ESTUDO BÍBLICO SOBRE A VIDA
DE JOÃO EVANGELISTA...
Apóstolo João, foi um dos doze
apóstolos de Jesus e além do Evangelho segundo
João, também escreveu
as três epístolas de João (1, 2, e 3) e o livro do Apocalipse. Há que se destacar aqui a existência de uma
controvérsia sobre o verdadeiro autor do Apocalipse, mas uma tradição representada por São Justino e amplamente difundida no século II Ireneu de Lyon, Clemente de
Alexandria, Tertuliano, o Cânone Muratori), identifica o autor como sendo o apostolo João, o autor do quarto
evangelho. Mas até o século V as igrejas da Síria, Capadócia e
mesmo da Palestina não pareciam ter incluído o apocalipse
no cânon das escrituras, prova de que não o
consideraram como obra do apostolo. Apresenta inegável parentesco com os
escritos joaninos, mas também se distingue claramente deles por sua linguagem,
seu estilo e por seus pontos de vista teológicos (referentes, sobretudo à parúsia de Cristo), comentário de
introdução ao apocalipse na Bíblia de Jerusalém.
João seria o mais
novo dos 12 discípulos, tinha provavelmente cerca de vinte e quatro anos de
idade à altura do seu chamado por Jesus. Consta que seria solteiro e vivia com
os seus pais em Betsaida. Era pescador de profissão, consertava as redes de
pesca. Trabalhava junto com seu irmão Tiago Maior, e em provável sociedade com André e Pedro.
As heranças
deixadas nos escritos de João, demonstram uma personalidade extraordinária. De
acordo com as descrições ele seria imaginativo nas suas comparações, pensativo
e introspectivo nas suas dissertações e pouco falador como discípulo. É notório
o seu amadurecimento na fé através da evolução da sua escrita.
Relação com Jesus
Foi manifesta nos
livros da Bíblia a admiração de João por Jesus. Jesus chamou-lhe o Filho
do Trovão e posteriormente ele foi considerado o “Discípulo Amado”.
Também ele e seu irmão, Tiago, pedem para ficar um ao lado direito, outro ao
lado esquerdo de Jesus quando estiverem no céu, além de serem batizados no
mesmo batismo de Jesus, tendo por isso sido levemente repreendidos por Jesus e
causado certa inveja entre os demais apóstolos.
Segundo os
registros do "Novo testamento", João foi o apóstolo que seguiu com Jesus, na noite em que foi
preso e foi corajoso ao ponto de acompanhar o seu Mestre até à morte na cruz.
A História conta
que João esteve presente, e ao alcance de Jesus, até a última hora, e foi-lhe
entregue a missão de tomar conta de Maria, a mãe de Jesus. Em algumas correntes
protestantes, a Bíblia indica que Jesus não era filho único de Maria (vide irmãos de Jesus), porém seria o mais velho e por isso teria a responsabilidade de
cuidar de sua mãe após a morte de José. No entanto, no Evangelho Segundo São Mateus está escrito: "Nisso
aproximou-se a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e prostrou-se diante
de Jesus para lhe fazer uma súplica" (Mt 20,20), parece claro que esta mãe
não é Maria, mãe de Jesus, mas outra pessoa, pois, então, o evangelista não
escreveria "a mãe dos filhos de Zebedeu", e sim algo como "sua
mãe".
Já a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa sustentam que Cristo não tinha
irmãos carnais pois no aramaico, antigo idioma utilizado por Jesus, as palavras
que designavam irmãos eram utilizadas indistintamente para primos e outros
parentes, devendo ser frisado que Jesus falava aramaico, mas os evangelhos
foram escritos em grego, idioma mais rico, o que pode ter gerado esta confusão,
no momento da tradução2 .
Mais tarde João
esteve fortemente ligado a Pedro nas atividades iniciais do movimento cristão, tornando-se um dos
principais sustentáculos da Igreja de Jerusalém. Foi o principal apoio de Pedro, no Dia de Pentecostes. É tradição constante e ininterrupta que pregou na Ásia Menor,
especialmente em Éfeso, onde teria encerrado o ministério com morte em idade
muito avançada.
O exílio
Em Patmos, ilha no leste do Mar Egeu, local onde fez o seu exílio, João escreveu o Livro da Revelação
do Apocalipse. Acredita-se que este Livro da Revelação contém os
fragmentos que sobreviveram de uma grande revelação, da qual se perderam
grandes partes e outras partes foram retiradas, depois que João o escrevera.
Apenas uma parte fragmentada foi preservada. Por outro lado, alguns teólogos e
exegetas afirmam que o caráter fragmentário deste livro resulta de outros dois
livros de Apocalipse que foram unidos, resultando no que conhecemos hoje, sendo
que um deles já estaria escrito desde o tempo de Nero. João viajou
muito, trabalhou incessantemente e, depois de tornar-se dirigente das igrejas
da Ásia, estabeleceu-se em Éfeso. Orientou o seu colaborador, Natan, na
redação do chamado “evangelho segundo João”, em Éfeso, aproximadamente no
ano 90 D.C..
Morte
De todos os doze
apóstolos, João, o Apóstolo Amado e filho de Zebedeu, tornou-se o mais destacado teólogo,
tendo morrido de morte natural, em Éfeso, no ano 103 D.C., quando
tinha 94 anos. Segundo bispo Polícrates de Éfeso em 190 (atestada porEusébio de Cesareia na sua História Eclesiástica, 5, 24), o
Apóstolo "dormiu" (faleceu) em Éfeso. Contudo, conta-se que a tumba
estava vazia quando foi aberta por Constantino para edificar-lhe uma igreja.
Segundo algumas
interpretações João era o apóstolo que Jesus mais amava. Ele tinha um enorme
afeto pelo Senhor e vice-versa.
Controvérsia
Controvérsias são
suscitadas baseadas nos próprios textos bíblicos que afirmam que este discípulo
não passou pela morte, segundo a interpretação de alguns. Com efeito, é
possível ler: Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se
encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho
do Homem no seu Reino. (Mateus 16,28)
De outra parte está
também escrito nos Evangelhos: Então, Pedro, voltando-se, viu que
também o ia seguindo o discípulo a quem Jesus amava, o qual na ceia se
reclinara sobre o peito de Jesus e perguntara: "Senhor, quem é o
traidor?" Vendo-o, pois, Pedro perguntou a Jesus: "E quanto a
este?" Respondeu-lhe Jesus: "Se eu quero que ele permaneça até que eu
venha, que te importa? Quanto a ti, segue-me." Então, se tornou corrente
entre os irmãos o dito de que aquele discípulo não morreria. Ora, "Jesus
não dissera que tal discípulo não morreria", mas: "Se eu quero que
ele permaneça até que eu venha, que te importa?" (João 21,18-25)
Interpretações
teológicas, contudo, resolvem essa dificuldade bíblica como Jesus afirmando que
ele deveria permanecer vivo até a Revelação final do cânon bíblico, o
Apocalipse. A partir daí, sua morte ocorrería naturalmente, no tempo devido.
INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE JOÃO
O teste do tempo
deu ao Quarto Evangelho a supremacia entre todos os livros do mundo. Se o
Evangelho de Lucas é o mais bonito, o Evangelho de João é supremo em sua
altura e profundidade e alcance do pensamento. A imagem de Cristo apresentada
aqui é única e conquistou a mente e o coração da humanidade (…) Aqui
encontramos o Coração de Cristo.
O evangelho de João
é certamente um evangelho cercado por louvores e A.T. Robertson (1863-1934) não
está equivocado ao dizer que esse evangelho é o mais supremo em sua
profundidade de pensamento. Não podemos negar que no Evangelho de João que
podemos perceber com clareza as características mais aprofundadas do caráter de
Cristo. Sidlow Baxter (1903-1999) também reconhece o valor que esse evangelho e
tem e se pergunta: “Existe em qualquer parte uma combinação mais singular de
infinita profundidade e simplicidade verbal? Já houve um assunto mais sublime e
mais habilmente interpretado?”. Mas, ele ainda vai além e diz que nesse
evangelho não apenas conhecemos a Cristo, mas conhecemos o próprio coração de
Deus:
A sua preciosidade
ímpar está naturalmente em suas revelações divinas e valores espirituais. Sobre
os seus portais brilha a inscrição: “Ninguém jamais viu a Deus: o Deus
unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou (Jo.1.18). A forma do
verbo em grego , traduzida como revelou é exegesato, da qual vem a nossa
palavra exegese. Significa que no Jesus visível o Deus invisível é revelado.
DEUS, o conceito incompreensível, é explicado objetivamente diante de nós. O
próprio coração do Eterno é revelado, pois o Filho Unigênito vem do seio do
Pai”
Contudo, não
podemos também nos esquecer que esse evangelho é cercado por críticas, e A.T.
Robertson está correto quando nos lembra que “não é possível para um crente
em Jesus Cristo como Filho de Deus ser indiferente a moderna visão
crítica sobre a autoria e valor histórico do Santo entre os Santos do Novo
Testamento”. Por um lado, temos um aprofundado e detalhado relato sobre Cristo,
por outro, as dificuldades Teológicas que o cercam são tantas que eventualmente
sua beleza é acobertada pelos desafios relacionados à natureza, integridade e
credibilidade desse evangelho.
O que podemos dizer
com certeza é que, com tons diferentes dos evangelhos sinóticos, João também
pinta a figura de Jesus Cristo em seu Evangelho e por ser o último dos
apóstolos a escrever sobre Ele, é bem provável que João intencionasse acrescer
aos relatos já conhecidos informações que os outros evangelhos não tinham
apresentado. Isso poderia explicar por que grande parte do livro é
exclusivo a João e que algumas ênfases Teológicas, sejam apologéticas ou
fundamentais, foram apresentadas com mais clareza que em outros
evangelhos. Craig Bloomberg apresenta essa opinião, observe:
Os comentaristas
mais antigos em geral explicaram as diferenças de João como devidas ao fato de
João ter sido o último a escrever. Ele conhecia o que Mateus, Marcos e Lucas
haviam escrito e, dessa forma, não sentiu qualquer necessidade de repetir as
informações deles. Em resumo, ele tratou de complementar o material dos seus
antecessores.
Vale a pena ser
dito que muito provavelmente, Clemente de Alexandria teria sido o primeiro a
reconhecer esse fato, e sobre isso disse:
Mas que João, em
último lugar, consciente que os fatos corporais (isto é, externos) haviam sido
revelados nos evangelhos, com o que ele tinha em mento os evangelhos de Mateus,
Lucas e Marcos, sobre os quais vinha falando, foi encorajado, pelos seus
conhecidos, e sob inspiração do Espírito Santo, a escrever um evangelho
espiritual.
Seja como for, se o
autor é João, como acreditava Clemente, não podemos considerar esse Evangelho
como muito posterior ao fim do primeiro século. Mas, essas assumir essas
pressuposições levantam dificuldades históricas, conforme veremos adiante. Se
os Pais da Igreja estão corretos em atribuir esse Evangelho a João o apóstolo,
então teremos que lidar com a confiabilidade desses autores, conforme veremos
ainda nesse artigo. Como se pode perceber inicialmente, além de um belo
documento, este é um documento cercado de dúvidas e não ousaríamos tratá-lo com
superficialidade.
Por isso, a
intenção dessa breve introdução, demonstrar a beleza desse escrito, sem ignorar
suas dificuldades. Para tanto, precisaremos apresentar propostas para que tais
dificuldades sejam, ou resolvidas ou minimizadas pelo estudo dedicado das
escrituras.
1. Autoria e Data
Não é possível
falar em autoria sem referir-se à data do documento: Se esse evangelho de fato
reflete a teologia tardia e a alta cristologia do segundo século, então o autor
desse evangelho não pode ser João o apóstolo. Por outro lado, se o autor é
João, temos que considerar que já no fim dos dias apostólicos a cristologia
cristã já reconhecia a divindade de Cristo e que a teologia do segundo século
na verdade seguia a tradição cristã e apostólica.
Apesar de esse
documento ser conhecido como Evangelho segundo João, a verdade sobre ele é que
ele não traz nenhuma informação explícita sobre seu autor, e por isso, muitas
vezes é apresentado como o Quarto Evangelho. Esse fato, o anonimato do autor,
tem conduzido teólogos a considerar a possibilidade de se saber com certeza
quem é seu autor. As opiniões são diversas e os estudos vão para todos os
lados. Existem teólogos veementes defensores da autoria joaniana, enquanto
outros preferem adotar uma postura mais crítica a essa defesa.
