“Sabem dizer qual foi o pecado que derrubou Lúcifer?” – soluçou o pregador.
I
Era uma boa pregação, apesar de tópica. Quando escuto pregações como aquela me convenço, por sessenta minutos, que a culpa do fracasso do sermão em nosso tempo não é do modelo tópico, mas dos preguiçosos. Era uma boa pregação, enxuta, bíblica e sóbria.
“Sabem dizer qual foi o pecado que derrubou Lúcifer? O seu pecado foi a inveja. Ele sabia que estava em uma posição inferior a de Deus e desejou tomar-lhe o lugar. A inveja, meus irmãos, é algo com o poder de destruir as nossas vidas”.
Ouvindo e apreciando a pregação deparo-me com uma pergunta repentina: - Onde a Bíblia diz isso? Não falo só da identificação do pecado que derrubou Lúcifer, mas da própria queda de Lúcifer. Onde a Bíblia ensina isso?
Escrevi uma vez, provavelmente no Orkut, que a Bíblia jamais fala da Queda de Lúcifer. Alguns dizem que estou enganado. Eu via Satanás, como um raio, cair do céu – disse Jesus. Sempre que alguém me recorda desta passagem faço questão de apontar que Jesus não diz nada sobre a Queda de Lúcifer, diz apenas ter visto Satanás caindo do céu como um raio.
Os mais íntimos sabem que não abro mão da versão Corrigida Fiel. Considero-a fantástica e insubstituível, apesar de não considerar as outras versões pecaminosas, como suspeitam alguns amigos. Bem, na minha Corrigida Fiel se lê sobre Jesus ter dito “Eu via Satanás... caindo”. Este detalhe é importante porque alguns pretendem fazer Jesus dizer: “Eu vi Satanás... caindo”. Um erro, pois o tempo imperfeito, no original, implica na numa leitura como: “Eu estava contemplando Satanás caindo como um raio”. Dentro do contexto da passagem, portanto, o que Jesus quer dizer é: “Os demônios se sujeitaram perante vocês? Que boa notícia essa! Porém, isso não é novidade para mim, meus filhos. Eu os seguia em vossa missão; eu contemplei todos os desafios e triunfos seus, e em cada passo eu via Satanás, como um raio, caindo do céu, sendo humilhando, destronado!”.
Sim, neste texto Jesus fala sobre Satanás caindo do céu, humilhado, mas, nada diz sobre a Queda de Lúcifer.
Outro cidadão do Reino pouco compreendido é Miguel, o arcanjo, verdadeiramente injustiçado. No imaginário popular evangélico, Miguel foi o responsável por derrubar Lúcifer do céu, o que logrou “clamando o nome de Jesus”, se faz questão de ressaltar esse ponto. Entendo tal preocupação, afinal de contas, tendo sido a inveja ou a soberba a causa da Queda de Lúcifer, nada melhor que revestir o seu algoz de uma boa dose de humildade. Tudo se encaixa maravilhosamente e, no entanto, me pego novamente com a mesma questão: - Onde a Bíblia ensina isso?
II
Estamos agora no capítulo 12 do Livro da Revelação. O texto é utilizado não só para se (tentar) reconstruir a cena da Queda de Lúcifer, como também, para explicar a origem dos demais espíritos malignos, os demônios - quando o texto diz que a cauda do Dragão derrubou terça parte das estrelas do céu sobre a Terra, muitos pensam ter encontrado a descrição da origem dos demônios, evidentemente, identificados por eles com as “estrelas”.
Mas texto acima não serve para nenhuma das duas coisas. Do capítulo 12 ao 15 encontramos uma descrição pormenorizada da perseguição que se descortina contra os eleitos de Deus, crentes em Jesus, orquestrada pela Besta, aqui chamada de Dragão. Tal perseguição é anteriormente citada, em forma de sumário, em 11.7-19. Agora, João, passa a dar detalhes sobre a perseguição e detalhes do juízo contra a Besta, contra os infiéis, o falso profeta, o hades, etc., etc.
