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terça-feira, 14 de junho de 2016

AOS GÁLATAS...


                                                         AOS GÁLATAS...
Muito se discutiu através dos estudos da epístola de Gálatas sobre quem a escreveu. Mas após análises profundas chegou-se a conclusão de que é realmente Paulo e não um pseudônimo quem escreveu o livro. Um dos fortes indícios é o estilo literário latente no livro. Quanto a Paulo, a própria epístola destaca sobre a pessoa de Paulo. Sabe-se que Paulo não era uma pessoa rasa na sua vida pré-cristã. Este era judeu e ele próprio sabia que era mais "avantajado" que os demais contemporâneos. Contudo sua modéstia o refreou (1.14). Paulo não escreve para desconhecidos. Muitos gálatas o conhecia em sua época pré-cristã (1.13). Paulo descreve detalhadamente sua conversão além de se declarar pregador (1.15-16) de um Evangelho que não era de feitura humana (1.11). Este recebeu o Evangelho mediante revelação (1.12). Paulo deixa claro que: Pregou o Evangelho em suma consciência (2.2); anunciou o Cristo crucificado (3.1) e que demonstrou ter enfermidades na sua primeira pregação entre os gálatas (4.13).
Quanto à sua peregrinação missionária Paulo passou um tempo na Arábia e relata sua volta a Damasco (1.17). Esteve em Jerusalém (1.18 e 2.1) mas não há precisão de data. Parece ter ligeiro conhecimento das igrejas na Judéia (1.22-23) mas nega conhecimento pessoal delas. Ele cita também a Síria e Cilícia, mas aparentemente não esteve ali (Cf At 15.41).
Sobre sua experiência cristã a epístola deixa claro sua profundidade. Ele se considera "servo" de Cristo (1.10) e, apesar de ter o título de apóstolo se coloca em posição de humilhação. Foi liberto da Lei mas continua escravo de Cristo. É sobre essa antítese Lei x Graça que Paulo constrói a "coluna cervical" da epístola.
Nesta epístola fica claro as características humanas de Paulo: Fica atônito com a apostasia de seus leitores (1.6); teme que seu trabalho tenha sido em vão e se demonstra decepcionado (4.11); mostra-se perplexo (4.20); se demonstra claro e insistente em palavras nas suas explicações (1.9); não teme a autoridade de Pedro e repreende-o em público (2.14) e se torna radical contra os que pervertem o Evangelho (5.12).
Por fim, Paulo se demonstra um teólogo de ação e não de poltrona como hoje. Possuía uma enfermidade que não se dá para saber ao certo o que era (4.13), todavia esta enfermidade causou-lhe uma transformação desagradável em sua aparência pois elogia os gálatas por não desprezá-lo (4.14). Sobre sua possível oftalmia, doença que é cogitada por alguns como Calvino, no versículo 4.15 parece ser apenas uma figura de linguagem usada por Paulo. E quanto às letras grandes usadas por Paulo no final da epístola serve tanto para reforçar a teoria da oftalmia quanto para uma abertura para outras interpretações.
O estilo da epístola
A epístola de Gálatas difere das demais epístolas paulinas no que diz respeito ao envolvimento do autor com as palavras empregadas. A grande riqueza encontrada na epístola é o uso de figuras de linguagem. Existem mais figuras de linguagem em Gálatas do que nas demais epístolas. Eis algumas: O olhar que fascina (3.1); a exposição de notícias (3.1); a função do aio (3.24); o jugo (5.1); o parto (4.19); a competição esportiva (5.7); o fermento (5.9); o escândalo, ou pedra de tropeço (5.11); a cidade dos animais selvagens (5.15); a colheita dos frutos (5.22); o processo de semear e ceifar (6.7); a família (6.10) e o processo de ferretear (6.17).
Outra característica da epístola é o número de perguntas retóricas. Estas se concentram mais na porção central doutrinária (caps. 3 e 4). Destaca-se também o jogo de cintura de Paulo mediante situações de correção. Ora Paulo chama os gálatas de "irmãos" (1.11, 3.15, 4.12, 28, etc) ora de "insensatos" (3.1). Um toque ainda mais carinhoso aparece em 4.19 onde o apóstolo chama-os de "meus filhos".
