"Todos  os que estavam na sinagoga ficaram furiosos quando ouviram isso.  Levantaram-se, expulsaram-no da cidade e o levaram até o topo da colina  sobre a qual fora construída a cidade, a fim de atirá-lo precipício  abaixo. Mas Jesus passou por entre eles e retirou-se" (Lc 4.28-30).
Jesus  passou vários anos morando na casa do pai em Nazaré. Deve ter sido bem  conhecido: a excelência do seu caráter e conduta devem ter atraído  atenção. No devido tempo, partiu de Nazaré, foi batizado por João  Batista no rio Jordão, e começou imediatamente a obra de pregar e operar  milagres. Os habitantes de Nazaré, por certo, comentavam entre si: "Ele  não deixará de vir para casa e visitar os pais; quando ele vier, todos  ouviremos o que o filho do carpinteiro tem a dizer". Sempre há interesse  em escutar um dos jovens da aldeia quando este se torna pregador, e  esse interesse foi aumentado pela esperança de ver maravilhas, do tipo  realizado em Cafarnaum. Foi despertada a curiosidade, todos esperavam e  confiavam que Jesus tornasse Nazaré famosa entre as cidades das tribos;  talvez ele se estabelecesse ali, e atraísse multidões de fregueses às  lojas locais, ao tornar-se o grande Médico de Nazaré, o grande Operador  de milagres da região. No tempo devido, segundo seus próprios planos, o  Profeta famoso veio até sua cidade, e, ao se aproximar o dia do sábado, o  interesse se tornou muito intenso, e as pessoas comentavam: "O que  vocês acham? Ele estará na sinagoga amanhã? Se ele comparecer, deverá  ser induzido a falar, de alguma maneira". O chefe da sinagoga, que  partilhava da opinião popular, quando viu que Jesus estava presente, e  chegando ao momento adequado na cerimônia, pegou o rolo do profeta, e o  passou a ele, a fim de que lesse em voz alta uma passagem, e o  comentasse da sua maneira. Todos os olhos estavam abertos; não havia  ouvinte sonolento na sinagoga naquela manhã, quando ele pegou o rolo,  abriu-o como quem estava bem acostumado com o livro, e escolheu uma  passagem muito pertinente e aplicável a si mesmo; leu-a em voz alta, em  pé, como posição de respeito à Palavra; e depois, tendo fechado o rolo,  assentou-se, não por nada ter a dizer, mas porque era comum naqueles  tempos que o pregador ficasse sentado e os ouvintes em pé, método muito  preferido ao atual, em alguns aspectos, principalmente quando o pregador  é manco, ou os ouvintes sonolentos. A passagem que Jesus leu diante  deles era, como mencionei, muito adequada e aplicável a si mesmo; mas a  questão mais notável não era tanto a parte lida, mas a parte que deixou  de ler; pois a pausa foi feita quase no meio de uma frase: "Proclamar o  ano da graça do Senhor" (Is 61.2a), disse ele, e parou ali. A passagem  fica incompleta sem as seguintes palavras: "e o dia da vingança do nosso  Deus" (Is 61.2b). Com sua sabedoria, nosso Senhor parou de ler antes de  chegar àquelas palavras, e provavelmente desejasse que o primeiro  sermão a pregar fosse manso e suave, e não contivesse uma única ameaça. O  desejo do seu coração e sua oração por eles era que fossem salvos, e em  vez do dia da vingança, fosse o ano da graça do Senhor.
Assim,  fechou o livro, sentou-se, e começou a expor a própria comissão. Disse  quem eram os cegos, os cativos, os doentes e feridos e oprimidos, e de  qual maneira a graça de Deus provera liberdade, cura e salvação; todos  ficaram admirados; nunca tinham ouvido ninguém falar com tanta fluência e  contundência, com tanta singeleza, mas também com tanta nobreza. Todos  os olhos se fixaram nele, e ficaram admirados com o estilo de quem  falava, e com a matéria acrescentada. Não demorou em um burburinho  passar pela sinagoga, pois cada um dizia ao vizinho de assento: " 'De  onde lhe vêm estas coisas?', perguntavam eles... 'Não é este o  carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, José, Judas e Simão? Não  estão aqui conosco as suas irmãs?' " (Mc 6.2,3). Ficaram atônitos, e  invejosos, também. Foi então, que o pregador, considerando que não era  objeto do seu ministério deixar as pessoas atônitas, mas  impressionar-lhes o coração, mudou de assunto, e obteve um tremendo  impacto sobre a consciência deles; isso porque, se os homens concedem ao  ministro sua admiração, realmente não lhe entregam nada.
Desejamos  que vocês fiquem convictos e sejam convertidos e, faltando isso, o  fracasso é nosso. Jesus deixou de lado um assunto de interesse tão  ardente, tão frutífero com toda bênção, a ver que para eles, não valia  mais que pérolas lançadas aos porcos, e falou para eles de modo pessoal,  deliberado, um pouco mordaz, segundo pensavam: "É claro que vocês me  citarão este provérbio: 'Médico, cura-te a ti mesmo! Faze aqui em tua  terra o que ouvimos que fizeste em Cafarnaum' " (Lc 4.23), e então lhes  disse claramente não reconhecer as reivindicações deles, embora tivesse  sido criado naquele distrito, e convivido com seus habitantes; nem por  isso tinha qualquer obrigação de demonstrar seu poder para agradar à  vontade deles; e citou um caso aplicável: demonstrou que Elias (quando  Deus, "pai dos órfãos e protetor das viúvas", queria abençoar uma viúva)  não foi enviado para abençoar uma viúva de Israel, mas uma gentia,  cananéia, dentre os cananeus malditos: "Elias não foi enviado a nenhuma  delas [de Israel], senão a uma viúva de Sarepta, na região de Sidom" (Lc  4.26). Depois, Jesus mencionou, ainda, que Eliseu, servo de Elias,  quando tinha uma cura a dar aos leprosos, não foi aos leprosos  israelitas, sequer aos leprosos que trouxeram as boas notícias de que a  hoste síria fugira, mas curou um estrangeiro proveniente de um país  distante: Naamã. Foi assim que o Salvador expôs a doutrina da graça  soberana; desse modo se declarou livre para fazer o que quisesse com o  que lhe pertencia; e isso, junto com outras circunstâncias referentes  àquele sermão, despertou tanto a ira da congregação inteira, que os  olhos que tinham contemplado Jesus com admiração no início, passaram a  ser ferozes como os dos animais selvagens, e as línguas prontas para  aclamá-lo, começaram a urrar com indignação.
