ESTUDO O ÍMPIO PROSPERA NA TERRA, MAS NÃO TEM A
SALVAÇÃO ETERNA...
Essa não é uma pergunta nova. É uma pergunta bem antiga, aliás, porque é justamente sobre esse tipo de indagação aflita que o salmista Asafe escreveu o Salmo 73. Asafe observava os ímpios ao seu redor, as pessoas más, os homens violentos, os corruptos dissimulados à sua volta, e notava que todos prosperavam, enriqueciam, pareciam não ter problemas, não passar por provações, não atravessar tribulações, enquanto ele — que procurava servir a Deus, que frequentava o templo, que oferecia regularmente seus sacrifícios, que procura ser sempre justo em suas palavras e ações, que se esforçava para levar uma vida reta, ter uma conduta digna, o coração purificado e a mente voltada para as coisas santas — vivia enfrentando dificuldades, lidando com adversidades, suportando momentos de enfermidades, conflitos familiares, carências financeiras, perdas dolorosas, perseguições, abandono e solidão.
Diante disso, o salmista perguntava a si mesmo: “Espera aí, o que é que
está acontecendo? Como pode ser isso? Como é que o meu vizinho — um incrédulo
que zomba da fé, que se deita a cada noite e se levanta a cada manhã sem nenhum
reconhecimento da graça divina, sem qualquer respeito pela Palavra do Senhor —
está tão bem na vida enquanto eu — que leio a palavra de Deus, reflito sobre a
Palavra, vou aos cultos, intercedo por meus irmãos e ando de acordo com a
vontade divina — estou passando por todas essas provações e
adversidades?”.
Asafe era o cantor principal do templo nas horas dos cultos,
mais ou menos como um ministro de música nos dias de hoje. Liderava o cântico
congregacional e compunha as músicas que a congregação cantava. Numa dessas
músicas, que vem a ser o salmo 73, Asafe faz referência a essa angústia da
dúvida, da fé enfraquecida e da tortura espiritual que resultaram de uma
pergunta: por que o ímpio prospera mais do que o justo?
Vamos ler o Salmo 73 com a consciência de que a crise de Asafe é também,
muitas vezes, a nossa crise. As dúvidas dele são as nossas dúvidas. Os
questionamentos dele são os nossos questionamentos. A aflição existencial dele
é a nossa aflição existencial. Vamos ler esse salmo como se Asafe fosse apenas
o nosso porta-voz: ele fala, ele escreve, ele ora, mas o sentimento é nosso, a
experiência é nossa, a alma do salmo é nossa, a oração é nossa.
Certamente Deus é bom para Israel, para os puros de coração. Quanto
a mim, os meus pés quase tropeçaram, por pouco não escorreguei. Pois tive
inveja dos arrogantes quando vi a prosperidade desses ímpios. Eles não
passam por sofrimento e têm o corpo saudável e forte.
Estão livres dos fardos de todos; não são atingidos por doenças como os
outros homens. Por isso o orgulho lhes serve de colar, e eles se vestem de
violência. Do seu íntimo brota a maldade, da sua mente transbordam
maquinações. Eles zombam e falam com más intenções; em sua arrogância
ameaçam com opressão. Com a boca arrogam a si os céus, e com a língua se
apossam da terra. Por isso o seu povo se volta para eles e bebe suas
palavras até saciar-se. Eles dizem: ‘Como saberá Deus? Terá conhecimento o
Altíssimo?’.
Assim são os ímpios; sempre despreocupados, aumentam suas
riquezas. Certamente foi-me inútil manter puro o coração e lavar as mãos
na inocência, pois o dia inteiro sou afligido, e todas as manhãs sou
castigado. Se eu tivesse dito: Falarei como eles, teria traído os teus
filhos. Quando tentei entender tudo isso, achei muito difícil para
mim, até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos
ímpios. Certamente os pões em terreno escorregadio e os fazes cair na
ruína. Como são destruídos de repente, completamente tomados de
pavor! São como um sonho que se vai quando acordamos; quando te
levantares, Senhor, tu os farás desaparecer. Quando o meu coração estava
amargurado e no íntimo eu sentia inveja, agi como insensato e ignorante;
minha atitude para contigo era a de um animal irracional. Contudo, sempre
estou contigo; tomas a minha mão direita e me susténs. Tu me diriges com o
teu conselho, e depois me receberás com honras. A quem tenho nos céus
senão a ti? E na terra, nada mais desejo além de estar junto a ti. O meu
corpo e o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração
e a minha herança para sempre.