O que se tem por
certo é que a autoria joanina para o quarto evangelho é claramente demonstrada
pelos Pais da Igreja. Teófilo de Alexandria, Tertuliano, Clemente de
Alexandria, Ireneu, Hipólito, Orígenes, Dionísio de Alexandria, Eusébio
defendem que João é o autor do evangelho. Também é importante lembrar o leitor
que a autoria joanina não teria sido colocada sob suspeita senão no fim do
século XVIII. Arno Clement Gaebelein (1861-1942), sobre o assunto diz:
“A autoria joanina
desse evangelho foi colocada em dúvida pela primeira vez por um clérigo inglês
chamado Evanson, que escreveu sobre o assunto em 1792. Em 1820, o professor
Breschneider prosseguiu com o ataque sobre a autoria joanina do Evangelho.
Então veio a escola de Tübingen, reconhecidos por Strauss e Baur. Baur, o chefe
da escola de Tübingen definiu a data da escrita do Evangelho de João em 170
D.C. Outros optaram por 140. Kleim, outro crítico, definiu em 130 D.C.. Renan
entre 117 e 138 d.C.
A datação mais
tardia não é um exercício sem fundamento, mas, os críticos consideram o
evangelho mais tardio por suspeitarem que o seu conteúdo fosse muito avançado
para o período apostólico, como é normalmente reconhecido. Na verdade,
suspeitam que um discípulo de Jesus fosse capaz de apresentar alguns
distintivos teológicos com tamanha clareza, como por exemplo, a Divindade de
Cristo. Craig Bloomberg, fala sobre essa suposição, observe:
Em geral,
pressupunha-se que sua ênfase cristológica [do evangelho] houvesse sido produto
de uma longa e lenta evolução, distante de uma mais primitiva compreensão
judaica de Jesus, que ainda não o considerava como Deus.
Para muitos outros
críticos, o pensamento exposto no quarto evangelho reflete as obras teológicas
do segundo século, e, portanto, o autor não poderia ser de uma testemunha
ocular do primeiro século. Sobre isso, Merril C. Tenney nos lembra que:
A data mais tardia
foi defendida pela Escola de Tübingen no início do século XIX na suposição de
que João representaria um tipo de pensamento teológico que surgiu no fim do
primeiro século ou início do segundo século e não teria sido colocado em forma
escrita até aproximadamente 150 D.C..
Werner Georg Kümmel
(1905-1995), diferente de Bloomberg e Merril, não fala de tais pressuposições
como produto da teologia moderna, mas as defende. Em suas palavras:
O Evangelho de João
não pode servir juntamente com os sinóticos como fonte para o conhecimento do
Jesus histórico, por ter sido formado a partir de uma imagem de fé de Jesus, a
qual somente pode ser compreendida com produto final da evolução da doutrina
neotestamentária de Cristo.
Todas essas
afirmações foram possíveis graças ao descobrimento de obras religiosas
supostamente cristãs que teriam sido produzidas no segundo e terceiro
século. A partir da comparação do texto do quarto evangelho com tais textos
produzidos no segundo e terceiro século, concluiu-se que o quarto evangelho não
apenas se reportava a esses documentos no que se refere à linguagem, mas, em
muitos casos era demasiadamente similar teologicamente.
Rudolf Bultmann
(1884-1976) sustentava que o autor do quarto evangelho teria sofrido tamanha
influência do gnosticismo que veio a escrever um evangelho transmitisse a
verdade a respeito de Cristo por intermédio das lentes do mito gnóstico.
Observe como Bultmann se pronuncia sobre o assunto:
A terminologia
gnóstica serviu sobre tudo para expor com clareza o evento salvífico. Segundo
ela, o redentor aparece como uma figura cósmica, como o ser divino
preexistente, o filho do Pai, que desceu do céu e assumiu figura de ser humano,
que de sua atividade terrena, foi elevado à glória celestial e conquistou o
domínio sobre os poderes espirituais.
Sobre o assunto ele
ainda completa:
Por natureza, um
processo desses não acontece sem influência de conteúdo. E assim como o
cristianismo helenista foi envolvido no processo sincretista por meio da
formação do culto ao Κύριος [Senhor], tanto mais isso aconteceu pela formação
da doutrina da redenção sob influência gnóstica.”
Se Bultmann está
correto ao afirmar que o gnosticismo exerceu real influência sobre o autor do
quarto evangelho deve-se esperar que o mesmo tenha tido contato pessoal com tal
doutrina a tal ponto que pudesse absorver seus conceitos e apresentá-los de
acordo com sua linguagem. Portanto, o evangelho deve ser obra do segundo
século, e conseqüentemente, João não poderia ser o autor desse evangelho.
Estranhamente, Bultmann aceita uma data no primeiro século para o quarto
evangelho.
Outros teólogos,
mais conservadores, defendem que tal evangelho tenha sido escrito como uma
resposta ao gnosticismo. Para tais autores, a similaridade de linguagem era
para favorecer a compreensão da verdade a respeito do Logos, mas na verdade o
autor intencionava em corrigir as visões gnósticas, pois tais visões não são
compatíveis com o verdadeiro cristianismo. Adam Clark (1760-1832) considera tal
possibilidade, observe:
E suficiente saber
que, concernente à pessoa do nosso Senhor, eles mantém opiniões similares
àquelas ensinadas por Cerinto; e eles clamavam a si mesmos o mais alto patamar
de conhecimento e espiritualidade. Eles supunham que o Ser Supremo incluia
todas as coisas e seres, de um modo seminal, Nele mesmo; e que a partir Dele
eles foram criados. A partir de Deus (ou Bythós, o infinito Abyss), eles
derivavam uma multidão de governadores subalternos, chamados Aeons, que eram
divididos em classes, entre as quais podemos distinguir nove diferentes
classes, como seguem: Πατηρ, Pai; Χαρις, Graça; Μονογενης, Unigênito; Αληθεια,
Verdade; Λογος, Palavra; Φως, Luz; Ζωη, Vida; Ανθρωπος, Homem; and Εκκλησια,
Assembléia; todos esses se fundiam no que eles consideravam o Πληρωμα, a
Todalidade, ou a plenitude de seres e bênçãos: Todos esses termos são
frequentemente usados no Evangelho de João, e o que leva alguns a pensarem que
ele as introduziu para corrigir o sentido delas, e resgatá-las do abuso
dos gnósticos.
Esse posicionamento
certamente nos ajuda a entender a relação entre o evangelho de João e a suposta
teologia gnóstica. Entretanto, tal opinião incorre em um problema similar ao
anterior, pois, se tal evangelho tivesse sido escrito com o propósito de
combater heresias em desenvolvimento no segundo século, é de se esperar que o
autor do mesmo as conhecesse para que pudesse responder. O Gnosticismo
normalmente é datado por volta da segunda metade do segundo século. Basilíades
(morto por volta de 130 D.C.) e Vitorino (160 D.C.), considerado por alguns
como proto-gnósticos, são provavelmente os primeiros representantes do
gnosticismo helênico. Ou seja, mais uma vez, supõe-se que o autor do quarto
evangelho fosse de um período muito tardio, o que impossibilitaria João de ser
seu autor.
Entretanto é
importante que se diga que o Evangelho parece ter tido um propósito realmente
apologético, fato que vários teólogos têm reconhecido mais recentemente. Russel
Norman Champlin parece esboçar essa opinião quando diz:
Apesar de ser
historicamente demonstrável que certos grupos gnósticos de Alexandria e Éfeso
apreciaram especialmente o evangelho de João, contudo, não existe qualquer
conexão vital entre os dois; parece certo bastante que na realidade, o
evangelho de João foi escrito como
refutação das idéias gnósticas básicas, ao invés de ter sido um reflexo
das mesmas.
É interessante
notar o uso da expressão “idéias gnósticas básicas”, pois isso não implica em
uma resposta ao gnosticismo como uma doutrina já complemente desenvolvida nos
tempos apostólicos, mas como uma heresia já incipiente, de modo que os
elementos básicos do gnosticismo desenvolvido do segundo século já fossem
conhecidos no período apostólico. Não parece irreal supor que o gnosticismo
tenha passado por um processo de desenvolvimento similar ao que a Teologia
Cristã passou.
Desse modo, é
perfeitamente possível que João estivesse escrevendo para auxiliar seus
leitores a evitarem o erro da heresia que parecia assediar os cristãos do fim
do primeiro século. Bloomberg sobre isso diz:
Pode ser que João
tenha a princípio escrito assim tentando contextualizar as Boas Novas de Jesus
para uma comunidade que começava a se interessar, ou a ser
influenciada, por um gnosticismo incipiente. O apóstolo desejava apenas
mostrar que os falsos mestres estavam adotando os temas contrapostos.
Contudo a mais
proeminente evidência de que o evangelho tenha um fator apologético é o próprio
verso normalmente usado para declaração de propósito do livro: “ἵνα πιστεύσητε ὅτι ᾿Ιησοῦς ἐστιν ὁ
Χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ Θεοῦ” (para que creias que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus – Jo.20.31). O termo grego πιστεύω, nessa sentença é um verbo no
primeiro aoristo do subjuntivo ativo, e portanto, traduzido como “para que
creiais”, como se o objetivo fosse evangelístico. Entretanto, uma importante
variante textual é vista nesse verso, sendo que o verbo πιστεύω, é apresentado
como no presente do subjuntivo ativo (πιστεύητε), sendo traduzido como “para
que continuais a crer”. Bruce Metzger, sobre isso diz:
O tempo aoristo,
estritamente interpretado, sugere que o Quarto Evangelho tenha sido endereçado
a não cristãos para que venham a crer que Jesus é o Messias; o presente, sugere
que o objetivo do escritor é fortalecer a fé daqueles que já criam (“que vocês
continuem a crer”).
A.T. Robertson
parece confirmar não apenas tal tradução, mas, também sua preferência a essa
leitura, observe:
Propósito com ἵνα e
o presente do subjuntivo ativo, deve ser traduzido “que vocês continuem
crendo”. O livro teve exatamente esse efeito contínuo e sucessivo de
confirmação da fé em Jesus Cristo através dos séculos.
Outro detalhe que
deve-se ter em mente é que nenhum dos livros do Novo Testamento tenha sido
dedicado a comunidades não cristãs. Isso certamente fortalece a idéia de que
tal escrito tenha sido escrito primariamente para cristãos, muito embora
pudesse ser utilizado por eles para apresentar a Cristo, como muito se faz nos
dias de hoje.
De fato, não é sem
evidências que se aceita a idéia de um evangelho que defenda a fé de um
gnosticismo incipiente. Sem contar que embora o conteúdo do evangelho defenda a
fé cristã das investidas gnósticas do segundo e terceiro século não exige que
seu autor seja familiarizado com tais doutrinas. Considere que esse evangelho
também serviu como base para a defesa da fé diante da controvérsia ariana no
quarto século, sem que o autor desse evangelho precisasse conhecer as doutrinas
de Ário. Nesse sentido, a verdade não depende da distorção para ser verdadeira,
mas ela é suficiente para combatê-la quando surgir.
Sendo assim, não se
pode assumir que um documento é tardio apenas pelo fato de que combata
doutrinas conhecidas mais tarde do que ele, simplesmente significa que a fé
sempre esteve sob ataque, e que os escritos inspirados sempre foram armas nas
mãos dos cristãos genuinamente preocupados com a doutrina defendida pelos
apóstolos.
É também digno de
nota que o anonimato do autor favorece a autoria de alguém revestido de
autoridade e reconhecimento. Imagine por um momento um documento sem nome e de
origem desconhecida iniciando a circular entre os cristãos primitivos. É muito
provável que tal escrito caísse em descrédito. Ou seja, se um falsário
intencionasse que suas idéias fossem aceitas pela comunidade primitiva, ele
escreveria um evangelho em nome de um dos apóstolos de Cristo, e assim teria a
autoridade emprestada dos apóstolos para suportar seus escritos. Por outro
lado, se o autor fosse conhecido de seus leitores e tivesse autoridade
reconhecida entre eles, seu nome era desnecessário.
F.F. Bruce
(1910-1990), no início do seu comentário sobre o evangelho nos lembra que essa
parece a diferença entre os evangelhos canônicos e os apócrifos, observe:
É digno de nota
que, enquanto os evangelhos canônicos podiam se dar ao luxo de serem publicados
anonimamente, os evangelhos apócrifos, que começaram a aparecer a partir de
meados do segundo século declaram (falsamente) terem sido escritos por
apóstolos ou outras pessoas ligadas ao Senhor.
Assim, tendo
considerado o anonimato do autor, algumas das características desse escrito, e
algumas das dificuldades relacionadas à autoria desse evangelho, é possível
definir com algum grau de certeza quem é o autor desse evangelho?
A. Evidência Externa:
Tradicionalmente,
teólogos agrupam citações dos Pais da Igreja como evidências para se
compreender quem é o autor do evangelho. Como já demonstramos, são muitos os
Pais da Igreja que citam, aludem ou defendem a autoria joanina do quarto
evangelho.