Puseram-se  em pé imediatamente para matar o pregador, e a curiosidade de ontem  tornou-se a indignação de hoje; e ao passo que, poucas horas antes,  teriam acolhido com boas-vindas o profeta à sua região, agora  considerariam "Crucifique-o! crucifique-o!", bom demais para ele.  Arrastaram-no para fora da sinagoga, desfazendo o próprio culto,  esquecidos da santidade do dia que sempre tinham respeitado de modo tão  notável, e o arrancaram para lançá-lo (assim como malfeitores às vezes  eram jogados de rochedos altos, precipício para baixo) do topo da colina  sobre a qual fora construída a cidade. Jesus passou por entre eles e  retirou-se; mas que término singular a semelhante começo! Ora, vocês e  eu teríamos dito: Que campo frutífero temos aqui! O melhor dos  pregadores, e um dos auditórios mais desejáveis--um povo atento, de  ouvidos abertos, quase todas bocas abertas, tão maravilhados com ele,  com seu modo de falar, e com o que ele tem para dizer! Aqui haverá  numerosas conversões. Nazaré será a fortaleza do cristianismo, a própria  metrópole da nova religião. Mas nada disso! Tamanha é a perversidade da  natureza humana, que onde esperamos muito, obtemos pouco, e o campo que  deveria produzir trigo com cem grãos por grão semeado, nada produz  senão abrolhos e cardos.
Meu  desígnio, como Deus me ajudar, é fazer uma aplicação dessa narrativa ao  coração e à consciência de algumas pessoas, que lidam com o Salvador de  maneira bem semelhante à que os homens fizeram com ele nos dias da sua  vida na terra. Consideraremos, em primeiro lugar: quem eram esses que  rejeitam a Cristo; em segundo lugar: por que essa rejeição; e, em  terceiro lugar: o que veio dessa rejeição.
I.  Em primeiro lugar, quem eram esses rejeitores de cristo? Postulo essa  pergunta, por estar convicto de que, no presente momento, há exemplares e  representantes dessas pessoas.
Eram,  caros amigos, em primeiro lugar, pessoas com o mais estreito  relacionamento com o Salvador. Habitavam a cidade onde morava.  Normalmente, esperaríamos que seus concidadãos lhe demonstrassem mais  bondade. Ele veio para os seus, e embora os seus não o acolhessem, era  assunto da máxima estranheza não lhe darem as boas-vindas. Ora, há  pessoas hoje, que não são cristãos; não estão com Cristo e, como  conseqüência, são contra ele; mesmo assim, têm mais estreito  relacionamento com Cristo que quaisquer pessoas inconversas no mundo  inteiro, porque, desde a infância, freqüentam cultos religiosos,  participam dos cânticos, das orações e da adoração na casa de Deus; além  disso, estão plenamente persuadidos da autenticidade e divindade da  Palavra de Deus, e não duvidam que o Salvador foi enviado da parte de  Deus, que ele pode salvar, e é o Salvador estabelecido por Deus. Não  ficam perturbados com dúvidas, pensamentos céticos não os deixam  perplexos; são, na realidade, semelhantes a Agripa, quase persuadidos a  serem cristãos. Não são cristãos, mas têm o mais estreito relacionamento  com os cristãos que qualquer povo que habita na face da terra.  Esperaríamos, naturalmente, que fossem as melhores pessoas para  acolherem a pregação, mas não têm comprovado ser assim. Na minha  experiência, não são bons ouvintes, visto que algumas pessoas, têm menos  probabilidade de serem levadas à decisão do que os que estão longe.  Vocês sabem a quem me refiro, pois alguns de vocês que me olham frente a  frente, podem muito bem estar pensando: "Mestre, ao falares assim,  repreendas também a nós".