Os que te abandonam sem dúvida perecerão; tu destróis todos os
infiéis. Mas, para mim, bom é estar perto de Deus; fiz do Soberano
Senhor o meu refúgio; proclamarei todos os teus feitos. É só ler os
jornais e assistir os repórteres televisivos para logo perceber a mesma coisa
descrita pelo salmista: aqueles que, em vez de andar nos caminhos do Senhor,
trilham os descaminhos da maldade, da corrupção, da infidelidade, da
desonestidade, da mentira, da promiscuidade, da violência, juntamente com
aqueles que oprimem o pobre, manipulam os ingênuos, desprezam os necessitados e
exploram os carentes são os que prosperam financeiramente, os que enriquecem e
parecem nunca passar por dificuldades ou tribulações.
Somos informados acerca dos maiores absurdos protagonizados por
personagens da política, da economia e do empresariado, e são essas
pessoas que zombam dos princípios morais, ridicularizam os valores,
menosprezam a Palavra de Deus para, depois, subornar policiais e juízes,
alinhando-os a seu favor, e desfrutar dos benefícios da impunidade, são essas
pessoas que continuam prosperando e lucrando na vida.
Diante desse quadro, chegamos a uma conclusão: injustiça divina. E
perguntamos: como é que Deus permite uma coisa dessas? Deus está sendo injusto,
concluímos. Como é que Deus permite que uma pessoa reconhecidamente corrupta e
corruptora prospere e passe a vida rindo de tudo e de todos?
Imagine uma pessoa que tenta viver a vida honestamente, acorda para
trabalhar, trabalha para poder comer, come e vai dormir, e no dia seguinte
acorda para trabalhar, etc, etc, enfrentando uma série de problemas e de
dificuldades, enquanto sabe que o seu vizinho faz e acontece, leva uma vida
notoriamente inescrupulosa, mora numa casa muito boa, anda de carro novo,
desfruta de excelente saúde e sem maiores dificuldades na vida. É claro que
essa pessoa vai parar e refletir: “Isso não é justo!”.
Pois era o que acontecia no coração do salmista Asafe. E a pergunta que
ele fazia, e nós fazemos em nosso próprio contexto, é sempre a mesma: como é
que Deus permite que o ímpio prospere mais do que o justo?
A partir da própria experiência do salmista, podemos identificar algumas
coisas que acontecem dentro do nosso coração quando buscamos uma resposta para
essa pergunta. Comecemos compreendendo que a nossa fé num Deus justo — que
exerce sua soberania conduzindo a história — fraqueja quando o mal parece levar
vantagem sobre o bem. Nessas horas, quando o ímpio parece prosperar mais
do que o justo, a gente começa a duvidar da soberania, da bondade e da justiça
de Deus. Por isso, o salmista confessa logo de saída: “Os meus pés quase
tropeçaram, por pouco não escorreguei”.
A primeira coisa que acontece diante das recorrentes injustiças do mundo
é o enfraquecimento da nossa fé e da nossa confiança em princípios, em valores,
no poder de Deus, na justiça de Deus. A gente começa a duvidar de que realmente
Deus esteja realmente conduzindo os rumos história, começa a duvidar de que
Deus seja de fato tão bom quanto apregoam, começa a duvidar de que a justiça
divina leve os maus à punição e os bons à recompensa. A nossa fé começa a
fraquejar, ficamos abalados e a nossa força de vontade para resistir às
tentações passa a esmorecer. A maior desgraça em nosso país, bem mais do
que toda a corrupção no governo, no Congresso Nacional e até mesmo na área da
polícia e da justiça, conforme acompanhamos nos noticiários em
geral, é a cultura da impunidade. O que a população acaba aprendendo?
Que podemos aprontar à vontade e sempre conseguiremos escapar da punição.