O Capítulo 12 nos apresenta o espírito anticristão do Império Romano. Na cena que nos interessa aqui, vemos o surgimento do Dragão Vermelho, que a Vulgata prefere ‘de fogo’, num levante feroz contra a mulher, vestida de sol, a qual é o povo eleito, o Israel de Deus. A descrição do Dragão nos fala de “dez cabeças” e também “dez chifres”, os quais, nada mais são, que a linguagem apocalíptica usada por Daniel, no capítulo 7 de sua profecia. Acompanhando o desdobrar das profecias de Daniel facilmente identificamos o significado: um reino. São humanos, ímpios, dominados pelo espírito anticristão, oculto, invisível, nas regiões celestiais. É o Reino do Dragão esforçando-se, por todos os meios, para impedir o florescer do Reino do Cristo. Na profecia de Daniel, em seu ultimo estágio, O Reino do Dragão se divide em dez partes, dedos, indicando um grande domínio, universal, mas dividido. Na visão de João se vê simbolismo semelhante, os dez chifres. Facilmente identificamos o Império Romano dividido em suas dez províncias. João ainda viu possuía sete cabeças. Novamente temos uma clara referencia ao Império, estando sua capital, cabeça, edificada sobre as Sete Colinas.
A figura do Dragão seria facilmente identificada pelos cristãos perseguidos por Roma, uma vez ser este um dos mais fortes e freqüentes símbolos do Império, apesar de menor que a águia. O que explica muitos escritores se referirem ao Império Romano como o Dragão Vermelho, ou seja, justamente pelo grande simbolismo militar que o mito exercia na época; podendo ser utilizado pelas legiões nas cores vermelha ou roxa. João usa a figura do Dragão da mesma forma que Daniel, no capítulo 8, usa a figura do Bode ao referir-se ao Império Grego, onde o Bode era símbolo militar da monarquia grega, como nos informa Adam Clark, em seu clássico comentário bíblico. Muitos leitores não se dão conta destes detalhes por se esquecerem que estão lendo literatura apocalíptica, simbólica, não uma receita de bolo.
Nas palavras do pastor P. Prigent, Universidade de Estrasburgo, o Apocalipse trata-se, “antes de tudo, de revelação, da verdadeira natureza do império... o autor do Apocalipse afirma, com grande energia, que o Império está a serviço de Satã, comprovado pela idolatria que embasa todo o sistema... Os cristãos devem, pois, saber que caminham para dias difíceis. Os mártires serão multiplicados. Satã, vencido por Cristo, declara guerra à Igreja” (Os Escritos de S. João; Paulinas).
Mas, e quando a guerra entre Miguel e o Dragão? Acho interessante alguém pretender que esta guerra tenha se dado em algum ponto primitivo da história, como antes da Queda de Adão, sendo que Daniel nos diz que a mesma ser daria depois do nascimento de Jesus: Daniel 12.1. Portanto, seja lá onde ou como foi, literalmente, a guerra entre os dois, não é possível que a mesma nos fale da Queda de Lúcifer.
“E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. O texto como vimos, é literatura apocalíptica, por conseguinte, simbólica, e deve ser interpretada como tal. Os próprios que pretendem interpretar “diabo” literalmente, são os primeiros a dizerem que o “diabo” não possui sete cabeças, dez chifres e um rabo! Como não? Ora, justificam, o texto é simbólico! O que, aliás, prova, mais uma vez, que é fantasiosa e incoerente a idéia de que a Bíblia deva ser interpretada exclusivamente de modo literal.
O importante é compreender o símbolo. São João usa três expressões ao referir-se ao Dragão; ele o chama de “a antiga serpente”, “o diabo”, e “Satanás”. Duas destas expressões são hebraicas. Antiga Serpente leva os cristãos judeus a se lembrarem de Geneis 3, e o termo “Satanás” identifica o Dragão como sendo o “adversário”. O termo grego, diabo, significa “o acusador”. Esta dupla referencia, em hebraico e em grego, quanto a natureza do Dragão, mostra aos cristãos perseguidos o real interesse maléfico por trás de toda aquela perseguição. Quando o Império lhes persegue, estão sendo perseguidos pelo mesmo poder que tentou destruir Adão. E quando a fé vence a perseguição, não apenas o Império, mas o poder por trás dele também é vencido.