A evidência
histórica a partir do terceiro século (até fim do século XVIII) demonstra com clarividência
que o autor do Quarto Evangelho é sem sombras de dúvida João, o discípulo a
quem Jesus amava. As antigas versões (Sírias, Latinas e Coptas) existentes a
partir do terceiro século já traziam informações sobre o seu autor. Alguns
autores tendem a datar as antigas versões copta como provenientes de uma forma
de texto já conhecida no segundo século, e portanto tal testemunho muito nos
ajuda a considerar sobre a longa tradição da autoria joanina do Quarto
Evangelho.
i. Evidências no Terceiro Século
Dionísio de
Alexandria (†264), muito embora tenha procurado outro autor para o Apocalipse
em função das dificuldades de interpretação do milenismo entre os alexandrinos,
sempre assumiu que o autor do Quarto Evangelho era João. Orígenes (†254)
defendia que João havia sido um dos últimos apóstolos e em seu comentário
ao Evangelho de João, evidência por todo o documento que João havia sido o
autor do evangelho que comentava. Orígenes quando escrevia sobre a pessoa de
Deus afirma:
No Evangelho
Segundo João, “Deus é espírito e aqueles que o adoram devem o adorar em
espírito e em verdade” [Jo 4:24]
Falando sobre a
criação de todas as coisas, Orígenes também assegura:
Todas as almas e
todas criaturas racionais, sejam santo ou não, foram formadas ou criadas, e
todos essas, de acordo com sua própria natureza, são incorpóreas, mas embora
incorpóreo, eles foram criados, no entanto, porque todas as coisas foram feitas
por Deus através de Cristo, como João ensina de uma forma geral, no seu
Evangelho, dizendo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estaca com Deus, e o
Verbo era Deus. O mesmo estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram
feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito” [Jo.1.1-3]
Clemente de
Alexandria (†215), como se sabe, fora professor de Orígenes, e tal autor se
refere como a tradição dos antigos presbíteros com alguma freqüência além de
assumir que o apóstolo João, o último dos evangelistas, cheio do Espírito
Santo, tinha escrito um Evangelho espiritual, como já temos demonstrado.
Contudo, é bem
provável que o mais importante testemunho seja o de Irineu (†202), que teria
sido bispo em Lyon. Por ter sido discipulado por Policarpo, que teria sido
discipulado por João, o seu testemunho remonta os períodos apostólicos. Ele
cita em seus escritos, pelo menos, cem versos do Quarto Evangelho, diversas
vezes com a observação “João, o discípulo do Senhor, diz”. Ao falar sobre
algumas dificuldades teológicas a respeito da criação, ele diz:
Seu próprio Verbo
[Logos] é tanto adequada quanto suficiente para a criação de todas as coisas,
assim como João, o discípulo do Senhor, declara a respeito Dela: “Todas as
coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito.” [Jo. 1:3].
Irineu não apenas
usa o evangelho com claras indicações da autoria, ele também nos oferece algumas
informações sobre o seu autor:
Mais tarde, João, o
discípulo do Senhor, que repousava sobre o peito, também escreveu um evangelho,
enquanto ele residia em Éfeso, na Ásia.
Note que Irineu
defende que o discípulo que havia se reclinado em Cristo na última ceia como
João, argumento que é usado na análise de evidências internas para identificar
o autor do evangelho. Irineu também defende que João teria escrito enquanto
estava em Éfeso. Todas essas informações fornecidas por Irineu apontam com
alguma segurança para a autoria joanina.
Contudo, é
importante que se diga que o valor da opinião de Irineu se consolida com o fato
de que é muito provável que seu testemunho tenha conexão como próprio apóstolo.
É Irineu que descreve sua interação na infância com Policarpo, que havia sido
discípulo de João:
Eu posso descrever
o lugar em que o abençoado Policarpo costumava sentar-se quando ele discursava,
como entrava e como saía, seu modo de vida, e sua aparência pessoal, e os
discursos que detinha perante o povo, e como ele descreveria a sua interação
com João e com os outros que tinham visto o Senhor, e sobre seus milagres, e
sobre seu ensino, Policarpo, como os tendo recebido das testemunhas oculares da
vida do Verbo, relatava todas essas coisas de acordo com a Escritura.
Ou seja, é bem
provável que a afirmação de que João teria escrito o Quarto Evangelho feito por
Irineu tenha respaldo do período apostólico. É justo pensar que Policarpo, por
ter aprendido aos pés do apóstolo, falasse a Irineu que aprendeu a seus pés,
sobre a autoria do Evangelho, e, portanto, tal evidência parece extremamente
forte. Um detalhe que demonstra a força dessa conexão entre Irineu e João, por
intermédio de Policarpo, é a quantidade de esforços que se tem feito para
desacreditá-la.
ii. Evidências no Segundo Século
Outro Pai da Igreja
que defende a autoria joanina do Quarto Evangelho é Teófilo de Antioquia
(†181), na Síria. Teófilo cita o início do Quarto Evangelho como as palavras de
João:
E, portanto, a
Escritura ensina-nos, e dentre todo o homens inspirados, um deles, João, diz:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus” [Jo.1.1] demonstrando que
a princípio Deus estava sozinho, e o Verbo estava nEle. Então ele diz: “O Verbo
era Deus todas as coisas vieram à existência por intermédio dele, e sem ele não
uma coisa que veio à existência”[Jo.1.2].
É interessante
notar que Teófilo não apenas defende a autoria joanina do Quarto Evangelho como
também entende que as palavras iniciais do evangelho revelam a divindade de
Cristo, deferente do que muitos teólogos contemporâneos seria capazes de
admitir em tal período. Outro documento que parece contribuir para a autoria
joanina é o Canon Muratoriano (≈170), que entre as linhas 9-34 apresenta que o
autor do Quarto Evangelho é João, o apóstolo.
Outra evidência que
merece nosso crédito é o Bispo Papias de Hierápolis na Frígia (†155), um
discípulo imediato do apóstolo João, que foi responsável por um grande trabalho
exegético nos quatro evangelhos. Papias tem o crédito de associação com Policarpo,
na amizade o próprio João, e com “outras pessoas que tinham visto o Senhor”.
Diz-se que Papias morreu na mesma época em Policarpo, mas mesmo isso é
questionado. Tão pouco sabemos desse, cujos livros foram perdidos, e que se
fossem recuperados, poderiam estabelecer o tributo contestado que se faz dele,
como Apolo, era “um homem eloquente e poderoso nas Escrituras”.
Essa conexão entre
Papias e João (e talvez quem sabe com o próprio Senhor!) sugere que o valor e
peso do seu testemunho seja altamente relevante. Nos fragmentos sobreviventes
das obras de Papias (encontrado em obras de outros Pais da Igreja), ainda
encontramos seguinte declarações como essa:
Se, alguma vez,
qualquer homem que houvesse sido um seguidor dos presbíteros viesse, eu o
interrogaria o que disseram os presbíteros: o que disse André, ou Pedro, ou
Tomé, ou Tiago, ou João, ou Mateus, ou qualquer outro dos discípulos do Senhor;
e o que diz Aristão, e o que diz João, o presbítero, que são discípulos do
Senhor. Pois eu não suponho que obtenha tanto proveito dos livros quanto da
palavra de uma voz viva e presente.
É interessante que
em diversas das citações sobreviventes de Papias, João é descrito como o
presbítero, e não como apóstolo. Entretanto, nessa citação ele parece nomear
dois homens com o mesmo nome: um discípulo e outro presbítero João.
Muitos são as opiniões sobre o que isso de fato significa. Merril C.
Tenney sobre esse fato diz:
Eusébio conclui que
se tratava de duas pessoas diferentes e citava a existência de dois túmulos em
Éfeso, os quais se dizia, no seu tempo, pertencerem a João. Visto que as obras
de Papais não existem hoje, não se pode formar um juízo independente sobre o
significado dessa afirmação. É
possível que Eusébio tenha entendido mal. Não há razão para que um
apóstolo não pudesse ser chamado de ancião e Papias podia simplesmente ter dito
que, embora a maioria dos apóstolos não sobrevivesse ao seu testemunho oral,
continuavam um ou dois deles até o seu tempo, como últimas testemunhas vivas
daquilo que Jesus tinha dito e realizado.
A opinião mais
conservadora a respeito da posição de Papias e das afirmações de Eusébio,
geralmente está em acordo com Tenney, no sentido de que João poderia ter
assumido, com o tempo, ambas as designações, apóstolo e ancião. F.L. Cross
defende essa posição por assumir que João escreveu esse evangelho mais tarde em
sua vida, e por isso foi considerado como um ancião (gr. πρεσβύτερος –
presbítero). Craig Bloomberg vai ainda um pouco mais além, e diz:
Se o idoso João
ainda fosse o único apóstolo vivo na ocasião em que Papias escrevia, isso
explicaria a inclusão de João em ambas as listas: a primeira referência uniria
aos outros apóstolos (agora mortos), enquanto a segunda, a um colega presbítero
na igreja de seu tempo. Essa é a interpretação mais comum do testemunho de
Papias.
Carson, Moo,
Morris, também parecem suportar a visão de Bloomberg, observe:
Parece que a
distinção que Papias está fazendo em suas duas listas não é entre apóstolos e
presbíteros da geração seguinte, mas entre os testemunhos da primeira geração e
que haviam morrido (aquilo que disseram) e testemunhas da primeira geração que
ainda viviam (aquilo que dizem). Aristão, então, pode ser vinculado a João não
por que ambos são apóstolos, mas por que são da primeira geração de discípulos
do Senhor. E isso dá força ao testemunho de Irineu, que diz que Papias, e não
somente Policarpo, foi um ouvinte de João.
Robert Tundra
complementa:
De ambas às vezes
em que o nome de João aparece na afirmativa de Papias, aparece com ambas as
designações de ancião e discípulo. Em contraste, embora Aristão seja denominado
discípulo, não recebe o título de ancião, ao ser mencionado paralelamente com
João. Esse fato frisa um único indivíduo chamado João. Papias queria deixar
clara a identificação de um único João, ao reiterar a designação “ancião”, que
acabara de usar em relação aos apóstolos, mas que omite agora em relação a
Aristão.
Todas essas
informações relatadas até aqui, indicam fortemente que o autor desse evangelho
é João e que esse evangelho deveria estar pronto ainda na primeira metade do
segundo século, uma vez que Papias já o havia usado (certamente antes de
morrer) para produzir o seu material exegético. Entretanto, existe ainda um
Papiro que pode ser datado antes disso. O famoso P52, conhecido como
um dos papiros John Rylands, descoberto ainda no século passado é um fragmento
que contém o trecho de João 18.31-33, 37-38 e é normalmente datado por volta do
ano 125 D.C.. Sendo assim é impensável supor que tal evangelho tenha sido produzido
em uma data posterior a essa. A menos que alguém imagine ter o original em mão,
é seguro afirmar que o Evangelho lhe é bem anterior.
Outra evidência
impede uma data mais tardia para o Quarto Evangelho, são algumas alusões a esse
evangelho, ainda mais antigas que essas claras evidências, parecem sugerir que
Evangelho tenha sido produzido ainda no primeiro século. Entre estas evidências
indiretas o lugar mais importante deve ser atribuído às numerosas citações de
textos do Evangelho que demonstra a sua existência e o reconhecimento de sua
pretensão de formar uma porção dos escritos canônicos do Novo Testamento, logo
no início do segundo século.
iii. Evidências do Primeiro Século
Inácio de Antioquia
(†98-117), que foi morto durante o período de Trajano, faz algumas citações do
Quarto Evangelho, além de apresentar alguns pontos de vista teológicos
similares aos de João, o que demonstra um conhecimento íntimo com o evangelho.
Observe algumas citações de Inácio:
Assim, estando
unidos concordantemente e com harmonioso amor, do qual Jesus Cristo
é o Capitão e Guardião, fazeis, homem a homem, com o objetivo de tornar-se um
único coro, de modo que, estando juntos, de acordo e na obtenção de uma
perfeita unidade com Deus, vós podeis realmente ser uma sentimento com Deus, o
Pai, e Seu Filho Amado Jesus Cristo nosso Senhor. Porque, diz ele, Santo Pai
como Eu e Tu somos um, também eles sejam um em nós [Jo.17.11-12].
Temos também como
um médico o Senhor nosso Deus, Jesus Cristo, o Filho unigênito e Verbo,
existente antes do início do tempo, mas que posteriormente também se tornou
homem, da Virgem Maria. Por isso, “o Verbo se fez carne.” [Jo 1:14] Sendo
incorpóreo, Ele estava no corpo, sendo impassível, Ele estava em um corpo
passível; sendo imortal, Ele estava em um corpo mortal, sendo vida, Ele
tornou-se sujeito à corrupção, para que pudesse libertar nossas almas da morte
e da corrupção, curar-nos, e restaurar-nos a saúde, quando eles estavam
doentes, com impiedade e maus desejos.
