar. Que lição para os nossos dias!
- Devemos dar prioridade à obra de Deus, buscar primeiro o reino de Deus, mas não devemos nos descuidar dos papéis que temos na sociedade, papéis estes, aliás, que nos foram dados pelo próprio Senhor, que nos fez nascer em uma dada sociedade, bem como ocupar esta ou aquela posição. Como “mulher” e como “mulher de Lapidote”, Débora tinha responsabilidades que eram de indispensável cumprimento, até porque, se Débora não se portasse devidamente como u’a mulher e não tivesse um bom testemunho conjugal diante de Lapidote, jamais poderia julgar a Israel ou ser profetisa.
- Muitos têm negligenciado, “por causa da obra de Deus”, os seus papéis sociais, a começar pelos papéis familiares e o resultado disto outro não é senão o fracasso de seu ministério. Quem não consegue governar bem a sua casa, como poderá governar a casa de Deus (I Tm.3:4,5). Entretanto, contam-se às centenas, quiçá milhares, aqueles obreiros que têm feito perecer os seus ministérios porque descuidaram de cuidar de seus lares. Aprendamos com Débora: sejamos “profetisa”, mas não deixemos de ser “mulher” e “mulher de Lapidote”.
- Débora também ensina-nos muito a respeito da imparcialidade. Sendo juíza, Débora não podia fazer acepção de pessoas (Dt.16:19; II Cr.19:7). Efetivamente, Débora demonstrou ser imparcial. Convocou Baraque e lhe mandou libertar o povo, mas, ante a sua frouxidão, não deixou de lhe dizer que iria vencer, mas perderia a honra da vitória para u’a mulher. Também, em seu cântico, não tratou a todos igualmente, porque Israel fora liberto, mas, antes, louvou aqueles que expuseram suas vidas em risco, os corajosos, censurando os que haviam se acovardado, nominando-os sem qualquer favoritismo, tanto que Meroz, cidade da tribo de Baraque, foi alvo de u’a maldição dura.
- Com Débora, também, aprendemos a lição do discernimento espiritual. Débora tinha o Espírito Santo e tudo discernia espiritualmente (I Co.2:11-16). Assim, em seu cântico, vemos que louvou ao Senhor não por causa da vitória militar obtida, mas porque o povo havia se oferecido voluntariamente, ou seja, por causa da disposição firme de coração do povo em servir ao Senhor, disposição esta que fora o ponto inicial da vitória exterior obtida. De igual modo, ao censurar os que se negaram a ir à guerra, Débora aponta fatores internos, espirituais. Temos este discernimento espiritual, ou nos comportamos como verdadeiros homens naturais, julgando apenas segundo a aparência?
- Débora, também, ensina-nos a lição do companheirismo, do amor fraternal. Segundo vemos do relato bíblico, Débora não se negou a acompanhar Baraque, ainda que fosse dele a tarefa de comandar o exército e libertar o povo de Israel. Poderia ficar debaixo da sua palmeira entre Ramá e Betel, nos montes de Efraim, já que não era sua a tarefa, conforme a mensagem do Senhor, mas, ante o pedido de Baraque, sentiu amor fraternal e fez companhia ao exército, embora não tenha guerreado propriamente, vez que isto não era da sua alçada. Mas o fato de ir até um campo de batalha, sendo u’a mulher de certa idade, demonstra como ela era companheira e disposta a ajudar aqueles que se encontravam necessitando de apoio moral. Temos sido companheiros dos nossos irmãos? Temos nos ajudado uns aos outros?
VI – O QUE APRENDEMOS A NÃO FAZER COM DÉBORA
- O relato da vida de Débora é muito sucinto, de modo que quase não podemos encontrar qualquer falha em sua conduta. Entretanto, como bem sabemos, só uma pessoa não teve falhas em toda a história sagrada: nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
- Ainda que entendamos que a situação vivida por Israel era extremamente difícil nos dias da dominação de Jabim, o fato é que a Bíblia nos fala que todo o povo tinha de subir até os montes de Efraim, entre Ramá e Betel, para levar as causas para serem julgadas por Débora, que habitava debaixo de suas palmeiras (Jz.4:5).
- Débora, portanto, era uma pessoa pouco acessível, que não ia ao encontro do povo, mas o povo é quem tinha de subir até os montes de Efraim. “…a região no centro-oeste da Palestina, que caiu por sorte a Efraim, é, em sua maior parte, relativamente terreno montanhoso, com melhor precipitação chuvosa que Judá, e com alguns bons solos.(…). Os efraimitas tinham acesso direto, ainda que não muito fácil, até o grande tronco de estradas norte-sul, que atravessa a planície ocidental…’ (Efraim).
- Débora, em vez de ir ao encontro dos necessitados, preferia desfrutar dos bons solos de suas palmeiras, enquanto o povo tinha de sofrer para ir ao seu encontro, entre as montanhas de Efraim. Os juízes normalmente iam ao encontro do povo para fazer seus julgamentos (cfr.I Sm.7:15-17), mas Débora preferia a comodidade de suas palmeiras, instituindo uma inacessibilidade.