Em um rápido sumário, poderíamos tentar dar alguma seqüência ao quadro: o Dragão é vencido nas regiões celestiais, tendo fracassado em impedir a obra Vicária do filho, o qual foi conduzido em segurança aos céus (12.1-6); a mulher fica escondida, livre de perseguição por um tempo, sendo preparada para o que virá (12.6); então a fúria do Dragão se vira completamente contra a mulher, havia chegado o tempo da perseguição (12.7-17). O povo eleito é perseguido, e seu único escape é o Senhor.
Reparem, no entanto, que o texto não apresenta uma cronologia exata. Temos em mãos um texto simbólico, apocalíptico, e não uma descrição histórica. Por exemplo, no verso 10, ao falar da derrota de Satanás, João aponta como conseqüência o fato dele não mais poder acusar os cristãos: “Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite”. Ora, isso se deu na cruz do Calvário e na ressurreição que já foi relatado anteriormente, no verso 5. De modo que qualquer tentativa de aplicar isso a uma Queda de Lúcifer, em tempos da história primitiva, ou de encontrar nela uma cronologia exata de eventos, no passado ou futuro, reduzirá o texto a um emaranhado de afirmações sem pé nem cabeça.
III
A interpretação literalista das Escrituras se revela um fiasco. Apesar de não ser tal análise o alvo principal deste artigo é impossível, como podem ver, não comentar o fato. E as provas se acumulam a media que avançamos nossa pesquisa. Nossos próximos textos estão no Antigo Testamento, Ezequiel 28.11-19 e Isaías 14.1-20.
Estes textos são apresentados como provas cabais das origens de Lúcifer. Lembram-se do pregador a quem me referi na introdução? Pois bem, ele tinha em mente estas passagens quando perguntou: “Sabem dizer qual foi o pecado que derrubou Lúcifer?”. Resta-nos saber se as mesmas têm a intenção de nos ensinar algo a respeito deste assunto. Vale lembrar, principalmente aos que, porventura, já estejam tentados a me jogar no quartinho dos hereges, que mesmo dogmáticos convictos, como os editores da Bíblia de Estudo Pentecostal, da CPAD, admitem apenas uma “possibilidade” de que estes textos refiram-se a Queda de Lúcifer. Leiam os comentários de rodapé em cada passagem e confiram.
Essa “possibilidade” alegada pela Bíblia de Estudo Pentecostal já nos fornece uma primeira pista: o texto, tomado em seu sentido imediato, não diz nada sobre a Queda de Lúcifer. No entanto, confiram no rodapé da BEP, alguns consideram que diversos elementos encontrados no texto não parecem possíveis a um homem, de carne e osso, como você e eu; daí surge a tese de que, “possivelmente”, o texto se refira também, em algum sentido, a algo maior que um homem. Portanto, já temos um ponto de partida muito valioso.
IV
Começaremos pela profecia de Isaías.
Grandes teólogos têm sustentado que Isaías, no texto supra indicado, refira-se as origens de Lúcifer. É o caso de A. Hode, um dos meus teólogos sistemáticos preferidos. Na página 203 do quarto volume de sua Sistemática, ele pergunta: “What are the names by which Satan is distinguishe...?”. Dentre suas respostas ele cita o ‘nome’ Lúcifer e o texto de Isaías 14.12. Vejamos o que diz o texto:
“Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E, contudo, levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo!” – Isaías 14.12-15.
Não é preciso muito esforço para descobrir como estas palavras se encaixam na tese que estamos analisando. O texto, que na verdade não fala de anjo nenhum, mas apenas de um Rei, ímpio e cruel (leia: vv. 4-7), transforma-se numa descrição da Queda de Lúcifer por causa dos seguintes detalhes:
- Algumas traduções, seguindo a Vulgata, tradução oficial dos católicos romanos, traduzem “estrela da manhã” como Lúcifer. E, como Lúcifer, significa na mente popular a pessoa do Encardido-Mor, a confusão já começa a se instalar.
