APRENDENDO COM DAVI E MICAL
A maioria de nós cristãos conhece a história de Davi dançando perante o Senhor (2Sam 6.11-23). A ocasião era de festa: a Arca do Senhor estava voltando para Jerusalém. O Rei Davi estava exultante, e “dançava com todas as suas forças diante do Senhor” (v. 14), externando sua adoração a Deus sem se preocupar com o que os outros estariam pensando dele. Sua esposa, Mical, o “desprezou no seu coração” e o criticou severamente por dançar daquela maneira diante do povo (vs. 16 e 20). Mas por que ela criticou o gesto de Davi? Por que ela não o entendeu?
Se voltarmos um pouco no tempo, veremos que Mical não era exatamente o que se possa chamar de má pessoa – apesar de ser filha de Saul, que reinou antes de Davi. A Bíblia fala que ela amava Davi. Sabedor disso, o então Rei Saul tentou usar a própria filha como laço contra Davi (1Sm 18.20-21).
Entretanto, o plano de Saul foi frustrado pela fidelidade de Mical a Davi. Na seqüência da história, vemos que ela ajudou Davi a fugir de Saul quando este o perseguia, enganando o próprio pai (1Sm 19.11-17).
Por que então esta mulher, que um dia compreendeu e participou do plano de Deus para preservar a vida de Davi, agiu de maneira tão severa quando agora, anos mais tarde, o rei simplesmente adorava ao Senhor com alegria?
Poderíamos dizer que ela não compreendeu a motivação de Davi; ou que ela se preocupou mais com a imagem do rei do que com o momento espiritual da nação; ou ainda que teve ciúmes das servas. Tudo isto estaria correto… mas já lhe ocorreu que tamanha incompreensão poderia estar calçada em algo mais profundo e pré-existente na vida desta mulher?
A Influência dos Traumas
Depois da fuga de Davi, Mical foi dada como esposa a outro homem pelo seu pai, Saul (1Sm 25.44). Anos depois, após a morte de Saul e já como rei, Davi exigiu-a novamente como esposa (2Sm 3.13).
Por esta e outras razões, podemos saber que Mical era uma pessoa que carregava profundas feridas. Ela fora usada como “isca” pelo pai contra Davi. Viu este homem arriscar a vida para atender a um capricho de Saul que era a exigência para o casamento, o qual foi chamado de “dote” (1Sm 18.25). Viu o homem que ela amava tendo que fugir do próprio sogro para não morrer. Foi dada pelo pai a outro homem como esposa, sendo já casada. Anos depois, quando talvez ela já estivesse “acostumada” com a situação, Davi se torna rei e a traz de volta. A Bíblia nos conta que o seu então marido, Paltiel, veio chorando atrás dela quando ela foi tomada para ser “devolvida” para Davi (2Sm 3.15-16).
Quanta carga emocional! Como se não bastasse, ela não podia ter filhos, o que era considerado como uma desonra pela sociedade de então. Principalmente, em se tratando da esposa de um monarca, que precisaria necessariamente de um herdeiro para ocupar o trono.
Mical permitiu que seus traumas não resolvidos trouxessem cegueira espiritual. E por causa disso, ela não pôde compreender o significado do ato de adoração de Davi.
A Posição Errada
Os nossos traumas emocionais não tratados e/ou mal resolvidos podem nos trazer cegueira espiritual. E tudo isso sempre nos leva para a posição errada, um lugar diferente daquele que o Senhor nos quer. O povo inteiro estava em festa, e Mical estava “olhando pela janela” (v. 16). Ela somente foi ao encontro de Davi quando a celebração havia acabado, e o povo, ido embora (v. 20). E mesmo assim, foi para criticar.
Mical assumiu a posição de espectadora. Da janela, observava o povo se alegrando e adorando ao Senhor, ao invés de se juntar a eles. Estava assistindo a alegria e adoração dos outros, e não fazia questão de participar. Esta postura abriu portas pra um espírito crítico. E por trás disso, como já vimos, estava uma vida marcada por sofrimento, desilusão e expectativas frustradas.
Conclusão
Talvez você já tenha visto ou conhecido pessoas que assumem a posição de “espectadores” em algumas situações, até mesmo durante momentos de adoração ao Senhor. Não as julgue. Existe algo além das aparências. Existe uma vida que carrega marcas.
Precisamos desenvolver um espírito misericordioso em relação aos outros. Olhemos para nossas próprias vidas. Como temos cuidado de nossos traumas emocionais? Temos dado lugar a um espírito crítico? Temos tido uma vida infrutífera? Temos sido espectadores da adoração alheia?
Ainda há tempo para tratar pecados, se arrepender, pedir perdão e perdoar. Ainda há tempo para buscar a cura espiritual para nossos traumas. Ainda há tempo para receber o bálsamo que só o Senhor pode dar. E ainda há tempo para sair da janela. A porta é logo ali. É só ir para fora, se juntar ao povo… e começar a dançar!
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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