E Ele disse a Tomé:
“Põe aqui o teu dedo nas marcas dos pregos, e chega cá a tua mão e põe-na no
meu lado;” [Jo 20:27] e imediatamente eles acreditavam que ele era o Cristo.
Por isso Tomé também lhe diz: “Meu Senhor e meu Deus” [Jo.20.28].
Em nenhuma dessas
declarações Inácio atribui a João, apenas usa expressões e conceitos conhecidos
no quarto evangelho para apresentar seu ensino a outras pessoas. Ou seja, não
se pode deixar de considerar a antiguidade de tal evangelho. Nos chama a
atenção a forma como esse autor, além de usar o evangelho de João, ele tem
clara visão da divindade de Cristo e a apresenta fundamentado em uma linguagem
claramente emprestada do Quarto Evangelho, muito embora pertencesse a um
período que os críticos da teologia cristã defendem que os cristãos não
entendiam a Cristo como Deus.
Além desse
testemunho, outros autores, como Carlos Osvaldo, defendem que Clemente (†c. 95)
faz alusões ao Quarto Evangelho em suas obras, o que sugere que sua produção
deva ser anterior a essa data. Entretanto, outros autores sugerem que a data desse
evangelho seja ainda mais antiga.
John Robinson é um
desses autores que defende que a autoria do Quarto Evangelho é anterior a 70
D.C., e com base em João 5.2, defende que alguns aspectos da geografia da
Jerusalém ainda existia no presente do autor. Nesse verso, o autor do evangelho
diz: “ἔστι δὲ ἐν τοῖς
῾Ιεροσολύμοις ἐπὶ τῇ προβατικῇ κολυμβήθρα”
(Existe em Jerusalém,
próximo à Porta das Ovelhas, um tanque).
Note que o autor não disse, existia um tanque, mas existe um tanque, o que
sugere que o autor do evangelho falava de algo que ainda existia no período de
produção do evangelho.
Hale também lança
luz sobre a opinião de Robinson:
“Robinson insiste
que todos os livros do Novo Testamento tiveram que ser escritos antes desta
data, devido à ausência de uma referência explicita ao único acontecimento mais
importante do primeiro século, depois da ressurreição de Jesus Cristo. Esse
acontecimento foi a destruição de Jerusalém e do Templo pelos romanos, sob
Tito, em 70 d.C.”
Norman Geisler e
Frank Turek também defendem uma data anterior ao ano 70 D.C. Segundo esses
autores, seria impossível que um judeu que vivesse na Palestina, e tivesse andado
com Cristo e visitado o Templo de Jerusalém, lugar que teria sido o centro da
sua antiga vida religiosa, não mencionasse nem ao menos uma vez a queda do
Templo, ainda mais, considerando que o próprio Jesus teria predito que isso
aconteceria. Considerando que o próprio Cristo, figura central no Quarto
Evangelho, teria predito que o Templo não ficaria de pé, seria fundamental que
João incluísse uma menção a esse fato como sinal do poder de Cristo como
Profeta. Entretanto, tal falta de informação, ao menos sugere, que o evangelho
tenha sido escrito antes do ano 70 D.C.
Outro detalhe
normalmente esquecido pelas análises do evangelho é a clara previsão de Cristo
sobre a morte de Pedro: “Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais
moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores
velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres.
Disse isto para significar com que gênero de morte Pedro havia de glorificar a
Deus” (Jo.21.18-19). Essa seria uma declaração necessária para ser fazer, uma
vez que, mais uma vez, trata-se de uma clara profecia de Cristo sobre o
martírio de Pedro. Outros alegam, como David Brown, que esse fato era
plenamente conhecido e não precisaria ser apresentado, lógica que se aplicada a
outras questões nos fazem perguntar por que então escrever um evangelho, se os
fatos referentes a Cristo são tão conhecidos. Uma vez que um propósito
apologético foi estabelecido para o livro, é de se esperar que João usasse
essas informações para apresentar a história de Cristo.
Outros teólogos
argumentam que uma data ainda no primeiro século, mas posterior à destruição do
templo é mais plausível, como entre 80-90 D.C. Esse é o parecer de Carson, Moo,
Morris, Champlin, Gundry, Ryrie, David Brown.
O que se pode concluir com a análise dessas evidências?
Diante das
evidências históricas mencionadas podemos concluir que seria forçoso assumir
que tal evangelho não viesse da pena de João, o apóstolo de Jesus Cristo. A
unanimidade do testemunho dos Pais da Igreja, especialmente nos anos anteriores
ao terceiro século, é forte evidência de que essa informação é verdadeira.
É também imperativo
que esse evangelho tenha sido produzido ainda no primeiro século, considerando
que autores como Inácio e Clemente que morreram perto do fim do primeiro século
e início do segundo século, tenha aludido seu conteúdo.
Entretanto, a
proposta de Robinson apoiada por Geisler e Turek, ainda que seja fortemente
plausível, não parece definitiva, uma vez que o autor pudesse ter outro foco
que não incluísse assinalar esses fatos históricos em seu evangelho. Assim,
parece seguro assumir que o evangelho foi produzido por volta do fim do
primeiro século.
B. Evidência Interna
O próprio Evangelho
também fornece uma excelente fonte de informações para a questão da autoria.
Westcott é normalmente reconhecido por estabelecer um modo de pesquisa
sobre as evidências internas do Quarto Evangelho, de modo a ser seguido com
freqüência em outras obras teológicas. Por isso, não faremos diferente em nossa
análise. Segundo Westcott, o autor do Evangelho era um Judeu, da Palestina, uma
testemunha ocular, um apóstolo e possivelmente João filho de Zebedeu.
i. O Autor era Judeu da Palestina
A tradição
teológica normalmente não tem qualquer problema com esse fato. Isso acontece
certamente em função das clarividentes evidências encontradas no próprio
evangelho. F.F. Bruce não tem qualquer dúvida, e sobre o assunto afirma que “o
autor sem dúvida era um judeu; [ele] mostra-se totalmente enfronhado dos costumes
e usos judaicos”. Em outra obra acrescenta: “Que o evangelista era um judeu
parece claro”. Sobre isso, Westcott afirma:
Um exame honesto
das evidências parece não deixar espaço para uma dúvida razoável nesse ponto. A
narrativa como um todo demonstra que o autor era Judeu. Ele é familiar com as
opiniões judaicas e costumes, sua composição é impregnada com características
judaicas além de ser impactado pelo espírito da dispersão judaica.
Carlos Osvaldo
amplia:
Além disso, exibe
bom conhecimento de costumes judaicos como rituais de purificação (2.6),
cerimônias de libação e iluminação durante a Festa dos Tabernáculos (7.37 e
8.12), e contaminação devida à Páscoa (19.31ss.). Conhece também teologia
judaica, como a legislação sobre o Sábado (6.10; 9.14ss.) e o conceito da
transmissão hereditária da culpa (9.2).
Poder-se-ia citar
muitos outros teólogos defendendo as mesmas opiniões, e parece que tal
afirmação não parece impor qualquer resistência ao conteúdo do evangelho.
Entretanto, é importante considerar as evidências que levaram esses teólogos a
considerarem como fato essa premissa.
Em primeiro lugar,
é preciso ser dito que o modo de pensar e expressar um pensamento tão similar
ao modo de pensar e expressar o pensamento de um judeu, que não pode-se ignorar
que tal autor seja de fato um judeu. Inclusive, alguns entendem que o modo de
escrever do evangelista exige que o evangelho tenha sido primeiramente escrito
em aramaico. Entretanto, isso já parece muito improvável, simplesmente por não
se encontrar nenhuma pista manuscrita dessa possibilidade. Entretanto, isso
certamente reforça a idéia de um autor Judeu, pensando em Aramaico e escrevendo
em grego. F.F. Bruce, sobre isso, diz:
Estudiosos de
nomeada tem mantido a tese de que o Evangelho Joanino em grego, como o temos,
representa versão de um primitivo original em aramaico. Mui vasta é a erudição
a assistir a esse postulado; contudo não se pode dar como comprovada (…) O
estilo do Evangelho como um todo, entretanto, bem poderá ser o de alguém dotado
de bom conhecimento do grego, cuja língua materna, contudo, seja o aramaico.
Westcott afirma que
“o vocabulário, as estruturas da sentença, a simetria e os simbolismos
numéricos de composição, as expressões e a organização de pensamento são
essencialmente Hebreus”. Todas essas informações parecem testemunha um autor
Judeu. Note, também, que ele é familiarizado opiniões e julgamentos sobre a
pessoa do Messias que parecem refletir o modo de pensar de um judeu do primeiro
século:
Então, lhe
perguntaram: Quem és, pois? És tu Elias? Ele disse: Não sou. És tu o
profeta? Respondeu: Não- Jo.1.21
Eu sei, respondeu a
mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos
anunciará todas as coisas – Jo.4.25
Vendo, pois, os
homens o sinal que Jesus fizera, disseram: Este é, verdadeiramente, o
profeta que devia vir ao mundo – Jo.6.14
Então, os que
dentre o povo tinham ouvido estas palavras diziam: Este é verdadeiramente o
profeta – Jo.7.40
Replicou-lhe, pois,
a multidão: Nós temos ouvido da lei que o Cristo permanece para sempre, e
como dizes tu ser necessário que o Filho do Homem seja levantado? Quem é esse
Filho do Homem? – Jo.12.34
É interessante que
o Evangelho foi escrito para responder a pergunta de 1.21, baseado no testemunho
da vida do próprio Cristo. Por isso, era importante que esse autor refletisse
em sua obra expressões do pensamento comum em sua época, entre seus patrícios,
sobre quem era Ele.
Segundo, esse autor
também parece familiarizado com a religião judaica, o que facilita sua
comunicação com o público judaico. O conceito do sábado judaico é um bom
exemplo do conhecimento do autor. As várias indicações de atividades
messiânicas em sábados parecem ter lugar especial nesse evangelho, (5.9). Em
outras ocasiões ele simplesmente acrescenta notas explicativas sobre o assunto,
como: “E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado” (5.16); “Por isso, pois, os
judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não somente violava o sábado, mas também dizia que Deus era
seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (5.18; cf. 5.9-10; 7.22-23; 9.14;
19.31).
Outro detalhe que
parece demonstrar a familiaridade do autor com a religião judaica são algumas
declarações específicas do autor em relação à vida religiosa do judeu, como por
exemplo, a exigência da circuncisão (Jo.7.22), a questão da contaminação
religiosa (18.28), detalhes do ritual de purificação religiosa (2.6); a visão
do fariseu sobre os judeus (7.49), o reconhecimento da pessoa que exercia a
função de Sacerdote segundo o período que escrevia (11.49, 51, 18.13) a questão
da transmissão do pecado (9.2), sem contar o conhecimento do autor sobre as
festas judaicas. Westcott defende que o relato da Festa dos Tabernáculos
oferece um excelente registro desse fato:
As águas de Siloé
derramando sobre o altar do holocausto, e as lâmpadas no pátio das mulheres,
explicariam a imagem da “água viva” (7.38) e da “Luz do Mundo” (8,12). E aqui
mais uma vez, apenas um judeu que conhecesse o festival seria suscetível de
descrever “o último dia da festa”, como o “grande dia” (7,37).
Em questões menos
importantes o autor demonstra claramente o modo de se pensar de um judeu.
Observe que em algumas ocasiões ele transparecer preconceitos típicos de judeus
de sua época, como por exemplo, a rejeição que eles tinham com os Samaritanos
(Jo.4.9) ou sobre a visão popular que se tinha sobre a mulher (4.27). Em outros
lugares, parece familiarizado com boas práticas dos judeus, como o apresso dos
judeus pelo ensino (Jo.7.15), o cuidado com os mortos (19.40).
Terceiro, o autor
também exibe um conhecimento preciso das condições geográficas e sociais da
Palestina, mesmo em menor suas referências incidentais. Carlos defende que João
“… é conhecedor da
geografia da Palestina e até pequenos detalhes da arquitetura de Jerusalém.
Exemplos específicos são as menções das duas Betânias (1.28; 12.1), de um poço
nas cercanias do Monte Gerizim (4.21), dos detalhes da planta do Tanque de
Betesda (5.1-2) e da existência do pavimento ao redor do Pretório, inclusive
com referência ao nome aramaico de Gábata (19.13).
Além disso, esse
Discípulo parece ter uma casa na própria Jerusalém (19.27), o que facilitaria
um pescador como João ter conhecimento tão acurado a respeito da região da
Palestina em seus dias. E, pensando em todas essas considerações é que podemos
tomar as palavras de Hale como verdadeiras:
É inconcebível que
um gentio que viveu a alguma distância da localidade onde os eventos deste
Evangelho ocorreram pudesse ter conhecido os vários movimentos e
relacionamentos políticos e religiosos no país naquela época. O escritor fala
de lugares e acontecimentos como se estivesse inteiramente familiarizado com
eles.