Paulo se identifica com os seus leitores já que usa a primeira pessoa do plural cerca de 70 vezes.
Propósito da epístola
Esta epístola deixa claro as intenções de Paulo para com seus leitores. Na epístola exitem três diferentes grupos envolvidos na situação dos quais Paulo considera.
O primeiro grupo é formado de pessoas com as quais Paulo já possuía um relacionamento prévio (1.8, 9; 4.13). Paulo se demonstra extremamente voltado em amor para com estes (4.15) e satisfeito com a revolucionária transformação do povo gálata de pagão para cristão (4.8). Talvez o amor de Paulo para com este grupo se deu pelo fato de este acolher amorosamente Paulo em sua cansativa viagem somada à sua enfermidade (4.14).

O segundo grupo é o apostólico em Jerusalém. Paulo deixa claro sua dificuldade com este grupo quando este tenta se sobrepor aos ensinos de Paulo com se o apóstolo tivesse menor autoridade. Diante disso Paulo se coloca no mesmo nível (1.1) dos apóstolos do ministério de "carne e sangue" (1.16). Certo desentendimento teológico houve entre Paulo e este grupo (2.11-14) que tinha Pedro e, mais tarde Tiago, como líderes. Paulo se refere aos apóstolos como "colunas" (2.9).
O terceiro grupo era os judaizantes. Várias alusões são feitas a eles por Paulo, porém sem nada de mais definido. A primeira referência é 1.7 onde se diz que o grupo quer perverter o Evangelho. Outra referência é 1.9, contudo esta é mais vaga, sem muitos detalhes. Em 3.10 Paulo faz uma declaração acerca de "todos quantos são das obras da Lei", referind-se ao grupo. Outra passagem importante está em 5.2 em diante quando o apóstolo trabalha os gálatas no seu desvio de fé. Fica claro que um dos assuntos que Paulo enfrenta é a circuncisão (6.12).
O apóstolo luta contra estes que tentam atrapalhar seus ensinos. Paulo vê o movimento como sendo escravizante. Na epístola não fica claro quantos participam do movimento e nem quem são os líderes judaizantes, contudo presume-se que são da Galácia. Fica evidente que fazem parte da igreja local, embora entraram de forma clandestina.
A questão dos judaizantes pode ser considerada comum para aquela época, principalmente o quesito da circuncisão. A circuncisão era sinal de uma aliança que trazia status, posição de privilégio, além de ser algo obrigatório no Antigo Testamento. Muitos cristãos primitivos, antes de sua conversão, foram condicionados a estes pensamentos, o que deixa margem para se pensar que tentaram condicionar a igreja também. Contudo o movimento era comum, mas seus resultados poderiam ser catastróficos para o cristianismo nascente. Os gálatas eram muito sinceros; perigosamente sinceros, a ponto de pregarem as doutrinas judaizantes com afinco. Se Paulo não intervisse com certeza o cristianismo seria considerado mais uma simples seita do judaísmo. Portanto, o propósito da epístola é trabalhar os gálatas sobre o perigo iminente. Sendo assim, Paulo adota os seguintes pontos:
Paulo faz uma abordagem histórica: Paulo refuta a idéia legalista dizendo ter apoio dos "colunas" da igreja (1.1 - 2.14). Logo isso valeu como uma abordagem doutrinária mais importante, a qual coloca Paulo como importante também, mas em segundo plano, ou seja, a doutrina é maior.
Paulo trabalha seu próprio testemunho (2.15-21).
Paulo trabalha a experiência dos próprios gálatas (3.1-5). O apóstolo relembra-os dos milagres realizados pelo Espírito desafiando-os então a uma série de perguntas.
