(2Reis 6.1-7)
Dois séculos depois de fundada a escola de profetas, eis que chega ela agora a uma boa situação. Ao tempo do reitor anterior, Elias, os tempos foram difíceis. Ser profeta se tornara uma atividade clandestina. Assim mesmo, a instituição prosseguiu. Agora, sob a liderança de Eliseu, o sucessor de Elias, a profecia era uma atividade livre e a cada dia chegavam mais alunos. O espaço disponível não mais comportava tantos estudantes. E é preciso construir mais salas num local mais apropriado, não num lugar escondido, mas às margens conhecidas do rio Jordão.
Os próprios estudantes tomam a iniciativa da expansão, mas pedem a liderança do seu mestre principal. Animados, e na companhia do profeta-chefe, eles se põem ao trabalho. Todos deixaram suas leituras, suas orações, suas meditações e suas aulas para derrubar árvores, com os quais edificariam uma nova casa.
Suas ferramentas não eram muitas, mas podiam contar com um machado. Então, acontece o inesperado. O machado com que um deles trabalha se solta do cabo e cai nas águas do rio. Isto não era incomum, uma vez que a tecnologia era rudimentar, se comparada às tecnologias posteriores. O próprio código legal dos judeus previa a possibilidade desta tragédia: Se um homem for com o seu amigo cortar lenha na floresta e, ao levantar o machado para derrubar uma árvore, o ferro escapar e atingir o seu amigo e mata, ele poderá fugir para uma daquelas cidades [de refúgio] para salvar a vida (Deuteronômio 19.5). Desta feita, isto aconteceu: o machado não atingiu em ninguém.
De qualquer modo, os profetas-trabalhadores não poderiam prosseguir na tarefa. O profeta-operário do machado ficou desesperado, porque a ferramenta não lhe pertencia. Não aconteceu o pior, porque não atingiu em ninguém. Naquela época aquele era uma ferramenta rara; além de cara, não era facilmente encontrada. A culpa era inevitável.
Seu único recurso foi correr para o profeta e chorar. Foi um grito de desespero, não um pedido de ajuda. Não havia o que ser feito. Mas algo precisava ser feito: havia o impossível a ser feito. E o profeta Eliseu cortou um pau (um galho, uma parte da árvore), lançou-o na água e o machado flutuou como se fosse uma peça de madeira e foi resgatado pelo profeta-aprendiz. O que houve ali foi um milagre, não uma ação inteligente capaz de fazer o machado flutuar. O machado não tinha um furo por onde um galho pudesse entrar. O galho não tinha propriedades de atrair o ferro.
Esta é uma história que ilustra bem o que ocorre, ou pode ocorrer, conosco. Há duas experiências nesta história: a experiência da escassez e a experiência da tragédia.
A escassez foi experimentada por causa do sucesso da missão empreendida. Essa foi uma crise de crescimento. O espaço ficou pequeno para a continuidade da vida. Também podemos passar por esta experiência, que vem quando nos dispomos a ampliar nossos horizontes, seguindo asortunidades. Os profetas-aprendizes, diante da escassez de espaço, resolveram construir uma outra escola. Pode ser o nosso caso, quando trocamos de emprego, para um melhor, quando decidimos nos casar, quando resolvemos ter um filho, quando escolhemos fazer um novo curso, quando mudamos para uma casa melhor.
Há outras experiências de escassez, manifesta em tragédias, grandes ou pequenas, vivenciadas na falta de saúde, na falta de emprego, na falta de harmonia nos relacionamentos, na falta de sentido para a vida. No caso dos discípulos de Eliseu, tudo ia bem, mas o machado, que era emprestado, caiu no rio.
As oportunidades percebidas nos acompanham, mas as tragédias também nos tocam. Tocamos a nossa vida, mas somos (ou alguém de nossa família o é) acometidos por uma doença grave, que muda tudo, pára tudo, entristece tudo. Estamos nos realizando no trabalho, quando somos (ou alguém que garante a subsistência de casa) demitidos; o mundo parece desabar, o futuro é incerto, a fome se torna uma ameaça. Vamos tocando nossa vida familiar, quando um dos seus membros deixa que o mal governe sua mente, dite suas reações; o convívio se torna insuportável, cada meia hora junto parece um mês inteiro, a vontade é ir cada um para o seu lado.
Sentimos como se o nosso machado tivesse caído no rio. No contexto bíblico, perder o machado é perder o elemento essencial para continuar tocando o projeto tão sonhado. Perder o machado é perder a capacidade de avançar na vida. Ver o machado cair no rio é ver esvair-se a esperança, motora da vida. Uma vida com um machado perdido é uma vida sem força, sem alegria.
