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sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

O PODER DA ORAÇÃO


                                                            O PODER DA ORAÇÃO
“Por essa razão, ajoelho-me diante do Pai, do qual recebe o nome toda a família nos céus e na terra. Oro para que, com as suas gloriosas riquezas, ele os fortaleça no íntimo do seu ser com poder, por meio do seu Espírito, para que Cristo habite no coração de vocês mediante a fé; e oro para que, estando arraigados e alicerçados em amor, vocês possam, juntamente com todos os santos, compreender a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede todo conhecimento, para que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus. Àquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós, a ele seja a glória na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre! Amém!”. (Efésios 3:14-21).

Em [Efésios] 3:14, Paulo continua a oração que ele estava começando em 3:1. Se 1:20-3:13 é realmente “um longo parênteses doutrinal”, [1] então 3:14-21 é de fato uma continuação do que Paulo começou em 1:17. Há semelhanças no conteúdo, mas nós não podemos afirmar com certeza se isto é uma continuação; pode ser simplesmente uma segunda oração.
Paulo ora ao Pai “do qual recebe o nome toda família nos céus e na terra”. Aqui há um jogo de palavras entre “Pai” (pátrios) e “família” (pátria). Os comentaristas discordam sobre se o versículo deve dizer “toda família” ou “toda a família” [N. do T.: no sentido de família como um todo, ou seja, completa, inteira]. Se o correta for a primeira, então isto quer dizer que a paternidade humana, distorcida e imperfeita como é, tem sido moldada segundo o padrão de Deus o Pai. Mas se Paulo tenciona dizer “a família inteira”, então ele está se referindo à “família de Deus” (2:19), isto é, a família dos redimidos em Cristo.
Alguns comentaristas consideram “toda a família” uma tradução impossível porque falta o artigo definido. Outros, como Clark e Wilson, respondem que está não é uma implicação necessária, uma vez que 2 Timóteo 3:16 também carece do artigo, mas ali deve ser traduzido como “toda a Escritura”. [2] Se a gramática não é conclusiva, ou mesmo se favorecer “toda família”, o contexto certamente favorece “toda a família”. Como tudo isto fala sobre os gentios sendo “membros da família de Deus” (2:19), e então como eles foram chamados a “uma esperança” sob “um Deus e Pai” (4:4-5), é mais provável que Paulo fale de acordo com o contexto, e assim se refira a família dos redimidos, ou cristãos.
É surpreendente quanta tolice anti-intelectual muitos comentaristas podem fazer surgir quando escrevem sobre esta passagem absolutamente intelectualista, e assim iremos examinar o que se segue com a intenção de corrigir suas distorções.
Paulo ora para que Deus fortaleça seus leitores com poder “no íntimo do homem” (NASB). O “íntimo do homem” não se refere a qualquer parte não-intelectual do homem, ou a qualquer outra além da mente, mas a mais direta interpretação é que “Paulo quis dizer as mentes dos seus convertidos efésios.” [3] Paulo ora para que o poder de Deus possa fortalecer suas mentes de forma que “Cristo habite no corações de vocês mediante a fé”. Como estabelecemos previamente, o “coração” não é não-intelectual, mas ele “primordialmente significa a compreensão ou intelecto.” [4] Clark adiciona que “Muito freqüentemente ele não significa emoção”, e como firmado inicialmente, mesmo as emoções são intelectuais – elas podem não ser racionais ou acadêmicas, mas elas são da mente.
Cristo “morar” em uma pessoa, com o significado sendo “se estabelecer”, enfatiza a influência penetrante e duradoura de Cristo na pessoa, e implica em genuína e permanente conformidade ao caráter de Cristo. Como D. A. Carson explica:
Não se engane: quando Cristo passa pela primeira vez em nossas vidas, ele nos encontra num estado muito ruim. Leva uma grande quantidade de poder para nos mudar; e é por isso que Paulo ora por poder. Ele pede que Deus possa nos fortalecer de tal maneira pelo seu poder, em nosso ser interior, que Cristo possa genuinamente habitar em nós, transformando-nos em uma casa que abrangentemente reflita seu próprio caráter. [5]
Paulo ora para que “Cristo habite nos vossos corações mediante a fé”. A maioria das pessoas parece pensar que isto significa que Cristo mora em nós por causa de nossa fé, ou que Cristo mora em nós em resposta a nossa fé. Um comentarista escreve, “Esta habitação é por fé – isto é, a medida que confiam nele, ele faz de seus corações sua casa”. [6] E o modo como Cristo habita em nós é freqüentemente descrito como uma “união mística”, a qual, por ser mística, não pode ser explicada.