Em último lugar, é
fundamental que se dê crédito aqui a outro aspecto que tem levado comentaristas
a considerar o autor desse livro como um judeu da palestina, que é o advento
dos documentos de Qumrã. Morris, sobre isso, fala:
Essa visão [de um
autor judeu da palestina] recebeu sólido suporte nos anos mais recentes em
função do descobrimento dos Escritos do Mar Morto. Esses escritos tem
demonstrado, pelos muitos paralelos com o Evangelho, seja em idéia ou
expressão, que o Quarto Evangelho é essencialmente um documento Palestiniano.
Colin Kruse também
atesta:
A descoberta dos
Escritos do Mar Morto inicialmente em 1947 proveram documentação de
primeira-mão de uma comunidade ortodoxa judaica que habitava a região hoje
conhecida como Qumrã, e reflete o período de Jesus. Esses documentos usam
linguagem similar à encontrada no Quarto Evangelho, em especial, a língua
dualística (vida/morte, luz/trevas etc), que até então tinha sido considerada
como proveniente de fontes helenísticas do segundo século.
Ainda sobre a
similaridade de João e Qumrã, F.F. Bruce afirma:
Algumas expressões
joaninas características, como “a luz da vida”, “filhos da luz”, “realizando a
verdade”, “as obras de Deus”, são paralelas aos Escritos de Qumrã. Ambos, João
e o homem de Qumrã, olham para o Universo em termo de claro contrastando luz e
trevas, bem e mal, verdade e falsidade
Os documentos de
Qumrã certamente tem grande papel da defesa da visão ortodoxa da autoria e do
conteúdo do evangelho (assunto a ser tratado com mais atenção mais à frente),
visto que, antes da descoberta desses documentos acreditava-se que a
similaridade da visão dualística de João estava relacionada com a literatura
helênica, especialmente a gnóstica, do segundo século. Observe que as
investidas mais ferrenhas dos adeptos da visão crítica à autoria joanina,
usaram durante muitos anos esse critério para descartar a autoria joanina, em função
de ser uma obra tardia, o que também atestaria a visão de que a Cristologia
muito alta do documento era fruto de cristãos do segundo século. Também era
esse o critério usado para destacar o conteúdo do evangelho como essencialmente
genuíno, em função da suposta influência gnóstica na transmissão da verdade a
respeito do Jesus Histórico (aquele acima do mito cristão). Entretanto, todas
essas investidas são remedidas pela similaridade com os Escritos de Qumrã.
Ou seja, somados
todos esses fatos, parece seguro inferir a partir do gênero literário do
evangelho que o autor desse evangelho é na verdade, um Judeu da Palestina do
período de Jesus.
ii. O Autor era uma Testemunha ocular
Em primeiro lugar,
o autor alega ter sido testemunha ocular dos eventos do evangelho: (1.14;
19.35; 21.24-25)
E o Verbo se fez
carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua
glória, glória como do unigênito do Pai (1.14)
Aquele
que isto viu testificou, sendo verdadeiro o seu testemunho; e ele
sabe que diz a verdade, para que também vós creiais (19.35)
Este é o discípulo
que dá testemunho a respeito destas coisas e que as escreveu; e sabemos que o
seu testemunho é verdadeiro. Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus
fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo
inteiro caberiam os livros que seriam escritos (21.24-25)
Segundo, existem
evidências no texto do Quarto Evangelho que parecem suportar essas declarações
pessoais. Por exemplo, observe o modo como o autor do Quarto Evangelho se
reporta a pessoas (6.5-7):
Estes, pois,
dirigiram-se a Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e rogaram-lhe,
dizendo: Senhor, queríamos ver a Jesus. Filipe foi dizê-lo a André, e
André e Filipe o comunicaram a Jesus (12.21-22)
Disse-lhe Judas,
não o Iscariotes: Donde procede, Senhor, que estás para manifestar-te a nós e
não ao mundo? (14.22)
Responderam-lhe: A
Jesus, o Nazareno. Então, Jesus lhes disse: Sou eu. Ora, Judas, o traidor,
estava também com eles (18.5)
As designações
pessoais que o autor apresenta a respeito das pessoas envolvidas nos eventos
que narra sugerem que ele estava presente. Não haveria qualquer necessidade
para um autor que não estivesse nos eventos narrar alguns detalhes que não são
significativos para o conteúdo da história. Note o primeiro caso em que o autor
narra um “telefone sem fio” entre os apóstolos que não parece significativo ao
evento narrado, e nem ao menos faria qualquer diferença em seu conteúdo. Se
essa história fosse uma questão de tradição histórica da igreja, detalhes como
nomes não seriam significativos nessa narrativa.
Por outro lado,
algumas designações sobre as pessoas que surgem em sua narrativa não
necessárias, como por exemplo, as distinções entre os Judas que seguiam a
Cristo. Esse cuidado do autor em definir pessoas por nomes e designações sugere
que ele tem apreço por detalhes específicos, o que sugere que ele estava
presente a narrar os fatos. Sem contar, que ele tem o pudor de distinguir
pessoas com mesmo nome para que o leitor não fique confuso sobre quem ele está
a mencionar nos eventos.
Além disso, o autor
do evangelho também se refere ao tempo em que os eventos ocorrem de modo a
sugerir que estava presente nos acontecimentos:
Estando próxima
a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém (2.13; cf. 6.4)
Estando ele em
Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele
fazia, creram no seu nome (2.23)
Passadas estas
coisas, havia uma festa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém (5.1)
Ora, a festa dos
judeus, chamada de Festa dos Tabernáculos, estava próxima (7.2)
Celebrava-se em
Jerusalém a Festa da Dedicação. Era inverno (10.22)
Como já vimos o
apreço do autor em nominar as festas judaicas certamente sugere que ele era
conhecedor da religiosidade judaica no primeiro século. Contudo, o modo como
ele associa eventos da sua narrativa principal, com ocasiões específicas
sugerem que tal autor não apenas sabia sobre a religião, mas estava presente
nessas ocasiões. Considere o valor da designação da ocasião climática da festa
da Dedicação (10.22). Com ela podemos situar a exata ocasião em que os eventos
narrados acontecem, informação importante para o autor que esteve presente na
ocasião. Para um autor tardio não presente na ocasião, não faz qualquer
diferença se o fato aconteceu no inverno ou no verão, apenas o fato em si. Esse
preciosismo do autor sugere fortemente que ele estava pessoalmente presente.
O autor desse
evangelho também demonstra outros detalhes em suas narrativas que, mais uma vez,
sugerem que estava presente. O modo como ele demonstra detalhes numéricos
sugere isso, observe:
No dia seguinte,
estava João outra vez na companhia de dois dos seus discípulos (1.35)
Estavam
ali seis talhas de pedra, que os judeus usavam para as purificações, e
cada uma levava duas ou três metretas (2.6)
Está aí um rapaz
que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos; mas isto que é para tanta
gente? (6.2)
Tendo navegado uns
vinte e cinco a trinta estádios, eis que viram Jesus andando por sobre o mar,
aproximando-se do barco; e ficaram possuídos de temor (6.19; cf. 21.8)
Tendo, pois, os
soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas vestes, e fizeram quatro
partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica. A túnica, porém,
tecida toda de alto a baixo, não tinha costura (19.23)
Simão Pedro subiu e
puxou a rede para terra, cheia de cento e cinqüenta e três grandes
peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede (21.11)
Todas essas
declarações são importantes para a narrativa dos fatos, mas as especificidade
delas sugere uma testemunha ocular, não um narrador. Que diferença faria para a
narrativa se ao invés de seis talhas de pedra, fossem 7? Ou se a distância da
navegação era de vinte e cinco ou vinte estádios? O fato não era que haviam se
distanciado o suficiente para não esperarem que alguém pudesse chegar a pé até
onde estavam? A quantidade exata de peixes favorece um autor presente, que
muito provavelmente participou da contagem, e por isso os três excedentes dos
numero redondo foi anunciado. Um autor não presente poderia dizer com verdade
cerca de 150, mas a especificidade do autor sugere que estava lá na ocasião.
Fato similar
acontece com o modo como o autor fala de algumas localidades em seu evangelho,
observe:
Estas coisas se
passaram em Betânia, do outro lado do Jordão, onde João estava batizando
(1.28)
Ora, João estava
também batizando em Enom, perto de Salim, porque havia ali muitas águas, e
para lá concorria o povo e era batizado (3.23; cf. 4.46; 10.54-56)
Mais tarde, Jesus o
encontrou no templo e lhe disse: Olha que já estás curado; não peques
mais, para que não te suceda coisa pior. (5.14; cf. 11.30)
Novamente, se
retirou para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio;
e ali permaneceu (10.40)
As referências a
esses locais, no ambiente de sua narrativa sugere fortemente que o autor estava
presente nessas ocasiões, e o modo como ele se refere aos locais (onde João
batizava) também sugerem que eram locais pessoalmente conhecidos pelo autor.
Todos esses detalhes historicamente e geograficamente adequados sugerem que o
autor fala não como conhecedor da história ou da geografia do local (como se
existissem livros na ocasião a serem estudados sobre o assunto), mas fala como
presente nesses lugares.
Sendo assim, é
seguro inferir que o autor desse evangelho era uma testemunha ocular.
iii. O Autor era um Apóstolo
Westcott também
afirma que o autor do Quarto Evangelho tinha um relacionamento muito próximo
com o Senhor, observe:
Ele era ciente das
emoções de Jesus (11.33; 13.21). Ele estava em uma posição que o permitia estar
bem informado a respeito das ações Dele (2.24ss; 4.1; 5.6; 6.15; 7.1; 16.19).
Não apenas isso, ele fala como alguém cuja mente o Senhor estava acessível.
Antes de alimentar os cinco mil ele escreve: “Mas ele (Jesus) dizia isto para
experimentá-lo; porque ele bem sabia o que estava para fazer” (6.6). Jesus
sabia o que os discípulos murmuravam (6.61); Ele sabia desde o princípio quais
eram os que não criam e quem o havia de trair (6.64); Ele sabia que era chegada
a sua ora (13.1, 3) e quem o haveria de trair (13.2). Jesus sabia todas as
coisas que sobre ele haviam de vir sobre Ele (18.4). Ele sabia que todas as
coisas haviam sido cumpridas (19.28).
Essas declarações
sugerem que o autor desse evangelho fosse alguém do círculo de pessoas mais
próximas do Senhor, ou seja, os apóstolos. É importante lembrar que o autor
desse evangelho trata com propriedade as pessoas em seu Evangelho, anuncia que
o Senhor tem doze discípulos (6.67, 70, 71; 20.24), mas nunca os nomeia por
completo. Não há uma lista dos discípulos de Cristo no Quarto Evangelho. É
digno de nota também que o autor se refere como “o discípulo amado” (13.23;
19.25; 20.2-9; 21.7; 21.20). Sobre o assunto, D.A. Carson diz:
O discípulo amado é
mencionado à primeira vez na última ceia, onde está reclinado próximo a Jesus e
faz a medição da pergunta de Pedro ao Mestre (13.23). Ele também está perto da
cruz, onde recebe a especial comissão de cuida da mãe de Jesus (19.26, 27), e
na tumba vazia, quando foi mais rápido do que Pedro, mas menos ousado, para
chegar a entrar nela (20.2-9). No epílogo do quarto evangelho (cap.21) ele
aparece como aquele que “escreveu estas coisas”; se “escreveu” significa
escrever pessoalmente (…) e “estas coisas” referem-se ao livro inteiro, (…),
portanto, o discípulo amado é o evangelista.
Se o discípulo
amado é o evangelista, temos que considerá-lo como um dos doze apóstolos, pois
esse discípulo estava com o Senhor durante a Última Ceia, e os evangelhos
sinóticos são unânimes em retratar esse evento, como um evento entre o Senhor e
os discípulos (Mt.26.20; Mc.14.17; Lc.22.14). Outro detalhe digno de atenção é
que o discípulo amado é colocado em algumas ocasiões em contraste com Pedro
(13.23, 24; 20.2-9; 21.20), o que indica que o discípulo amado não é Pedro. Na
cena da última ceia, o discípulo amado é distinguido de todos os outros
discípulos mencionados na ocasião. Por ter sido um dos sete (21.7) que saiu a
pescar e não é Pedro, Tomé ou Natanael, (21.2), só pode ser um dos filhos de
Zebedeu ou um dos dois discípulos não mencionados no verso. Westcott novamente
nos auxilia com essa questão:
Agora, se voltamos
a atenção à narrativa Sinótica, vamos encontrar três discípulos especialmente
próximos de Jesus, Pedro e os filhos de Zededeu, Tiago e João. Aqui há um forte
pressuposto que o Evangelista era um desses. Pedro está fora de cogitação. Dos
dois filhos de Zededeu, Tiago foi martirizado muito cedo (At.12.2), e portanto,
não pode ter sido o autor do evangelho. Só resta, portanto, João; e ele
satisfaz completamente as condições necessárias a serem satisfeitas pelo
escritor; de que ele devia estar em estreita ligação com Pedro, e que também
era uma pessoa admitida na intimidade peculiar com o Senhor.