- Devemos ser acessíveis aos que necessitam de nós, devemos “descer do pedestal”, da “comodidade da palmeira”, da “cavalgadura das jumentas brancas” (Jz.5:10) para ir ao encontro daqueles que tanto estão a precisar de nossos talentos, de nossos dons espirituais e naturais. Jesus ia ao encontro dos publicanos, pecadores e meretrizes (Mc.2:15,16), porque sabia que os doentes precisam de médico (Mc.2:17) e que o médico deve ir ao seu encontro e não o contrário.
- No entanto, nos dias em que vivemos, mais e mais as pessoas habitam debaixo das palmeiras, no cume dos montes de Efraim, atendendo apenas aqueles que, além de toda a necessidade, conseguirem transpor os obstáculos do terreno montanhoso.Não podemos ser inacessíveis, pois dependemos uns dos outros para seguirmos nossa caminhada rumo ao céu, não somos melhores do que os outros, pois, tanto os que estavam nos montes de Efraim, como os demais se encontravam na mesma situação de opressão e sofrimento sob Jabim, rei de Hazor. Por que, então, ser inacessível? Por que gerar uma “burocracia eclesiástica”?
- Tamanho era o apego de Débora às palmeiras entre Ramá e Betel, que Baraque, em sua frouxidão, condicionou sua ida à guerra ao deslocamento de Débora para o monte Tabor e, depois, para o ribeiro de Quisom. Débora acabou cedendo, resolveu fazer companhia a Baraque, abandonando a inacessibilidade, o que foi fundamental para o moral da tropa e para que se tivesse a vitória. Que bom seria que os inacessíveis de hoje seguissem este gesto de Débora e saíssem de seus “gabinetes refrigerados”, de suas “redomas de vidro” (algumas até literais…) e fossem ao encontro dos necessitados, daqueles que tanto precisam de ajuda e de apoio. A vitória seria, certamente, como aconteceu com Israel, do povo de Deus. Neste sentido, aliás, o início do cântico de Débora serve para ela própria, na medida em que, como mulher profetisa e juíza em Israel, pôs-se à frente do povo para a batalha.
- Outro contra-exemplo que Débora nos dá está vinculada a esta sua inacessibilidade. Sendo u’a mulher profetisa, Débora não poderia trazer a mensagem de Deus tão somente àqueles que a procuravam. Fazia-se necessário que se falasse da justiça do Senhor não só aos que conseguiam transpor os obstáculos dos montes de Efraim, mas também aos demais, que também precisavam ouvir algo da parte de Deus. Débora, porém, não tinha ido ao encontro do povo, calava-se, assim, na maior parte do tempo de seu ministério.
- Não é por outro motivo que, em seu cântico, Débora apresenta uma conclamação do Senhor a todos quantos se assentavam em juízo: “Onde se ouve o estrondo dos flecheiros, entre os lugares onde se tiram águas, ali falai das justiças do Senhor, das justiças que fez às Suas aldeias em Israel; então, o povo do Senhor descia às portas”(Jz.5:11).
- Ora, se em plena época dos juízes em Israel, era dever de cada um não se calar, mas falar das justiças do Senhor seja no lugar onde se encontravam os distribuidores de água, local freqüentado pelas pessoas mais simples e humildes, locais onde se aglomerava o maior número de pessoas, que diremos dos nossos dias, dias da dispensação da graça, quando há uma expressa ordem de Cristo para pregarmos o Evangelho para toda a criatura, Evangelho que é o “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego, porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé” (Rm.1:16,17a)?
- Débora não poderia ter se mantido calada a maior parte do tempo, falando apenas àqueles que se dirigiam à região das palmeiras. Era necessário que também tivesse descido aos montes e anunciado, ao longo do caminho, bem como no lugar de distribuição de água, a respeito das justiças do Senhor, justiças que eram referentes a todas as aldeias de Israel, não apenas aos bons solos entre Ramá e Betel. Não nos calemos, mas, antes, preguemos o Evangelho a tempo e fora de tempo (II Tm.4:2), ainda mais quando sentimos que já se aproxima o fim.
- Débora precisava se despertar (Jz.5:12), assim como Baraque tinha de se levantar. Outro contra-exemplo dado por Débora é o sono espiritual, a falta de iniciativa para dar cabo da opressão. “Desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá” (Ef.5:14). Muitos se encontram sonolentos na atualidade, entorpecidos pelas coisas desta vida, pela comodidade e não conseguem sentir o clamor do povo por salvação e libertação. Devemos nos levantar, devemos nos despertar e fazer a obra do Senhor, enquanto é dia, porque a noite vem quando ninguém mais pode trabalhar (Jo.9:4). Não temos outra coisa a fazer senão, como as abelhas operárias, trabalhar para o engrandecimento de nossa “colméia”, ou seja, do reino de Deus. Deixemos de lado a sombra das palmeiras, os bons solos de Ramá e Betel e vamos às águas, onde muitos estão sedentos da Palavra do Senhor.
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