A CAPA E SUA SIMBOLOGIA
Jesus estava no caminho de saída de Jericó, quando ocorreu o magnífico encontro com o cego de Jericó, que ficou conhecido como o cego Bartimeu. Esta passagem está registrada no Evangelho de Marcos 10:46-52.
A cidade de Jericó tem um significado muito emblemático. Sim, ela serve de exemplo a diversas outras situações, pois foi neste local que Josué derrubou as antigas muralhas que a cercavam.
E foi dos despojos de Jericó que Acã tomou o anátema, uma capa babilônica, mais prata e ouro. Foi ali também que Jesus encontrou um homem rico, Zaqueu o Publicano. E agora, na mesma cidade, o Mestre encontrava com um homem que mendigava, o cego de Jericó.
E depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando.
Marcos 10:46
Como podemos ver, o histórico de Jericó envolvia riqueza e pobreza. É um emblema que persiste até hoje nas sociedades modernas, ricos e pobres. Poucos com muito, e muitos com quase nada. Há uma linha divisória entre as classes sociais.
O muro de Jericó era a representação da divisão, da separação e segregação entre as pessoas. Por isso, temos Jesus encontrando com um homem muito rico (Zaqueu, chefe dos Publicanos), e um homem cego, muito pobre, que estava à margem da sociedade, o cego Bartimeu, na mesma cidade.
E contra esse tipo de “muralhas”, não há armas ou instrumentos físicos capazes de removê-las. Elas dependem do coração humano, dependem de arrependimento, compaixão e comunhão.
Jesus, ao entrar em Jericó, se depara com esses enormes “muros sociais”, “muros do descaso”, e “muros do egoísmo”. E o Mestre começa a derrubá-los, no Seu encontro com Zaqueu – que no final decide dividir/compartilhar a metade de seus bens com os mais pobres.
Agora, o Mestre está saindo da cidade, e ouve um pedido dramático, um pedido de socorro, vindo de um pobre moribundo:
E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim.
Marcos 10:47
A cidade de Jericó
a cidade do cego Bartimeu, o cego de Jericó
A cidade de Jericó, com visão para as montanhas centrais de Israel.
Jericó era conhecida como a cidade das palmeiras. Ela está localizada na região semi-deserta do chamado “vale do Jordão“, a uma “altitude” negativa de 210 metros abaixo do nível do mar.
Essa baixa altitude faz com que o clima da cidade seja quente no verão, e agradável, mesmo no inverno. Como Jerusalém está localizada sobre uma montanha de 800 m de altura, seu inverno é bem mais rigoroso, inclusive com ocasiões onde há neve.
Isso fez com que os reis de Israel construíssem palácios de inverno em Jericó, onde passavam essa estação do ano, como fez, por exemplo, o rei Herodes. O que também atraiu parte da nobreza Israelita, e muitos ricos para a cidade.
Jericó também era passagem obrigatória para as caravanas de comerciantes que traziam e levavam produtos desde o Egito, para a Síria e Babilônia, os grandes centros comerciais da antiguidade.
Nessa região quase deserta, Jericó era um oásis, com fontes de água perenes, estalagens e local para descanso dos viajantes. Era também um ponto importante para a defesa do país, pois era um caminho natural para ir ao norte e ao sul de Israel.
Os Judeus que iam para Jerusalém, celebrar as festas bíblicas, passavam por Jericó. Esse era o caso de Jesus e da multidão que o seguia. Eles estavam a caminho de celebrar a Páscoa, quando Jesus seria preso e crucificado.
Quem era o cego Bartimeu
O cego de Jericó estava à beira do caminho, pois ele sabia que passavam muitos viajantes por ali, indo em direção ao norte, ao sul e à Jerusalém. Mas ninguém lhe dava algo de valor significativo, que pudesse mudar a sua situação de extrema pobreza.
Em uma cidade “cheia” de ricos, Publicanos, nobreza, parte da realeza, soldados e oficiais do exército Romano, autoridades do Império; mas ninguém se compadecia do cego Bartimeu. Isso me faz pensar nos motivos para ignorá-lo.
E se os habitantes de Jericó pensassem que Bartimeu fosse merecedor da tragédia que vivia?
A cultura Judaica da época acreditava que se alguém nascesse com algum defeito ou doença, estava sendo castigado pelos pecados de seus pais, ou antepassados.
Agente pode ver essa cultura em plena prática, quando lemos a passagem sobre a cura de um cego de nascença, no Evangelho de João. Os Apóstolos questionam a Jesus sobre essa suposta “maldição hereditária”, e os Fariseus a repetem para o ex-cego de nascença.
E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?
João 9:2
Responderam eles, e disseram-lhe: Tu és nascido todo em pecados, e nos ensinas a nós? E expulsaram-no.
João 9:34
O próprio nome que o cego de Jericó ficou conhecido, que foi traduzido para o Português como Bartimeu, na verdade é a junção de duas palavras do idioma Aramaico:
בַּר “bar“, que significa “filho de“; e
טִימַי “tiymay“, que significa “impuro“.