As atitudes dos aprendizes de profetas da Escola de Eliseu nos ensinam a desenvolver atitudes capazes de nos levar a superar os nossos problemas, para que todas as coisas venham a convergir para o nosso bem (Romanos 8.28).
1. Não aceite a estreiteza (verso 1).
Os aprendizes poderiam ficar acomodados naquele lugar, acotovelados, tendo que chegar cedo para encontrar lugar. Eles poderiam transferir a responsabilidade pelo problema, aguardando uma solução por iniciativa de Eliseu ou esperando um milagre divino pelo qual não oravam. Ao contrário, eles não aceitaram a estreiteza da sua casa e desejaram mais e se puseram em ação para realizar mais.
Diferentemente, muitas vezes recebemos as circunstâncias como senhoras de nossos destinos. Nossa atitude, entretanto, deve se inspirar na dos estudantes às margens do rio Jordão. Antes que uma tragédia acontecesse, como, por exemplo, ruir a casa onde estavam por excesso de lotação ou as pessoas começarem a deixar de participar das aulas pelo desconforto, eles decidiram tomar uma atitude positiva.
O que é que tem sido estreito na sua vida? Até quando você vai se conformar com esta estreiteza? Se sua visão é estreita, alargue-a. A promessa bíblica continua válida para todos os que confiam em Deus: Cante, oh estéril, você que nunca teve um filho; irrompa em canto, grite de alegria, você que nunca esteve em trabalho de parto (...), diz o Senhor. Alargue o lugar de sua tenda, estenda bem as cortinas de sua tenda, não o impeça; estique suas cordas, firme suas estacas. Pois você se estenderá para a direita e para a esquerda; seus descendentes desapossarão nações e se instalarão em suas cidades abandonadas. Não tenha medo (Isaías 54.1-4a).
Tal como os profetas-aprendizes, que "cortaram madeira" (verso 4), ponha-se em ação. Não sucumba a tentação de querer que Deus faça tudo por você. Peça a liderança dEle sobre os seus projetos. Imagine Eliseu em casa e os meninos no rio Jordão cortando a lenha e o machado mergulhando nas águas. Não é assim que, por vezes, agimos? Deixamos Deus do lado de fora dos nossos sonhos e só nos lembramos dEle quando a tragédia vem...
A confiança em Deus não quer dizer que Deus terá que fazer tudo daí em diante. Para superar sua estreiteza, disponha-se a fazer a sua parte (verso 7). No início da história, eles saíram para cortar lenha. Eliseu não lançou mão de recursos sobrenaturais para construir a nova casa de profetas, deixando de lado a contribuição deles. Deus poderia fazer sozinho a nova casa, mas Eliseu não Lhe pede tal coisa. Antes, ele mesmo participa da construção junto com seus alunos. O que Deus providenciou foi uma ferramenta e mãos disponíveis para maneja. No final da história, a ação humana continua necessária: o homem que teve que indicar o lugar onde o machado caíra. Depois, teve que pegar o machado.
2. Não dispense quem pode lhe ajudar (verso 3).
Temos a triste tendência de fazer as coisas sozinhos, mas há coisas que não podemos fazer sozinhos. A maior delas, na verdade. Os alunos de Eliseu fizeram questão que seu mestre fosse com eles. Eles tinham a força, mas o profeta-chefe tinha a sabedoria.
Será que você não tem avançado porque tem querido avançar sozinho?
Talvez você diga que jamais dispensaria a ajuda de um profeta como Eliseu, embora tenha dificuldade de querer arrolar as pessoas sem muitas credenciais. Saiba que todas as pessoas são importantes; cada uma pode fazer algo para que o projeto de sua vida avance.
Não dispense quem possa, ou queira, lhe ajudar. Não se ache tão poderoso. Compartilhe com os outros as suas necessidades. Há casamentos que fracassam porque os cônjuges (ou um deles) não busca o apoio do outro ou apoio de outras pessoas para lhes ajudarem a entender o problema por que passam. Há projetos que não se realizam porque não são obra para uma pessoa só.
Nossa atitude deve ser a descrita pelo profeta Isaías: Cada um ajuda o outro e diz a seu irmão: "Seja forte!" O artesão encoraja o ourives, e aquele que alisa com o martelo incentiva o que bate na bigorna. Ele diz acerca da soldagem: "Está boa!" (Isaías 41.6-7a).
Saiba que há sempre alguém disposto a lhe emprestar um machado, alguém que, como Eliseu, não alega outros compromissos para não atender o seu pedido de ajuda. Há pessoas que são movidas pelo princípio da bondade e sempre têm um braço para se juntar ao nosso, uma lágrima para se misturar à nossa, um pé para caminhar conosco.