Essas  pessoas de Nazaré eram também quem mais sabiam a respeito de Cristo.  Conheciam bem a mãe de Jesus e os demais parentes. Conheciam sua  ascendência inteira. Podiam contar, de imediato, que José e Maria  provinham da tribo de Judá; é provável que pudesse explicar por que o  casal viera de Belém, e como tinham permanecido algum tempo no Egito. A  história inteira do menino maravilhoso lhes era bem conhecida. Ora, por  certo essas pessoas que não precisavam receber aulas quanto aos  rudimentos, nem necessitavam ser instruídas nos elementos da fé, deviam  ter sido uma congregação bem esperançosa para receber a pregação de  Jesus, mas isso não ocorreu. Há muita gente notavelmente semelhante  àquelas pessoas. Vocês conhecem a história inteira do Salvador desde a  sua infância. Mais do que isso: vocês entendem muito bem, em teoria, as  doutrinas do evangelho. Conseguem debater as verdades do evangelho, e se  deleitam em fazer assim, pois se interessam profundamente por elas.  Quando lêem as Escrituras, a Bíblia não lhes é um volume obscuro e  misterioso, que não conseguem compreender de modo algum, vocês são  capazes de ensinar aos outros os princípios fundamentais da verdade; no  entanto, apesar de tudo isso, é muito triste que vocês, sabendo tanto,  praticam tão pouco. Receio que alguns dentre vocês conhecem tão bem o  evangelho, que por essa mesma razão ele tem perdido boa parte do seu  poder, pois é tão bem conhecido como uma história contada três vezes. Se  vocês o estivessem ouvindo pela primeira vez, a própria novidade os  impressionaria, mas semelhante interesse vocês não conseguem sentir.  Dizia-se a respeito da pregação de Whitefield que uma razão do seu  grande sucesso era pregar o evangelho a pessoas que nunca o ouviram  antes. O evangelho era, para as grandes massas da Inglaterra nos dias de  Whitefield, uma novidade. O evangelho tinha sido extirpado da Igreja da  Inglaterra e dos púlpitos dos dissidentes, ou quando permanecia, ficava  com os poucos dentro da igreja, e era desconhecido das massas fora  dela.
O  evangelho singelo de "creia e viva", era tão grande novidade que,  quando Whitefield se colocava em pé nos campos para pregar a multidões  de dezenas de milhares, eles ouviam o evangelho como se fosse uma nova  revelação proveniente dos céus. Mas alguns de vocês ficaram endurecidos.  Seria impossível colocar o evangelho em um novo formato para seus  ouvidos. Os ângulos e cantos da verdade ficaram, para vocês, desgastados  e arredondados. Domingo após domingo, vocês chegam a igreja--são  freqüentadores desde longo tempo--acomodam-se nos assentos e acompanham o  culto, que para vocês se tornou mera rotina semelhante a levantarem da  cama de manhã e se vestirem. O Senhor sabe que temo a influência da  rotina sobre mim mesmo; receio que lidar com a alma de vocês venha a ser  mera formalidade comigo, e oro a Deus para que ele os livre, e a mim,  da influência mortífera da rotina religiosa. Seria melhor para alguns de  vocês mudar de local de culto, a dormir no local antigo. Escutem outro  pregador, se vocês já me escutam muito tempo, sem receberem uma bênção.  Em vez de ocupar os bancos da igreja e perecer na pregação da Palavra,  levados a dormir pelo evangelho cujo propósito é acordá-los, vão para  outro lugar, e deixem outra voz falar aos seus ouvidos, e que outro  pregador verifique o que Deus pode fazer por meio dele. Que o Espírito  de Deus os salve, e para mim a alegria será igual, quer vocês sejam  salvos pelo ministério de outra pessoa, ou com a minha pregação. A  questão, no entanto, é a seguinte: é realmente triste que homens com um  relacionamento tão estreito com o cristianismo, que sabem tanto a  respeito de Cristo, rejeitem, mesmo assim, ao Redentor.
Essas  pessoas, ainda, imaginavam possuir alegações sobre Cristo. Arrazoavam,  por certo: "Ele é um homem de Nazaré, e seu dever é ajudar a cidade".  Consideravam-se, por assim dizer, donos dele, podiam dirigir-lhes os  poderes segundo sua vontade. Nosso Salvador rejeitou a idéia, e não se  submeteu ao jugo deles. Às vezes cheguei a recear que vocês, filhos de  pais piedosos, ou donos de assentos na igreja, ou contribuintes para  vários objetivos religiosos, imaginem no coração que, se alguém devesse  ser alvo, teriam que ser vocês; no entanto, sua reivindicação não tem  fundamento. Queira Deus que vocês não fossem quase salvos, mas  totalmente salvos, cada um de vocês! Mas talvez o próprio fato de vocês  acharem ter direito à graça, seja a pedra de tropeço no seu caminho,  porque vocês pensam: "Por certo, Jesus Cristo lançará um olhar de favor  sobre nós, mesmo que outras pessoas pereçam!".
Digo-lhes  que Jesus fará o que ele quiser com o que lhe pertence, e cobradores de  impostos e meretrizes entrarão no céu antes de alguns de vocês, se  acharem que possam reivindicar a misericórdia como direito; isso porque a  misericórdia divina é a dádiva soberana de Deus, e ele deseja  informá-los de que é assim. Ele disse com voz de trovão: "Terei  misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de  quem eu quiser ter compaixão" (Êx 33.19; v. Rm 9.15). Se você  recalcitrar contra sua soberania, tropeçará em uma pedra contra a qual  será quebrado. Quem dera que vocês pudessem ter consciência de não  poderem reivindicar nada de Deus, e que se colocassem na posição do  cobrador de impostos que sequer ousava levantar os olhos aos céus, mas  que batia no peito, dizendo: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador",  você fica em uma condição na qual Deus pode abençoá-lo, de modo coerente  com a dignidade da sua soberania. Oh, assumam a posição que a graça  aceita! Mendigos, assim que vocês devem ser, e não os que escolhem o que  querem.
Quem  pede a graça, não pode pretender ditar ordens a seu Deus; quem quiser  ser salvo, por mais indigno que seja, precisa comparecer diante de Deus  na condição de suplicante, e implorar com humildade, por misericórdia,  que o amor do Senhor lhe seja manifestado. Receio que haja na mente de  alguns de vocês o sabor do espírito de presunção e, se for assim, vocês  são o povo que rejeitou a Cristo. Ouçam, ó céus! Escute, ó terra!  Chamamos os céus, e a terra redonda para testemunhar: aqui estão as  pessoas próximas de serem cristãos, que conhecem o evangelho segundo a  letra, e que pensam ter direito ao Salvador, mas que, mesmo assim,  permanecem desobedientes ao mandamento divino: "Creiam e vivam:" viram  as costas e rejeitam o Salvador, e não vêm até ele para ter vida. Ouçam  isso, digo eu, ó céus, e fique atônita, ó terra!
