Pages

sábado, 30 de abril de 2016

A ESPADA CRAVADA EM NOSSA CONSCIÊNCIA...


                           A ESPADA CRAVADA EM NOSSA CONSCIÊNCIA...
“E aconteceu, tendo decorrido um ano, no tempo em que os reis saem para a guerra, enviou Davi a Joabe, e a seus servos com ele, e a todo o Israel, para que destruíssem os filhos de Amom e cercassem Rabá; porém Davi ficou em Jerusalém” (2 Sm 11.1).
INTRODUÇÃO
Nesse espaço, veremos uma fase de declínio na vida de Davi, o grande rei de Israel. Sua história ficaria manchada para sempre pela mácula de um adultério e consequente homicidio. No capítulo 11 de 2 Sm, encontramos o relato de um dos crimes mais condenáveis da história bíblica. O homem que já houvera derrubado inimigos quase imbatíveis e vencido guerras quase invencíveis em nome do Senhor rendeu-se incondicionalmente ao desejo carnal desenfreado pela mulher de um de seu melhores súditos. Numa tarde, enquanto passeava pelo terraço da casa real, ao ver Bate-Seba se lavando, Davi mandou perguntar quem era aquela linda mulher e, apesar de saber que se tratava da esposa de um grande amigo, trouxe-a à sua casa e a possuiu. Para desespero do rei, a mulher ficou grávida. Ele então mandou buscar Urias, seu marido, no campo de batalha para que ficasse com sua mulher algum tempo a fim de imputar-lhe aquela concepção. Como Urias se recusou a proceder conforme a ordem do rei de Israel, este arquitetou sordidamente a sua morte, ordenando a Joabe, por meio de carta enviada pela mão do próprio Urias, que o colocasse à frente do campo de batalha, em local indefensável, para que morresse. Morto Urias, Davi tomou a viúva como sua esposa e continuou a vida como se nada tivesse acontecido. Somente depois de confrontado duramente por Deus, o rei de Israel reconheceria seu erro e seria perdoado; todavia as conseqüências do seu pecado seriam danosas e duradouras.
DAVI E A TENTAÇÃO
A tentação é uma realidade com a qual todas as pessoas têm lidado desde o inicio do mundo. No jardim do Éden, ainda antes do fracasso de Adão e Eva, a tentação já era uma realidade, pois quando Lúcifer tentou nossos primeiros pais, eles ainda não haviam pecado. Por isso, vale ressaltar, ser tentado não é pecado, pois nenhum homem está isento disso, nem mesmo o próprio Filho de Deus esteve (Mt 4.1-11), mas pecado é ceder à tentação. Ser tentado também não é sinal de carnalidade, mas uma evidência de nosso caráter humano.
A Bíblia Sagrada é clara sobre a inevitabilidade da tentação. Quer falemos dos patriarcas ou profetas, reis ou apóstolos, todos sentiram o empurrão sutil da tentação impelindo para a prática do mal e, não raro, muitos daqueles herois sucumbiram. Vemos um Abrão, amigo de Deus, entregar-se à tentação de mentir a Faraó, dizendo que Sara era sua irmã e não esposa a fim de livrar a própria pele (Gn 12.10-20). Encontramos um Jacó cedendo à tentação de enganar seu pai para usurpar a bênção de Esaú, seu irmão (Gn 27.6ss). Mais tarde, os filhos de Jacó cederiam ao desejo de se vingarem de seu irmão, José, e o venderiam como escravo (Gn 37.1-28). Moisés, o grande libertador, perdeu o controle e matou um egípcio (Ex 2.11,12). Visto que o objeto do nosso estudo é Davi, com o rei de Israel não foi diferente. Davi, apesar de todas as suas virtudes decantadas na Bilbia, era homem sujeito às mesmas paixões que aliciam a alma de todos os homens. O homem segundo o coração de Deus encontrava-se no apogeu do seu reinado quando, tomado por paixões infames, caiu em pecado de adultério com Bate-seba, esposa de seu fiel soldado Urias. A gravidez resultante do adultério desencadeou uma série de outros pecados, entre eles o homicídio cruel do marido traído, numa tentativa tresloucada do rei de Israel de encobrir o seu pecado.