Como a doutrina legalista dos judaizantes nasce da Lei mosaica do Antigo Testamento, Paulo apela também para o Antigo Testamento (3.6-18) citando Abraão como exemplo de que a promessa de Deus feita a ele era superior à lei. O apóstolo então fala da maldição da lei e da salvação de Cristo, que se fez maldição após cumprir a lei, que é interpretado por Paulo como sendo o retorno à fé de Abraão, que, como foi dito, é superior à lei. O apóstolo também não isenta argumentos que são baseados em considerações gramaticais (3.16).
Em seguida é trabalhada a questão da temporária função da lei e a função permanente da fé (3.19-29) juntamente com a consideração de que os que são da lei são apenas servos, mas os que são da fé são filhos de Deus.
Assim, o apóstolo os adverte contra o retorno às coisas antigas, que seria voltar à condição de escravos (4.8-20).
Por fim, o método alegórico foi usado para ilustrar o ensino. Talvez nõ faça sentido hoje, numa época onde a ciência racional predomina, mas para aquela época tal ato significou grande aprendizado e compreensão.
Paulo termina seu argumento doutrinário com uma frase citada quase no fim da carta em 5.1: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou", onde ele deixa claro qual é a maior qualidade do cristianismo.
Data da Epístola
Muitos preferem dizer que Paulo escreveu a carta durante a fome de At 11.30, logo, por volta de 55 ou 56 d.C. Mas a grande pergunta é se Paulo escreveu a carta antes ou depois do concílio de Jerusalém de At 15, que provavelmente foi em 48 d.C. Se a data do concílio estiver correta, foi antes de 48.
Esboço de Gálatas

I- Introdução 1.1-10
  A. Saudação 1.1-5
  B. Deserção dos gálatas 1.6-7
  C. Denúncia contra os judaizantes 1.8-9
  D. Declaração da integridade de Paulo 1.10
II- Biografia: Paulo defende sua autoridade 1.11 - 2.21
  A. A fonte de sua autoridade 1.11-24
  B. O reconhecimento de sua autoridade 2.1-10
  C. A manifestação de sua autoridade 2.11-21
III. Doutrina: Paulo defende seu Evangelho 3.1 - 4.31
  A. Com discussão 3.1 - 4.11
     1. Experiência dos gálatas 3.1-5
     2. Doutrina do AT 3.6-14
     3. Caráter da aliança com Abraão 3.15-18
     4. Propósito da Lei 3.19-24
     5. Status daqueles que estão em Cristo 3.25 - 4.7
     6. Insensatez de reverter-se ao legalismo 4.8-11
  B. Por apelo
     1. Com base na afeição deles por Paulo 4.12-18
     2. Com base na afeição de Paulo por eles 4.19-20
  C. Por alegoria 4.21-31
IV- Prática: Paulo exorta os gálatas 5.1 - 6.10
  A. A usarem adequadamente sua liberdade cristã 5.1-15
  B. A caminharem através do Espírito 5.16-26
  C. A carregarem os fardos dos outros 6.1-10
V. Conclusão 6.11-18
  A. Advertência contra os legalistas 6.11-13
  B. Centralidade da cruz 6.14-16
  C. Marcas de um apóstolo 6.17
  D. Bênção 6.18

A epístola de Gálatas para a atualidade
Talvez, numa primeira leitura de Gálatas, seja difícil destacar pontos importantes de Gálatas para os dias atuais. Parece antiquado o texto se for aplicado hoje. Contudo a epístola de Gálatas é rica na apresentação de princípios cristãos. E se caso esses princípios forem destacados num estudo mais elaborado com certeza a epístola de Gálatas apresentará relevância para os dias de hoje.
Essa relevância foi crucial na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, quando os reformadores releram Gálatas achando argumentos que foram contra o pensamento vigente da época. Para os reformadores a epístola possui uma extrema valorização da fé contra a lei no âmbito de salvação. Logo, se uma releitura de Gálatas com uma aplicação de eisegese foi crucial para o surgimento dos protestantes porque não seria ainda hoje?