- Além disso, muitos imaginam que expressões como “subirei ao céu”, “acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono”, “subirei sobre as alturas”, “serei semelhante ao Altíssimo”, não podem ter sido ditas por um homem, mas, apenas por um ser muito poderoso.
O termo que a Vulgata, e diversas traduções, como a KJV, vertem como Lúcifer é tradução do hebraico hêylêl (הילל ), palavra que, impressionantemente, aparece uma única vez nas Escrituras, aqui em Isaías 14.12, evidentemente. Segundo os Léxicos o termo significa “luz da alva”; “luz da manhã”; “luzeiro da manhã”; “estrela da manhã”; “estrela d’alva”. Portanto, a princípio, o termo não é um nome próprio, mas uma expressão simbólica, figurativa.
“Luz da Manhã” tornou-se “Lúcifer, devido a Vulgata Latina, a tradução oficial do papado. Acontece que em latim, idioma da Vulgata, a expressão”luz da manhã” é traduzida com uma única palavra: lúcifer. Diferentemente do que se imagina hoje, originalmente, no sentido léxico, “lúcifer” não significa “Capeta”! Significa o que? Apenas “brilhante”, um “luzeiro”.
Num segundo momento, depois de a Vulgata ter transformado “Luz da Manhã” em “Lúcifer” (luzeiro), a dogmática católica transformou o Luzeiro em nome próprio do famoso Aquele-Cujo-Nome-Não-Se-Pronuncia, segundo os vodus, o Coisa Ruim, para nós brasileiros. O importante aqui é perceber que o termo “lúcifer” só se transforma em nome próprio, quando algum leitor o interpreta como tal.
As expressões que supostamente não poderiam se referir a um mortal, o Rei da Babilônia, constitui para muitos prova de que o texto se refira a Queda de Lúcifer. São expressões como “subirei ao céu”, “acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono”, “subirei sobre as alturas”, “serei semelhante ao Altíssimo”. Honestamente, a objeção é sofrível. Imagine alguém tendo dito: “Vou comer até explodir”, “Estou morrendo de paixão”, “Ela me faz andar nas nuvens”; etc. Tais expressões podem ser interpretadas literalmente? Pouco provável, ficando com o contexto a tarefa de responder a questão.
O contexto da profecia de Isaías não nos diz nada sobre uma Queda de Lúcifer. A profecia é enviada contra o Rei da Babilônia que havia capturado a nação de Israel, e que também dominava boa parte do mundo de então. Deus, assegurando a libertação futura, ordena que Isaías profira uma sentença contra o tirano: “Então proferirás este provérbio contra o rei de Babilônia, e dirás: Como já cessou o opressor, como já cessou a cidade dourada! Já quebrantou o SENHOR o bastão dos ímpios e o cetro dos dominadores. Aquele que feria aos povos com furor, com golpes incessantes, e que com ira dominava sobre as nações agora é perseguido, sem que alguém o possa impedir” (4-6). Como resultado a terra terá paz, disse o Senhor: “Já descansa, já está sossegada toda a terra; rompem cantando” (v. 7).
Celebrando a vitória predita a linguagem do texto muda para um tom simbolico, de modo um tanto que gradativo.
“Até as faias se alegram sobre ti, e os cedros do Líbano, dizendo: Desde que tu caíste ninguém sobe contra nós para nos cortar” – v. 8.
Temos aqui uma prosopopéia, um recurso inúmeras vezes utilizado nas Escrituras, no qual somos apresentados a seres inanimados que falam, dançam, se alegram... Trata-se, aqui, de recurso retórico com a clara intenção de engrandecer o fato descrito anteriormente. Observe que a destruição do Rei já foi predita até o verso 7, agora, em linguagem prosaica, o profeta passa a descrever as conseqüências de sua ruína.
“O inferno desde o profundo se turbou por ti, para te sair ao encontro na tua vinda; despertou por ti os mortos, e todos os chefes da terra, e fez levantar dos seus tronos a todos os reis das nações. Estes todos responderão, e te dirão: Tu também adoeceste como nós, e foste semelhante a nós. Já foi derrubada na sepultura a tua soberba com o som das tuas violas; os vermes debaixo de ti se estenderão, e os bichos te cobrirão” – vv. 9-11.
