MARIA DE NAZARÉ
Lucas 1.26-38
Reflexões sobre a tensão acerca da pessoa de Maria, e sua relevância para nós como pessoas e como igreja
Gostamos de falar sobre os grandes heróis da bíblia, no entanto, pouco ou quase nada se fala sobre Maria mãe de Jesus nas igrejas evangélicas. Parece-me que há uma espécie de tensão a respeito de sua pessoa, inclusive, para algumas igrejas, tudo o que “cheira” a Maria eles rejeitam por receio de idolatria. Isso se deve a uma falta de conhecimento, pois, somos infelizmente na grande maioria analfabetos, biblicamente falando. Daí uma má compreensão de quem foi Maria e sua importância.
Um dos nossos problemas com respeito a Jesus, é que negligenciamos a sua natureza divino-humana, ou natureza teantrópica para ser teologicamente correto. Jesus “herdou” de Deus Pai a natureza divina, mas é de Maria que ele herdou a natureza humana. Relacionamos-nos com Jesus, numa perspectiva apenas da sua divindade, e nos esquecemos da sua humanidade. Jesus veio ao mundo não para apenas conhecermos o verdadeiro Deus, mas também para conhecermos o verdadeiro homem. Nesse sentido Maria desempenhou um papel fundamental no que diz respeito à encarnação do verbo, ou como disse o apóstolo João: “... E o verbo se fez carne e habitou entre nós...” (João 1.14).
Maria morava na cidade de Nazaré, um pequeno povoado com mais ou menos 90 casas, que se situava à cerca de 130 quilômetros a nordeste de Jerusalém. Nazaré era uma cidadezinha sem nenhuma importância, aliás, esquecida por todos, isso fica claro nas palavras de Natanael quando lhe disseram que o Messias vinha de Nazaré: “Nazaré? Pode vir alguma coisa boa de lá?” (João 1.46).
Maria vivia uma vida pobre e simples. Seus pais a prometeram em casamento e seu futuro noivo, José, é também muito pobre. Maria tem uma vida sem muitos sobressaltos, despretensiosa. Mas em um dia qualquer, ela tem uma experiência espiritual assustadora. Um anjo de Deus se aproxima dela dizendo: “Alegre-se! Agraciada! O Senhor está com você!”.
Eu sei que falar sobre Maria é mais do que falar de uma grande mulher, sobre uma grande Heroína [do latim heroine – mulher de valor extraordinário]. É falar sobre a mãe do salvador do mundo. Estamos na verdade tratando de um assunto que merece grande atenção, pois lida com a vinda de Jesus como homem para nossa realidade humana, ademais, certamente nenhuma graça maior seria demonstrada a um ser humano comum como o chamado para ser mãe do Salvador.
Entendo que por mais que eu me esforce para destacar a grandeza de Maria, serei sempre raso, pois, meus argumentos carecem de profundidade. Todavia, me arriscarei em rabiscar algumas idéias. Vamos lá.
1. MARIA CONSIDEROU um privilégio servir a Deus, mesmo em face de todo sofrimento que enfrentaria. “... Sou serva do Senhor...” V.38.
Vejamos o que um grande escritor disse a respeito:
“A visitação de Deus, com certeza, iria bagunçar a vida de Maria, iria lançá-la em um mundo de muita dor e de muito sofrimento.
Há alguma coisa estranha com o anúncio do anjo. É que a palavra alegria não combina com o futuro que já sabemos que Maria teria.
“... Alegre-se! Agraciada...” V.28.
Alegre-se! Seu casamento será perturbado e seu marido será obrigado a enfrentar o constrangimento de uma gravidez mal explicada.
Alegre-se! Você ouvirá o choro das mães de Belém, lamentando a morte de seus filhos, por uma perseguição que visava o menino que você vai gerar.
Alegre-se! Você será obrigada a viver no Egito, exilada dos que querem matar seu filho.
Alegre-se! Você verá o seu filho sofrer e apanhar sob o chicote dos soldados romanos.
Alegre-se! Você contemplará seu filho morrendo a mais terrível de todas as mortes”.
Do púlpito 5, pg. 152.
Maria teve uma postura completamente diferente da que possuímos hoje, pois quando somos chamados a servir a Deus não perguntamos mais qual é o “preço” que teremos que pagar, e sim, o quanto vamos lucrar, o quanto eu vou receber em recompensa por servir a Deus. Jesus disse certa ocasião: “Se alguém quisesse segui-lo era necessário, negar a si mesmo, tomar cada um sua cruz e segui-lo”. É importante destacar que para nós hoje a cruz significa triunfo e vitória. No entanto, no tempo em que Jesus disse essas palavras significava outra coisa, pois quando um homem era visto carregando uma cruz era porque ele seria crucificado. Portanto, quando Cristo convida a carregar a cruz e segui-lo significa renuncia, e o texto diz que foi exatamente dessa maneira que Maria se comportou, renunciando a si mesma, em prol do que Deus tinha para realizar por intermédio dela. Ou seja, trazer o Salvador a este mundo, e isso não era tão simples como imaginamos na nossa cabeça moderna.
