1 Sm 2.12-17,22-25
12- Eram, porém, os filhos de Eli filhos de Belial e não conheciam o SENHOR; 13- porquanto o costume daqueles sacerdotes com o povo era que, oferecendo alguém algum sacrifício, vinha o moço do sacerdote, estando-se cozendo a carne, com um garfo de três dentes em sua mão; 14- e dava com ele, na caldeira, ou na panela, ou no caldeirão, ou na marmita; e tudo quanto o garfo tirava o sacerdote tomava para si; assim faziam a todo o Israel que ia ali a Siló. 15- Também, antes de queimarem a gordura, vinha o moço do sacerdote e dizia ao homem que sacrificava: Dá essa carne para assar ao sacerdote, porque não tomará de ti carne cozida, senão crua. 16- E, dizendo-lhe o homem: Queimem primeiro a gordura de hoje, e depois toma para ti quanto desejar a tua alma, então, ele lhe dizia: Não, agora a hás de dar; e, se não, por força a tomarei. 17- Era, pois, muito grande o pecado desses jovens perante o SENHOR, porquanto os homens desprezavam a oferta do SENHOR. [...] 22- Era, porém, Eli já muito velho e ouvia tudo quanto seus filhos faziam a todo o Israel e de como se deitavam com as mulheres que em bandos se ajuntavam à porta da tenda da congregação. 23- E disse-lhes: Por que fazeis tais coisas? Porque ouço de todo este povo os vossos malefícios. 24- Não, filhos meus, porque não é boa fama esta que ouço; fazeis transgredir o povo do SENHOR. 25- Pecando homem contra homem, os juízes o julgarão; pecando, porém, o homem contra o SENHOR, quem rogará por ele? Mas não ouviram a voz de seu pai, porque o SENHOR os queria matar.”
O episódio descrito no texto acima, que envolve o sacerdote Eli e seus filhos, nos serve de alerta, e deve nos conduzir a uma profunda reflexão sobre a maneira como educamos nossos filhos na atualidade.
O versículo 12 nos diz que os filhos de Eli eram filhos de belial (hb. beliya‘al), ou seja, eram praticantes de perversidades, impiedades, malvadezas, atos rebeldes. Eles não conheciam (hb. yadha‘), e aqui significa que não gozavam de um relacionamento pessoal, não tinham experiências com Deus. Assim, como muitos filhos de líderes e pastores nos dias atuais, viviam de uma forma que escandalizavam e desonravam os seus pais.
A primeira forma descrita no texto de seus atos rebeldes era a apropriação ilícita das ofertas (v. 13-17). Temos na atualidade filhos e parentes de pastores que pensam que as ofertas das igrejas são “receitas” que a família pastoral pode administrar como bem pensam. Dessa forma estão multiplicando o patrimônio familiar, e isso em detrimento do crescimento, da manutenção da obra, e da precariedade com que vive os obreiros auxiliares. A família pastoral desfila com carros de última geração, enquanto alguns obreiros nem bicicleta possuem para atender o trabalho. A família pastoral adquire grandes mansões, apartamentos de luxo, terrenos, sítios, fazendas, e os obreiros auxiliares vivem de aluguel, sem perspectivas de melhores condições. A família pastoral ocupa cargos estratégicos na administração da igreja, além de receberem salários diferenciados. Neste caso, o chavão “é necessário viver por fé” só serve para os outros.
A família pastoral é detentora do poder, e quando questionada, logo usa de artifícios para afastar aqueles que lhe são uma ameaça para a vida no “luxo palaciano”. De forma astuta também manipula as massas “crentes”, fazendo-as conformar-se também com a situação precária de vida, usando o discurso de que “é Deus que quer assim”, e impondo terror de “castigo divino” para com aqueles que “tocam no ungido”. Um absolutismo monárquico medieval com privilégios para o “clero” e “nobreza” evangélica contemporânea é vivido abertamente e escandalosamente, e isso para vergonha do evangelho.
Outra prática vergonhosa dos filhos de Eli era a imoralidade sexual (v. 22), manifesta em forma de orgia. Semelhantemente, nos dias atuais há filhos de líderes e pastores que vivem na imoralidade, envergonhando abertamente seus pais. Há caso de práticas sexuais ilícitas de filhos de pastores que são “abafadas”, para não macular a imagem do pai. Dois pesos e duas medidas são também usados na disciplina eclesiástica. Quando se trata dos filhos dos outros a disciplina é dura e sem misericórdia, enquanto os filhos e parentes de alguns pastores recebem disciplina diferenciada, e se são obreiros, em certos casos nem afastados do trabalho são.
Eli, nos informa o texto bíblico, ouvia e sabia dos fatos (v. 22), e até questionava o comportamento dos filhos (v. 23-24), mas não tinha autoridade e força para contê-los, e dessa forma os garotos deitavam e rolavam no ministério.