O inferno aqui é simplesmente SHEOL, que infelizmente a Corrigida Fiel quis traduzir ao invés de simplesmente transliterar. Felizmente, diversas novas traduções têm corrigido este erro. Literalmente o Sheol é a sepultura, e em figura, uma referencia ao próprio estado da morte. O mais importante aqui é constatar que Sheol não é o “inferno”, pelo menos, não se entendido como ‘lago de fogo’, aonde vão apenas os maus, ou coisa do tipo. Sheol, segundo o Antigo Testamento, é para onde vão todas as pessoas, boas ou más: Gen. 37:35, Gen. 42:38, Gen. 44:29, Gen. 44:31, I Reis. 2:6; Salmos 6.5.
No Sheol, todos aguardam o dia da Ressurreição Final, ocasião na qual os justos serão remidos pelo Senhor:
“Eu os remirei da mão do inferno (SHEOL), e os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno (SHEOL) , a tua perdição? O arrependimento está escondido de meus olhos” - Oséias 13.14.
Paulo, intérprete autorizado e infalível, se vale da profecia de Oséias para nos ensinar acerca da ressurreição dos justos:
“Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno(HADES; = sheol, hb.), a tua vitória? Ora, o aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor.” – I Coríntios 15.52-28.
Certeza da ressurreição já antevista pelo próprio Cristo: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno (HADES) não prevalecerão contra ela!” – Mateus 16.18.
Por isso, ao invés de entendermos “inferno” na profecia de Isaías como algum lugar ‘metafísico’, é mais prudente compreender simplesmente como a morte, a sepultura. Pretender algo além disso é abusar do próprio texto que fala ao Rei que no Sheol teria o seu corpo consumido pelos vermes: “Já foi derrubada na sepultura (SHEOL) a tua soberba com o som das tuas violas; os vermes debaixo de ti se estenderão, e os bichos te cobrirão”.
E os reis, já mortos, conversando com o morto recém chegado? Estes, de modo algum provam que os mortos falem, da mesma forma que o verso 8 não serve como prova de que os Líbanos, arvores do campo, sejam poetas. Nestes versos Isaías nos apresenta árvores e mortos, já decompostos a muito, comemorando a ruína do tirano. Simplesmente, uma poderosa e eloqüente figura de linguagem.
“Como caíste desde o céu, ó estrela da manhã, filha da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte. Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo. E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo!” – vv. 12-15.
Ironia. Leia novamente estes versículos e sinta a ironia na voz do profeta! Como ajuda lembre-se de que os imperadores apresentavam-se diante do povo, e perante outras nações, como verdadeiros deuses. O Culto ao Imperador era uma realidade muito constante na vida daquela gente. Na verdade, mesmo nos dias da Igreja Primitiva, houve perseguição contra os cristãos que não se sujeitaram ao Culto Imperial. O Rei é Deus! Ele é o Grande Soberano da Terra e do Céu, o Déspota por natureza e direito. Quando o Rei escraviza o povo israelita, ele se diz vencendo Jeová, o Deus de Abraão, o Deus derrotado!
Pare um minuto e escute o coração humilhado do povo:
“Junto dos rios de Babilônia, ali nos assentamos e choramos, quando nos lembramos de Sião. Sobre os salgueiros que há no meio dela, penduramos as nossas harpas. Pois lá aqueles que nos levaram cativos nos pediam uma canção; e os que nos destruíram, que os alegrássemos, dizendo: Cantai-nos uma das canções de Sião. Como cantaremos a canção do SENHOR em terra estranha?” – Salmos 137.1-4.
Um povo, o de Abraão, humilhado, vencido e exilado; servindo como diversão aos seus algozes. Um Império poderoso, vencedor, imbatível; com um Rei que acha ter derrotado o Deus dos deuses. Mas, então, a ironia. Aquele que pensa ser maior que o próprio Deus, será abatido às profundezas de um túmulo.