Na Bíblia Sagrada, encontramos o registro de três fontes de onde a tentação pode fluir: o mundo, a carne e o diabo.
A carne. Quando a Bíblia fala da carne como fonte de tentação, refere-se à natureza humana caída, cheia de paixões e desejos, lícitos ou ilícitos, muitos dos quais conspiram contra a lei do Espírito de vida (Rm 8.1,2).
Devido o efeito degenerativo do pecado na espécie humana, o ambiente em que vivemos passou a ser um lugar cada vez mais estimulador da prática do mal, em oposição à Palavra de Deus. Todos os dias, somos bombardeados por milhares de estímulos internos e externos que nos incitam à prática de atos pecaminosos. É o que Freud chamou de princípio do prazer X princípio da realidade. Dentro de uma relação inseparável, a natureza humana e o mundo proporcionam prazeres de toda sorte, os quais se chocam com o código moral prescrito pela Palavra de Deus, orientadora de como o homem deve viver para encontrar a verdadeira felicidade. Renunciar aos prazeres ilícitos, tendo como contraponto a observância dos mandamentos divinos, é uma questão de sobrevivência da espécie humana.
Em Gálatas 5.16-25, o apóstolo Paulo fala da guerra espiritual que consiste de desejos na carne militando contra o desejo do Espírito. O referido apóstolo cita uma série de obras que são próprias da carne, ou seja, da natureza humana degenerada. Sua recomendação contra as paixões da carne é para que andemos no Espírito (v 16). Em Romanos 13. 14, a recomendação paulina é para que nos revistamos do Senhor Jesus Cristo e não tenhamos cuidado na carne e em suas concupiscências.
O mundo: O vocábulo "mundo", no sentido empregado aqui, diz respeito ao sistema iníquo que rege a vida dos homens (busca do poder, riquezas, independência de Deus etc), em nossos dias, amplamente difundido pelos meios de comunicação em massa, jornais, radio, televisão e revistas. A finalidade é levar os homens a ignorarem a existência de Deus e se tornarem livres para decidir o que fazer de suas vidas. Trata-se de um sistema que se opõe abertamente ao Reino de Deus. Por isso que a Bíblia usa prodigamente a palavra mundo relacionada ao sistema regido pelo maligno. Na sua primeira Epístola Universal, o apóstolo João nos adverte a que não amemos o mundo nem o que no mundo há (2.15), pois este mundo jaz no maligno (15.19). O apóstolo Tiago avisa que qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus (Tg 4.4). Como um ímã, o mundo exerce um magnetismo quase inexorável sobre as paixões humanas, de sorte que os pecadores são arrastados como se por uma correnteza ao encontro dos prazeres e encantos que os levarão à ruína. A única arma capaz de vencer o mundo é a fé decorrente do novo nascimento. “Porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (1 Jo 5.4).

O Diabo: Satanás é o agente principal da tentação. Ele é chamado de “o tentador” (Mt 4.3). Em toda a Bíblia Sagrada, vemos suas estratégias e velhos truques a fim de induzir pessoas ao erro. Só para ficar em alguns casos mais importantes: foi Satanás quem incitou Eva a comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal e, portanto,  desobedcer a ordem de Deus, o que resultou em deletérias conseqüências para a humanidade (Gn 3.1); quem incitou Davi a enumerar o povo de Israel em um ato de desobediência ao Senhor, que também suscitou danosas conseqüências (1 Cr 21.1); quem, com genialidade e artifícios impressionantes, tentou Jesus a atropelar a vontade de Deus para a sua vida, porém, neste caso, não teve sucesso (Mt 4.1-11).
