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quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

VIVENDO NA ESCASSEZ


                                                          VIVENDO NA ESCASSEZ
2 Reis 4.38-41
Preparado para ser pregado na Igreja Batista Itacuruçá, no dia 11.11.2001 (manhã).


1. A EXPERIÊNCIA HUMANA DA ESCASSEZ
Uma das primeiras informações do texto sagrado é que havia fome na terra (4.38a).
O nosso mundo, como o mundo de Eliseu, é o mundo da fome. Naquela época, ali pelo século 9 antes de Cristo, havia uma fome generalizada na região (cf. 2Reis 8.1), fome que durou sete anos.
No mundo em que vivemos, no começo do século 21, segundo dados da Organização das Nações Unidas, 800 milhões de pessoas, a maioria formada por crianças, vão todos os dias dormir com fome; embora haja alimento suficiente para todos no mundo, 24 mil pessoas morrem diariamente de fome no mundo, o que significa dizer que a cada 3.5 segundos morreu uma pessoa por causa da fome. Na última uma hora, mil pessoas já morreram por falta de comida.
Embora haja alimento para todos, há fome na terra.
Há fome de comida, mas há outros tipos de escassez no mundo. Há escassez de educação, de saúde, de segurança, de respeito. Há pessoas carentes de afeto. Há pessoas carecidas de paz. Há pessoas com a sobra do vazio dentro de si.
Se há diferentes formas de escassez, há também diferentes fontes para ela. Umas são provocadas por nós mesmos; outras por outros indivíduos, e outras pela injustiça sistêmica que assola as sociedades, massacradas por elites sempre ávidas por mais dinheiro, conforto e poder.
A escassez, portanto, é uma realidade humana que não queríamos existisse, mas somos vítimas, testemunhas ou até produtores dela. A escassez nos coloca limites que não temos como ignorar.

Precisamos aprender a viver dentro dos nossos limites, mas sem nos conformarmos a eles. Devemos conviver saudavelmente com estes limites. Viver saudavelmente com esses limites significa alargá-los, como aprendemos com Jabes (1Crônicas 4.9-10), ou mesmo romper com sabedoria estes limites. Por isto, gosto de dar uma passada pela classe de alfabetização que nossa Igreja mantém, à tarde. Jovens e adultos não aceitaram os limites do analfabetismo e estão aprendendo para romper o círculo cego em que se encontram. E é bom ver o progresso deles na luz das letras...

Precisamos repetir que Deus nunca provoca a escassez, diferentemente do que ensinam algumas perspectivas religiosas. A experiência da escassez é um produto exclusivamente humano. Mesmo entre nós, não faltam aqueles que explicam a escassez de saúde como uma determinação de Deus. Não faltam aqueles que sempre apontam pecados inexistentes para explicar as perdas, de saúde, de pessoas, de bens. Se o pecado fosse o responsável pelas doenças, todos nós aqui estaríamos nos hospitais, porque não há um sequer aqui que hoje mesmo não tenha pecado.

Em lugar de ficarmos afirmando aquilo que Deus não diz, devemos recordar que, se é verdade que há a escassez, também é verdade que há abundância da presença de Deus para aqueles que se assentam diante dEle. É admirável a forma como esta história começa. Ela não principia descrevendo a calamidade pública da fome, mas sua primeira informação visa celebrar a presença do profeta. Eliseu voltou a Gilgal (verso 38a). Ele não fugiu do cenário da escassez.
A leitura desta afirmação histórica nos lembra que Deus é precisamente um Criador que não foge do cenário da escassez. Onde há escassez de comida, Ele ali está. Onde há insuficiência de roupa, Ele ali está. Onde há ausência de justiça, Ele ali está. Ele não se esconde na curva do silêncio. Tamanha é a sua identificação que Ele se põe no lugar dos que sofrem estas faltas. Eis como Ele se identifica, pela  boca do Seu Filho Jesus Cristo:

Porque tive fome e não me destes de comer;
tive sede e não me destes de beber;
sendo forasteiro, não me hospedastes;
estando nu, não me vestistes;
achando-me enfermo e preso, não fostes ver-me.
E eles lhe perguntarão:
-- Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos?
Então, lhes responderá:
-- Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.
(Lucas 25.42-45)

Não importa o que nos falta (alimento, abrigo, segurança, saúde), Deus torna sua a nossa necessidade.