E a ironia continua, nos versículos subseqüentes, quando o profeta antevê a reação de deboche dos povos que, antes, temiam o grande imperador: “Os que te virem te contemplarão, considerar-te-ão, e dirão: É este o homem que fazia estremecer a terra e que fazia tremer os reinos? Que punha o mundo como o deserto, e assolava as suas cidades? Que não abria a casa de seus cativos? Todos os reis das nações, todos eles, jazem com honra, cada um na sua morada. Porém tu és lançado da tua sepultura, como um renovo abominável, como as vestes dos que foram mortos atravessados à espada, como os que descem ao covil de pedras, como um cadáver pisado. Com eles não te reunirás na sepultura; porque destruíste a tua terra e mataste o teu povo; a descendência dos malignos não será jamais nomeada” – vv. 16-20.
Em que lugar o texto de Isaías nos fala sobre Satanás, ou sobre a Queda de Lúcifer? Em lugar algum.
V
Nossa próxima parada é Ezequiel 28.11-19. Primeiro, o texto:
“Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Filho do homem, levanta uma lamentação sobre o rei de Tiro, e dize-lhe: Assim diz o Senhor DEUS: Tu eras o selo da medida, cheio de sabedoria e perfeito em formosura. Estiveste no Éden, jardim de Deus; de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônia, topázio, diamante, turquesa, ónix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados. Tu eras o querubim, ungido para cobrir, e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniqüidade em ti. Na multiplicação do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus, e te fiz perecer, ó querubim cobridor, do meio das pedras afogueadas. Elevou-se o teu coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; por terra te lancei, diante dos reis te pus, para que olhem para ti. Pela multidão das tuas iniqüidades, pela injustiça do teu comércio profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo, que te consumiu e te tornei em cinza sobre a terra, aos olhos de todos os que te vêem. Todos os que te conhecem entre os povos estão espantados de ti; em grande espanto te tornaste, e nunca mais subsistirá”.
Como podem ver este texto é muito mais rico em figuras do que o de Isaías 14. Tamanha expressividade incentiva alguns a dizerem que o mesmo não pode estar se referindo apenas ao Rei de Tiro, apesar de esta ser a única intenção apontada no próprio texto: “Filho do homem, levanta uma lamentação contra o Rei de Tiro!” (v. 12).
O dispensacionalista Lawrence Olson teoria que “um estudo minucioso desta passagem revela que o ‘rei de Tiro’ mencionado aqui não pode ser um mero homem mortal, mas sim um ser angelical descrito como possuindo ‘a perfeição da sabedoria e da formosura’... A descrição do versículo 14 indica que Satanás ocupava um lugar de destacada honra e que tinha acesso à glória divina!” (O Plano Divino Através do Séculos; CPAD).
Tal interpretação ignora e violenta todo o contexto da passagem, além de chamar o profeta de mentiroso. Isso mesmo. Toma-se o profeta por mentiroso, uma vez ter ele dirigido sua profecia a um Rei, humano, de carne e osso. Deus ordena ao profeta: “Filho do homem, levanta uma lamentação contra o Rei de Tiro, e dize-lhe:... tú eras o selo da medida; etc, etc.”. A quem Ezequiel proferiu estas ameaças? Contra um homem, o rei de Tiro! Mas, se o profeta fala, na verdade, de Satanás, ele mentiu ao rei, e se tornou num arauto não compreendido pelo mesmo. Imagine a reação do Rei: “Eden? Pedras de Fogo? Nunca estive lá! Internem esse homem!”.Retiremos da passagem sua intenção de ser simbólica e termos apenas uma teoria criativa, mas absurda, criada por algum interprete atual, sem qualquer ligação natural com o texto e o contexto.
O que levou Ezequiel a se referir ao Rei com tamanha riqueza de imagens? Observe, primeiro, como fizemos no texto de Isaías, a mentalidade de vencedor imbatível que havia no coração do Rei de Tiro. Depois de ler o que o próprio texto diz sobre o coração deste Rei, nunca mais o leitor se deixará levar por interpretações ficcionais:
“E veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: Assim diz o Senhor DEUS: Porquanto o teu coração se elevou e disseste: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares; e não passas de homem, e não és Deus, ainda que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus!” – vv. 1-2.