Estamos formando uma geração inteira de adolescentes e de jovens que
testemunham as autoridades — que deveriam dar exemplo de ética e conduta —
fazerem o que fazem sem que sejam devidamente denunciadas, punidas e extirpadas
da vida pública. Não só a fé fraqueja, mas o caráter também fraqueja. Num
lugar onde tudo acontece de modo correto, em que há uma cultura de fiscalização
e punição, você é obrigado a também fazer o que é certo. Quando estive na
Califórnia, para pregar numa igreja de imigrantes brasileiros, pude
perceber isso claramente. Por exemplo, no trânsito. Quando você dirige, de
quando em vez aparece escrito no asfalto a palavra stop, obrigando o motorista
a parar na esquina, olhar, conferir se dá para entrar na transversal em segurança,
e seguir. Um brasileiro amigo meu, acostumado a dar um jeitinho e pouco
disposto a parar na esquina, fez o que qualquer um faz por aqui: diminuiu a
velocidade e, em vez parar, olhou rapidamente para ver se havia algum carro na
outra direção e seguiu imediatamente adiante. Logo veio o policial numa moto
(não é só em filme, mas o policial aparece mesmo, sabe-se lá de onde, em cima
da moto), e ordenou que ele estacionasse o carro, pedindo a sua carteira de
habilitação e o documento do veículo. Perguntou, então, ao meu amigo: “O senhor
não viu o stop no chão?”. O meu amigo respondeu: “O stop eu vi, sim. Eu não vi
foi o senhor”. Bem, é o que eu dizia: quando tudo funciona direitinho, e há uma
cultura de se fazer o que é certo, somos estimulados a manter um comportamento
correto. Mas num lugar onde tudo acontece errado, e ainda há uma cultura de
impunidade estimulando o mal feito, as pessoas sentem-se à vontade para burlar
a lei e cometer suas transgressões sem maiores preocupações. Não é só a fé que
fraqueja. O caráter também fica enfraquecido diante da desordem moral. Era
assim que o salmista se sentia: desestimulado a crer e a continuar defendendo o
certo. Também é bom lembrar que passamos a questionar a nossa compreensão
acerca dos méritos.
No verso 4 o salmista diz afirma: “Eles não passam por sofrimento e têm
o corpo saudável e forte. Estão livres dos fardos de todos; não são atingidos
por doenças como os outros homens”.
Diante da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos começamos a
questionar o que realmente é mérito ou demérito. Passamos a perguntar: “Quem,
afinal, merece se dar bem? O justo, que faz tudo certinho? Ou o ímpio, que se
dá bem sendo desonesto?”. Em seguida, passamos a menosprezar os princípios, os
valores, os parâmetros da ética, porque se agir com desonestidade é garantia de
se dar bem, o melhor mesmo é deixar de lado os escrúpulos. Além disso,
diante da prosperidade dos ímpios e do sofrimento dos justos começamos a
experimentar uma desagradável sensação de estamos em desvantagem.
No verso 13 o salmista declara: “Certamente me foi inútil manter puro o
coração, me foi inútil lavar as mãos na inocência”. Em outras palavras: “Não
adiantou nada ser honesto, agir corretamente, manter a pureza de atos e
intenções, pois agora estou aqui passando por necessidades e aquele vizinho —
que sempre foi desonesto, malandro e inescrupuloso em suas ações — conseguiu se
dar muito bem na vida, com um bom emprego, um carro do ano, uma casa espaçosa,
e coisa e tal, e tal e coisa.” Então a gente fica com aquela sensação de
que ficou na desvantagem por agir corretamente. Parece desvantajoso ser
honesto, ser ético, ter uma conduta correta. E é claro que ninguém gosta de
sentir-se em desvantagem. Vivemos numa sociedade em que as pessoas estão sempre
competindo, concorrendo, onde há um funil de seleção, e por ele parece que só
conseguem passar quem é desonesto, quem é corrupto, quem é violento. E os
nossos valores, os princípios que a Bíblia ensina, e que aprendemos a defender
com nossos pais, parecem extremamente desvantajosos à luz da anarquia moral
generalizada. Chegamos a dizer como o salmista, quando comparamos o resultado
material da nossa vida ética com o progresso dos que vivem sem escrúpulos:
“Está tudo sendo inútil”. E indagamos: de que adianta ser honesto, de que
adianta ser puro, de que adianta ser reto?
