A CORRIDA DO CRISTÃO...
“Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé” foram as palavras do apóstolo Paulo a Timóteo enquanto estava preso em Roma próximo ao seu martírio iminente.
Esse versículo encontra-se em 2 Timóteo 4:7, e certamente transmite um ensino valiosíssimo para todo cristão verdadeiro. A seguir, vamos entender o que o que significa “combati o bom combate” segundo o apóstolo Paulo.
O contexto de “combati o bom combate”
Essa frase está dentro de um contexto onde o apóstolo simplesmente exorta Timóteo, seu filho na fé e companheiro de ministério, a permanecer firme, sempre com fidelidade e zelo na pregação do Evangelho (2Tm 4:1-5), alertando-o que ele próprio já estava de partida desde mundo (2Tm 4:6-8).
É interessante que quando analisamos os três versículos que compõe todo esse pensamento do apóstolo Paulo (vers. 6,7 e 8), podemos perceber que ele analisa sua fé em três perspectivas diferentes: passado, presente e futuro.
No presente: “O tempo da minha partida é chegado”
No versículo 6 ele utiliza uma metáfora baseada na linguagem sacrifical do Antigo Testamento onde o vinho era derramado junto ao altar como uma oferta de gratidão a Deus, isto é, a libação (cf. Nm 15:5-10). Com isso, ele estava olhando para sua situação presente, e admitindo que sua vida estava chegando ao fim, ou seja, seu tempo de partida havia chegado, porém ele via o seu martírio como uma oferta de gratidão a Cristo.
Obviamente esse era o comportamento esperado de quem durante toda a carreira na fé entendeu que o verdadeiro seguidor de Cristo apresenta seu próprio corpo como “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1).
No mesmo versículo quando Paulo diz “o tempo da minha partida é chegado”, ele usa no original o termo grego analusis que significa “desprendimento”, “libertação” ou “soltura”. Esse termo foi traduzido para o português como “partida”, pois era uma metáfora utilizada para se referir ao desamarrar das amarras que prendem uma embarcação quando esta estava pronta para começar a navegar. Ele via a morte como sua libertação plena, a fim de poder navegar diretamente para os braços de Cristo (cf. Fp 1:21-23).
No passado: “Combati o bom combate”
Após fazer a analise da sua situação no presente, o apóstolo agora olha para o passado e declara simplesmente ter combatido o bom combate, completado a carreira e guardado a fé.
Não podemos desprezar o fato de ele ter dito “o bom combate”. No original, o apóstolo posicionou o objeto antes do verbo, ou seja, ele escreveu “o bom combate combati”, dando ainda mais ênfase ao termo que nos foi traduzido como “bom”. Esse termo é o grego kalos, que significa “excelente”, “gracioso”, “insuperável”, “bonito”, “precioso”, “recomendável”, “magnífico” ou “admirável”.
Percebe o quão importante o apóstolo considerava ser uma vida em prol do Evangelho de Cristo? Uma vida que do ponto de vista humano era repleta de privações, sofrimentos, dificuldades e dor, mas do ponto de vista da fé é um combate nobre, notável, singular e inigualável, que faz valer a pena qualquer desafio e adversidade.
Essa mesma regra do objeto antes do verbo segue no restante da frase, ou seja, “a carreira completei” e “a fé guardei”. Com isso, que parece ser algo insignificante, o apóstolo está simplesmente apontando para a verdade de que nele mesmo não há qualquer mérito. É como se aquele que se denominou como “o principal dos pecadores”estivesse dizendo: “Olha o que a graça fez comigo, o magnífico combate combati, a carreira completei e a fé guardei”.
Agora que entendemos o princípio dessa frase do apóstolo, vamos analisar o significado de cada parte de sua declaração.
O bom combate
Paulo utiliza a figura de uma luta, uma batalha ou um tipo de competição. A forma com que ele constrói essa expressão, conforme vimos acima, transmite a ideia de que o bom combate realmente significa algo muito duro, algo que exige muito de alguém.