D.A. Carson
completa:
O discípulo amado
não é outro se não João, e ele deliberadamente evita citar seu próprio nome.
Isso se torna mais provável quando nos lembramos que o discípulo amado está
constantemente na companhia de Pedro, do mesmo modo que nos sinóticos (Mc.5.37;
9.2; 14.33) como em Atos (3.1-4.23; 8.15-25) sem mencionar Paulo (Gl.2.9), unem
Pedro e João pela amizade e experiências compartilhadas. Observou-se que nesse
evangelho a maioria dos personagens importantes são designados por nomes ou
expressões completos: Simão Pedro, Tomé Dídimo, Judas filho de Simão
Iscariotes, Caifás, o sumo sacerdote daquele ano. Estranhamente, contudo, João
Batista é simplesmente chamado de João, mesmo quando é citado pela primeira vez
(1.6; Mc.1.4). A explicação mais simples é que João, filho de Zebedeu, não
julgou necessário distinguir o outro João de si mesmo.
Na mesma linha de
argumentação, Hale acrescenta:
Certamente qualquer
escritor cristão do primeiro ou segundo século saberia acerca dos dois homens
bem conhecidos, com o mesmo nome, que tinham estreita relação com Jesus. Chamar
o Batista de João e não dar o nome do filho de Zebedeu só faz sentido se o próprio
autor é esse outro João.
Tendo considerado
todas essas opiniões, podemos concordar com David Brown, quando diz:
“O autor do Quarto
Evangelho era o mais novo dos dois filhos de Zebedeu, um pescador no mar da
Galiléia, que residia em Betsaida, onde nasceu Pedro e André, seu irmão, e
Felipe também. Sua mãe era Salomé, que, embora não sem suas imperfeições (Mt.20
:20-28), foi uma dos entes queridos e mulheres honrados que acompanharam o
Senhor em um dos circuitos de sua pregação através da Galiléia, ministrando a
Sua corporais quer, que seguiram Ele para a cruz, e compraram especiarias
aromáticas para ungi-lo depois de seu enterro, mas, trazendo-os para o túmulo,
na manhã do primeiro dia da semana, encontrou os seus serviços amoroso
gloriosamente substituída por Sua ressurreição ere chegaram. Seu pai, Zebedeu,
parece ter vivido em boas condições, a ponto de possuir uma embarcação
própria e de ter contratado funcionários (Mc.1.20). Nosso Evangelista, cuja
ocupação foi a de um pescador com seu pai, foi sem dúvida um discípulo do
Batista, e um dos dois que tiveram a primeira entrevista com Jesus. Ele foi
chamado quando acoplado à sua ocupação secular (Mt4.21; Mt.4.22) e, novamente,
em uma ocasião memorável (Lc.5.1-11) e, finalmente, escolhido como um dos Doze
Apóstolos (Mt10.2). A mais alta honraria concedida a este discípulo era seu ser
admitido em intimidade com o Senhor na mesa, como “o discípulo quem Jesus
amava” (Jo.13: 23; 20.2; 2. 7,20.24), e quando se comprometeu a cuidar da mãe
do redentor por ocasião de sua morte (Jo.19.26-27).
Todas essas
declarações parecem suficientes para que se assuma a tradição eclesiástica de
que João, o apóstolo, é o autor do Quarto Evangelho. As evidências internas
contribuem para que o testemunho histórico dos Pais da Igreja sobre a autoria
joanina do evangelho, seja aceito como fato, muito embora existam ainda muitas
outras questões a serem observadas.
Um detalhe que
merece ser avaliado é a relação entre a similaridade de pensamento do autor
desse evangelho e a filosofia helênica conhecido nos primeiros séculos do
cristianismo, pois não são poucos os comentaristas que entendem que isso é uma
evidência de que o autor não poderia ser um judeu. Essa questão, entretanto,
será avaliada no tópico sobre a Teologia do Autor.
2. Origem e Destino do escrito
A questão da origem
do evangelho não é uma questão definida pela história da teologia cristã. A
mais antiga evidência que temos sobre o assunto provém de Irineu:
Mais tarde, João, o
discípulo do Senhor, que repousava sobre o peito, também escreveu um
evangelho, enquanto ele residia em Éfeso, na Ásia.
Muito embora tal
tradição também seja mantida por Eusébio, a teologia do século XIX parece ter
colocado obstáculos para a aceitação dessa premissa. A rejeição de que João
teria escrito de Éfeso é fundamentada em algumas observações sobre a origem
conceitual do evangelho. Ou seja, em conformidade com as similaridades a que se
associa o evangelho, demonstra-se a localidade de onde João provavelmente tenha
escrito o evangelho.
Rudolf Bultmann,
por exemplo, fala que o evangelho tem basicamente três fontes principais: a
fonte dos sinais, uma dos discursos e outra da paixão. Para ele, a fonte dos
discursos, a principal porção do evangelho, tem influências semitas e gnósticas
ao mesmo tempo. Entretanto, quando fala da origem geral do evangelho, Bultmann
manifesta certa incerteza, observe:
O lugar onde foram
redigidos [o evangelho e as epístolas] são desconhecidos (…) Em
todo caso, a atmosfera na qual ele surgiu (como também as epístolas) é
a do cristianismo oriental. Sem dúvida, o Evangelho em seu todo não foi
escrito originalmente em uma língua semítica (aramaico ou siríaco) e depois
traduzido para o grego, e sim, foi redigido em grego.
É interessante o
modo como Bultmann trata do assunto da origem, pois por um lado ela é
desconhecida, por outro, é certamente proveniente do cristianismo oriental.
Essa incerteza resoluta de Bultmann se deve em primeiro lugar por sua rejeição
à opinião de Irineu e a aceitação da similaridade do quarto evangelho com obras
gnósticas. Isso o obrigou a assimilar uma origem mista para o evangelho, o
associando com a linguagem semita dominada pela influência do dualismo
gnóstico. Observe:
Quanto à
questão se a fonte dos ditos e discursos de Jesus (…) é traduzida do
semítico ou concebida em grego, é possível dizer que em todo caso,
seu estilo é o do discurso semita, ou melhor, da poesia semita como
ela é conhecida das Odes de Salomão e de outros textos gnósticos.
Segundo a visão de
Bultmann, o quarto evangelho provém de um segmento do cristianismo oriental em
função de uma clara ligação com o aramaico ou o sírio, que ele até considera
como possível fonte para o evangelho. Entretanto, o evangelho é tão parecido
com os escritos gnósticos, que ele trata de algumas conexões gnósticas para o
evangelho, além de considerar que tal escrito teria sido concebido pelas lentes
do mito gnóstico do redentor. Para resolver esse dilema judaico-gnóstico,
Bultmann conclui:
Se o autor provém
do judaísmo, como talvez o comprovem as frequentes expressões do rabinismo, em
todos os casos, não de um judaísmo ortodoxo, me sim um judaísmo de caráter
gnóstico. Especialmente seus recursos redacionais, com os quais constrói os
debates, o uso de conceitos e afirmações ambíguas para provocar mal-entendidos,
são indicativos do fato de que ele vive no círculo do pensamento
gnóstico-dualista.
A visão mista de
Bultmann não foi amplamente aceita, muito embora discutida e avaliada. Leonard
Gopelt (1911-1973) ao analisar a linguagem do documento, demonstrou três características
essenciais do evangelho: as antíteses dualistas, os ditos “Eu Sou” e a
caracterização de Jesus como Logos. Segundo Gopelt, essas designações são
fundamentais para se abordar o que considerou um problema
histórico-religioso-filológico e teológico: a questão das fontes do evangelho.
Para Gopelt, o
dualismo antitético de João, ao contrário do que supôs Bultmann, não provinha
da similaridade com os documentos gnósticos do segundo século, mas com os
textos de Qumrã, observe:
Em texto essênios,
p. ex., depara-se por diversas vezes (p. ex. 1Qs 3,24s) com a formulação:
“filhos da luz” (Jo.12.36; 1Ts.5.5; Ef.5.8), formulação essa não constatada na
época pré-neotestamentária. E, a exemplo dos textos joaninos, também a
literatura essênia opõe ao filhos da luz homens que permanecem nas
trevas. Daí se deduz muitas vezes, em nossos dias, que a terminologia de
João tivesse suas raízes no movimento batista judeu da Palestina.
É muito
interessante que Gopelt considera a possibilidade de que o evangelho tivesse
sofrido influência gnóstica, mas conclui que João não adotou uma linguagem
gnóstica já formada, nem reformulou modelos gnósticos. Mas, ele também admite
que João teria combatido a visão distorcida do gnosticismo, e que isso
favoreceu a introdução de terminologias similares, especialmente na primeira
epístola.
De modo
interessante, mesmo a visão mais amena de Gopelt não tem sido a visão mais
aceita para descrever a origem do evangelho. Kümmel, por mais estranho que
possa parecer, parece não estar em acordo, nem com Bultmannn, nem com Gopelt,
observe:
Contra as numerosas
teorias levantadas, de que o autor tenha adotado uma ou mais fontes
escritas, não existe apenas o argumento de que a uniformidade lingüística de
todo o evangelho dificilmente permite a constatação de eventuais fontes. Contradi-las sobretudo o fato de que não
foram apresentados argumentos realmente convincentes sobre a natureza
literariamente coerente das tradições utilizadas pelo evangelista.
Em outras palavras,
Kümmel parece não ter encontrado razões para aceitar a idéia das muitas fontes
para o evangelho, pois como podemos perceber até a opinião de Bultmann parece
confusa, quanto mais os desdobramentos dela. A opinião de Gopelt, embora mais
acertada que a de Bultmann, também parece exigir uma ligação muito forte de
João com a seita essênia.
O fato é que todas
as opiniões mencionadas partem de um pressuposto fundamental: tal evangelho não
pode ter sido escrito por uma testemunha ocular, o que já temos demonstrado ser
um fato. Ora, se uma testemunha ocular dos fatos passa a escrever sobre o que
viu não tem necessidade de consultar outras obras para contar sua história: Ele
simplesmente a conta como percebeu. Ou seja, a linguagem do evangelho fala mais
sobre a pessoa do autor do que suas influências, como já temos demonstrado. A
questão da linguagem de João provavelmente fala mais a respeito das pessoas a
quem destina seu evangelho do que as fontes a que consultou.
Se a intenção de
João, um judeu, fosse alcançar judeus na Palestina, ele simplesmente escreveria
em aramaico, língua materna de ambos. Entretanto, não foi isso que João fez,
ele escreveu em grego, como já tem sido claramente demonstrado pela pesquisa
sobre o evangelho. Outro detalhe interessante é que ele tem o costume de usar
expressões hebraicas e traduzi-las para o grego, como uma forma de explicação
para pessoas que não poderiam entender o hebraico. Fato similar acontece com as
constantes designações de localidades na Palestina, como se o autor
intencionasse auxiliar o leitor que desconhece a região a se localizar. Todas
essas considerações nos levam a concluir que o João estava a falar com um
público gentio, que desconhecia o hebraico e locações na Palestina, por onde
ocorreu a narrativa de Cristo.
Portanto, era de se
esperar que a linguagem pudesse ser acessível a leitores gentios. Isso,
certamente explicaria as similaridades com a literatura judaica, por sua origem
pessoal, e helênica, por sua preocupação com seus leitores. O simples fato de
João optar por relatar os fatos sob outra perspectiva, que não a dos sinóticos,
já favorece a idéia de que João está a completar a tradição sinótica e a
enriquecê-la.
Outro detalhe que
merece ser mencionado aqui é que, em grande parte, a questão da origem do
documento é realizada a partir da similaridade a que se associa o evangelho.
Por isso, aqueles que defendem a similaridade do quarto evangelho com o
texto Odes de Salomão, sugerem que a origem deva ser em Antioquia. Do
mesmo modo, aqueles que defendem a relação com as obras essênias preferem optar
por algum lugar na Palestina. Outros já sugeriram a Alexandria, pela suposta
conexão entre o quarto evangelho e os escritos de Filo. Ou seja, se João se
parece com alguma obra da região, ele deve ter escrito de lá.