Deixem-me ainda mencionar que, diante da prosperidade dos ímpios e do
sofrimento dos justos, sentimos o pior tipo de sentimento que há: a
inveja. Em certas circunstâncias, somos obrigados a assumir que pensamos
assim: “Ah, o que eu queria mesmo era ter a casa que o meu chefe conseguiu
fraudando o imposto de renda, e eu que pago meus impostos corretamente não
tenho; queria mesmo era ter aquele carrão que aquele meu tio político conseguiu
com suas ações corruptas, e eu que fui íntegro e honesto durante a vida inteira
ainda não tenho”. A gente começa a ter inveja, e a inveja é o pior de todos os
sentimentos, a inveja corrói, a inveja rouba a paz, a inveja mata as boas
intenções, a inveja tira o sono, a inveja causa revolta, a inveja arrebenta a
alma.
O salmista teve coragem de assumir que estava com inveja dos ímpios,
inveja dos transgressores, inveja dos pecadores, só porque aparentemente eles
estavam muito bem, prosperando demais, saudáveis, robustos, felizes,
realizados. Imaginem só: um servo de Deus, responsável pelo louvor
congregacional, com o coração e a alma envenenados pela inveja. Mas não inveja
de grandes heróis, de pessoas de caráter ilibado, de bons exemplos para todos.
Não, nada disso. O salmista sentia inveja dos malandros, dos espertos, dos
desonestos, dos corruptos, dos transgressores, dos criminosos. E por quê?
Porque essa gente toda tinha prosperado financeiramente.
Agora chegamos ao ponto central da reflexão do salmista. O que fez a
diferença na mente e no coração do salmista? O que mudou seus sentimentos em
relação à realidade ao seu redor? A partir de que momento Asafe passou a pensar
de maneira diferente, a ver de modo distinto do que dissera até aqui? Foi
o fato de ter entrado na presença de Deus. No verso 17 — e eu considero o verso
17 como o divisor de águas do Salmo 73. Percebam que o salmista, até então, vai
descrevendo seus sentimentos em relação à prosperidade dos ímpios com amarguras
e ressentimentos no coração. Mas no verso 17 lemos: “até que entrei no
santuário de Deus”, isto é, “até que estive na presença de Deus”. É aqui que
encontramos a razão da diferença na argumentação do salmista.
Eis a diferença, meus irmãos queridos. As nossas ideias são colocadas em
ordem e começamos a ver e a entender certas coisas corretamente quando estamos
na presença de Deus. No verso 22, Asafe admite: “Agi como insensato”, ou “agi
como um cego”, alguém que não está conseguindo compreender a realidade.
Todos os sentimentos citados até aqui acabam por nublar a nossa visão da
realidade, fazem com que passemos a ver através das lentes humanas, terrenas,
carnais, gerando grande inconformação, grande revolta, grande incompreensão e,
principalmente, enfraquecendo nossa confiança nos propósitos divinos.
Estar na presença de Deus é a solução mais eficaz para não sermos
vítimas dessa cegueira, dessa revolta, dessa inconformação perniciosa. O
salmista declara: “Quando entrei na presença de Deus, descobri que muitos
sentimentos habitavam em meu coração por causa do que estava vendo, por causa
da maneira como estava interpretando a realidade, por causa dos meus desejos
caprichosos e mesquinhos, terrenos e carnais. Quando entrei na presença de
Deus, a minha visão mudou, a minha mente foi iluminada, como se eu começasse
finalmente a enxergar como Deus enxergava, a ver como Deus via, e comecei a
entender que a verdade está além do que os olhos terrenos podem ver, mais além
do que a mente cega pode compreender”.
De acordo com o que lemos no Salmo 73, ao entrar na presença de Deus o
salmista conseguiu enxergar quatro verdades evidentes.
A primeira: a prosperidade
humana é uma prosperidade relativa.