Portanto, se for destacado alguns pontos (problemas) a serem pensados hoje virão à tona os seguintes:
a) Uma advertência contra o legalismo: Nos dias atuais ainda se vê o problema na sistematização das idéias sobre a salvação do homem. No início da era moderna os protestantes foram contra a igreja católica porque esta impunha a salvação por meio de obras, leis, dogmas e práticas. Os protestantes eram contra porque, após a leitura de Gálatas, perceberam que a salvação vem pela fé e tão somente por esta. Para os católicos da época (e de hoje???) a salvação só é possível pela intermediação de um sacerdote (padre, bispo, papa, etc.) e de ritos. Para os protestantes somente pela fé em Cristo. Logo, para os católicos existem obras para que venha a salvação e para os protestantes existem as obras porque houve a salvação. As obras, segundo os protestantes, vieram porque uma vez que o homem foi salvo pode trabalhar essa salvação para o outro afim de que este outro sofra uma benevolência como fruto do amor da salvação divina. Essa interpretação só foi possível através da leitura de Gálatas. Para Paulo, a salvação só poderia resultar da fé pessoal, o que tornava o cristianismo um fator vivo e poderoso. Para Paulo, voltar ao legalismo é o mesmo que matar novamente Cristo e, dessa maneira, negar a primazia da fé.
Nos dias de hoje, mais especificamente nas igrejas evangélicas do Brasil, o legalismo tem tomado conta quando o assunto é salvação. A teologia protestante tem sido abandonada por estas, que adotaram uma crença popular rasa que associa a fé em Cristo com a necessidade de confirmação da salvação através das obras. Para muitas igrejas é obrigatório entregar o dízimo, jejuar 1 vez por semana, ir ao culto ao menos 1 vez por semana, etc,  para que seja salvo, o que nega o que Paulo tanto ensinou aos gálatas como forma de ativação do cristianismo dinâmico. Para a salvação basta fé e para as obras basta amor. A volta à legalidade pelas igrejas evangélicas é totalmente contrária ao Evangelho pregado por Jesus Cristo e por Paulo. Nada se deve fazer para a salvação a não ser crer. Essa crença trará como fruto o arrependimento e este arrependimento também não é necessário para a salvação pois já é resultado de uma vida salva. Assim, o salvo entende que as boas obras o acompanha porque só o salvo entende que estas são necessárias para agradar seu coração sedento de amor. Essa é a mensagem de salvação de Gálatas.
b) Uma advertência contra o subjetivismo nocivo: Ao contrário do legalismo, que visa traçar metas invioláveis, ou pelo menos para que não se viole, a negação do legalismo pode levar ao subjetivismo nocivo. Em outras palavras, a negação do legalismo pode levar o homem a fazer tantas leituras e aplicações com o texto de Gálatas, que culminaria em uma espécie de liberdade impensada, onde muitos sairiam prejudicados; uma espécie de libertinagem. Contudo ainda assim a epístola de Gálatas coloca a importância de não seguir o egoísmo. Em 5.13 a epístola exige que não se ande segunda a carne. Em 5..2 Paulo afirma que o amor é o primeiro fruto do Espírito. E por fim, a epístola deixa claro que o serviço prestado a outros é mais importante que para si mesmo (5.13-14).
c) O uso do Antigo Testamento: Nos dias atuais as igrejas evangélicas brasileiras têm usado com desregramento os textos do Antigo Testamento como forma de doutrinação. O que a epístola deixa claro é que o mesmo deve ser usado para confirmar o Novo Testamento. As doutrinas criadas não podem ir contra a cultura que Cristo deixou. Ainda sobre o uso do Antigo Testamento fica claro que Paulo citou textos, usou linguagem típica do AT e usou personagens do AT com uma história alegórica. Fica clara a forma criativa que Paulo usou contra os problemas dos gálatas. Isso também é valoroso para hoje.
CONCLUSÃO
Esta carta tem sido descrita, com razão, como sendo a carta magna da liberdade cristã, e enquanto seus ensinamentos forem obedecidos, o cristianismo jamais ficará sujeito a qualquer tipo de servidão...
Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante.


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