II. Em segundo lugar, devemos explicar as razões para a rejeição do messias.
As  razões serão aplicáveis a alguns, os inconversos sentados nas igrejas.  Às vezes, o Espírito Santo vem sobre o auditório com poder para derreter  corações, e leva os homens a sentir a verdade que visa a eles mesmos.  Orem, meus caros irmãos em Cristo, que tal seja o caso agora; que nossos  amigos inconversos, que nos dão tanta preocupação por causa da  inimizade contra Jesus, sejam impressionados com as exortações que agora  lhes são dirigidas. Por que rejeitaram a Cristo? Acho que assim fizeram  por sentimentos muito complexos, não explicáveis por uma circunstância  isolada. Várias coisas contribuíram para produzir sua ira e inimizade. O  fogo da sua zanga foi alimentado com vários tipos de combustível.
Em  primeiro lugar, não acharia estranho se o alicerce da sua insatisfação  fosse lançado no fato de não sentirem ser as pessoas incluídas na  comissão que o Salvador declarou ter. Observem: ele disse, no versículo  18, que "ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres". Ora, os mais  pobres na sinagoga talvez se sentissem satisfeitos com aquela palavra;  mas, visto ser quase uma máxima entre os doutores judeus que não  significava o que aconteceria com os pobres - pois poucos ricos poderiam  entrar no céu--a própria proclamação de um evangelho aos pobres deve  ter soado horrivelmente democrático e extremado, e deve lhes ter  colocado na mente deles o embasamento de um preconceito. Jesus se  referia, logicamente, aos "pobres de espírito" (espiritualmente  humildes), quer fossem pobres em dinheiro, quer não, por serem os pobres  aos quais Jesus vem abençoar; mas o emprego de expressões tão  contrárias a tudo o que tinham sido acostumados a ouvir levava-os a  morder os lábios, enquanto falavam entre si: "Não somos pobres de  espírito; não guardamos a lei?". Não diziam alguns deles: "Temos usado  os nossos filactérios, aumentado as fímbrias das nossas vestes; nunca  comemos sem ter as mãos lavadas; coamos todos os mosquitos do nosso  vinho; observamos jejuns e festas, e fizemos orações prolongadas--por  que devemos sentir qualquer pobreza de espírito?".
Daí  acharem que para eles, nada havia na missão de Cristo. Quando Jesus  passou a mencionar os quebrantados de coração (ARC), eles não sentiam a  mínima consciência da necessidade do coração quebrantado. Sentiam-se de  coração íntegro, satisfeitos consigo mesmos, perfeitamente contentes.  Qual é a utilidade de um pregador? Quem deve pregar aos quebrantados de  coração quando todos os seus ouvintes pensam não ter necessidade de  quebrantar o coração com arrependimento? Em seguida, quando Jesus falou  dos cativos, dos presos, os ouvintes alegavam terem nascido livres, e  não estavam no cativeiro de ninguém; rejeitavam com desprezo a idéia da  necessidade de algum libertador, por serem tão livres quanto possível.  Quando Jesus passou a falar dos cegos, diziam: "Cegos! Ele está nos  ofendendo? Somos homens de ampla vista--não cegos! Que ele vá pregar aos  marginalizados que ficaram cegos, mas quanto a nós, conseguimos  enxergar as próprias profundezas de todos os mistérios. Da parte de  Jesus, não precisamos de instrução nem da abertura dos olhos". Quando,  finalmente, Jesus falou dos oprimidos, como se tivessem sido açoitados  por seus pecados--a reação dos ouvintes foi: "Não temos pecados para  sermos castigados; somos pessoas honrosas e retas, e nunca fomos  castigados pelos açoites da lei; não queremos a liberdade dos oprimidos.  O que é o ano da graça do Senhor para nós, se é só para os oprimidos?  Não somos pessoas assim". Em um só relance vocês percebem, meus irmãos, o  motivo, na atualidade, da rejeição de Jesus por tantas pessoas que  freqüentam igrejas nacionais ou capelas independentes? Nisto vocês  percebem a razão de tantos dos freqüentadores de nossos locais de culto  rejeitarem a salvação pela graça; é porque não sentem consciência da  necessidade de um Salvador. Acham-se ricos, donos de muitos bens, sem  precisar de nada. Mas não conhecem sua pobreza, miséria e nudez. Alegam  ser inteligentes, bons pensadores, e iluminados; não sabem que, até  alguém enxergar a Cristo, anda nas trevas, é totalmente cego, e não  enxerga nenhuma luz.