“Eis que tu és mais sábio que Daniel; e não há segredo algum que se possa esconder de ti. Pela tua sabedoria e pelo teu entendimento alcançaste para ti riquezas, e adquiriste ouro e prata nos teus tesouros. Pela extensão da tua sabedoria no teu comércio aumentaste as tuas riquezas; e eleva-se o teu coração por causa das tuas riquezas” – vv. 3-5.
“Portanto, assim diz o Senhor DEUS: Porquanto estimas o teu coração, como se fora o coração de Deus, por isso eis que eu trarei sobre ti estrangeiros, os mais terríveis dentre as nações, os quais desembainharão as suas espadas contra a formosura da tua sabedoria, e mancharão o teu resplendor. Eles te farão descer à cova e morrerás da morte dos traspassados no meio dos mares” – vv. 6-8.
“Acaso dirás ainda diante daquele que te matar: Eu sou Deus? mas tu és homem, e não Deus, na mão do que te traspassa. Da morte dos incircuncisos morrerás, por mão de estrangeiros, porque eu o falei, diz o Senhor DEUS” – vv. 9-10.
Depois de proferir sua sentença contra o Rei, o profeta passa, a partir do verso 11, a descrever sua saga numa linguagem simbólica, figurada, contudo, é a mesma saga, e não a saga de um outro ser! O leitor atento, leitor mesmo, daqueles que vão ao texto, rapidamente percebe que esse é o estilo de Ezequiel. Um outro exemplo:
“E sucedeu, no ano undécimo, no terceiro mês, ao primeiro do mês, que veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo: Filho do homem, dize a Faraó, rei do Egito, e à sua multidão: A quem és semelhante na tua grandeza? Eis que a Assíria era um cedro no Líbano, de ramos formosos, de sombrosa ramagem e de alta estatura, e a sua copa estava entre os ramos espessos... Os cedros, no jardim de Deus, não o podiam obscurecer; as faias não igualavam os seus ramos, e os castanheiros não eram como os seus renovos; nenhuma árvore no jardim de Deus se assemelhou a ele na sua formosura... Portanto assim diz o Senhor DEUS: Porquanto te elevaste na tua estatura, e se levantou a sua copa no meio dos espessos ramos, e o seu coração se exalçou na sua altura, Eu o entregarei na mão do mais poderoso dos gentios...” (Ezequiel 31).
Onde está a narração da Queda de Lúcifer em qualquer destas figuras? Novamente, em lugar algum.
FINALIZANDO
Satanás existe e a maioria dos leitores não precisa de referencias bíblicas que comprovem este fato. A questão abordada neste artigo é diferente. Não se procurou questionar a realidade, mas sim, a origem de Satanás. Ou melhor, abordamos aquela que é a mais comum e popular teoria sobre as origens de Satanás, e dos espíritos malignos.
A Bíblia não nos dá nenhuma pista sobre como surgiram estes seres. Estando errado nesta conclusão, gostaria de conhecer a resposta à pergunta: “Sabem dizer qual foi o pecado que derrubou Lúcifer?”; e suas correlatas. Todas as respostas que eu conheço estão baseadas numa exegese parcial, equivocada e ficcional.
Deus criou Satanás e os demônios exatamente como são, ou eles foram criados de uma forma e se corromperam depois? A Bíblia na diz. Eu prefiro a primeira opção, já que a segunda, como aceita hoje, fundamenta-se sob falsas premissas. De qualquer modo, as duas possuem a mesma comprovação bíblica: nenhuma.
Seja como for, o mais importante é saber que seja lá qual for a verdadeira origem de Satanás e dos demônios, este fato jamais esteve fora dos planos de Deus, nem lhe foi uma surpresa ou impedimento;“Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!” (Romanos 11.32).
“Sabem dizer qual foi o pecado que derrubou Lúcifer?” – soluçou o preg... Quer saber? Até nosso próximo encontro, se Deus nos permitir.
Fiquem com Deus...
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE
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