Contra o agente da tentação, a Bíblia nos recomenda o revestimento de toda a armadura de Deus (Ef 6.10,11) e, a partir daí, resistir ao diabo até que ele fuja (Tg 4.7).
O PECADO DE DAVI
Muito já se foi dito sobre a tentação e conseqüente pecado do maior rei de Israel. Livros e sermões já foram inspirados nele. Afinal de contas, por que um homem tão amado por Deus, de virtudes inescapáveis, chegou a praticar crime tão covarde contra um de seus fieis súditos? É uma pergunta que tem sido levantada durante os séculos e respondida de várias maneiras por aqueles que se dispõem a analisar o comportamento humano. Como um homem de Deus chega a tamanha crueldade e covardia? Talvez Davi seja o personagem bíblico que melhor representa o ser humano em suas complexas potencialidades, tanto para fazer o bem, como para fazer o mal. Com esse comentário, levanto a questão de o quanto somos circunstanciais, imprevisíveis e vulneráveis. Como disse um professor: "Nos recônditos da alma humana, existe um amontoado de desejos miseráveis, e a linha que separa o desejo do ato é muito tênue". Por isso a necessidade constante que temos de nos policiarmos, pois potencialmente o mal mora logo ali, ou melhor, logo aqui, dentro de cada um.
Antecedentes de uma tragédia.
1) A ociosidade do rei. O escritor bíblico diz que no tempo em que os reis saiam à guerra, Davi enviou Joabe, e a seus servos com ele, e a todo o Israel para que destruíssem os filhos de Amom e cercassem Rabá, porém Davi ficou no palácio (não deixe escapar a importância do porém, o grifo é nosso). Note que era tempo de guerra e não de descanso. Os reis saiam para a batalha a partir da primavera, definindo conquistas e reafirmando as fronteiras de seu país. Davi errou, não apenas em não liderar o povo à guerra, mas principalmente por descumprir a lei da guerra, conforme Deuteronômio 20, a qual rezava que os líderes deveriam estar na dianteira do povo. O rei de Israel, todavia, estava em casa descansando ocasião, ocioso, passeando no terraço da casa real (2 Sm 11.1-2).
Há um adágio que diz: Todos precisam achar alguma forma de gastar o tempo. É preciso matar o tempo em algum lugar. Não nos enganemos: a atenção humana nunca está alheia ou neutra, ela sempre se volta para alguma coisa. Enquanto passeava pelo palácio, o rei teve a sua atenção atraída para uma mulher muito bonita que estava se lavando em algum lugar inadequado. Até aqui tudo bem. O rei poderia ter desviado a atenção ou se dirigido a outro lugar do palácio, porém, condescendente com o próprio desejo, como alguém que aprecia uma simples paisagem ao entardecer, inflamou a lascívia do seu coração e foi dominado pela cobiça. Até aqui, ele ainda tinha a capacidade de dominar sobre o seu desejo.
2) A cobiça desrespeita todos os valores e não mede conseqüências. Davi, fascinado pela beleza da mulher, resolveu dar mais um passo em direção ao perigo: mandou perguntar o nome da da beldade. Era Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias. Urias e Eliã faziam parte dos valentes de Davi, dois súditos leiais do rei. No livro de 2 Samuel, capítulo 23, a partir do versículo 24, começa a listagem dos grandes guerreiros de Davi, e ali dois nomes se destacam: “Eliã, filho de Aitofel, gilonita”, (v 34) e Urias, heteu (v 39). Note que este Aitofel, avô de Bate-Seba, era o grande conselheiro de Davi  que, mais tarde,como num ato de vingança, aconselhou Absalão a possuir as mulheres do rei publicamente (2 Sm 16.20-23). Os laços de amizade e lealdade deveriam ter servido de freio ao desejo insano do rei, porém o veneno da cobiça já corria em toda a sua corrente sanguínea e já havia contaminado todas as suas células. A partir daí, o desejo não conhece obstáculo nem mede conseqüências. É por isso que quando uma pessoa se entrega à tentação, pode se encontrar numa situação absolutamente impossível de resistir.