Contudo isso não é
uma argumentação válida, caso fosse, teríamos certeza quais são as obras de
Orígenes que foram escritas em Alexandria e quais foram escritas em Antioquia,
uma vez que escreveu de ambos os lugares. Outro detalhe normalmente ignorado é
que as influências que um autor sofre não determinam sua região geográfica, mas
o tipo de literatura ou ideologia a que o autor estava exposto. Por isso, não é
impossível que João escrevesse um evangelho de Éfeso, embora deixasse claro
suas raízes judaicas ao mesmo tempo que escrevia para gentios. Em outras
palavras, a análise literária não tem o poder de definir a região que João
estava quando escreveu.
Vale a pena ser
dito que os montanistas da Frígia no segundo século, apelaram ao uso do
evangelho de João por causa do modo como a doutrina era exposta. Essa
proximidade geográfica, parece favorecer a idéia de que o evangelho tenha sido
originalmente escrito naquela região. Favorece essa conclusão, o fato de que
Atos narra entre os capítulos 18e 19 que ainda havia em Éfeso um grupo de
discípulos de João Batista. Normalmente se defende que os acontecimentos
narrados em Atos teriam acontecido entre 50 e 55 D.C. Portanto, é plausível que
a similaridade com os escritos essênios tenham o propósito de alcançar pessoas
ainda sob influência do doutrinamento de João Batista. Soma-se a isso, o fato
de o quarto evangelho deixar tão evidente um papel secundário e pequeno para
João Batista, e enfatizar o seu testemunho a respeito de Cristo. Portanto,
embora não se possa afirmar conclusivamente, parece seguro assumir que Irineu
está correto sobre a origem do Quarto Evangelho foi em Éfeso, e que João
escreve primeiramente para gentios cristãos que precisavam ser fortalecidos em
sua fé.
É importante
lembrar o leitor que, é bem provável que o pano de fundo conceitual mais
apropriado para o evangelho seja o próprio Antigo Testamento e o ambiente da
religião judaica ortodoxa do primeiro século, assunto que trataremos no ponto
8.
4. Ocasião
Do mesmo modo como
a autoria, data e origem do evangelho, a questão da ocasião também está aberta
a debates, especialmente por que não se pode discernir com especificidade
detalhes sobre o Evangelho. Merril C. Tenney sobre o assunto afirma que no
Quarto Evangelho
Falta o prefácio
pessoal de Lucas. Também parece não ter sido escrito como uma simples uma obra
com novidades informativas como Marcos. Não existe nenhuma dedicatória pessoal.
Não é uma narrativa completa, nem um artigo. Não tem um forte apelo histórico
no sentido de que reflete algum lugar particular no tempo ou espaço.
Entretanto, é
importante notar que não são poucos os comentaristas que se arriscam a defender
que o evangelho tem um caráter apologético, especialmente no que se refere ao
gnosticismo incipiente. Se isso é um fato, pode ser levado em conta a que tipo
de heresia João combatia com seu evangelho. Irineu é novamente considerado como
uma boa fonte para essa questão. Observe o que diz Irineu:
João, o discípulo
do Senhor, anunciava essa fé, e pretendia, com a proclamação do
Evangelho, remover o erro que por Cerinto havia sido difundido entre os
homens, e há muito tempo antes daqueles chamados nicolaítas
É interessante
notar que a introdução do evangelho responde a diversas das proposições de Cerinto
de tal modo que Irineu não se cansa de usá-la contra seus ensinos. Segundo
Irineu, Cerinto, [era] um homem que havia sido educado na sabedoria dos
Egípcios, ensinou que o mundo não havia sido primeiramente criado por Deus, mas
por um certo poder separado Dele, a distante desse principado que é supremo
sobre o universo, e em sua ignorância, acima de todos. Ele apresenta a Jesus
como não nascendo de uma virgem, mas como filho de José e Maria de acordo como
o modo natural de procriação humana, mas ao mesmo tempo ele era mais justo,
prudente e sábio que qualquer outro homem. Mas, depois do seu batismo, Cristo
desceu sobre ele em forma de uma pomba sendo enviado pelo Supremo Juiz, a que
ele proclamou o desconhecido Pai, e realizou milagres. Mas, no fim Cristo
deixou Jesus, e então Ele sofreu e ressuscitou, enquanto o Cristo permaneceu
impassível, mas ainda assim, ele era um ser espiritual, ou seja, para Cerinto,
Jesus era um ser humano normal, embora espiritual, que por condição do seu
batismo foi habitado pelo Cristo, embora esse poder do alto o teria abandonado
a sofrer. Essa visão do cristianismo tornou-se tão aceitável entre os cristãos
do segundo século que essa heresia ficou conhecida em algumas obras gnósticas
pseudo-epigráficas, como o livro conhecido como Atos de João. Esse livro foi
provavelmente escrito em Edessa ou Éfeso na segunda metade do terceiro
século (embora outros assumam a segunda metade do segundo século),
supostamente por Leucius Charinus, que supostamente fora discípulo de João.
Nesse livro, o Cristo, o poder espiritual superior que havia deixado a Jesus
para sofrer convida a João para explicar o que está acontecendo, enquanto Jesus
sofre:
E assim eu o vi
sofrer, e não esperei por seu sofrimento, mas parti para o Monte das Oliveiras
e chorei sobre o que veio a se passar. E quando ele estava pendurado sobre a
cruz na Sexta-feira, na sexta hora do dia, veio uma escuridão sobre toda a
terra. E meu Senhor ficou no meio da caverna, iluminando-a disse: “João, para o
povo lá em baixo em Jerusalém, Eu estou sendo crucificado e perpassado com
lanças e espinhos, e estão me dando vinagre e bílis para beber." Mas para
você Eu estou falando, escutai o que eu digo. Eu coloquei em tua mente para
vires a esta montanha para que possais ouvir o que um discípulo deve aprender
de seu mestre e homem de Deus.
Se a visão de
Cerinto, perpetuada nos escritos de Leucius, refletia os ideais do gnosticismo
incipiente do fim do primeiro século início do segundo é apropriado considerar
que João intencionasse combater tais heresias. Quando Irineu fala das heresias
de Cerinto, ele demonstra que Cerinto usava termos como “Monogenes”, “Logos”,
termos caracterizados no Evangelho de João como referência a Jesus, que o mesmo
capítulo chama de Cristo. Considerando a opinião de Irineu sobre a visão de
Cerinto, é possível perceber claramente o modo como João apresenta os termos
cristológicos fundamentais (Λόγος, 1.1-3, Μονογενὴς 1,14, 18, Θεὸς, 1.1, 18) e
os associa ao Cristo na pessoa de Jesus, o Cordeiro de Deus, como Λόγος, μονογενὴς
Θεὸς σὰρξ ἐγένετο. (Verbo, o Deus Único – amado de modo especial – feito
carne).
Essa visão é
defendida por Merril C. Tenney, que diz:
Em função da
posição defensiva das doutrinas que ele [o evangelho] apresenta, pode muito bem
ter sido escrito para combater a crescente onda do Cerentianismo, que ameaçava
os fundamentos teológicos da Igreja.
Portanto, parece
seguro inferir que João escreve seu evangelho em função das crescentes
investidas da heresia e da deturpação da verdade, como uma fonte fidedigna da
verdade de uma testemunha ocular que havia sido instruída pessoalmente por
Cristo, e que, portanto, pode descrever com assertividade sobre quem Ele era e
o que fazia.
5. Propósito do escrito
O Evangelho de João
é o único entre os evangelhos canônicos que traz claramente sua declaração de
propósito:
Na verdade, fez
Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste
livro. Estes, porém, foram
registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,
crendo, tenhais vida em seu nome – João 20.30-31
Nesse verso podemos
encontrar ao menos quatro declarações de propósito do autor: (1) Propósito
Evangelístico; (2) Propósito de Incentivar a Perseverança; (3) Propósito
Teológico; (4) Propósito Apologético. Abaixo, passamos a observar como cada um
desses se relaciona com o Evangelho como um todo.
A. Propósito Evangelístico
A relação entre a
fé e vida eterna é claramente exposta na teologia Joanina. No terceiro capítulo
encontramos: “para que todo o que nele crê tenha a vida eterna” (v.15); “Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (v.16); “Por isso, quem
crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra
o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”
(v.36; cf. Jo.5.24; 6.35, 40, 47; 11.25). Essa característica também
é bem encontrada na literatura joanina: “Estas coisas vos escrevi, a fim de
saberdes que tendes a vida eterna,
a vós outros que credes em
o nome do Filho de Deus” (1Jo.5.13).
É fundamental
ressaltar que tal conceito também é testemunhado pelos milagres (sinais;
gr.semeion) realizados por Cristo e registrados por João: “Na verdade, fez
Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos
neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus,
e para que, crendo, tenhais vida
em seu nome” (Jo.20.31).
As ações milagrosas
de Cristo relatadas no Evangelho têm por motivo apresentar sua Real Pessoa para
Seus expectadores; para que compreendam sua Divindade e Messianidade e para que
possam depositar sua fé Nele. E isso é visto em vários dos seus milagres: “Com
este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua
glória, e os seus discípulos
creram nele” (Jo.2.11); “Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da
Páscoa, muitos, vendo os sinais
que ele fazia, creram no seu nome” (Jo.2.23) “Com isto, reconheceu o pai
ser aquela precisamente a hora em que Jesus lhe dissera: Teu filho vive;
e creu ele e toda a sua casa”
(4.53); “Então, afirmou ele: Creio,
Senhor; e o adorou” (9.38). “Muitos, pois, dentre os judeus que tinham
vindo visitar Maria, vendo o que fizera Jesus, creram nele” (11.45)
Entretanto, assim
como seus ensinos seus atos milagrosos estavam sujeitos a avaliação e rejeição.
Já no início do seu ministério a incredulidade já estava anunciada: “Estando
ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele
fazia, creram no seu nome, mas o
próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos”
(Jo.2.23-24). Em outras ocasiões, o milagre promoveu completa rejeição. No caso
da cura do aleijado do tanque de Betesda, por realizar no sábado o milagre, os
fariseus passaram a perseguí-lo (Jo.5.16). Tal rejeição torna-se discussão e
Jesus deixa clara a opinião dos fariseus a Seu respeito: “Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés,
também creríeis em mim;
porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (Jo.5.46-47). No caso da cura do
cego de nascença a incredulidade é clarividente, pois pesquisam para saber se
aquele que se dizia cego o era de fato: “Não acreditaram [criam] os judeus que ele fora cego e que agora via, enquanto
não lhe chamaram os pais” (Jo.9.18). Outro exemplo interessante desse fato é
visto entre os judeus descrentes: “E, embora tivesse feito tantos sinais na sua
presença, não creram nele” (Jo.12.37).
A interpretação que João tem desses fatos é que eles são cumprimento profético:
“para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem
foi revelado o braço do Senhor? Por isso, não podiam crer, porque Isaías disse ainda: Cegou-lhes os olhos e
endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos, nem entendam com o
coração, e se convertam, e sejam por mim curados” (Jo.12.38-40).
Assim, ainda que os
milagres tivessem claro papel evangelístico, também funcionaram como problema
para a compreensão sobre a verdadeira pessoa de Cristo. Aliás, esse é um dos
muito motivos pelos quais a pessoa de Cristo continua sob suspeita.
B. Propósito de Incentivar a Perseverança
Como já temos
mencionado, existe uma importante variante textual em Jo.20.31 que sugere que o
propósito do livro é fortalecer os cristãos na manutenção da sua fé em Cristo.
Observe como poderia ser traduzido o verso: “Na verdade, fez Jesus diante dos
discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes,
porém, foram registrados para que continuais
a crer que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
Embora
contextualmente deslocada, a sentença pode ser muito bem compreendida como um
convite a manutenção da Fé. Já temos dito que essa leitura parece aceitável
pelo fato de que todos os livros do NT foram primeiramente escrito para
cristãos, o que nos leva a crer que João teria feito o mesmo com seu evangelho.
É importante
lembrar o leitor que apenas uma das leituras variantes é a original e, portanto
apenas uma das conclusões sobre o propósito do livro está correta. Entretanto,
mantemos aqui essa declaração, pois os mais conceituados textos críticos
optaram por manter as duas leituras, por serem consistentes externa e
internamente.
Um detalhe que
chama a atenção é que a relação de variante entre o aoristo subjuntivo e o
presente subjuntivo do verbo crer acontece mais algumas vezes no evangelho.