Quando estudamos sobre a história de Paulo podemos facilmente perceber que tal expressão descreveu perfeitamente sua vida com Cristo. O apóstolo combateu principados e potestades, Satanás, perseguições dos judeus e gentios pagãos, falsas doutrinas, falsos profetas, apóstolos impostores, a cultura depravada do pecado, contendas e vícios carnais entre os próprios cristãos, hipocrisia, rejeição de seus próprios filhos na fé e sua própria velha natureza dentro de si. Assim, o apóstolo olha para todas essas coisas e exclama triunfante: “Combati o bom combate!”.
Acabei a carreira
O apóstolo agora utiliza o simbolismo de uma corrida de obstáculos, apontando para o fato de que pela graça de Deus ele conseguiu completar o ministério para o qual foi chamado. Em nenhum momento de sua carreira ele desviou-se de seu serviço no Reino de Deus, antes, não mediu esforços para que Deus fosse glorificado como Senhor do universo.
O grande objetivo da carreira de Paulo obviamente era a salvação de pecadores através do Evangelho de Cristo(1Co 9:22-24; 10:31-33). Sobre isso ele mesmo nos ensina sobre a principal motivação da evangelização, que consiste em Deus ser glorificado entre os homens (Rm 1:16-3:20).
Guardei a fé
Essa expressão conclui a declaração de Paulo ao analisar seu ministério que estava chegando ao fim. Ao dizer “guardei a fé” o apóstolo estava afirmando sua confissão de fé, dizendo que sua confiança no Deus que o escolheu permaneceu inabalável.
Perceba que essa é uma conclusão muito apropriada para quem disse “combati o bom combate, acabei a carreira”, pois ela explica o porquê desse resultado final, a saber, a fé que o manteve firme até o fim. Ele só combateu o bom combate e completou a carreira porque a fé genuína o sustentou.
Diante dessa declaração, nunca devemos pensar que ele estava reivindicando para si qualquer mérito próprio, como se ele mesmo, por seus próprios esforços, tivesse guardado a fé sem negá-la em nenhum momento, ao contrário, o próprio apóstolo já havia ensinado anteriormente que Deus é quem mantém seu povo firme até o fim (1Co 1:8,9).
No futuro: “A coroa da justiça me está guardada”
Após ter olhado para o presente e para o passado, o apóstolo foca o futuro e declara que “já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não apenas a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4:8).
Essa frase do apóstolo reflete uma sublime esperança acerca não só do seu futuro, mas de todos que, como ele, seguem verdadeiramente a Cristo. Além disso, também expressa uma plena confiança na soberania de Deus na condução da História.
Perceba que ele diz “já agora a coroa da justiça me está guardada”, ou seja, ele utiliza um verbo composto grego que enfatiza que nada poderá lhe privar de receber essa coroa.
A declaração do apóstolo está completamente fundamentada na certeza de que aqueles que combatem o bom combate, completa a carreira e guarda a fé, recebem de Deus a promessa da coroa da justiça perfeita, isto é, a vida eterna (1Tm 6:12; Tg 1:12; 1Pe 5:4; Ap 2:10).
Essa coroação representa a plenitude do processo de santificação do cristão, e é conferida pelo justo Juiz, não pelos méritos próprios de cada fiel, mas pelos méritos de Cristo que a mereceu para cada um deles (cf. Tt 3:5,6).
O justo Juiz a qual Paulo se refere é o próprio Cristo, que no grande Dia, isto é, o dia do julgamento, entregará a coroa da justiça a todos os que amam a sua vinda. Diante do retorno glorioso de Cristo os ímpios temem, enquanto os santos amam, os perversos se escondem enquanto os justos exclamam: Maranata!
Paulo estava prestes a ser condenado injustamente, e estava certo de que receberia a pena capital, mas ele não estava preocupado com o juízo de Nero, ele estava confortado na certeza de que há um justo Juiz, que é Soberano sobre tudo e todos, o qual todos os juízes da terra terão de se dobrar perante Ele, e que no dia que já está determinado presidirá o julgamento da qual ninguém poderá escapar.
Combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé deve ser a declaração presente nos lábios de qualquer cristão genuíno que almeja a qualquer momento encontrar-se com o Senhor.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr. Edson Cavalcante
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