Note que a barreira principal que se interpõe entre a tentação e a prática do pecado é o temor a Deus expressado na observância de sua Palavra (Sl 119.11). Por isso, as leis de Deus deveriam ter servido de freio para Davi, porém, no incidente com Bate-Seba, ele quebraria o sexto mandamento: "Não matarás"; o sétimo mandamento: "Não adulterarás"; e o décimo mandamento: "Não cobiçarás" (Êx 20:1-17). Todas essas barreiras morais seriam dirimidas pelo trator da cobiça.
Quantas histórias já ouvimos de maridos que abandonaram esposas, de amigos que jogaram para o ar anos de lealdade, chefes de família que abandonaram filhos, pastores que abandonaram igrejas; enfim, pessoas que cuspiram em todos os valores e princípios que defenderam a vida toda, porque viraram presa da cobiça quando brincavam com o pecado. Convém salientar que nem todos que procedem desta maneira realmente não amavam seus pares, não eram homens honestos e justos - não é isso -, mas não vigiaram em algum lugar de sua vida, momento em que deveriam ter eliminado o mal no seu nascedouro, e foram envenenados pela concupiscência. Não nos enganemos: se o pecado não fosse realmente tão danoso, a Bíblia não soaria um alarme tão estridente contra ele (1 Coríntios 10:12).
A consumação do pecado.
"Depois, havendo a concupiscência concebido-a, dá à luz ao pecado” (Tg 1.15). Prostrado finalmente à concupiscência, Davi manda trazer Bate-Seba e se deita com ela, totalmente cego às conseqüências de seu ato. A Bíblia mostra que a tentação segue algumas etapas. Tiago diz que cada pessoa é tentada quando atraída ou engodada pela sua própria concupiscência. Primeiro, Davi olhou; depois mandou perguntar o nome da mulher; em seguida, mandou buscá-la para o palácio. Neste ponto, a concupiscência já havia concebido, e daria luz ao pecado. Agora, o homem de Deus era apenas um escravo do seu pecado e desejos. O homem que, outrora, estivera a serviço de Deus, agora estaria a serviço do diabo.
A loucura de querer reparar um erro irreparável.
A Bíblia diz que um abismo chama outro abismo (Sl 42.7). Alguns dias depois do adultério, Davi ficou sabendo que Bate-Seba estava grávida. Tal notícia caiu como uma bomba na cabeça do rei, e então ele começou um vale-tudo para encobrir o seu pecado. Tanto Davi como Bate-Seba estavam cientes das implicações de seu erro. Levítico 20.10 deixa claro: “Se um homem cometer adultério com a mulher de seu próximo, ambos, o adúltero e a adúltera certamente serão mortos”. Bom, o pecado de Bate-Seba estaria visível ante o seu marido; ela seria certamente punida. Será que ela teria coragem de acusar o rei? Se fizesse, as suas palavras teriam alguma credibilidade? Davi assumiria sua culpa ou, uma vez adoecido pelo pecado, refutaria Bate-Seba? Isto nós não sabemos. O que não podemos perder de vista é que qualquer desvio da vontade de Deus abre o caminho para cada vez mais loucura e engano. Transgredindo a vontade de Deus, Davi abriu o caminho para mais tentações. A condescendência com uma paixão, longe de removê-la, só torna essa paixão mais e mais forte. Se Davi tivesse seguido o ideal de Deus, ele teria estado menos sujeito às tentações de Satanás. Neste caso, as comportas foram abertas, e Davi foi arrastado pela inundação.