Observe:
ἀπεκρίθη ᾿Ιησοῦς
καὶ εἶπεν αὐτοῖς· τοῦτό ἐστι τὸ ἔργον τοῦ Θεοῦ, ἵνα πιστεύσητε εἰς ὃν
ἀπέστειλεν ἐκεῖνος – [Segunda pessoa do plural do Aoristo Subjuntivo Ativo] –
6.29
Respondeu-lhes
Jesus: A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi
enviado – 6.29
Nesse texto o mesmo
fenômeno acontece: A leitura variante atesta o mesmo verbo (πιστεύω) só que no
Presente Subjuntivo Ativo, o que faria com que o texto fosse entendido assim:
ἀπεκρίθη ᾿Ιησοῦς
καὶ εἶπεν αὐτοῖς· τοῦτό ἐστι τὸ ἔργον τοῦ Θεοῦ, ἵνα πιστεύητε εἰς ὃν
ἀπέστειλεν ἐκεῖνος – [Segunda pessoa do plural do Presente Subjuntivo Ativo] –
6.29
Respondeu-lhes
Jesus: A obra de Deus é esta: que continueis a crer naquele que por
ele foi enviado – 6.29
Essa leitura nesse
discurso parece consistente com o público a quem se dirige o Senhor nessa
sentença, e favorece a idéia de que esse evangelho tenha sido escrito com esse
propósito. Mas, é importante demonstrar que o mesmo fato acontece em quase
todas as ocasiões em que se encontra o verbo crer no aoristo subjuntivo ativo
(13.19; 19.35; 20.31).
Essas alterações
sejam do aoristo para o presente ou o inverso, podem ter acontecido por mera
desatenção, visto que é necessário a alteração de apenas uma simples letra para
o que o sentido seja radicalmente alterado. Entretanto é digno de atenção, que
uma simples nota de João no relato da crucificação de Cristo, favorece a idéia
de um Evangelho primeiramente escrito para cristãos com o objetivo de
fortalecer a fé, observe:
καὶ ὁ ἑωρακὼς
μεμαρτύρηκε, καὶ ἀληθινὴ αὐτοῦ ἐστιν ἡ μαρτυρία, κἀκεῖνος οἶδεν ὅτι ἀληθῆ
λέγει, ἵνα καὶ ὑμεῖς πιστεύσητε
Aquele que isto viu
testificou, sendo verdadeiro o seu testemunho; e ele sabe que diz a verdade,
para que também vós creiais. 19.35
καὶ ὁ ἑωρακὼς
μεμαρτύρηκε, καὶ ἀληθινὴ αὐτοῦ ἐστιν ἡ μαρτυρία, κἀκεῖνος οἶδεν ὅτι ἀληθῆ
λέγει, ἵνα καὶ ὑμεῖς πιστεύσητε
Aquele que isto viu
testificou, sendo verdadeiro o seu testemunho; e ele sabe que diz a verdade,
para que também vós continueis a crer. 19.35
Essa declaração do
autor para o leitor sugere que ele tem os olhos na manutenção da fé, e não da
promoção da mesma. Em todos os casos a disputa textual é acirrada e as
preferências voltam-se para muitos lados, entretanto, é fundamental que se diga
que são variantes possíveis e em nada desmerecem o Evangelho, muito pelo
contrário, demonstram o propósito do evangelho de um modo pertinente ao
ambiente em que era primeiramente escrito.
C. Propósito Teológico
No que se refere à
teologia, João assegura que os milagres registrados atestam que Jesus é o Filho
de Deus: “Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que
não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que
creiais que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo.20.31).
A designação
Filho de Deus atesta a divindade de Cristo: “Quem nele crê não é julgado; o que
não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de
Deus” (Jo.3.18). O uso da expressão unigênito Filho de Deus (gr. tou
monogenous uiou tou theou) é uma das formas pelas quais João apresenta Cristo
como divino, e essa definição é uma exigência para salvação. Ou seja, ainda que
as opiniões sobre Cristo fossem divergentes já nessa ocasião, é certo para João
que Jesus é Deus. Aliás, a linguagem de João aqui parece trazer a tona uma
referência ao gnosticismo incipiente e sua desconexão da pessoa de Cristo Deus
Pai (1Tm.1.4).
A designação de
Filho assumida por Cristo expressa uma relação familiar com o Deus
Pai. Tal ênfase é explicitamente majoritária em João, pois enquanto os
sinóticos atestam esse fato em aproximadamente 24 ocasiões, em João encontramos
cento e seis vezes. Esse fato é visto desde o prólogo do evangelho: “E o Verbo
se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua
glória, glória como do unigênito
do Pai” (Jo.1.14). João Batista também atesta o mesmo fato: “Pois eu, de
fato, vi e tenho testificado que ele
é o Filho de Deus” (Jo.1.34).
Uma situação que
pode testificar a Pessoa de Cristo como Filho de Deus é encontrada no encontro
de Natanael com Cristo (Jo.1.44-51). No exercício de sua onisciência, Jesus
demonstra que o que Felipe disse a Seu respeito é verdadeiro, e Natanael
afirma: “Então, exclamou Natanael: Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!” (Jo.1.49). Ao ouvir
isso, Jesus garante que Natanael veria sinais mais evidentes de que Ele o é
(Jo.1.50). A cena que segue a esse diálogo nos conta seu primeiro milagre
(sinal; gr. semeion), com o qual Ele manifestou sua Glória (Jo.2.11).
Ao ter conhecimento
dos atos de Cristo, o próprio Nicodemos atesta: “Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus;
porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver
com ele” (Jo.3.2). Esse reconhecimento é fundamental para compreender alguns
dos milagres de Cristo narrados em João, como por exemplo a cura do filho do
oficial do Rei (Jo.4.46-54). Nessa ocasião, apenas o declara a cura do filho do
oficial à distância foi suficiente para que ele fosse curado. O fato de que o
texto narra a expressão de pontualidade da cura (v.53) demonstra que Aquele que
realizara o Milagre é Filho de Deus. E esse teria sido apenas o seu segundo
milagre (sinal; gr. semeion) narrado no evangelho.
D. Propósito Apologético
Carlos Osvaldo,
sobre o assunto, atesta:
Infelizmente, a
maioria dos comentaristas têm enfatizado este propósito evangelístico do
evangelho sem atentar para o propósito apologético ou polêmico, em que João
enfatiza a glória do Verbo (cf. 1.14; 17.1, 5) e a realidade de sua encarnação.
João também atesta
a Messianidade de Jesus quando o chama de Cristo (ungido, messias): “Na
verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão
escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo.20.31).
Alias, essa
ênfase é muito forte na literatura joanina: “Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo?
Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho” (1Jo.2.22). A
preocupação com a apresentação da Messianidade de Cristo também é vista na
reação das pessoas que estavam próximas a Ele. O convite de Felipe a Natanael
deixa isso transparecer, quando diz: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os
profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José” (Jo.1.45). A resposta de Natanael
também testifica isso: “Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!” (v.49).
A frequente
negativa de João Batista em relação a sua identidade com o Messias, também
sugere que João intencionava levar seus leitores a conhecer o Verdadeiro Cristo
na pessoa de Jesus e rejeitar a suposta autoridade que João pudesse exercer.
Note que João deixa isso evidente no evangelho, desde o seu início: “Este foi o
testemunho de João, quando os judeus lhe enviaram de Jerusalém sacerdotes e
levitas para lhe perguntarem: Quem és tu? Ele confessou e não negou; confessou: Eu não sou o Cristo”
(1.19-20). Pouco à frente os fariseus o questionam: “E perguntaram-lhe: Então,
por que batizas, se não és o
Cristo, nem Elias, nem o profeta?” (1.25). Isso acontece no mesmo
capítulo em que o Evangelista testifica a superioridade de Cristo sobre Moisés
(1.17) e que os primeiros discípulos o encontram e o chamam de Messias, que
traduzido quer dizer Cristo (1.41ss). Pouco à frente, João mesmo demonstra sua
consciência de que não apenas não é o Cristo, mas lhe é apenas um precursor:
“Vós mesmos sois testemunhas de que vos disse: eu não sou o Cristo, mas fui enviado como seu precursor” (3.28).
É válido demonstrar
que por quase todo o evangelho a pergunta sobre a Messianidade de Jesus aparece
na voz de diferentes pessoas. A mulher samaritana tem certa consciência de quem
é o Messias esperado e sobre ele atesta: “Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando
ele vier, nos anunciará todas as coisas”. Pouco após seu rápido encontro
com Jesus vai à cidade e declara: “Vinde comigo e vede um homem que me disse
tudo quanto tenho feito. Será
este, porventura, o Cristo?!”. Diante de sua própria convicção de quem é
o Messias, essa mulher convida outras pessoas a verificarem se isso é de fato
verdade.
No capítulo sete
uma complicada situação arma-se diante do diálogo de Jesus os fariseus e a
reação da multidão, e em grande parte a pergunta que se faz é se esse é o Messias,
ou se ele se considera como tal sem o ser (7.26-42). É interessante notar a
crescente rejeição da Messianidade de Jesus pelos judeus, observe: “Eis que ele
fala abertamente, e nada lhe dizem. Porventura, reconhecem verdadeiramente as autoridades que este é, de fato, o Cristo? Nós,
todavia, sabemos donde este é; quando,
porém, vier o Cristo, ninguém saberá donde ele é” (7.26-27); “outros
diziam: Ele é o Cristo; outros,
porém, perguntavam: Porventura, o Cristo virá da Galiléia?” (7.41).
Essa rejeição tornou-se
retaliação àqueles que viessem a confessar que Jesus era o Messias: “Isto
disseram seus pais porque estavam com medo dos judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém
confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da sinagoga” (9.22). Mas, ainda
assim, entre os seguidores de Jesus, não eram poucos os que o confessavam, a
despeito do risco de se assumir isso (11.27).
Considerando a
hostilidade dos judeus para com a compreensão de Jesus como Cristo, é justo
pensar que João escreve um tratado apologético no sentido de defender a
completa e perfeita Messianidade de Cristo.
BIOGRAFIA DE JOÃO EVANGELISTA
São João
Evangelista (6-103) foi um dos doze apóstolos de Cristo. O mais jovem deles.
Junto com seu irmão Thiago, foi convidado a seguir Jesus em suas peregrinações.
É o autor do quarto e último Evangelho Canônico, pertencente ao Novo
Testamento, o "Evangelho segundo João". Escreveu a primeira, a
segunda e a terceira Epístola de João. Foi o "discípulo amado" de
Jesus. Foi o único apóstolo que acompanhou Cristo até a sua morte. O Evangelho
de João menciona que antes de Jesus morrer, confiou Maria aos seus cuidados.
Arqueólogos encontraram no Egito, fragmentos de um papiro, em grego, que
pertence ao Evangelho de João. A maior parte do Evangelho relata a vida de
Jesus até a sua morte.
São João
Evangelista (6-103) nasceu em Batsaida na Galileia. Filho do pescador Zebedeu e
de Maria Salomé, uma das mulheres que auxiliaram os discípulos de Jesus. João e
seu irmão mais velho Tiago, foram convidados a seguir Jesus, logo
depois dos apóstolos Pedro e André.
João, Thiago, Pedro
e André, foram os quatro privilegiados que participaram do círculo mais íntimo
de Jesus. Presenciaram a ressurreição da filha de Jairo e a angústia de Jesus
no Jardim das Oliveiras. João e Thiago foram os únicos apóstolos que receberam
de Cristo a autorização para sentar à direita e o outro à esquerda durante a
última Ceia. Jesus disse "do cálice que eu beber, vos bebereis".
São João
Evangelista em sua peregrinação esteve em Antioquia, por ocasião do Concílio
dos Apóstolos. E após as perseguições sofridas em Jerusalém, transferiu-se com
Pedro para a Samaria, onde desenvolveu uma intensa evangelização. Mudou-se para
Éfeso, onde dirigiu muitas Igrejas e foi em Éfeso que escreveu o quarto Evangelho,
o último dos Evangelhos Canônicos. Escreveu também as Epístolas,
três cartas com mensagens sobre a vida eterna e a vida da
comunhão com Deus através da fé em Cristo.
De acordo
com os Atos dos Apóstolos, o quinto livro do Novo Testamento, quando João
acompanhou Pedro na catequese dos samaritanos, foi convencido por Paulo a
desistir da imposição de práticas judaicas aos neófitos cristãos. Durante o
governo de Domiciano foi exilado na ilha de Patmos, no mar Egeu, onde escreveu
o Livro do Apocalipse ou Revelação, que é o último livro da Bíblia, onde
narrou as suas visões e descreveu mistérios, predizendo as tribulações da
Igreja e o seu triunfo final.
O seu evangelho
difere dos outros três que são chamados sinóticos ou semelhantes, pois a sua
narrativa enfoca mais o aspecto espiritual de Jesus, ou seja, a vida e a obra
do Mestre com base no mistério da encarnação.
Os primeiros
fragmentos do quarto Evangelho foram encontrados em papiros no Egito, e muitos
estudiosos acreditam que João tenha visitado essa região. Aparece representado
por Michelangelo na cúpula da Basílica São Pedro, em Roma. Morreu em 103, na
cidade de Éfeso, onde foi sepultado.
Bispo.
Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson Cavalcante.
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