O que a gente costuma chamar de prosperidade nem sempre é prosperidade
de fato, nem sempre as aparências correspondem aos fatos. Às vezes,
determinada situação de prosperidade divulgada na imprensa, ou na mídia de um
modo geral, não passa de uma foto, e por trás daquela foto na coluna social dos
jornais, há uma trágica realidade desconhecida. Por trás do sorriso na hora da
pose, há muito choro. Por trás das valiosas roupas e jóias, há muitas almas
empobrecidas e corações afundados no desespero. O que costumamos
identificar como prosperidade, muito especialmente em nossa cultura capitalista
e shopping-centeriana, está vinculado a aquisições materiais. Como é que se
mede a prosperidade de alguém em nossa sociedade, senão a partir da ascensão
financeira e patrimonial?
No verso 18, o salmista adverte: “Certamente os põem em terreno
escorregadio e os fazes cair na ruína”. Na presença de Deus o salmista
compreendeu que não há coisa mais insegura, mais escorregadia, não há areia
mais movediça e perigosa do que depender dos bens materiais. Isso é um terreno
perigosamente escorregadio, diz o salmista, porque esse tipo de prosperidade é
relativa, é extremamente relativa.
O que faz do ser humano um ser humano? É o que ele possui? É o que ele
consegue acumular? É o carro do ano que ele exibe pelas ruas? É o bairro onde
ele mora? São as roupas que ele veste?
Vale a pena recordar o filme O homem elefante, no qual um homem todo
deformado era usado como atração de circo. O dono do circo, por sua vez, que o
explorava para tirar vantagens financeiras, não possuía qualquer defeito
físico. Mas o filme quer, justamente, lançar a seguinte questão: entre o homem
explorado por seus defeitos físicos e o que o explorava, quem é, afinal, o
deformado?
O que é que faz do ser humano um ser humano? O que ele possui? O que ele
acumula? O que ele parece ser? O que é, de fato, prosperidade? Ter tudo o que
se deseja? De que vale tudo o que acumulou, por exemplo, diante de uma doença
terminal incurável? Ou, como o Senhor Jesus perguntou aos discípulos, de que
adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?
Então, a primeira coisa que o salmista descobriu na presença de Deus foi
que o conceito humano de prosperidade é relativo. O que chamamos de prosperidade
pode não passar de terreno escorregadio, de areia movediça, e vamos
afundar.
A segunda verdade: as condições
humanas são reconhecidamente instáveis.
Hoje temos algo que amanhã podemos não ter. O salmista se refere a essa
verdade no verso 20, ao afirmar que os ímpios e seus valores “são como um sonho
que se vai quando acordamos”. A nossa vida é como um sonho. Está tudo ali,
aparentemente sob controle, aparentemente seguro, tudo muito ajustado, tudo
muito certinho, tudo muito preservado. De repente, você perde tudo. E o que
permaneceria para sempre acaba num piscar de olhos, tal qual quando você
desperta de um sonho. Lidamos com muitas situações de aparente
estabilidade, mas que, na verdade, são tão instáveis como a fumaça ou a névoa.
A vida é uma roda sempre girando. E nós giramos juntamente com ela. Quem hoje
está por cima, estará por baixo amanhã. Citando o título de um livro que
analisa a instabilidade das instituições modernas, tudo que é sólido desmancha
no ar.
E como é possível que esses ímpios assumam uma postura arrogante de quem
está perfeita e permanentemente estabilizados? Estabilizado sobre o quê?
A terceira verdade identificada
pelo salmista: mais cedo ou mais tarde a justiça de Deus acaba se
manifestando.
O apóstolo Paulo vai dizer que com Deus não se brinca. E que horrenda
coisa é cair nas mãos do Deus vivo.
O salmo 73 adverte que a manifestação da justiça de Deus pode demorar,
mas — quando o Senhor começar a colocar as coisas em ordem — nada nem ninguém
será poupado. Será como uma represa que rompe liberando um rio com forças
acumuladas ao longo do tempo em que esteve contido. Não há como aplacar a força
da sua passagem. Assim a justiça de Deus vai se impor diante dos homens.