Um apelo à astúcia
 Atormentado pelo desespero, o rei apelou para a astúcia. Arquitetou um plano, aos seus olhos infalível: resolveu dar férias a Urias, o marido traído, e mandou que o trouxessem do campo de batalha para casa (bondoso, não?). Davi pensava consigo: estando Urias com a sua mulher, entrará a ela, e a gravidez dela será atribuída a ele (2 Sm 11.10-12). Davi só não contava com a lealdade e a sensatez de Urias, o qual se recusou terminantemente aos prazeres do sexo, enquanto seus compatriotas estavam no calor da batalha. “ A arca, e Israel, e Judá estão em tenda, e Joabe, meu senhor, e os servos de meu senhor estão acampados ao relento. Como poderia eu entrar na minha casa, para comer e beber, e para me deitar como minha mulher? Tão certo como vives, não farei tal coisa” (2 Sm 11.11). Todavia a astúcia do rei desviado desconhecia limites. Ele, então, tentou forçar Urias por meio do álcool e o embriagou; porém a lealdade deste também desconhecia limites e ele mais uma vez se recusou a ir à sua casa.
Alguém disse uma vez que a vantagem que o mal às vezes tem em relação ao bem é que o mal não reconhece limites em suas ações, enquanto que o bem só pode atuar dentro de certos limites traçados pela ética e pelo bom senso. O rei de Israel já não conhecia limites às suas ações ímpias. Ele queria se livrar daquela situação a qualquer custo. Ele apelou, então, para uma solução extrema: matar Urias.
Crueldade desmesurada.
Vencido pela persistência de Urias, Davi escreveu uma carta do próprio punho, ordenando a Joabe que pusesse Urias no lugar mais perigoso da batalha e retirasse os homens de detrás dele para que fosse ferido e morresse, e a mandou pelas mãos do próprio Urias (2 Sm 11.15). Como observa o pastor Elinaldo Lima, Como Urias era um servo fiel, não violou a carta. Se o tivesse feito, veria que estava levando a própria sentença de morte.
Às vezes eu me pego pensando na surpresa de Joabe quando abriu aquela carta. Ele estava sendo forçado a ser cúmplice do rei em um assassinato covarde, sem nem saber o motivo. Sem dúvida ficou sabendo mais tarde quando voltou e viu Bate-Seba na casa de Davi. A minha proposição é que, a partir dali, Davi ficou praticamente nas mãos de Joabe, pois os atos deste se tornavam cada dia mais reprováveis e desobedientes, porém o rei Davi não o puniu nenhuma vez, muito pelo contrário, vemos Joabe repreendendo asperamente o rei e o ameaçando quando aquele general matou absalão, desobedecendo a ordem do rei (ver 2 Sm 18.5-18; 19.1-10). Foi Joabe quem enganou o rei para trazer absalão de volta do exílio (2 Sm 14.1-21). Tendo Davi posto Amasa no lugar de Joabe, à frente do exercito de Israel, Joabe o matou covardemente e retomou sua posição (ver 2 Sm 19.13; 20.10). Davi não tomou nenhuma medida para puni-lo. Note ainda a alfinetada que Joabe deu em Davi quando mandou avisar ao rei da morte de Urias em 2 Sm 11.19-21 Somente depois de passar o reino a Salomão, antevendo a sua iminente morte, Davi dar ordem para que, depois de sua morte, Salomão mate Joabe, como punição pelos seus crimes (1 Rs 2.5,6). Davi, depois de seu pecado, era um rei sem autoridade, o que normalmente sucede a todos os que pecam e causam escândalo.
Insensibilidade
Sabendo da morte de Urias, Davi, cinicamente, mandou dizer a Joabe: “Não te pareça mal aos teus olhos; pois a espada tanto consome este como aquele” (2 Sm 11.25). Estava resolvida a questão: Davi tomou Bate-Seba como sua esposa e se portou tranqüilamente como se nada houvera acontecido por cerca de um ano. O homem de Deus estava com a consciência cauterizada (cf 1 Tm 4.2). Seu estado de entorpecimento era tão grande que se não fosse um confronto direto com Deus por iniciativa deste, ele teria morrido em seu pecado sem nunca confessá-lo.