Entretanto, o versículo é muito mais intelectualista do que isto. Nós percebemos que tanto o “homem interior” quanto o “coração” se referem à mente. Assim, dizer que Cristo habita em nossos corações não pode significar que nossos corações são recipientes para Cristo tal como baldes são recipientes para água. Nem sempre ocorre às pessoas que “fé” simplesmente significa “crer”, e crer é uma atividade mental. O versículo, então, parece afirmar que “o modo de habitar de Cristo nas mentes é por meio da fé”, e “o poder e força que nos chegam em resposta à oração de Paulo vem por meio e são proporcionais à nossa compreensão da Escritura”. [7]
Paulo escreve que Cristo habita em nossos corações por meio da , e não por meio de algum meio místico, não-intelectual, e “alguma coisa” indescritível. Charles Hodge escreve que “as duas condições essenciais dessa habitação de Cristo” são “uma natureza racional” e “fé”. Ele então observa que fé “inclui apreensão espiritual – a percepção da verdade e excelência das ‘coisas do Espírito'”. [8]
Onde está então o elemento místico em tudo isto? Caso nosso entendimento direto esteja basicamente correto, então, mesmo se a Escritura ensinar uma “união mística” em algum outro lugar, ela não o faz aqui.
Na segunda parte do versículo 17, Paulo ou começa a próxima petição, ou simplesmente estende a primeira. Seja qual for o caso, ele continua no mesmo tema, ou em tema bem parecido. Em quase todo comentário que examinei, o anti-intelectualismo do autor começa a borbulhar a partir do versículo 18, se é que não começou muito mais cedo – e culmina quando ele alcança o verso 19. Isto é extremamente irônico, já que tanto a linguagem quanto o pensamento [contido] nestes dois versículos (v.18-19) são altamente intelectualistas, talvez um dos mais intelectualistas de toda a Escritura.
Paulo ora para que, “estando arraigados e alicerçados em amor”, os crentes “possam ter poder... para compreender quão largo e alto e fundo é o amor de Cristo”. Ele mistura uma metáfora botânica e uma metáfora arquitetônica para indicar que seus leitores já estão arraigados e alicerçados em amor, e afim de que esta fundação seja firme, ele ora para que eles possam ter poder para conhecer todas as dimensões do amor de Cristo. A linguagem indica para Candlish “um conhecimento inclusivo das coisas de Deus”. [9] Clark acrescenta, “é inconfundível a impressão de que o entendimento deve ser fundo e largo, profundo e extensivo”. [10]
Então, o anti-intelectualismo de muitos comentaristas alcança seu clímax no verso 19, porque o versículo se refere ao “amor que excede todo conhecimento”.
Por exemplo, com base neste versículo, Patzia escreve, “a ênfase no amor em lugar do conhecimento” [11]. Porém, conhecimento é realmente a ênfase – o amor simplesmente é mencionado como sendo aquilo que deve ser conhecido. A oração é por eles, não por amor, mas “para entender... conhecer”. Amor é simplesmente o objeto do conhecimento.
Então, ele diz algo realmente absurdo: “amor, não conhecimento, conduz a um entendimento mais profundo de Deus”. [12] Mas qual é a diferença entre conhecimento e entendimento? Mesmo que eles fossem diferentes, seguramente eles são quase sinônimos; no mínimo eles têm de ser classificados numa mesma categoria.
É como se Patzia estivesse dizendo, “amor, não conhecimento, conduz a um conhecimento mais profundo de Deus,” ou “amor, não entendimento, conduz a um entendimento mais profundo de Deus.” Mas isso não tem sentido. Por definição, conhecimento conduz a conhecimento melhor do que qualquer outra coisa, uma vez que o primeiro é o último; e entendimento conduz a entendimento mais do que qualquer outra coisa, uma vez que o primeiro já é o último. Então como o amor conduz a X melhor do que X conduz a X? Talvez Patzia nem se preocupe, porque ele tem amor.
A grande objeção contra Patzia e outros como ele é que esta passagem simplesmente não diz o que eles dizem que ela diz. Não diz que amor é superior ao conhecimento, e não diz que amor é um modo melhor de conhecer ou entender a Deus do que o conhecimento. Ao invés disso, a oração é para que os crentes “compreendam ...o amor de Cristo, e conheçam ...este amor que excede todo conhecimento”. Amor não é o meio para conhecer a Deus nesta passagem, mas é o objeto de conhecimento – é isto o que Paulo quer que conheçamos.