2. O PERMANENTE CONVITE DE DEUS
O que não pode haver é escassez de vontade de ouvir a palavra de Deus. Nos discípulos de Eliseu, esta escassez estava ausente. Os filhos dos profetas estavam sentados na sua presença (4.38b). Os seminaristas, que ocupavam uma casa pequena (como nos informa 2Reis 6.1), se assentaram diante do seu reitor, que voltava de uma viagem.
É como se perguntassem:
-- E agora: qual é a provisão de Deus para nós?
Ou:
-- Qual o seu conselho nesta situação aflitiva: que vamos fazer?
Ou ainda:
-- Como é que uma coisa dessas veio acontecer conosco, logo com aqueles que deixamos tudo para seguir o nosso Senhor?
Volta e meia recebo pessoas, com as mesmas perguntas. Converso com elas. Aprendo com elas. Oro com elas. Oro por elas. Lamento por aquelas que não sabem o que fazer e não buscam a orientação de ninguém, nem mesmo de Deus. Preferem tatear no escuro, embora Deus queira lhes iluminar as veredas.
Diferentemente dos seminaristas de Eliseu, diante da dificuldade tendemos a nos agitar. Eles escolheram o melhor caminho, tal como Maria de Betânia, irmã de Lázaro (Lucas 10.42). Em lugar de correrem desesperadamente de um lado para o outro, o que só faria aumentar-lhes a fome, eles se assentaram diante do profeta, para ouvir a orientação de Deus. Maria deixou o corre-corre e se concentrou menos em si mesma e completamente em Jesus.
Como é difícil nos identificarmos com os seguidores de Eliseu! Como é difícil agirmos como Maria!
Diante da escassez, de que ordem seja, devemos tomar uma série de providências, mas não podemos nos esquecer da principal: aquietarmo-nos diante de Deus. Como é que Ele vai falar, se não paramos e apurarmos os ouvidos?
Deus nos convida a parar e saber quem Ele é.

Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus;
sou exaltado entre as nações, sou exaltado na terra.
(Salmos 46.10)
Sabei que o SENHOR é Deus;
foi ele quem nos fez, e dele somos;
somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio.
(Salmos 100.3)


3. O DEUS QUE FAZ
Havia e há escassez na terra. Esta situação, no entanto, não era e não é estranha ao nosso Deus. Por isto, então, Eliseu, o homem de Deus, disse ao seu moço:
-- Põe a panela grande [o caldeirão] no fogo e faze um caldo de ervas para os filhos dos profetas (verso 39).
Quando nos dispomos a ouvir a Deus, Ele fala. Quando prestamos atenção à Sua fala, Ele faz. O Senhor não ficou contemplando a escassez que rondava a vida dos seus filhos; Ele tomou providências para cessar a miséria deles.
Deus é tremendo.
Ismael estava à beira da morte, porque lhe faltava o afeto do pai, sua garganta ardia de sede e seu estômago tinha cólicas de fome. O menino gemia e gritava. Para não vê-lo definhar e morrer, sua mãe saiu de sua presença e se pôs a orar e chorar, a chorar e orar. Informa-nos a Bíblia que Deus ouviu a voz do menino; e o Anjo de Deus chamou do céu a [sua mãe] Agar e lhe disse:
-- Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviu a voz do menino, daí onde está. Ergue-te, levanta o rapaz, segura-o pela mão, porque eu farei dele um grande povo.
Abrindo-lhe Deus os olhos, viu ela um poço de água, e, indo a ele, encheu de água o odre, e deu de beber ao rapaz. Deus estava com o rapaz (Gênesis 21.17-20)
Ismael aprendeu que Deus responde as orações.
Um irmão, passando por dificuldades financeiras, me contou que teve mais uma prova de que o Deus que fala faz. Fora da praxe em sua empresa, recebeu a tarefa de trabalhar algumas horas-extras todo dia, e com isto melhorar seus ganhos. Ainda não é tudo o que precisa, mas, para ele que já esteve ameaçado de perder o emprego, foi uma confirmação de que pode ter esperança. Nesta expectativa, continua orando e trabalhando, trabalhando e orando. Nosso irmão sabe que Deus responde as orações.

Quando eu estava com 19 anos, fiz minha segunda (de três) cirurgia no ouvido esquerdo. Foi uma experiência dolorosa. Durante muitos dias depois, ainda sentia dor, que nem os analgésicos debelavam. Para dormir, toda noite meu pai, um homem de Deus, que também busco ser, vinha orar comigo. A dor partia e eu dormia. Eu sei que Deus responde as orações.