O chamado para servir a Deus não é necessariamente um chamado ao sucesso, ao privilégio e ao status. Nas palavras de Paulo apóstolo o sofrimento faz parte do chamado: “Pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Filipenses 1.29).
Paulo também fez um convite ao jovem pastor Timóteo: “Participa dos meus sofrimentos como bom soldado de Cristo” (2 Timóteo 2.3).
Também nas palavras de Pedro: “Para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes o exemplo, para que sigam os seus passos” (1 Pedro 2.21).
Em um cântico, Maria diz que seu espírito se alegrava em ser útil a Deus (V. 47). A pergunta que fica é a seguinte: existe alegria verdadeira em nós por servimos a Deus mesmo com tanta dificuldade? Maria responde não com palavras, mas com a vida.
2. MARIA NÃO TEVE medo de se entregar inteiramente a Deus. “... Que aconteça comigo conforme a tua palavra...” V.38.
“Ela entregou seu corpo virgem, sua integridade de mulher, sua reputação na comunidade, seu futuro com José”. Simplesmente abriu mão da própria vida em beneficio da humanidade.
O grande mal hoje em dia é que não nos entregamos por completo a Deus, temos reservas. Aliás, entregamos a ele aquilo que pode nos beneficiar; as áreas que nos interessam.
Não queremos arriscar nossa credibilidade pregando coisas impopulares, e anunciando uma mensagem que anda na contramão.
Não queremos abrir mão do conforto para ajudar o próximo.
Não queremos abrir mão do sono do domingo de manhã em nome do estudo da bíblia.
Não queremos contribuir financeiramente na igreja com medo de comprometer nosso orçamento.
Aqueles que proferem a oração do “Pai Nosso”, devem tomar cuidado ao pronunciar a cláusula: “Seja feita a tua vontade”, quando na verdade não estamos dispostos a entregar-se completamente à vontade de Deus.
3. MARIA NÃO PERMITIU que o grande chamado para ser mãe do Salvador do mundo afetasse sua humildade. “Pois atentou para a humildade da sua serva” V. 47-48.
Apesar de Maria ter sido escolhida como a mãe do filho de Deus, ela continuou a mesma; isso não alterou seus valores, não lhe subiu à cabeça.
Infelizmente a história da igreja moderna tem sido bem diferente. Uma igreja em que há uma busca frenética e descomedida por sucesso, por posições; por ser grande e estar em evidência.
Falta-nos a humildade e grandeza de santos como Madre Teresa de Calcutá, que abriu mão de prêmios e de títulos. Quando Madre Teresa foi convidada para receber o prêmio Nobel da paz, ela respondeu que não foi chamada para receber prêmios e sim para cuidar de doentes.
Precisamos de mais homens como São Francisco de Assis, que abandonou uma vida de riqueza e conforto para viver entre os pobres.
Carecemos de exemplos de vida como a do líder hindu Mahatma Gandhi que se solidarizou com a sorte miserável do seu povo, viveu e morreu por eles.
Ouçamos o conselho de Paulo apóstolo: “... Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, sendo Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo...”.
Foi o próprio Jesus quem disse: “... Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração...”.
4. MARIA NOS ENSINA que sua posição como mãe de Jesus, não a fez imaginar que ela não precisasse batalhar em oração (Atos 1.12-14). O texto diz que Maria perseverava em oração junto com os discípulos de Jesus. Então é legitimo afirmar que Maria perseverava em oração na busca pelo Espírito Santo, pois tanto o capítulo 1; quanto o capítulo 2 de Atos dos Apóstolos enfatiza que eles oravam unânimes pela descida do Espírito Santo. O que veio a se concretizar no dia de pentecostes. (At.2).
Estamos desaprendendo a prática, ou melhor, a arte da oração. A igreja moderna está fazendo da oração uma técnica para alcançar bênçãos. Não oramos para sermos mais poderosos ou eficazes, oramos para estar em sintonia com Deus.
Quando falo de oração não estou falando de técnicas, métodos ou de um jeito certo para orar. Estou falando de um estilo de vida, ou seja, oramos quando andamos na rua, quando estamos no nosso trabalho; quando praticamos esportes etc. Porque “orar não é tanto falar com Deus, mas sim estar com Deus”, nesse sentido não se faz necessário estar dentro de alguma igreja para se falar com Deus, pois todas as vezes que voltamos o nosso pensamento para ele, o encontramos. Então de certo modo não oramos para Deus, mas oramos com Deus.
Gosto de uma definição sobre oração que o pastor Ed René escreveu, vejamos:
“O Deus que não é encontrado em todo e qualquer lugar não é encontrado em um lugar específico, pois Deus encontra-se não em um lugar, mas em um estado de ser daquele que o busca, independente do lugar geográfico”.
Precisamos resgatar uma dimensão da oração que não apenas fale com Deus, mas ouça e perceba Deus no mais profundo do nosso ser.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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