Entretanto, este versículo diz que este amor “ultrapassa o conhecimento”. Isto não deixa espaço para misticismo, para não dizer anti-intelectualismo? Mas é precisamente esta expressão que faz deste versículo provavelmente um dos mais intelectualistas em toda a Escritura.
Note o que o versículo não diz – ele não diz que nós não podemos conhecer “esse amor que excede todo o conhecimento”. Pelo contrário, Paulo ora para que possamos “compreender... conhecer esse amor que excede todo conhecimento”! É claro que nós não podemos compreender ou conhecer completamente o infinito amor de Cristo; eu não discuto sobre esse ponto. Mas isto não significa que não podemos conhecer nada sobre ele, ou que só podemos conhecer um pouco sobre ele. Ao invés disso, Paulo acabou de nos dizer para “conhecer qual a largura, a altura, o comprimento e a profundidade do amor de Cristo” – quer dizer, todas as suas dimensões. Todavia, este amor “excede todo conhecimento”, e não podemos conhecê-lo completamente.
A ênfase é sobre a grandeza deste amor, e não em nossa inabilidade de conhecê-lo. De fato, é justamente para aumentar nossa habilidade para entender que Paulo ora a fim de que “possamos ter poder”. Tenha em mente que Paulo quer que nós tenhamos poder para conhecer este amor, então quanto mais alguém enfatiza este amor, tanto mais intelectualista estes dois versículos se tornam. Para ilustrar: orar para que um estudante do ensino médio possa ter poder para entender todas as dimensões da álgebra e literatura é certamente intelectualista, mas orar para que um recém-nascido possa ter poder para entender todas as dimensões da literatura, matemática, física, biologia, química, história, filosofia, e teologia é ainda mais intelectualista.
Assim, quanto mais distância alguém põe entre as palavras de Cristo e nosso intelecto, mais intelectualista as palavras de Paulo se tornam, já que não importa quão distante este amor pareça ultrapassar nosso conhecimento, ele ora para que compreendamos ainda assim. Para sustentar até mesmo a mais leve proposta de anti-intelectualismo, e evitar tornar-se completamente intelectualista, alguém terá que diminuir o amor de Cristo ao nível finito, ou exaltar a mente do homem ao nível infinito. A Escritura não permite nem uma coisa nem outra. [13]
Paulo ora para que Deus nos conceda poder para compreender e conhecer o amor de Cristo, para “que vocês sejam cheios de toda a plenitude de Deus”. Em outras palavras, o conhecimento acrescenta a plenitude. Clark concluiu, “A plenitude de Deus em nós consiste em conhecimento, não meramente a introdução dos gentios na igreja, mas uma teologia extensiva. Cristãos ignorantes são vazios, ou praticamente vazios. É surpreendente que tantos comentaristas se percam neste ponto”. [14] Esta plenitude de conhecimento, esta “teologia extensiva”, não é reservada somente aos professores de teologia ou estudantes de seminário, mas Paulo ora para seus leitores atinjam-o “junto com todos os santos.”
Nisto, Paulo irrompe mais uma vez em doxologia, louvando “aquele que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós”. Em outras palavras, nós podemos ter confiança de que Deus concederá este pedido – isto é, compreender e conhecer todas as dimensões de seu amor – e de fato, ele irá fazer mais do que nós pedimos ou mesmo imaginamos.
Como no verso 19, esta linguagem sobre nossas limitações e a grandeza de Deus não refuta o intelectualismo, pelo contrário, o prova e reforça, já que o apóstolo está dizendo que Deus irá conceder a nós o pedido de “compreender” e “conhecer”, e ele fará isto em nós pelo seu próprio poder divino que já está operando em nós. Seja como for, Deus nos fará “imensuravelmente mais” intelectualistas do que somos agora, além de “tudo quanto pedimos ou imaginamos”. Este é só um outro modo de dizer o que Deus quer que o conheçamos melhor, e, por meio de nossas orações por conhecimento, ele irá de fato fazer isso acontecer.
Embora conhecimento teológico seja inerentemente valioso, todo esse conhecimento tem um propósito principal. É, no final das contas, para glorificar a Deus, não somente na era por vir (“para sempre e sempre”), mas “por todas as gerações” – desde agora. Á luz disto, seguramente nós não estamos agindo como pessoas redimidas, senão como bestas teimosas, se ainda negligenciamos ou até mesmo recusamos orar por um entendimento intelectual de todas as dimensões do amor divino – isto é, “o plano inteiro da redenção... tudo da revelação divina.” [15]
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante

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