Não  estão oprimidos, dizem. Queira Deus que estivessem! É possível que Deus  os tenha deixado, porque de nada adiantava castigá-los--para que  feri-los mais? Ficam cada vez mais revoltados. É porque não sentem as  fustigações da consciência, nenhum terror da lei de Deus, e por isso,  Jesus Cristo não é, para eles, uma raiz de terra seca. Desprezam-no,  como o homem saudável faz pouco caso de médico, e o rico não deseja as  esmolas dos benevolentes. Ah, caros amigos, quero lembrar-lhes que,  mesmo sem sentir a necessidade de um Salvador, aquela necessidade não  deixa de existir, embora não a enxerguem. Vocês nasceram no pecado e  foram formados na iniqüidade, e nenhuma água batismal pode lavar sua  impureza. Além disso, vocês pecam desde a juventude, no coração, nas  palavras e nos pensamentos; e já estão condenados, por não terem crido  no Filho de Deus. Embora sua iniqüidade talvez não tenha sido flagrante,  não deixa de existir um texto que preciso relembrar-lhes: "Os ímpios  serão lançados no inferno e todas as nações que se esquecem de Deus"  (ARC). Essa última categoria pertence a você, meu ouvinte--que se  esquece, que protela, que não leva a sério, que aguarda "uma  oportunidade mais conveniente"; você que convive na presença do  evangelho, mas não cumpre seus mandamentos, porém diz aos pecados:  "Amo-os demasiadamente para me arrepender de vocês", e à sua justiça  hipócrita: "Gosto demasiadamente deste alicerce para deixá-lo a fim de  edificar no alicerce que Deus lançou na pessoa de seu Filho amado". Ah,  meus caros ouvintes, é o alto conceito de si mesmo que leva o saco vazio  a se imaginar cheio, que leva o faminto a sonhar que festejou e está  satisfeito. É o farisaísmo--ser justo aos próprios olhos--que leva à  perdição milhares de almas. Nada existe de tão ruinosa como a  autoconfiança presunçosa. Oro para o Senhor levar vocês a se sentirem  desgraçados, arruinados, perdidos, repudiados, para então não haver  receio da rejeição a Cristo, pois o que está em falência total está  disposto a aceitar um Salvador; o que nada pode contribuir por conta  própria, prostra-se diante da cruz, e aceita alegremente "todas as  coisas" armazenadas no Senhor Jesus. Tudo isso representa a primeira  razão (e talvez a maior delas) por que os homens rejeitam ao Salvador.
Mas,  em segundo lugar, não sinto a mínima dúvida de que os homens de Nazaré  estavam zangados com Cristo por causa das reivindicações extremamente  altas. Ele disse: "O Espírito do Senhor está sobre mim". Isso lhes  causou espanto. No entanto, poderiam estar dispostos a reconhecer que  ele era profeta e, se esse fosse o sentido pretendido por ele, teriam  paciência, mas quando ele disse: "ele me ungiu para pregar", e assim por  diante, declarando-se ninguém menos que o Messias prometido, sacudiram a  cabeça, e murmuravam entre si: "Ele afirma coisas demais". Quando se  colocou em pé de igualdade com Elias e Eliseu, e declarou ter os mesmos  direitos e o mesmo espírito que esses famosos, e por inferência  comparava seus ouvintes aos adoradores de Baal nos dias de Elias, então  eles sentiam que Jesus se colocara em posição alta demais, e  rebaixava-os demais. E aqui, de novo, vejo outra razão dominante por que  tantos de vocês, gente boa, rejeitam meu Senhor e Mestre. Ele se coloca  muito alto; ele exige demais de vocês: e os rebaixa demais. Ele lhes  diz que precisam ser nada, e que ele deve ser tudo. Diz a vocês que  devem deixar de lado seu deus-ídolo: o mundo, seus prazeres, e que ele  deve ser seu Mestre, e não a própria vontade de vocês. Ele lhes manda  arrancar o olho direito do prazer, caso seja um tropeço no caminho da  santidade, e arrancar o braço direito do lucro se este os leva a cometer  pecado. Ele lhes diz para pegar sua cruz e segui-lo para fora do  arraial, deixando para trás a religião do mundo e a irreligião do mundo,  inconformados com o mundo, mas tornando-se inconformistas, em um  sentido sagrado, com todas as vaidades e máximas, costumes e pecados.  Ele lhes diz que deve ser o Príncipe Imperial na sua alma, e que vocês  devem estar dispostos a serem seus servos bem dispostos e seus  discípulos amorosos. Essas são reivindicações sublimes demais para a  natureza humana se submeter; entretanto, caros ouvintes, lembrem-se de  que se vocês não se submeterem a elas, uma coisa bem pior os aguarda.  Beijem o Filho, beijem seu cetro agora, digo. Curvem-se diante dele  agora, e o reconheçam, pois, de outra forma, cuidem "para que ele não se  ire e vocês não sejam destruídos de repente, pois em um instante  acende-se a sua ira" (Sl 2.12a). Os que não beijarem o cetro de prata,  serão quebrados com a vara de ferro. Quem não quer ter Cristo para  reinar sobre si com amor, o terá para reinar em terror, no dia em que  ele colocar as vestes da vingança, e tingi-las com o sangue de todos os  seus inimigos. Oh, confessem-no quando ele está coberto do próprio  sangue, para não serem obrigados a confessá-lo quando estiver coberto  com o sangue de vocês! Aceitem-no enquanto puderem, pois vocês não  conseguirão escapar dele quando seus olhos, como de fogo, lançarem  chamas devoradoras contra seus adversários! Ai deles! Esta é causa  frutífera de danos aos filhos dos homens: não conseguem tratar o Rei  Jesus como ele merece, mas queriam deixar o Senhor da glória de lado!  Quão vis são os corações que querem desferir pontapés contra um Rei tão  querido, tão grandioso, tão bondoso!
