CÉU OU INFERNO A
ESCOLHA É MINHA...
Naquele trecho maravilhosamente confortante em João 14:1-3, Jesus
tenta acalmar a angústia de seus discípulos que o anúncio de que ele iria aonde
eles não poderiam seguir havia causado (João 13:33-37). Suas advertências sobre
traição os teriam mistificado e confundidos, até magoados. Eles compreendem
pouco do que ele está falando, mas o que tem causado um estremecimento em suas
almas é a notícia de que ele iria aonde eles não poderiam ir. A ideia da perda
de sua presença os amedrontava e os derrotavam.
Jesus garante aos discípulos que a sua partida não é um abandono,
mas sim por consideração a eles- para que ele pudesse ir preparar um lugar para
eles com o seu Pai. Eles estariam separados por um tempo, disse ele, para então
estarem juntos para sempre.
Alguns pensam que Jesus está falando da igreja, da área de uma nova
relação com Deus através da morte redentora do Filho (1 Timóteo 3:15; Hebreus
3:6). E a ideia de que o lugar que Jesus promete preparar para os seus
discípulos começa nesta vida, não é sem mérito. No contexto desta mesma
conversa Jesus mais tarde disse: "Se alguém me ama, guardará a minha
palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada"
(João 14:23). Mas a morada com que Jesus consola os seus discípulos em 14:1-3
pareceria necessariamente incluir o transcendente e final. Como tem observado
Leon Morris, "Muito atraente é a sugestão de que 'a casa do meu Pai'
inclui a terra assim como o céu, de modo que onde quer que nos encontramos
estamos naquela casa. Mas por este ponto de vista não é fácil entender porque
Jesus deveria 'ir' a fim de nos preparar um lugar" (Evangelho de João, p.
638).
A questão sobre o céu que vem à tona nesta experiência de Jesus com
seus discípulos é que não é tanto um mero lugar, quanto um relacionamento que
tem alcançado na sua máxima intimidade e proximidade, um lugar com Deus e o seu
Filho. Como se tem apropriadamente observado, "Não é no céu que
encontramos Deus, mas em Deus que encontramos o céu". Não é nos nossos
arredores que o céu se encontra, mas em Deus. É verdade que João nas suas
visões vê uma cidade com ruas de ouro, paredes de jaspe e portas de pérola
(Apocalipse 21), mas aquela cidade representa muito mais a glória do povo redimido
de Deus do que as circunstâncias em que eles deverão viver, e é afinal de
contas apenas a figura da verdadeira coisa (veja Apocalipse 19:8, 2:2 e Hebreus
12:22-24).
É triste ver cristãos que pensam no céu simplesmente como um lugar
maravilhoso onde não haverá mais sofrimento, mágoa ou morte. Tudo isso sobre o
céu é verdadeiro, mas a estreitura do foco nos faz lembrar de uma noiva que se
gaba sem parar da mobília magnífica do novo lar sem dizer nem uma palavra sobre
o futuro marido. Aqueles que entre nós foram casados por algum tempo qualquer
sabem que o lar é aonde está a amada, e apenas esse fato ilumina qualquer lugar
com alegria. Nunca se foi o lugar, mas sim pessoas, que nos trazem
contentamento e satisfação, e a última expressão dessa verdade é que paraíso é
estar onde Deus e Cristo estão. Eles são totalmente suficientes para iluminar o
lugar com glória (Apocalipse 21:23). Não é o objetivo de Deus que seu povo
deveria conhecer o amor ilimitado de Cristo e ficar tomado de toda a plenitude
de Deus? (Efésios 3:19). E poderia estar faltando qualquer coisa a esses que
vivem na intimidade perfeita com aquele que é "corporalmente, toda a
plenitude da Divindade" (Colossenses 2:9-10), e a "plenitude daquele
que a tudo enche em todas as cousas" (Efésios 1:23)? Nós talvez deveríamos
passar mais tempo aprendendo sobre Jesus e vivendo próximo a ele, do que
contemplando todas as maravilhosas acomodações celestiais. Eu tenho a distinta
impressão de que Deus não estará convidando pessoas totalmente desconhecidas
para viverem com ele em sua casa. "Mas qual espécie de corpo iremos
possuir?" pergunta um, e "iremos reconhecer um ao outro no céu?"
indaga outro. Eu não estou condenando curiosidade, mas aqueles que estão
seriamente preocupados com tais coisas têm falta de confiança no poder daquele
"que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos
ou pensamos" (Efésios 3:20). Por mim mesmo, estou inteiramente satisfeito
em deixar os planos e acomodações nas mãos de Deus. Francamente, não estou tão
certo de que iremos prestar qualquer atenção aonde é que estamos pela alegria
de estarmos com nosso Pai e o Filho que nos trouxe a ele, sem mencionar todas
aquelas pessoas maravilhosas que o têm amado da mesma maneira que nós.
O Inferno: o último vácuo
"Não há nenhuma doutrina que eu removeria de mais bom grado do
cristianismo do que isto, se eu tivesse o poder. Mas essa doutrina tem o pleno
apoio das Escrituras, e sobretudo das próprias palavras do nosso Senhor."