DAVI E A INTERVENÇÃO DE DEUS
Uma das grandes lições deste episódio é a imparcialidade da justiça divina, bem como as riquezas de sua misericórdia. Deus não pode condescender com o pecado, seja lá de quem for - Ele é justo. Certamente Davi pensou que o fato de ser rei de Israel, ungido do Senhor, lhe isentaria do juízo de Deus. “Não fará justiça o Senhor de toda a terra?” (Gn 18.25). Mais ou menos um ano depois – o menino já havia nascido (2 Sm 12.14) – , o rei estava tranqüilo em sua casa, celebrando a chegada de mais um filho, quando o profeta Natã aparece no pátio. Natã estava levando uma causa para que o rei julgasse. O que ele tinha para dizer era muito sério. Tratava-se de um camponês que possuía uma única ovelha e de um fazendeiro que tinha muitas ovelhas. Certa ocasião, o fazendeiro rico tomou a única ovelha que o pobre camponês tinha, a qual ele amava, e ofereceu como guisado ao seu visitante (2 Sm 12.1-6). Quem poderia ficar impassível diante de uma injustiça dessa? Davi ficou irado. “Este homem é digno de morte” ele disse. “Pela cordeira restituirá o quádruplo, porque fez tal coisa e não se compadeceu” (2 Sm 12.6). Davi estava promulgando sua própria sentença.

É comum desculparmos em nós mesmos aquilo que com veemência condenamos nos outros. O comentarista José Gonçalves foi muito feliz neste comentário: “É comum alguém que pecou e não tratou de forma devida o seu pecado projetar um sentimento de justiça e uma falsa santidade perante os outros”.2 Atente para palavra grifada (o grifo é meu). O conceito de projeção em Psicologia consiste em o indivíduo atribuir ao outro aquilo que é predicado seu. Por não aceitar em si, ele reprime e projeta no outro. Foi o que aconteceu com Davi, depois que o grande mestre Natã manipulou tão bem as questões emocionais não resolvidas do rei. Na parábola, Natã expôs o mal de maneira tão clara que conseguiu despertar uma resposta de indignação moral no empedernido coração do rei de Israel.
“Tu és este homem”, replicou o profeta Natã. “Assim diz o Senhor, Deus de Israel: A Urias, o heteu, feriste a espada, e a sua mulher tomaste por tua mulher; a ele mataste com a espada dos filhos de Amom” (2 Sm 12.7,9). O rei de Israel agora estava diante do espelho, de frente às suas misérias, desnudo, algo que só pode acontecer por meio de um confronto com Deus (cf Is 6.5). Há situação em que o estado de cauterização da consciência é tão grande que somente um encontro com Deus é capaz de fazer cair as escamas dos olhos e expor as misérias humanas. E o mais interessante: a iniciativa é sempre de Deus.
CONSEQUÊNCIAS DO PECADO
Uma lição inescapável neste caso é a de que o pecado, uma vez consumado, deixa suas conseqüências deletérias, ainda que seja perdoado por Deus. O pecado nunca acontece no isolamento; cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, as conseqüências aparecem. Seus efeitos danosos levam sofrimentos tanto ao que pecou como a muitas outras pessoas inocentes. Nós não podemos nos enganar: depois da queda espiritual, a vida muda em todos os aspectos. Quantos lares destruídos, quantas famílias desmanteladas, sonhos e projetos frustrados, vidas ceifadas precocemente, por causa de um descuido de alguns crentes. “Não vos enganeis: Deus não se deixa escarnecer. Tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Davi seria perdoado por Deus, mas beberia um cálice amargo pelo resto de sua vida.