Em  terceiro lugar, outra razão pode ser achada no fato de não estarem  dispostos a aceitar Cristo até ele ter exibido alguma grande maravilha.  Cobiçavam os milagres. A mente do povo estava em condição doentia. O  evangelho do qual precisavam, não queriam aceitar; os milagres que Jesus  não optou por conceder, exigiam ansiosamente. Oh! quantos existem hoje  em dia que exigem sinais e maravilhas, pois de outra forma não crerão!  Conheço você, moça, que resolveu no coração: "Devo ter o mesmo  sentimento que John Bunyan tinha--o mesmo horror de consciência, a mesma  depressão de alma, senão nunca crerei em Jesus". Mas o que acontecerá  se você nunca se sentir assim, e provavelmente você nunca sentirá? Você  irá ao inferno por sentir-se despeitada contra Deus, só por ele não  fazer exatamente o que fez a favor de outra pessoa? Certo moço ali,  disse: "Se eu tivesse um sonho, como fiquei sabendo que Fulano teve, ou  se me acontecesse algum acontecimento maravilhoso providencial, que  fosse exatamente segundo o meu gosto; ou se sentisse hoje algum choque  repentino, cuja razão desconheço, então eu creria". Assim, você sonha em  ditar ordens a meu Senhor e Mestre! Vocês são mendigos diante da porta  dele, suplicando misericórdia, e ainda querem definir as regras ou  regulamentos a respeito de como ele concederá misericórdia! Vocês acham  que ele se submeterá a isso? Meu Mestre é de espírito generoso, mas seu  coração é da realeza, e repudia ordens a ele ditadas, e mantém sua  soberania de ação. Mas por que, caro ouvinte, você anseia por sinais e  maravilhas? Não é maravilha suficiente que Jesus o convide a confiar  nele, e promete que você será salvo imediatamente? Não é sinal  suficiente que Deus propôs um evangelho tão sábio assim: "Creia, e  viva?". Isso não basta--o evangelho não é propriamente um sinal, uma  maravilha, e sua própria comprovação, porque o que crê tem a vida  eterna? Não é este um milagre dos milagres, que "Deus tanto amou o mundo  que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não  pereça?" (Jo 3.16). Certamente a palavra preciosa: "Quem tiver sede,  venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida" (Ap 22.17), e a  promessa solene: "Quem vier a mim eu jamais rejeitarei" (Jo 6.37b), são  melhores que sinais e maravilhas. Devemos crer no Salvador que nos conta  a verdade. Ele nunca mentiu. Por que você pede comprovação de quem não  pode mentir? Os próprios demônios o declararam Filho de Deus; mas você  quer se contrapor a ele? Ó graça soberana, poderosa e irresistível,  vença essa iniqüidade no coração dos homens, e torne-os dispostos a  confiar em Jesus, quer vejam sinais e maravilhas, quer não.
E,  ainda--talvez agora acerte em cheio em alguns casos--, embora não em  muitos neste local: parte da irritação existente na mente dos homens de  Nazaré foi provocada pela doutrina peculiar pregada pelo Salvador sobre o  assunto da eleição. Acho que, no fundo, esta era a picada dolorosa de  toda a questão: ele definiu o direito divino de dispensar seus favores  exatamente como queria; e que, ao proceder dessa forma, muitas vezes  selecionava os objetos mais inesperados, por exemplo: uma viúva de  longe, da região idólatra de Sidom, recebeu o suprimento de suas  necessidades durante a fome, ao passo que as viúvas de Israel ficaram  sem farinha (1Rs 17); que em outra ocasião, nos tempos de Eliseu, quando  Deus quis curar um leproso, deixou morrer leprosos israelitas, mas o  leproso proveniente da terra idólatra da Síria, que costumava curvar-se  no templo de Rimom, recebeu a cura (2Rs 5). Ora, os ouvintes não  gostaram disso, e penso que mesmo na congregação aqui presente, embora  estejam razoavelmente acostumados a ouvir declarações contundentes a  respeito da soberania de Deus--não nos envergonhamos de pregar a  predestinação e a eleição tão claramente quanto pregamos qualquer outra  doutrina--, não deixa de haver alguns que se sentem muitíssimo  desconfortáveis quando essa doutrina é suscitada, e quase sentem vontade  de matar o pregador, por ser essa doutrina muito ofensiva à natureza  humana.
Nota-se,  em todos os lugares, que o ódio da Igreja de Roma pelo luteranismo não é  a metade do que ela sente contra o calvinismo. A doutrina da graça--a  alma do calvinismo--é veneno para o papismo; a Igreja Romana não suporta  a verdade de que Deus salvará segundo a vontade divina; que ele não  confiou a salvação às mãos dos sacerdotes, nem a entregou a nosso mérito  ou vontade própria para sermos salvos. Deus é o dono do guarda-jóias da  graça, e a distribui a quem quiser. É essa a doutrina que deixa os  homens tão zangados, sem saber o que dizer a respeito; no entanto, meu  caro ouvinte, espero que esta não seja a razão de sua recusa em crer em  Jesus, porque se for, é uma razão bastante estulta, pois embora isso  seja a verdade, há ainda outra verdade: "Quem crer em Jesus Cristo, não  perecerá". Embora seja verdade que o Senhor terá misericórdia de quem  tiver misericórdia, é também verdade que sua vontade é ter misericórdia,  e já teve misericórdia da alma que se arrepende de seu pecado e confia  em Jesus. Por que levantar suspeitas contra uma verdade simplesmente  porque você não consegue entendê-la? Por que resistir ao aguilhão para  se ferir, enquanto ele permanece afiado como sempre, e não será removido  por pontapés? O propósito do Senhor dos Exércitos é manchar o orgulho  da vanglória, e levar ao desprezo a excelência da terra: "Portanto, isso  não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de  Deus" (Rm 9.16). O Senhor fará cair a árvore alta, ressecar a árvore  verde e florescer a árvore seca (Ez 17.24), para que nenhuma pessoa se  glorie na sua presença, mas que o Senhor seja exaltado.