O temor da verdadeira ideia do inferno. É um assunto que pode causar
um calafrio de horror em qualquer coração. Mas a verdade é que o inferno não é
um acréscimo arbitrário. Ele é essencial ao céu e à própria existência de um
Deus justo.
Não pode haver um paraíso sem um inferno, não somente porque o
evangelho fala de ambos, mas porque se não há um inferno todos os caminhos
conduzem ao mesmo local. E se todos os caminhos conduzem ao mesmo local, não
faz diferença qual caminho você toma, e bondade e maldade cessam de existir. A
presença de um Deus justo num tal mundo seria inconcebível!
O inferno faz uma diferença infinita. A altura da montanha é medida
pela profundidade do vale. É o inferno que faz o paraíso. A grandeza da
salvação é vista em oposição ao horror da condenação. É exatamente o inferno
que tememos que fale de um Deus moral, que rege num mundo moral onde bondade e
maldade diferenciam-se, ambos em caráter e em consequência. O céu e o inferno
não podem ser separados. Como Lewis também uma vez observou, "Eu não tenho
conhecido ninguém que houvesse completamente descrito sobre o Inferno e que
tivesse também uma convicção viva e vivificante sobre o Céu". No evangelho
de Cristo o conceito do inferno é inevitável.
A palavra grega traduzida por nossa palavra inferno é gehenna. Ela é
derivada do Vale de Hinom ao sudoeste de Jerusalém, onde crianças eram
sacrificadas nos fogos do deus Moloque durante o reino dividido (2 Crônicas
28:3; 33:6) e foi por essa razão profanado por Josias a fim de terminar o
costume (2 Reis 23:20). Jeremias o chamou de Vale da Matança por causa dos
cadáveres que em breve ali seriam amontoados pela arremetida babilônica
(Jeremias 7:32; 19:6). O vale tornou-se uma metáfora para morte, corrupção e
incêndio.
Há várias razões para acreditar na existência do inferno, mas
nenhuma tão convincente como a que Jesus mesmo disse. Das onze vezes que
gehenna aparece no Novo Testamento, todas, exceto uma, vêm da boca do Senhor
(Tiago 3:6). É Jesus que em todo o Novo Testamento pinta a figura mais gráfica
do julgamento dos condenados, advertindo aos seus ouvintes severamente de tal
destino (Mateus 5:22,29; 10:28; 23:15,33; Marcos 9:45-48; Lucas 12:5). Ele
pinta o inferno como uma fornalha de fogo eterno e um processo interminável de
corrupção (Mateus 25:41; Marcos 9:48). São trevas enchidas de um choro angustiante,
um lugar de castigo eterno (Mateus 8:12; 25:46).
Este fogo, estas trevas, devem ser subentendidos literalmente?
Talvez não, pois o diabo e os seus anjos que não possuem corpos materiais
deverão sofrer a mesma sorte. Mas não há qualquer consolo nisso. Linguagem
figurada é usada quando palavras comuns falham. A realidade do inferno será
muito pior do que as figuras sugerem. O inferno é o lugar onde Deus não está, e
poucos de nós têm seriamente contemplado como seria a absoluta ausência de
Deus.
O inferno, em última análise, não é algo que Deus tenha acrescentado
ao destino dos incrédulos, mas sim a consequência natural das escolhas que eles
têm feito. Há afinal somente duas espécies de pessoas: aquelas que dizem a Deus
faça-se a tua vontade, e aquelas a quem Deus diz, no final, faça-se a tua
vontade. Todos os que irão para o inferno ali estarão porque escolheram contra
a vontade e a misericórdia de Deus. E o que têm escolhido?
Eles têm escolhido afastar-se de Deus e de todas as suas qualidades.
Isso significa que desde que Deus como Criador tem dado à vida o seu propósito
e sentido, a vida no inferno será eternamente sem sentido e inútil. Será uma
terra cinzenta e desesperada, destruída de esperança e sonhos.
E porque Deus é amor (1 João 4:8), o inferno será um lugar onde não
haverá amor. Nele estará a miséria empilhada de todo o ódio, malícia, inveja e
ciúmes que jamais houve. Não haverá nenhuma compaixão, nenhuma meiguice,
nenhuma atenção, nenhuma preocupação desinteressada por outros; somente o choro
ininterrupto de egoísmo.
E porque Deus é luz (1 João 1:5-6), o inferno será verdadeiramente
um lugar de "trevas" -- ininterruptas e absolutas. Não trevas
literais, físicas, mas as trevas da maldade, perversão e impiedade. O inferno
será um lugar do qual toda a bondade terá sido expurgada. E lá não haverá, como
aqui tem havido para os desobedientes e incrédulos, a luz refletida da bondade
e justiça de outros. Serão trevas totais!
E é assim, que os que vão ao inferno terão recebido exatamente o que
desejavam que é ter posto Deus fora de suas vidas. Não haverá mais apelos
divinos para mudar de rumo, não mais apelos para voltar a casa, somente o
silêncio vazio de um mundo passado, negro e morto.
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciências da Religião Dr.
Edson Cavalcante
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