1) Sentenças divinas. Após denunciar o pecado de Davi, ali mesmo, o profeta proferiu duas sentenças divinas conta o rei. “Agora, portanto, a espada jamais se apartará da tua casa”. Foi exatamente o que aconteceu. O filho que nascera daquele adultério morreu logo em seguida (2 Sm 12.14). Amom foi assassinado por Absalão (2 Sm 13.28,29). Absalão foi morto por ter-se rebelado contra o pai (2 Sm 18.9-17). Mais tarde, Adonias também seria morto à espada (1 rs 2.24,25). Lembremos que Davi sentenciou que o homem da parábola, que tomou a ovelha do outro deveria pagar quatro vezes mais (2 Sm 12.6).
“Assim diz o Senhor: Eu suscitarei da tua própria casa o mal sobre ti, e tomarei tuas mulheres perante os teus olhos, e as darei ao teu próximo, o qual se deitará com elas a plena luz do dia. Tu o fizeste em oculto, mas eu farei este negócio perante todo o Israel, a plena luz do dia” (2 Sm 12.11,12). Para começar, Davi teve uma de suas filhas estuprada por um de seus irmãos (2 Sm 13.10-15). Depois Absalão, seu próprio filho, usurpou-lhe o reino e abusou sexualmente de suas mulheres em plena praça pública (2 Sm 15.1ss).
2) Conseqüências emocionais. Davi era um homem de alma despedaçada. As vergonhas, humilhações e execrações (2 Sm 16.5-8) por que passou o rei de Israel não encontram pares na Bíblia. As desgraças que se abateram sobe ele envolveram rompimento de antigas amizades (2 Sm 23.34), vexações familiares, desagregação do seu reino, deslealdade de seus súditos e perda de autoridade. Era um homem com feridas profundas na alma e sulcos profundos sobre as suas costas (Salmo 129). Seus salmos retratam com nítidas cores seus infortúnios (ver os salmos 6, 13, 22, 25, 38, 40, 41). A idade em que morreu - cerca de setenta anos (cp 2 Sm 5.4 e 1 Rs 2.10) - debilitado como estava, talvez tenha muito a ver com as angústias e frustrações de sua alma. Todavia, convém salientar, todas as sua feridas o impeliram para cima de Deus e o levaram a aprofundar suas experiências com Ele. Como já foi dito, o pecado cobra seu preço.
3) Conseqüências espirituais e físicas. No tocante aos efeitos espirituais e físicos, é muito.
Não há dúvida de que os maiores efeitos do pecado de Davi estão na esfera espiritual. O pecado parece doce, inofensivo e natural, no entanto, suas conseqüências são amargas. Paulo, o apóstolo, adverte em sua primeira carta aos coríntios: “Por causa disso [do pecado], há entre vós muitos fracos e doentes e muitos que dormem” (1 Co 11.30). Em outras palavras, aquilo que é espiritual num primeiro plano, tem conseqüências físicas em segundo. Os especialistas advertem que há muitas doenças psicossomáticas, isto é, doenças da alma ou de origem psicológica que afetam o corpo físico. A Bíblia nos
mostra que há também doenças de origem espiritual. A Palavra de Deus adverte: “Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para que sareis ; a oração feita por um justo pode muito em seus efeitos (Tg 5.16). Davi pôs em prática isso e clamou ao Senhor: “[...] Tem piedade de mim; sara a minha alma, porque pequei contra ti” (Sl 41.4).
CONCLUSÃO
“Depois de algum tempo você descobre que se leva anos para se construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.” Esta frase de Willian Shakespeare é um verdadeiro tratado sobre a condição humana. Ela resume bem este episódio triste da vida de Davi. A sua decisão por ceder à tentação, quando deveria ter resistido, deixaria manchas irremovíveis em sua historia de vida. Mas não é só isso. Sua história com Bate-Seba nos mostra que até os mais piedosos dos homens, se não forem cuidadosos, são capazes de cometer os piores pecados; mostra que as conseqüências de nossos atos são inevitáveis; mas também mostra que, por mais profundo que seja o lamaçal em que o pecador esteja mergulhado, o perdão de Deus pode alcançá-lo...

Apóstolo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.