A Peshitta, que é o Novo Testamento em Hebraico e Aramaico, apresenta o nosso personagem como טִימַי בַּר טִימַי “tiymay bartiymay“, “o impuro, filho da impureza“.
O tradutor, provavelmente por não estar familiarizado com a cultura Judaica da época de Jesus, acabou por traduzir o termo טִימַי “tiymay“, como se fosse um nome próprio – “Timeu”, que é um erro comum de tradução.
Analisando os livros escritos pelo historiador Judeu, Flávio Josefo, não encontramos nenhuma citação ou referência a nenhum personagem com esse nome (nem a nenhum General Timeu). Foram analisados as obras:
Guerras dos Judeus;
Antiguidades;
Contra Apion;
Autobiografia; e
Discurso para os Gregos.
Então veja o contraste que os Evangelhos fazem com o personagem da Jericó rica, Zaqueu, que significa “filho da pureza“, com o personagem da Jericó pobre, Bartimeu – “filho da impureza“.
A vida do cego de Jericó
E era assim que o cego de Jericó era visto, como um impuro, pecador, que era castigado pelos pecados de seus pais e dele mesmo. Era desprezado, estava abandonado à própria sorte. A cegueira de Bartimeu era a figuração da cegueira espiritual dos próprios Israelitas que pensavam daquela forma.
Era uma verdadeira prisão sem muros, que o pobre cego se encontrava. Mas ele ouviu falar que Jesus passaria por ali, e começou a clamar. Isso porque ele sabia quem era Jesus:
O espírito do Senhor DEUS está sobre mim; porque o SENHOR me ungiu, para pregar boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos;
Isaías 61:1
Bartimeu usou no seu clamor, as seguintes palavras:
…filho de Davi, tem misericórdia de mim.
Marcos 10:47
Ele usa do verbo לְרַחֵם “lerachem” (lê-se lerarrém), “tenha compaixão”, que é uma construção intensiva, chamada em Hebraico de Binyam Piel, ou seja, constitui-se em um profundo pedido de perdão.
É como se ele dissesse, “…ah Senhor, dizem que meus pais pecaram… dizem que eu pequei… eu mesmo não sei quem pecou, mas ainda assim, Senhor, me perdoe!”
Imagino quantas vezes o cego Bartimeu ouviu que era um miserável pecador. Imagino quantas vezes ninguém deu crédito às suas queixas. O texto revela que ele nem ao menos tinha o direito de expressar a sua dor:
E muitos o repreendiam, para que se calasse…
Marcos 10:48
É triste sofrer e não ter com quem desabafar, e não poder contar com um amigo com quem se possa compartilhar o momento de angústia.
Só Deus sabia da dor, do desprezo, da humilhação de ser tratado como um maldito por todos que por ele passavam, de ser lembrado todos os dias dessa condição degradante, por ser um cego de nascença.
A capa do cego Bartimeu
Mas como ele continuou clamando, ainda mais forte, Jesus não pôde resistir, e mandou que o chamassem até a Sua presença:
E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama.
Marcos 10:49
Isso porque Deus tem todo o poder, mas Ele não consegue resistir a um coração sincero e contrito:
…a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.
Salmos 51:17
E ele levanta imediatamente, e lança de si a sua capa:
E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se, e foi ter com Jesus.
Marcos 10:50
É notória a conexão que o Evangelho de Marcos faz com um episódio do Antigo Testamento, que envolveu também a cidade de Jericó, quando após destruir as muralhas, em desobediência à ordem divina, Acã tomou uma capa babilônica, e ouro e prata.
E respondeu Acã a Josué, e disse: Verdadeiramente pequei contra o Senhor Deus de Israel, e fiz assim e assim.
Quando vi entre os despojos uma boa capa babilônica, e duzentos siclos de prata, e uma cunha de ouro, do peso de cinqüenta siclos, cobicei-os e tomei-os…
Josué 7:20,21
A capa de Bartimeu era a figuração da capa de Acã; era uma alegoria para a maldição que caiu sobre o personagem da história de Josué e Jericó.
E Jesus estava passo a passo, quebrando as maldições, e restaurando a benção sobre o Seu povo. Primeiro Ele restaurou Zaqueu da cobiça do ouro e da prata, a mesma cobiça de Acã.
Agora o Mestre quebrava a “suposta” maldição hereditária de Bartimeu. E o cego lança de si a capa, isto é, ele lança de si a vida de miséria, de solidão, e de falsas acusações.
E Jesus, falando, disse-lhe: Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista.
Marcos 10:51
E Jesus apenas com Suas palavras cura o cego de Jericó. Acabou aquela vida miserável. Acabou o peso de ser chamado pecador, sem nem mesmo saber o que tinha feito!
E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho.
Marcos 10:52
A muralha da acepção foi derrubada. Agora Bartimeu e Zaqueu são irmãos na fé. Agora eles tem um “norte” para seguir, um caminho para andar.
Jesus transforma o pecador de uma forma que não somos capazes de compreender.
Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são limpos, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho.
E bem-aventurado é aquele que não se escandalizar em mim.
Mateus 11:5,6.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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