Curve-se,  portanto, diante da graça soberana! Ele não deve ser Rei? Quem mais  deve governar senão Deus? E já que ele é Rei, não tem o direito de  perdoar o criminoso condenado a morrer, sem dar razão a você? Deixe de  lado a questão e as outras pessoas, e venha a Jesus, cujos braços  abertos o convidam. Ele diz: "Venham a mim, todos os que estão cansados e  sobrecarregados, e eu lhes darei descanso" (Mt 11.28). Se você esperar  até solucionar todas as dificuldades, jamais virá. Se você recusar a  Cristo até compreender todos os mistérios, perecerá nos seus pecados.  Venha enquanto o portão está aberto e a lâmpada continua acesa, pois ele  disse: "Quem vier a mim eu jamais rejeitarei" (Jo 6.37b)".
Preciso,  ainda, mencionar outra razão das objeções dos moradores de Nazaré  contra o Senhor: foi provavelmente porque não amavam as palavras claras e  pessoais dirigidas a eles pelo Senhor. Alguns ouvintes fingem ser muito  delicados. Não querem que as coisas sejam chamadas pelo nome. A pá não  deve ser chamada "pá", deve ser "implemento agrícola", e mencionada  apenas em termos delicados. Entretanto, o Senhor não empregava linguagem  refinada. Ele falava com clareza, e se dirigia às pessoas desse modo.  Sabia que as pessoas iriam para o inferno, por mais singeleza que  usasse, e por isso não lhes deixaria ter a desculpa de não poderem  entender o pregador. Colocava a verdade com tamanha nitidez para que não  só pudessem compreendê-la, mas também não pudessem deixar de  entendê-la, mesmo não querendo. Sua pregação era muito pessoal. "Vocês  dirão." Ele não falou a respeito de Cafarnaum, mas a respeito de Nazaré,  e isso também contribuiu para deixá-los zangados.
Além  disso, Jesus deu indício da intenção de abençoar os gentios. Elias  alimentou a gentia, e Eliseu curou o gentio, e esse fato indubitável  levou os judeus a ranger os dentes, por recear a cessação de seu  monopólio das bênçãos, e que dádivas da graça seriam dadas a outros,  além dos filhos de Israel. Um cão gentio seria admitido na família, e  além de ter licença de comer as migalhas que caíam da mesa, seria  transformado em filho: os judeus não poderiam agüentar isso. Ora, existe  muito espírito de monopolização entre as pessoas justas aos próprios  olhos. Já ouvi pessoas dizerem, e fiquei chocado ao ouvi-lo: "Oh! estão  realizando reuniões de evangelização para tirar essas moças da rua. Não  dá resultado. Vocês podem tentar; mas não vale a pena tentar  transformá-las. E, ainda, há outras pessoas que cuidam de gente de baixo  caráter, indo para as horríveis favelas da periferia. Ora, se existe  gente ali, é porque merece estar ali; não devemos nos rebaixar a ponto  de nos preocupar com essa gente imprestável. Aqui temos a igreja, e se  não optam por freqüentá-la, que fiquem longe". Quanto a ir aos em  situação mais baixa, há quem torça o nariz diante da idéia de fazê-lo.  Isso não passa da monopolização antiga e horrível do evangelho pelos  judeus; seria como se essa gente não fosse tão boa quanto vocês, apesar  de todos os seus pecados e de sua pobreza; isto porque, embora os vícios  deles porventura fossem externos, isso em nada é mais detestável que a  soberba de algumas pessoas jactanciosas da própria justiça (que aliás  sequer existe).
Não  sei quem é mais abominável a Deus: o pecador descarado ou a pessoa que  em público tem uma vida virtuosa, mas cuja soberba interna resiste ao  evangelho. Não importa ao médico ver a erupção no lado de fora da pele,  ou saber que ela está no lado de dentro; talvez ele considere mais  difícil lidar com esta que com aquela. Ora, o Senhor Jesus Cristo queria  que você soubesse que, por mais virtuosos, vocês precisam chegar a ele  da mesma maneira que os mais vis dentre os vis. Devem chegar como  culpados--não podem comparecer como justos; devem chegar a Jesus para  serem lavados; devem chegar a ele para serem vestidos. Vocês pensam que  não querem ser lavados; imaginam-se vestidos, cobertos e de belo  aspecto; mas oh! a roupa da respeitabilidade exterior e da moralidade  externa, muitas vezes não passa de uma película para ocultar a lepra  abominável, até a graça de Deus transformar o coração. Deus requer a  verdade no interior do coração, e na parte mais secreta da nossa alma  nos ensinará a sabedoria; mas nossa pátria superficial está  perfeitamente satisfeita com os sinais exteriores de polidez, de modo  que vocês podem ser tão podres quanto quiserem no coração. O Deus vivo  não tolera fingimento--vocês precisam nascer de novo. Mas essa doutrina,  também, é uma que as pessoas não conseguem suportar, e dirão muitas  coisas duras contra o pregador, e por essa razão rejeitam a Cristo, mas,  ao assim fazer, rejeitam a misericórdia para si mesmas-a única  esperança do céu--, e selam a própria destruição.
Quando  lido com um assunto tal como este, gostaria de que o tempo não voasse  tão rápido. Parece que estou afetando a consciência de alguns de vocês  aqui, e estou martelando como se fosse com uma marreta grande, mas  receio que bem pouco efeito está sendo produzido, porque o ferro está  frio. Quem dera que o Senhor os colocasse no forno, para torná-los como  ferro fundido! Nesse caso, o martelo do evangelho e o da lei, juntos,  poderiam muito bem lhes dar um formato um pouco mais evangélico, para  serem salvos. O braço de Deus é suficientemente forte, e o fogo de Deus  suficientemente quente, para derreter até mesmo o ferro do farisaísmo,  da justiça própria.