4. O DEUS QUE ESPERA AS NOSSAS AÇÕES
Esperar sem desesperar e agir sem se agitar, porque confiantes em Deus, devem ser as nossas constantes atitudes, sem variação. Assim procederam aqueles aprendizes de profeta. Segundo o texto bíblico, um deles saiu ao campo a fim de apanhar ervas e, achando uma trepadeira silvestre, colheu dela a sua capa cheia de colocíntidas e, voltando, cortou-as na panela do caldo, não sabendo o que era (4.39).
Os aprendizes de profeta não fizeram uma assembléia para ver se iam ao campo ou quem iria ao mato. Um deles logo se levantou e foi buscar as ervas, para delas todos se alimentarem.
Como os discípulos de Eliseu, temos que sair a campo. Neles havia a fé que Deus estava conduzindo aquelas ações, ações nada extraordinárias, nada espetaculares, mas ordinárias, bem comuns. A fé não dispensa a ação, mas deve fundamentá-la e acompanhá-la. Fé sem ação é contemplação vazia. Ação sem fé é cansaço inútil.
Os discípulos tinham uma fé ativa. O verso 39 traz uma informação adicional que caracteriza bem a fé daqueles homens. O discípulo não conhecia a erva que trouxe. O discípulo não sabia tudo o que estava fazendo. Pela fé, fez. Pela palavra, empenhou-se. Pela esperança, pôs-se a campo.
Na vida, fazemos coisas que a razão nos dita, o que nos permite conhecer e cuidar de todos os seus detalhes. Fazemos também coisas que Deus nos inspira, mesmo sem nos indicar todas as dimensões. Pode haver situações que precisamos conduzir um envelope lacrado, a exemplo daquele que trazemos do laboratório para entregar ao médico... Conquanto nos seja difícil, precisamos estar preparados para o que o Senhor nos pedir.


5. O DEUS QUE INTERVÉM
Uma surpresa desagradável os aguardava, embora tivessem o costume de usar plantas silvestres em suas refeições regulares.
Assim, tiraram de comer para os homens. E havendo eles provado o caldo, clamaram, dizendo:
-- Oh homem de Deus, há morte na panela!
E não puderam comer. (4.40)
Simplesmente, o dedicado discípulo de Eliseu tinha colhido colocíntida ou coloquíntida. Trata-se de uma planta ornamental, que tem um fruto com o mesmo nome, amarelo e verde-escuro e do tamanho de uma laranja grande. No Brasil, o fruto serve como cuia e tigela. Tanto sua semente quanto sua polpa são muito amargas e fortemente purgativas (laxantes), provocando cólicas e agitação nervosa. Sua ingestão pode levar à morte. Os famintos comensais de Eliseu ficaram apavorados.
Eles saíram da mesa, pulando para todos os lados e gritando:
-- Não estamos entendendo.
Outros, mais revoltados, podem ter clamado ao chefe dos profetas:
-- Por que nos fez isto? Que brincadeira é esta?
Então, veio a surpresa final. Eliseu continuou agindo, sem dar muitas explicações. Pediu uma farinha. Alguém foi à cozinha. O profeta derramou a farinha no caldeirão e deu uma nova ordem:
--Tirai [o caldo] para os homens, a fim de que comam.
Imediatamente, as características amargas e laxantes da erva e seu fruto foram transformados num agradável e saudável sabor, e já não havia mal nenhum na panela. E todos puderam saciar sua fome.

Há coisas que Deus nos faz e que não entendemos. No entanto, quando fazemos o que nos orienta, o mal não sobreviverá (já não havia mal nenhum na panela). Aqueles discípulos aprenderam que deviam confiar em Deus como um Deus que intervém.
No começo da história, Ele é o Deus que fala; no final, Ele é o Deus que faz. No princípio, Ele é o Deus das coisas comuns. No final, Ele é o Deus das coisas extraordinárias. Deus é tremendo no ordinário e no extraordinário. Precisamos de um Deus que nos orienta, para as ações ordinárias da vida, e precisamos de um Deus que intervém, executando ações extraordinárias em nossas vidas.
Relendo esta história, aprendemos que Deus não nos dá todos os detalhes para as nossas lutas, mas nos dá o mais importante: a certeza da Sua bênção, nem que Ele tenha que intervir, o que faz excepcionalmente, senão não seria intervenção, mas faz, se isto se fizer necessário.

CONCLUSÃO
Como os profetas em formação, assentemo-nos diante de Deus para ver o seu poder, que pode ser uma orientação ou um milagre.
A história dos discípulos começou a mudar quando eles se assentaram diante do profeta. A história de cada um de nós pode mudar se nos assentarmos diante de Deus.
1. Pare de se agitar. Acalme o seu coração. Deixe Deus falar e agir. Ele não é a causa dos seus problemas, mas a solução de suas dificuldades.
2. Procure ajuda. Pare de bater cabeça. Ore ao Senhor. Busque alugem para orar com você. Não importa qual seja a sua escassez; Deus pode supri-la.
3. Faça aquilo que lhe compete fazer, na companhia de Deus, que quer ser seu companheiro. Por que insistir em fazer sozinho? Ele quer agir com você, por você e para você. Deixe Deus transformar o veneno em doce.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante

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