Como a situação chegou a esse nível? Qual a razão do comportamento inadequado, imoral e rebelde dos filhos de Eli, que se repetem em nossos dias? As respostas para tais questões não devem ser simplistas, pois envolvem muitas possibilidades, onde dentre as principais podemos citar:
- Educação permissiva. Há filhos de obreiros que desde cedo “pintam e bordam” na igreja, e não recebem reprovação alguma de seus pais. Pelo contrário, se algum diácono, líder de departamento, professor de escola dominical repreender ou chamar a atenção de seus filhos, podem até perder o cargo. Geralmente são repreendidos publicamente, para que isso sirva de exemplo para os demais que intentam censurar o comportamento de seus filhos.
- Excesso de rigor na criação dos filhos. Há obreiros que são tão duros com os seus filhos, cobrando deles um comportamento acima da média e impondo sobre eles um padrão de “santidade” tão alto (que de santidade não tem nada), que acabam por alimentar um sentimento de revolta, um ódio, uma revolta que mais cedo ou mais tarde se manifestará das mais diversas formas. Quantos filhos de obreiros ignorantes já não foram espancados por jogar bola de gude, empinar pipa, andar de bicicleta e por outras práticas que em nada maculam a moral e a fé do crente. Muitos destes obreiros ainda sofrem de culpa por perceberem o quanto cruéis e radicais foram, por entenderem hoje o mal que fizeram aos seus filhos, muitos destes marcados, desviados e revoltados (Ef 6.4).
- Carência afetiva. Beijos e abraços devem fazer parte do cotidiano da relação pais e filhos. Manifestações de afetividade, palavras doces, elogios e reconhecimento fazem bem. As necessidades afetivas não supridas podem desenvolver em nossos filhos sentimentos e comportamentos inadequados, com o propósito de serem notados, percebidos. Uma atitude rebelde pode ser um grito de desespero de quem sofre por falta de carinho e atenção.
- Amizade não construída. Os pais obreiros precisam construir um relacionamento de confiança com os filhos, precisam se tornar os seus melhores amigos, alguém com quem eles possam contar nos momentos mais críticos da vida, nas horas da forte tentação, das dúvidas e das fraquezas. Se não formos os melhores amigos de nossos filhos, podem ter certeza, eles buscarão noutros tal nível de confiança e amizade.
- Falta de exemplo. Um pai que é obreiro precisa dar exemplo aos seus filhos. Muitos filhos de obreiros são espelhos da conduta irresponsável e desordenada de seus pais. Nestes dias de igreja-empresa, onde muitos pastores se entendem como “donos do negócio”, gestores dos “impérios religiosos pessoais”, há uma multiplicação no preparo dos futuros herdeiros (imagine quem são), que certamente reproduzirão a mentalidade e as práticas de seus pais.
- Ausência ou presença de má qualidade. No outro extremo da falta de exemplo está a ausência dos pais. Já ouvi, e mais de uma vez, filhos de obreiros reclamarem que o pai nunca lhes dedicou tempo e atenção, devotando à igreja tais privilégios, esquecendo-se dos de sua própria casa e família. Ninguém pode cuidar da igreja, sem que antes cuide de sua própria família (1 Tm 3.4-5,5.8). Os pais precisam viver cada fase da vida dos filhos, e se fazer presentes nos momentos mais especiais. Eles só terão uma infância, uma adolescência e uma juventude.
- Rebeldia deliberada. Os pais obreiros nem sempre são responsáveis por influenciar negativamente a conduta dos filhos. A parábola do filho pródigo é um claro exemplo disso (Lc 15.11-24). Há pastores que educam os seus filhos conforme os fundamentos da Palavra, que são grandes exemplos de piedade, e mesmo assim os filhos se enveredam por caminhos difíceis, que só causam dor, tristeza e vergonha para os seus pais. As más amizades e companhias, a concupiscência da carne e dos olhos, a soberba da vida, a liberdade de escolha, as astutas ciladas do diabo, são fatores que podem desviar do caminho do bem um filho criado com amor, afeto, cuidado e disciplina na medida certa.
Conclusão
As questões aqui citadas não podem ser generalizadas. Conheço pastores, líderes e obreiros cujos filhos e família são uma bênção para a igreja.
As possíveis causas aqui listadas do comportamento rebelde dos filhos de obreiros são também aplicáveis aos filhos dos demais crentes e membros da igreja.
Que na condição de pais possamos ter a consciência tranquila de termos cumprido o nosso papel na educação dos filhos, com palavras e com vida exemplar. Se mesmo assim eles trilharem o caminho da rebeldia, devemos amá-los e apresentá-los a Deus em oração, clamando para que de alguma forma o Pai celestial possa discipliná-los, para que não venham a se perder.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.
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