3. Não se ache imune à tragédia (verso 5).
Nós não conseguimos nos livrar da teologia do mérito. Se nós estamos ligados em Deus, fazendo a Sua vontade, nada de ruim nos pode acontecer. Afinal, os anjos do Senhor não se acampam ao redor daqueles que O temem para os livrar de todo mal? (Salmo 34.7). Ele não dá ordens aos seus anjos para nos guardar em todos os nossos caminhos? (Salmo 91.11) Não é assim que lemos na Bíblia?
No caso dos profetas, Eliseu representava a presença de Deus. O grande profeta estava com eles, mas isto não evitou que a tragédia acontecesse. No caso, como pode ocorrer com alguns de nós, eles estavam fazendo o bem.
Por buscarmos servir ao Senhor, não estamos livres das vitórias temporárias do mal sobre nós. Jesus nos ensinou que Deus faz nascer o sol sobre maus e bons e faz chover sobre justos e injustos.
Ser cristão não é ser imune das tragédias. Ser cristão é saber que, não importa o que acontecer, Deus é sábio, misericordioso e soberano. Ele sabe do que o cristão realmente precisa; Ele concede ao cristão o que ele realmente precisa; Ele decide o que é melhor para o cristão, baseado na Sua sabedoria e na Sua misericórdia. Deus cuida das circunstâncias da nossa vida. Ele sabe pelo que passamos. Ele tem o hábito de fazer pequenas coisas ajuda para pessoas aflitas e necessitadas.
4. Não procure culpados (verso 5).
Eliseu não deu uma lição ao lenhador, exortando-o por sua falta de cuidado ao manejar ferramenta tão valiosa e que não lhe pertencia. Seus colegas também não gritaram para reprovar a sua aparente desatenção.
Eles sabiam que encontrar um culpado não resolveria o problema. Eles continuariam sem o machado. A maioria de nossas palavras culpabilizadoras não representa um passo sequer para melhorar as coisas. É claro que devemos analisar o que nos ocorreu, não para desenvolver um inadequado sentimento de culpa, mas para aprender novos caminhos.
Estamos cheios de amigos de Jó e, por vezes, nos comportamos como eles. Jó estava em desespero por causa das tragédias sobre a sua família, e seus amigos se dispuseram a explicar o que lhe sucedera, pondo em Jó toda a culpa. Já não lhe bastava sofrer; era preciso sofrer com a culpa pelo seu sofrimento...
Deus age conosco de modo diferente. Tipificando-O, Eliseu não berrou contra o provavelmente descuidado usuário do machado. Antes, buscou uma solução para o problema. Deus não vocifera contra nós, mas nos recebe com carinho.
Eliseu pediu que o homem que perdera o machado voltasse ao lugar onde acontecera o acidente. Se Deus lhe perguntar "onde caiu o seu machado", esteja atento e responda. Pode ser que tão somente ver a causa dos problemas em que nos atolamos já nos ajude a caminhar com mais segurança. Lembrarmo-nos quando foi que perdemos o controle sobre as coisas pode nos ajudar a retomar este controle. Se Deus nos pedir para voltar ao lugar onde o machado foi perdido, voltemos. Esta é a nossa ação obediente.
5. Não se entregue (verso 5).
O lenhador do machado deu um grito que o salvou: "Ah! meu senhor!".
Ele não se precipitou, mergulhando nas águas do rio, porque sabia que não encontraria seu valioso objeto. Ele não se desesperou, achando que tudo estava perdido, e não apenas o machado. Ele não se entregou diante da tragédia, como se a vida tivesse acabado.
Ele se voltou para quem podia fazer diferença na sua vida. Ele correu para o profeta. Sua oração foi bem estranha, com apenas três palavras ("Ah! meu senhor!"). Ele parecia dizer: "agora, é com o senhor".
Partindo do pressuposto que Eliseu representava a presença de Deus naquele projeto, podemos concluir que o lenhador buscou o poder de Deus para resolver o seu problema. Por confiar em Deus, o homem do machado pediu que Eliseu assumisse a liderança também naquele momento.
Eis o que você também deve fazer: não se esqueça do poder de Deus. No Israel antigo, alguns diziam: "O Senhor me abandonou, o Senhor me desamparou". No entanto, Deus lhes respondeu e continua a lhe responder: "Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou? Embora ela possa esquece, eu não me esquecerei de você! Veja, eu gravei você nas palmas das minhas mãos" (Isaías 49.14-16a)
Entregue-se ao poder de Deus. O lenhador não tinha a menor idéia do que o seu mentor faria, mas assim mesmo recorreu a ele. Mesmo que você não saiba o que Ele pode fazer, recorra a Ele. Busque-O. Confie em Deus. Lance sobre o Senhor a sua dificuldade (1Pedro 5.7), como fez o homem que perdeu o machado, não importa o que você tenha perdido.
Por confiar nEle, siga as suas instruções. Nossas ações mescladas com a vontade de Deus produzem resultados de valor eterno.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.