III. E agora, qual foi o resultado?
O  resultado foi o seguinte: Em primeiro lugar, expulsaram da sinagoga o  Salvador, e procuraram lançá-lo do topo da colina, precipício abaixo.  Estes eram seus amigos, pessoas boas e respeitáveis: quem teria  acreditado que fariam isso? Você, vendo essas pessoas boas na sinagoga,  que cantavam tão docemente, e que escutavam com tanta atenção, poderia  ter adivinhado que dentro de cada casaco havia um assassino? Bastava,  apenas, a oportunidade para trazer à tona esse aspecto; pois todos  querem lançar Jesus colina abaixo. Não estamos conscientes de quanto do  Diabo existe em qualquer um de nós; se não formos renovados e  transformados pela graça, seremos herdeiros da ira tanto quanto os  demais. A descrição apresentada em Romanos, no segundo capítulo, nesse  capítulo pavoroso, é um quadro verdadeiro de todo filho de Adão. Talvez  ele tenha a aparência respeitável: parece um cordeiro, e tão quieto que  uma criancinha pode brincar perto do esconderijo da cobra; mas nem por  isso deixa de ser uma cobra mortífera. A cobra pode dormir, e você  poderá brincar com ela, mas é só ela acordar, e perceberá como ela é  mortífera. O pecado pode jazer adormecido na alma, mas poderá chegar a  ocasião em que despertará; e poderá vir um tempo na no país em que as  boas pessoas apegadas às fímbrias das vestes de Cristo, freqüentadores  de nossos locais de culto, venham a realmente se transformar em  perseguidores. Já aconteceu na Inglaterra. As pessoas que escutavam o  evangelho no fim do reinado de Henrique VIII--pessoas tão felizes ao  escutar Hugh Latimer no reinado de Eduardo VI--, estavam igualmente  dispostas, no reinado da rainha Maria, a trazer tochas e queimar os  servos do Senhor até a morte. Caros amigos, sua oposição a Cristo talvez  não chegue até essa forma tão ativa, porém, a não ser que se convertam,  são inimigos de Jesus. Vocês negam esse fato! Pergunto, então, por que  vocês não crêem nele? Por que não confiam nele? Já que não se opõem a  ele, por que não se entregam a ele? Mas enquanto não confiarem nele, só  posso classificá-los como seus inimigos. Vocês apresentam a comprovação  mais clara disso, ao não quererem ser salvos por ele. Se houvesse alguém  se afogando, e outro lhe estendesse a mão, e o primeiro lhe dissesse:  "Não, não quero ser salvo por você, prefiro morrer afogado", quão grande  comprovação de inimizade esta seria! Que outra poderia ser mais  contundente? É este o caso de vocês: sua recusa de serem salvos pela  graça de Cristo. Oh, quão grandes inimigos de Cristo vocês devem ser, no  fundo do seu coração!
Mas  qual foi o resultado final? Ora, embora o expulsassem, não conseguiram  provocar nenhum dano ao Salvador. Apenas esses homens saíram lesados.  Cristo não foi precipitado do topo da colina; escapou pelo seu poder  milagroso: e o evangelho não será prejudicado ainda que vocês o  rejeitem, e ainda façam coisa pior que rejeitá-lo--opor-se a ele. Jesus  Cristo passa pelo meio dos inimigos sem sofrer dano. No meio das  perseguições promovidas por Nero e Diocleciano, o verdadeiro Cristo de  Deus seguiu seu caminho. No transcurso de todas as fogueiras ordenadas  por Maria, e dos enforcamentos por Elisabete, passando pelos tempos de  Claverhouse e seus soldados de cavalaria, o bom e velho evangelho  permaneceu invicto diante dos inimigos. Permanece o mesmíssimo até o dia  de hoje: escapa de toda a ira dos inimigos mais virulentos. E o que  veio a ser deles? Ora, tinham rejeitado a Cristo, e ele os deixou,  deixou-os sem cura, por causa da incredulidade deles--e assim será com  vocês. E o aconteceu há 1860 anos, e a alma de todos os homens de Nazaré  aparecerão diante do tribunal de justiça; poucos anos mais, quando soar  a grande trombeta, todos os homens que procuraram lançar Jesus  precipício abaixo, terão que olhar para ele; e o verão sentado onde não  poderão agarrá-lo, nem o lesar, nem o lançar para baixo. Que vista esta  será para eles! Dirão um para o outro: "Não é este o filho de José?".  Quando o virem sentado no trono da sua glória, e todos os santos anjos  com ele, dirão: "A mãe dele não está em nosso meio, bem como seus irmãos  e irmãs". Dirão a ele, então: "Médico, cure a si mesmo?". Oh, que  mudança haverá nas cervizes tão endurecidas! Como haverá enrubescimento  no lugar do olhar de desprezo, e em troca de cada palavra de ira, haverá  clamores, choro, uivos, e o ranger dos dentes! Meus ouvintes, a mesma  coisa acontecerá com vocês. Dentro de poucos anos, vocês e eu teremos  misturado nossos ossos com a mãe terra, e depois disso haverá a  ressurreição geral, e viveremos e ficaremos na Terra nos últimos dias, e  Cristo virá nas nuvens do céu, e vocês que ouviram o evangelho e  desprezaram a Cristo, o que dirão? Tenham prontas as suas desculpas,  pois dentro de pouco tempo serão conclamados a declarar por que o juízo  não deve ser declarado contra vocês. Não poderão dizer que não  conheceram o evangelho, ou que não foram advertidos dos resultados de  rejeitá-lo: conheceram-no, e o que mais poderão ter conhecido? Mas seu  coração não acolheu o que vocês souberam.
BISPO/JUIZ.DR.EDSON CAVALCANTE
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