O apóstolo Paulo, na carta aos Filipenses, declara que “todo joelho vai
se dobrar, e toda língua vai confessar que Jesus Cristo é o Senhor” Aquele
patrão que vive perseguindo e oprimindo você, e o humilha e ridiculariza por
causa da sua fé, vai acabar se ajoelhando e confessando que Jesus Cristo é o
Senhor para a glória de Deus Pai. Aquele vizinho que, em meio aos seus
problemas e aflições, desafia você sempre perguntando onde está o seu Deus, por
que Ele permite que você sofra desse jeito, por que Ele não ouve as suas
orações, vai acabar se ajoelhando e confessando que Jesus Cristo é o Senhor
para a glória de Deus Pai. Herodes, Pilatos, Nero, Domiciano, Hitler,
Lênin, Mao Tse-Tung, do tirano mais cruel ao mais incompetente ladrão de
galinhas, todos, sem exceção, vão acabar se ajoelhando e confessando que Jesus
Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai.
A justiça divina vai, finalmente, cobrir a face da terra como um imenso
oceano, e ninguém terá dúvida de qual é o caminho certo, ninguém terá dúvida de
quem é o Deus verdadeiro, ninguém terá dúvida de que a vontade do Senhor é
bóia, perfeita e agradável. Essa era a permanente confiante esperança do
salmista. E deve ser a nossa confiante esperança também.
A quarta coisa e última verdade
do salmo 73: nosso maior bem não é algo que Deus nos dá, mas é o próprio Deus
que se dá a nós.
Prestem atenção nessa declaração do salmista: “A quem tenho eu no céu,
senão a ti, e na terra nada mais desejo além de estar junto a ti; o meu corpo e
o meu coração poderão fraquejar, mas Deus é a força do meu coração e a minha
herança para sempre”.
Ouçam ainda esta outra: “Para mim, bom é estar perto de Deus. Fiz do
soberano Senhor o meu refugio, proclamarei todos os teus feitos”.
Não olhe mais para o que os injustos têm, mas olhe agora para o que você
tem: você tem Deus na vida, e o maior presente que Deus pode dar a alguém é Ele
mesmo, a maior bênção que Deus pode dar a alguém é Ele mesmo estar na vida
desse alguém. Foi o que o salmista descobriu ao entrar na presença de Deus: não
há mansão, não há emprego, não há remuneração financeira, não há aplicação na
bolsa de valores, não há automóvel mais possante, não há viajem turística, não
há herança, não há nada que valha e que represente mais para nós do que o
grande Deus. Ele mesmo é o grande presente dado por Ele. A maior alegria de
alguém que crê é ter o próprio Deus em sua vida.
O cronista Rubem Braga tinha a grande facilidade de observar o cotidiano
e escrever belas crônicas a respeito da realidade humana. Num dos seus
escritos, o cronista se refere ao sino de ouro de uma pequenina cidade do
interior de Goiás. O texto é mais ou menos assim (cito de memória):
“Contaram-me que no fundo do sertão de Goiás, num povoado de poucas
almas, as casas são pobres, os homens pobres, e muitos são doentes e
indolentes. Mesmo a igreja de lá é pequena. Mas me contaram que ali tem uma
coisa bela e espantosa, um grande sino de ouro.
É apenas um sino, mas é de ouro. De tarde, seu som vai voando em ondas
mansas sobre as matas, os serrados, as veredas de buritis e a melancolia do
chapadão, chegando ao distante e deserto carrascal, e avança em ondas mansas
sobre os campos imensos. O som do sino de ouro dá a cada um daqueles homens
pobres a sua ração de alegria. Eles sabem que de todos os ruídos, e de todos os
sons que fogem do mundo em procura de Deus — gemidos, gritos, blasfêmias,
batuques, murmúrios temerosos e agônicos das grandes cidades — Deus, com
especial delicia e alegria, ouve o som do sino de ouro perdido no fundo do
sertão. Então é como se cada homem, o mais pobre, o mais doente, o mais
humilde, o mais mesquinho e triste tivesse dentro da alma um pequeno sino de
ouro”. Não importa qual seja a nossa condição, nós temos algo dentro de
nós que vale muito mais que um sino de ouro, ecoando em todos os momentos de
aparente injustiça da vida, em todos os momentos de charco e lamaçal, em todos
os momentos dolorosos e absurdos da existência. Temos dentro de nós muito mais
do que o som do sino de ouro que louva a Deus. Temos dentro de nós o Espírito
do próprio Deus que é louvado pelo sino de ouro...
Bispo. Capelão/Juiz. Mestre e Doutor em Ciência da Religião Dr. Edson
Cavalcante
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